Gênero e Religiosidades: resistências e modos de vida / Revista Brasileira de História das Religiões / 2020

A chamada temática “Gênero e Religiosidades: resistências e modos de vida” foi proposta com a intenção de congregar trabalhos atentos a práticas e experiências diversas de vida religiosa a partir das categorias gênero e resistência. Consideramos que a pertinência da proposição se fundamenta no exercício de pensar as múltiplas dimensões que conformam nosso Tempo Presente, particularmente no que diz respeito às tensões, imposições e reinvenções quanto às questões de gênero, categoria central para analisar práticas e experiências religiosas.

Articuladas as noções de classe e etnia, as questões de gênero, segundo sugere Ana Maria Bidegain (1996), são úteis não apenas para a escrita da história das religiões, mas igualmente, para possibilitar a compreensão de uma omissão a respeito das mulheres (e, acrescentamos, de outras identificações de gênero) nas religiões em todas as suas formas de estruturação e / ou institucionalização de relações de poder. Conformadoras das maneiras através das quais nos reconhecemos e identificamos, as questões de gênero são abordadas aqui tanto como categoria de análise, quanto como campo multidisciplinar. É interessante notar, neste sentido, uma certa ambivalência do campo religioso que, se muitas vezes se constitui como espaço conservador e, por vezes, repressor, em outros momentos abre linhas de fuga e emerge como espaço de possibilidades para práticas subversivas, apropriações criativas e interpretações insurgentes.

Pensando nisso, esse volume reúne artigos consagrados a refletir sobre religiosidades como lugar / discurso / prática de vida e resistência no que se refere à igualdade de gênero no Brasil e no mundo. Gênero, como categoria histórica e viva, segue em elaboração e afirma-se, hoje, como conjunto de perguntas conforme sugere Joan Scott (2013), o que fica evidente nos textos que integram essa coletânea. Tal multiplicidade encontra-se representada nos textos que compõe a chamada temática no que diz respeito às vinculações religiosas, sujeitos e espaços dos quais tratam e, igualmente, aos métodos e campos nos quais se amparam.

A outra categoria articuladora destes textos, ainda que tenha lugar e forma menos evidentes, é resistência. Pensá-la como categoria significa percebê-la enquanto prática de vida, ainda que não seja textualizada enquanto tal nas fontes de pesquisa. A resistência, esta categoria fluida e fugidia, emerge – conforme observaremos a seguir – nos espaços de ação menos prováveis, de textos a terreiros, como forma de transformar realidades, como sugere bell hooks (2013).

Patricia Folgeman, inicia a chamada temática com discussões em que amplia as relações entre gênero e religiosidades no artigo intitulado “Travestis migrantes, arte y religiosidad en la cultura queer de Buenos Aires” e possibilita pensar formas de vida que reivindicam espaços e visibilidades através de manifestações artísticas das mais variadas. A autora trata de representações religiosas, tradições culturais e refrações ocasionadas por práticas migratórias de cunho geográfico e social. Tais movimentos do mundo “trava” portenho são observados através da arte contemporânea e, assim, os textos, músicas, imagens e performances permitem-nos acessar pervivências, mudanças e rupturas.

Na sequência, “Prostituição e religiões afro-brasileiras em Portugal: gênero e discursos pós-coloniais”, de Joana Bahia, trata das possíveis relações entre o exercício da prostituição e as religiões afro-brasileiras em Portugal. A autora analisa, a partir de diálogos veementes entre história e antropologia, o modo como a imagem da pomba-gira emerge, em relatos, como metáfora sexual e, simultaneamente, religiosa. No artigo a perspectiva decolonial afirma-se em suas nuances históricas generificadas.

“Duelo de Absoluto e Relativos: Os evangélicos, a heteronormatividade e o pós-tradicional”, de José Sena Silveira, encerra este dossiê discutindo a relação entre grupos evangélicos, a heterossexualidade e o pós-tradicional, a partir de um debate teórico e de uma revisão de literatura. O artigo debruça-se, entre outras coisas, sobre uma discussão em torno do papel do binarismo masculino e feminino na construção da heterossexualidade normativa, elemento central para a manutenção do modelo tradicional de família e insinua o medo que questões de gênero / sexualidade sejam tratados fora da moral religiosa.

O volume apresenta-se marcado por uma pluralidade de abordagens, as quais denotam a amplitude dos campos em questão. As relações entre religiosidade, gênero e resistências expressam-se, assim, das mais diversas maneiras em distintas artes de ler, fazer e, fundamentalmente, ser. Além dos textos presentes no dossiê, a revista apresenta ainda artigos livres os quais atestam a amplitude do campo de estudos da História das Religiões e Religiosidades. A edição contém ainda artigos livres e resenha.

Referências

BIDEGAIN, Ana Maria. Mulheres: autonomia e controle religioso na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1996.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: Editora WMF Mantis Fontes, 2013.

SCOTT, Joan. Entrevista com Joan Scott realizada por Fernanda Lemos. Revista Mandrágora, São Paulo, v. 19, n. 19, p. 161-164, jan. / dez. 2013.

Caroline Jaques Cubas1 – Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina. Atua no Programa de Pós-Graduação em História e Mestrado Profissional em Ensino de História na mesma Universidade. Graduada em História pela Univali, possui doutorado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, com um estágio realizado na Université de Rennes 2. Foi uma das vencedoras do Prêmio Memórias Reveladas de 2015, promovido pelo Arquivo Nacional. Pesquisadora dos grupos de pesquisa “Ensino de História, memória e culturas” (CNPQ / UDESC) e Memória e Identidade (CNPQ / UDESC). E-mail [email protected] Orcid: https: / / orcid.org / 0000-0001-5411-6824

Cintia Lima Crescêncio2 – Professora do curso de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas. Graduada em História na Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Mestre e Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Realizou pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura, na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). É coordenadora do grupo de pesquisa História, Mulheres e Feminismos – HIMUFE. E-mail: [email protected] Orcid: https: / / orcid.org / 0000-0002-2992-9417


CUBAS, Caroline Jaques; CRESCÊNCIO, Cintia Lima. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.12, n.36, jan. / abr. 2020. Acessar publicação original [DR]

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