Mundos do Trabalho e Identidades / Locus – Revista de História / 2009

O Programa de Pós-Graduação em História e o Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora apresentam com satisfação a 28ª edição da Locus, correspondente ao Volume 15, Número 1 da revista. O temário escolhido para o dossiê presente neste número é Mundos do Trabalho e Identidades.

Os dois primeiros artigos do dossiê focalizam diferentes dimensões da legislação trabalhista e social brasileira. Em 1937: o Brasil, apesar do Fascismo: a legislação do Estado Novo e a do Fascismo italiano sobre o trabalho, o contrato coletivo e o salário, Mário Cleber Martins Lanna Junior põe em questão uma relação firmada na literatura sobre a legislação trabalhista, qual seja a suposta identidade com a Carta del Laboro fascista. O autor aponta as diferenças contextuais que envolvem o aparecimento das duas legislações, relacionadas ao estágio de desenvolvimento das duas sociedades, bem como as dessemelhanças dos próprios dispositivos legais, particularmente referidas às características do ordenamento corporativo aos quais se associam e ao caráter mais acentuadamente protetivo da CLT brasileira.

Em “Quem tem ofício tem Benefício”: Legislação protetiva na ótica sindical sob a República trabalhista, Valéria Lobo analisa a presença, na agenda sindical relativa à legislação social, durante a década de 1950 no Brasil, de formulações dirigidas aos excluídos do mercado formal de trabalho, inclusive os desempregados. Seu artigo observa que embora com pequena incidência, consoante com o predomínio dos mecanismos da cidadania regulada, que circunscrevia o acesso aos benefícios e serviços da política social brasileira no período, tais formulações dispõem de incidência crescente, revelando a elevação das preocupações do movimento sindical com os processos de exclusão que acompanham a trajetória capitalista brasileira.

Os três artigos que se seguem abordam dilemas associados à formação da identidade de trabalhadores ao final do século XIX, e início do século XX, com foco na imprensa operária e na composição étnica de contingentes diversos de trabalhadores.

Irmãos de arte: trabalho, identidade e imprensa em São Paulo no século XIX de Jefferson Cano, analisa o discurso de um jornal paulistano do século XIX, publicado por um grupo de tipógrafos. O artigo observa que o objetivo de construção de uma identidade operária, buscado pelo jornal, fracassa em função dos significados sociais do conceito de classe com o qual opera.

André Rosemberg apresenta-nos uma análise do Corpo Policial Permanente de São Paulo no final do Império. O artigo Para quando o calo aperta – os trabalhadores-policiais do Corpo Policial Permanente de São Paulo no final do Império salienta de que forma, ao final do século XIX, concomitante à ampliação da presença de imigrantes em território paulista, o corpo policial apresenta-se como uma alternativa de ocupação para uma importante parcela da população pobre, formada principalmente de homens, brasileiros e não-brancos.

Oswaldo Mário Serra Truzzi e Rogério da Palma realizam um levantamento do perfil étnico-racial e ocupacional das famílias que compunham a mão-de-obra dos latifúndios cafeeiros de São Carlos durante o início do século XX. O artigo Identidades e mercado de trabalho: uma análise do perfil étnico-racial e ocupacional dos latifúndios cafeeiros de São Carlos (1907) vale-se do recenseamento municipal realizado no ano de 1907 no município de São Carlos, São Paulo, para sugerir determinadas relações entre a conformação do mercado de trabalho e a (re)construção de identidades e de padrões de sociabilidade nesse contexto específico.

Mais três artigos discorrem sobre diferentes experiências de lutas e de sociabilidade entre trabalhadores de diversas regiões, períodos e categorias profissionais, no Brasil após 1930, considerando o impacto que produzem na formação de suas identidades.

Paula Garcia Schneider analisa os movimentos grevistas dos trabalhadores de Porto Alegre em 1945, reagindo à carestia que atingia a sociedade brasileira desde 1942. Seu artigo, Trabajadores, carestía de vida y huelga general. El caso de Porto Alegre en 1945, sugere que os dois processos têm peso importante na formação da classe trabalhadora gaúcha no período.

Juçara da Silva Barbosa de Mello analisa como o compartilhamento de valores solidários e certas experiências comuns participam na constituição da identidade dos trabalhadores têxteis numa pequena localidade no Rio de Janeiro entre 1930 e 1960. Seu artigo, Identidades operárias: hierarquias sócio- profissionais e valores solidários firmados a partir da centralidade do trabalho fabril, sustenta que os aspectos indicados acima não anulam, mas sobrepõem-se, à diversidade de posições ocupadas pelos trabalhadores no universo fabril e em seu cotidiano.

Memória(s) e Identidade(s) nos trilhos: História de Ferroviários brasileiros em tempos de neoliberalismo, de Andréa Casa Nova Maia, analisa como os ferroviários da Rede Ferroviária Federal S.A., entre os anos de 1957 e 1996, até os dias de hoje, em Minas Gerais, presenciam as mudanças e os novos desafios do capitalismo no século XXI. A partir das formulações de E.P. Thompson, discute, então, a luta por direitos e as formas de organização dos ferroviários mineiros no período indicado.

O dossiê proposto nesta revista completa-se com mais dois artigos que, embora não abordem temas diretamente vinculados aos mundos do trabalho, focalizam dilemas associados à formação de identidades entre imigrantes em duas situações diversas.

Em La Contruccíon de la Italianidad en Argentina (Luján, Provincia de Buenos Aires, 1870-1920), Dedier Norberto Marquiegui analisa os processos de formação de identidades entre os italianos na província argentina de Luján, num período de intenso fluxo imigrantista. O artigo focaliza a inserção social dos imigrantes, bem como o papel desempenhado pelas associações e elites italianas em tais processos.

Endrica Geraldo analisa a política repressiva contra os trabalhadores estrangeiros no Brasil durante o Estado Novo. Em O combate contra os “quistos étnicos”: identidade, assimilação e política imigratória no Estado Novo, observa que, no contexto da Segunda Guerra Mundial, os debates sobre assimilação e miscigenação seriam influenciados também pela classificação dos trabalhadores imigrantes como uma ameaça militar.

O presente volume conta, ainda, com o artigo Território da doença e da saúde: o Vale do Rio Doce frente ao panorama sanitário de Minas Gerais (1910-1950), de Jean Luiz Neves Abreu e Maria Terezinha Bretas Vilarino, que aborda a presença do Vale do Rio Doce no panorama sanitário de Minas Gerais entre as décadas de 1910 e 1950. A partir da análise da atuação do poder público na área da saúde em Minas Gerais, o artigo salienta como a região do Rio Doce se inseriu tardiamente no projeto do saneamento do Estado.

Esta edição da Locus encerra-se com a resenha de Claúdia Maria Ribeiro Viscardi sobre o livro de Allan Kidd initulado Society and the Poor in XIX Century. Em que pese ser uma publicação editada há mais de 10 anos, trata-se de uma obra virtualmente desconhecida do público brasileiro, que tem, portanto, uma oportunidade de estabelecer com ela um primeiro contato.

Ignacio José Godinho Delgado – Editor


DELGADO, Ignacio José Godinho. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.15, n.1, 2009. Acessar publicação original [DR]

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