Games em educação: como os nativos digitais aprendem – MATTAR (C)

MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. Resenha de: PESCADOR, Cristina M. Conjectura, Caxias do Sul, v. 15, n. 2, p.191-195, Maio/Ago, 2010.

Em suas 181 páginas, o livro Games em educação: como os nativos digitais aprendem, escrito por João Mattar e publicado pela Pearson Prentice Hall, 2010 (SP), oferece uma leitura agradável e esclarecedora, por vezes provocante, abrangendo pesquisas sobre jogos eletrônicos e computacionais – games como o autor prefere generalizar – e o processo de ensino e aprendizagem.

Com ilustração de Alexandre Mieda, a capa do livro chama a atenção para a imagem estilizada de um jovem sentado em frente de uma tela de computador, interagindo com o equipamento e, a seu lado, na escrivaninha, estão dispostos diversos tipos de games, com seus consoles e joysticks ou modelos portáteis.

O livro tem prefácio escrito pelo Prof. Dr. David Gibson, ele próprio um pesquisador do tema, desenvolvendo estudos sobre jogos e simulações digitais na educação, na Universidade de Vermont (EUA), e tendo ministrado cursos sobre jogos, simulações e aprendizagem e sobre Second Life na Boise State University e como professor convidado na Korea National University of Education.

O autor, João Mattar, tem formação acadêmica em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e Bacharelado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Com Mestrado em Tecnologia Educacional pela Boise State University (EUA) e Doutorado em Letras pela USP, dedica-se à pesquisa na área de tecnologias aplicadas à educação, tendo desenvolvido material didático para a área de Educação a Distância (EAD). Faz das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) um meio de divulgação de seu trabalho, através do blog De Mattar (http://blog.joamattar.com) e do hábito de manter atualizações constantes em seu perfil em redes de relacionamento como o facebook e o twitter. Com isso, é possível acompanhar suas “andanças no mundo acadêmico”, pois, através desses recursos, o autor informa suas leituras, sua participação em eventos, palestras e, recentemente (abril/2010), divulgou um curso com a temática do livro: Games em Educação, hospedado no Second Life. É também com essas postagens que o autor mantém um canal aberto para novos contatos em sua rede de networking1 e para divulgar suas atividades acadêmicas.

Um exemplo desse uso das redes de relacionamento e das TICs é o modo como o livro Games em educação: como os nativos digitais aprendem foi amplamente anunciado pelo autor em seu blog, em seu perfil de facebook, em listas de discussão do Google groups, coordenadas por ele e através do twitter, sendo a informação repassada pelos internautas através dos mesmos meios.

O livro foi organizado em duas partes principais: a primeira, sob o título “Conceitos e teorias”, compreende três capítulos: (1) “Estilos de aprendizagem dos nativos digitais”; (2) “O uso de games em educação”; e (3) “O novo design instrucional para os nativos digitais”. Na segunda parte do livro, “Games na prática”, o Capítulo 4 discorre sobre “Design e produção de games educacionais”; o Capítulo 5 trata de “Experiências no Exterior”; e o Capítulo 6 apresenta “O cenário no Brasil”. Ao cabo, o leitor tem acesso a dois apêndices com exemplos práticos: o primeiro apresenta uma análise desenvolvida pelo autor enquanto estudava jogos na Boise State University, “Aprendendo matemática com Yu-Gi-Oh! para PS2”, e o segundo apêndice apresenta alguns pontos sobre “Second Life e educação”. Para os professores que optarem por adotar o livro em suas aulas, há um Companion Website, que consiste em um endereço eletrônico onde é possível encontrar material de apoio para as aulas, tais como, apresentações em power-point, resenhas escritas por ele sobre as obras citadas no livro e muitos outros links úteis.

Em sua introdução ao livro, Mattar critica a escola atual e apresenta ao leitor seu entendimento de que “o aprendizado necessita de motivação para um envolvimento intenso, o que é atingido pelos games”. (2010, p. xiii). Ele fundamenta essa afirmação com teorias que entendem a aprendizagem como resultado de ações colaborativas e em estudos sobre a utilização, por exemplo, de games online multiusuários, que exigem que seus jogadores saibam trabalhar em grupo e estejam dispostos a aprender com seus colegas.

Amparado em autores como o educador e pesquisador americano Prensky, que cunhou a expressão “nativos digitais”, o autor provoca o leitor em toda a extensão do seu livro, convidando-o a repensar seu posicionamento em relação aos games e videogames, apresentando uma grande compilação de textos e pesquisas sobre o tema, incluindo trabalhos desenvolvidos no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, a partir dos quais o autor vai tecendo suas próprias concepções e ideias. A rede de conceitos e teorias sobre aprendizagem, estilos de aprendizagem e games que Mattar constrói é tão complexa e intrincada, que, por vezes, fica difícil para o leitor distinguir os limites entre os autores que estão sendo citados por ele e suas próprias palavras. No entanto, há momentos em que ele mesmo desfaz essa teia, esclarecendo e destacando aspectos importantes, reconstruindo a evolução de determinados conceitos historicamente e despertando no leitor certo sabor de “quero mais”. Ao término de cada capítulo, esse desejo e essas dúvidas podem ser saciados ou esclarecidos através de uma vasta bibliografia, onde Mattar indica livros, artigos, pesquisas, tanto no formato impresso, como em endereços eletrônicos.

