Literatura e Memória / História.com / 2013

Não seria justo pensarmos no Dossiê Temático Literatura e Memória e não nos reportarmos a Jorge Amado, um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX que tanto contribuiu com o cenário intelectual com seus romances largamente publicados e traduzidos em diversas línguas. A intenção é homenagear o escritor baiano, porque as contribuições dos autores às nossas seções discutirem alguns dos temas preferidos do intelectual como o negro, as questões raciais, o cenário baiano, a literatura, a cultura regional. Devido a isso, escolhemos como imagem da capa uma caricatura do escritor.

Esperamos que esta edição estimule o labor intelectual dos estudantes e professores que leem nossa revista, e continue cumprindo o papel de espaço de sociabilidade. Na seção Dossiê Temático, estudos interessantes sobre a memória e a literatura foram primados com o intuito de compreender os eventos que condicionaram épocas diferentes na história da humanidade, em especial do Brasil e suas regiões. Grandes esforços têm feito os historiadores para conseguir a renovação do campo da História, levando-nos a pensar, crer e elaborar propostas que tragam para esta área do conhecimento novos temas e objetos. Lourenço Resende da Costa em História e gênero: A condição feminina no século XIX a partir dos romances de Machado de Assis, analisa quatro livros de Machado de Assis discutindo e comparando como a mulher é recepcionada em seus escritos. É uma proposta que considera a produção literária como uma das possibilidades de entender a mentalidade de uma época, colocando o autor enquanto integrante e resultado de uma determinada realidade social. Estudo semelhante foi realizado por Loiva Canova, Hugo Aguiar Teixeira Leite, Jhuan Cláudio Matos de Oliveira e Sander Souza Rodrigues Cintra em O discurso eugenista de um intelectual cuiabano, que analisa o discurso eugenista do intelectual mato-grossense José Barnabé de Mesquita. Conforme expressaram os autores, “a obra escrita em finais do século XIX trata de questões sobre as causas da degenerescência das raças no contexto da República” apontado um tipo de comportamento e mentalidade que o intelectual cuiabano queria implementar em Mato Grosso, pensamento muito afim às políticas de governo do final do Oitocentista.

Martha Maria Brito Nogueira nos excita a pensar e querer entender a mobilidade social da sociedade conquistense do final do século XIX e início do XX, em “Fulô do Panela”: Mobilidade social das mulheres negras na sociedade conquistense (1850-1930). A autora analisa a trajetória da mulata Eufrosina Maria de Oliveira Freitas, conhecida como “Fulô de Panela”, filha de uma escrava alforriada do século XIX. Nesse cenário, apresenta não apenas a personagem central de sua investigação, como também outros sujeitos, a exemplo dos mestiços da Cidade de Conquista, na Bahia. A negação do africano nas letras de Xavier Marques de Rafael Rosa da Rocha é um reforço às pesquisas da História Regional, e “[…]objetiva discutir algumas das representações sobre a cultura negra presentes no romance O Feiticeiro (1914 / 1922), escrito pelo literato Francisco Xavier Ferreira Marques (1861-1942) […]”, que foi um intelectual “[…] que utilizou da obra ficcional para delinear a Bahia no contexto das últimas décadas do século XIX e início do século XX a partir de uma perspectiva regionalista”. O trabalho apresenta uma análise interessante a respeito da imagem que o africano ocupa no romance, corroborando com a possibilidade de diálogo entre a História e a Literatura.

Comparado aos outros trabalhos da seção, A memória traumática da tortura: Contribuições do debate acadêmico para as possibilidades de reabilitação e esquecimento de Vivian Souza é um forte aporte para pensarmos no campo da memória e sua utilização como fonte para entendermos momentos importantes da história recente como a Ditadura Militar (1964-85). Ela analisa a memória dos torturados pela ditadura e o processo de anistia, enviesando sua leitura para a perspectiva e problemática relação entre a memória, o esquecimento e o silêncio, conforme as indicações teóricas do historiador francês Michael Pollak.

Na seção Artigo Livre, Geferson Santana nos convida para a leitura de Notas sobre os esforços de guerra na Bahia, que versa sobre a contribuição da produção acadêmica originalmente baiana empenhada em pensar o contexto da Segunda Guerra Mundial e sua repercussão na Bahia. É uma reflexão que nos alerta sobre a necessidade de investigarmos a guerra em suas instâncias regionais, descentralizando uma historiografia paulistocentrista [2] e sua visão unilateral sobre a guerra. Reforçando os estudos sobre a História da Bahia, Fábio Falcão Oliveira em Alexandre de Gusmão: Breves considerações de um projeto no recôncavo baiano no século XVII, convida-nos a entender a proposta do projeto pedagógico promovido pelo religioso no Seminário de Belém – primeiro do Brasil – e que seria importantíssimo na história do Recôncavo baiano no período colonial.

Os estudos sobre o mundo do trabalho e de seus principais sujeitos, os trabalhadores, têm crescido nas universidades permitindo o surgimento de novas perspectivas e fontes de investigação histórica. Guilherme I. Franco de Andrade em A crise política do proletariado: O crescimento de popularidade da Frente Nacional Francesa entre os trabalhadores, centra-se em “[…] investigar o aumento significativo do número de votos provenientes dos trabalhadores franceses em partidos de extrema direita” simbolizando o aumento das pesquisas referentes a atuação política da extrema direita, assim como da relação dos trabalhadores com o mundo não apenas do trabalho, mas igualmente da política. A perspectiva de Kauan Willian Dos Santos apresentada em Anticlericalismo e militância sindical: o periódico anarquista A Lanterna e sua ação entre os trabalhadores em São Paulo (1901-1914), é um pouco parecida, pois objetiva investigar a atuação política e anticlericalismo do periódico anarquista A Lanterna e sua repercussão entre os trabalhadores paulistas.

Na seção Resenha, Geraldo Magella de Menezes Neto em Sugestões para o trabalho com o cordel na sala de aula, aponta a importância de pensarmos no cordel como método pedagógico nas aulas pelo seu caráter poético. Como temos buscado novos rumos para o processo de ensino e aprendizagem dos educandos e suas relações com a comunidade escolar, acredito que estas reflexões do autor seguramente representa uma boa dica do mestre. Este trabalho finaliza a nossa edição constituindo uma contribuição importante para os professores que queiram usar a referida literatura em suas aulas.

Ao leitor, deixamos nossa segunda edição que caracteriza um grande esforço de nossa equipe, levando em consideração que manter um periódico no Brasil, não é fácil. Este nos representa, à medida que se propõe a construir edições com muito empenho, disciplina, dedicação e fidelidade a nossa proposta de divulgação do conhecimento acadêmico formulado e pensado no âmbito nas universidades e escolas da educação básica. Lançamos nossa convocação aos professores da escola pública e privada, pois acreditamos que os educadores destas instituições também podem contribuir com este periódico, considerando que escola também é produtora de conhecimento, espaço de sociabilidade e reduto aglutinador de experiências.

Desejamos uma boa leitura!

Notas

2. Termo usado pela historiadora Sonia Regina de Mendonça integrante do corpo docente do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Geferson Santana – Editor Gerente do periódico desde 2012. Mestrando em Historia e Historiografia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e graduado em História pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).


SANTANA, Geferson. Apresentação. História.com. Cachoeira, v.1, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

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