O trabalho de Mattar se destaca pela ênfase que dá aos estilos de aprendizagem da nova geração, nascida em meio a computadores, internet, videogames e outros tantos recursos digitais. São os “nativos digitais”, ou seja, jovens que incorporaram os recursos e as mídias digitais em seu cotidiano de tal forma que sequer os percebem como tecnologia. Para eles, o acesso à informação que precisam deve ser rápido, quase imediato e, por isso, muitas vezes recorrem à internet e a ferramentas de busca antes de pesquisarem em meios impressos tradicionais. Utilizam para isso seus computadores ou aparelhos celulares, que também servem como tocadores de mídia (música e vídeo) e canais de comunicação com seus amigos através das ferramentas de comunicação e mensagens eletrônicas do tipo Messenger, mensagens de texto nos celulares, etc.

Na opinião de Mattar e dos inúmeros autores que ele cita no seu texto, buscando suporte para seus argumentos (Prensky, Oblinger e Oblinger, Papert, entre outros), as experiências desses jovens com as mídias digitais representam uma transformação significativa na forma como eles aprendem e produzem conhecimentos. Ele destaca o game como um importante sinalizador dessas transformações, distinguindo-o de outros recursos midiáticos anteriores a eles, desde programas de TV até CD-ROMs, pois o jogo não permite a passividade (característica de tais recursos) diante dos quais, muitas vezes, o jovem era convidado apenas a assistir a alguma ação na tela da TV ou interagir de forma reativa, clicando para dar sequência a alguma ação na tela do computador com o CD-ROM. Com o game, a interatividade é mútua, sendo o jovem constantemente convidado a participar de forma ativa e estratégica, instigando sua criatividade e capacidade de análise, na busca de soluções e o motivando a progredir em suas conquistas, seguindo para novas fases do game, com novos desafios a vencer.

No entanto, Mattar observa que essas habilidades parecem não estar sendo valorizadas nas escolas, sendo o game e a diversão deixados do lado de fora enquanto os sistemas educativos perpetuam a separação de um mundo de coisas que se faz “dentro e fora da escola”. Para ele, as ações presentes nos games permitem que os jogadores possam ressignificar imagens e objetos de outros games, usando suas descobertas anteriores na manipulação de situações atuais. Explorando o mundo do game, as regras se tornam aparentes e, à medida que joga, o jogador vai aprendendo. O autor vê esse comportamento como algo peculiar dessa geração dos “nativos digitais”, caracterizando seus estilos de aprendizagem com base em ações interativas e colaborativas e, em seu livro, literalmente convida outros autores e pesquisadores para conversarem com ele sobre esse assunto, buscando respaldo teórico e científico para o que ele entende ser o modo com que os nativos digitais aprendem. Para ele, o game é muito mais do que uma atividade lúdica: pode ser um recurso didático a favor da educação, focado no processo de construção, cujo caminho pode ser determinado pelo próprio aluno, em conjunto com seus pares e sob a orientação atenta de professores e educadores.

Assim, o autor convida seu leitor/educador a pensar e a repensar suas próprias práticas diárias, a refletir sobre a importância dos estilos de aprendizagem e das peculiaridades dos jovens que chegam às nossas salas de aula hoje e dos paradigmas que surgem com essas mudanças. Sua viagem pelo amplo universo de pesquisas, realizadas na área, lança uma luz sobre novas ideias e considerações em direção a um novo design instrucional, a partir do qual se possa dar voz aos “nativos digitais” nas discussões e buscar atender à necessidade de preparar profissionais para trabalharem em educação com esses novos desafios a enfrentar.

Mattar nos convida a manter a mente aberta a mudanças e reconhece que há uma concordância mais ou menos generalizada quanto à necessidade de que essas mudanças ocorram. As mídias digitais podem ser uma nova direção a tomar, especialmente o game, mas, para isso, ele afirma que “é preciso um trabalho de evangelização” (p. 148), trabalho que ele toma para si, na tentativa de divulgar não apenas sua própria visão de possibilidades voltadas a um ensino simultaneamente sério e divertido e que leve em consideração os estilos de aprendizagem dos alunos da geração dos “nativos digitais”, mas também de fornecer ao leitor curioso novas fontes de consulta e, quem sabe, conquistar adeptos para sua proposta de mudar o futuro, respeitando as capacidades e os potenciais dos alunos.

Nota

1 Termo utilizado para se referir à tentativa de construir uma boa rede de relacionamentos dentro da sua área de atuação.

Referências

MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. 181 p.

Cristina M. Pescador – Professora de Inglês no Programa de Línguas Estrangeiras (PLE) da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Especialista em Educação a Distância. Mestre em Educação pela UCS. E-mail: [email protected]

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