Mundos do Trabalho: lugares, condições e experiências de trabalhadores e trabalhadora | Mandurarisawa | 2021

O dossiê “Mundos do Trabalho: lugares, condições e experiências de trabalhadores e trabalhadoras” da Revista Manduarisawa apresenta uma diversidade temática congênere as reflexões atinentes aos conflitos nos “Mundos do Trabalho”, visibilizando e trabalhadores formais e/ou informais. Destarte, pensamos nessas práticas a partir de inquietações e problemáticas que envolvem o mercado e as relações de trabalho no tempo presente, partindo de estudos sobre a precarização trabalhista desde o final do século XIX até os dias atuais.

O regime de trabalho escravocrata, uma prática não muito longínqua, deu lugar a outro sistema de exploração do homem pelo homem: o capitalismo. Ele avançou como uma novidade, embora possamos considerá-lo como um tipo de aprisionamento do trabalhador, já que este homem dito “livre” se tornou a principal base para a formação do mercado capitalista do trabalho assalariado. Aliado à ideologia do Progresso, o capitalismo trouxe consigo a mudança nas relações de trabalho e nos modos de vida na cidade. De forma que o século XX provocou transformações estratégicas para uma organização do sistema econômico, mesmo que disso resultassem mudanças drásticas, principalmente ocasionadas pelo que se referia a chamada “ideologia do progresso”, em que se associa a ideia do novo à civilização como referência a modernidade. Leia Mais

Mundos do Trabalho / Cantareira / 2021

Cantareira Mundos do Trabalho 1 Mundos do Trabalho

A tradição da temática do trabalho na historiografia não impediu que apenas após 18 anos da sua primeira edição, a Revista Cantareira trouxesse entre suas publicações o seu primeiro dossiê inteiramente dedicado ao tema da História do Trabalho. Esta ausência se torna ainda mais surpreendente quando nos deparamos com a grande procura de pesquisadoras e pesquisadores não só de todo o Brasil, como também de outras partes do globo. De fato, as pesquisas de História do Trabalho e dos Trabalhadores e Trabalhadoras nas últimas décadas vem cada vez mais ampliando seu escopo e seus debates, mostrando que a experiência do homem branco, adulto e operário, que por muito tempo figurou na historiografia como o trabalhador ideal, não é a experiência universal dos mundos do trabalho.

Com um número recorde de artigos submetidos e aprovados, os trabalhos deste Dossiê mostram uma História do Trabalho dinâmica, plural, e que extrapola os grandes centros urbanos e as fronteiras nacionais. Ao mesmo tempo que os temas clássicos da História do Trabalho são revistos com novos olhares, abordagem e fontes, demonstrando a riqueza das pesquisas produzidas e a sua diversidade.

Refletindo os objetos discutidos pela sociedade atual, pesquisas abordando a convergência de classe, raça, gênero, identidade, orientação sexual aparecerem em diversos artigos do Dossiê. A ruptura dos paradigmas que segmentavam as investigações historiográficas entre trabalho e trabalhadores livres e não livres ajuda na formação de um complexo mosaico do Mundos do Trabalho. Dentro dessa seara, destacamos os artigos de Thompson Alves e Antônio Bispo, Ferreiros, “escravos operários” e metalúrgicos: trabalhadores negros e a metalurgia na cidade do Rio de Janeiro e na microrregião Sul Fluminense (Século XIX e XX) e de Karina Santos, Composição de trabalhadores na Fábrica de Ferro de Ipanema (1822-1842).

Para operacionalizar o rompimento da separação entre as análises sobre o trabalho livre e cativo, a ferramenta metodológica da interseccionalidade se mostra fundamental para pensar as complexidades do processamento da dominação e opressão de diversos grupos sociais dentro da classe trabalhadora. É o que podemos ver no artigo de Caroline Souza, Giovana Tardivo e Marina Haack, Localizando a mulher escravizada nos Mundos do Trabalho, bem como no de Caroline Mariano e Lígya de Souza, Mulheres úteis à sociedade: gênero e raça no mercado de trabalho na cidade de São Paulo (fim do século XIX e início do século XX), que mostram como a análise sobre o lugar social de mulheres escravizadas e os mundos do trabalho pode refinar a análise historiográfica. Ainda sobre a importância da interseccionalidade com o objetivo de pensar os trabalhadores, o artigo de João Gomes Junior, A “indústria bagaxa”: prostituição masculina e trabalho no Rio de Janeiro e na constituição da ordem burguesa aborda questões sobre a experiência de homens, trabalhadores sexuais que desviam do padrão heteronormativo, como parte formadora da classe trabalhadora carioca do início da República.

A utilização dos processos da Justiça do Trabalho emergiu como importantes fontes documentais há alguns anos e continuam rendendo pesquisas inovadoras: Tatiane Bartmann em Eles querem menos, elas querem mais: as reivindicações por trabalho na 1ª JCJ de Porto Alegre (1941-1945) e Vitória Abunahman, Trabalhadoras ou esposas? Um estudo sobre reclamações na Justiça do Trabalho de mulheres que trabalhavam para seus companheiros na década de 1950, trazem a luz as reivindicações das trabalhadoras, e Paulo Henrique Damião, A Justiça do Trabalho enquanto palco de disputas: entre estratégias e discursos, e Arthur Barros, Márcio Vilela, Fernanda Nunes, Marmelada de tomate: as relações de trabalho a partir do “sistema de parceria” na Fábrica Peixe (Pesqueira / PE), discutem as diversas estratégias e relações de trabalho a partir da instância judicial.

A cidade e a geografia nos mundos do trabalho se cruzam com diferentes fontes, temas e análises teórico-metodológicas, apresentando uma nova visão sobre o espaço urbano. Sob essa lente, podem ser lidos os trabalhos de Gabriel Marques Fernandes em A vida urbana em Tudo Bem (Arnaldo Jabor, 1978): a figuração dos “operários” durante a decomposição do “milagre” econômico brasileiro, de Amanda Guimarães da Silva em Lavadeiras na cidade: trabalho, cotidiano e doenças em Fortaleza (1900-1930), e de Aline Crunivel e Claudio Ribeiro em Memória, trabalho e cidade: contribuições para o debate contemporâneo sobre o lugar da classe trabalhadora.

Fora dos centros urbanos, a relação dos trabalhadores rurais, indígenas e migrantes com suas lideranças, com os empregadores e o Estado, suas lutas e representações, são temas dos artigos de Leandro Almeida, Os comunistas e os trabalhadores rurais no processo de radicalização da luta pela terra no pré-1964, de Idalina Freitas e Tatiana Santana, Entre campos e máquinas: histórias e memórias de trabalhadores da Usina Cinco Rios – Maracangalha, Bahia (1912-1950), e de Pedro Jardel Pereira, “A legião dos rejeitados”: trabalhadores migrantes retidos e marginalizados pela política de mão-de-obra em Montes Claros / MG, na década de 1930, e de Eduardo Henrique Gorobets Martins, As denúncias de trabalhadores indígenas do cuatequitl no códice Osuna durante a visita de Jerónimo de Valderrama na Nova Espanha.

Temas cânones dos estudos sobre o trabalho, como suas entidades representativas e seus discursos, o contato com o mundo da política, suas estratégias de luta e a organização burocrática, são discutidos sob novas perspectivas teóricas, metodológicas e bibliográficas nos artigos de Bruno Benevides, “Eu não tenho mais pátria!”: a primeira guerra mundial à luz da propaganda libertária de Angelo Bandoni, de Igor Pomini, As Jornadas de Maio de 1937, o antifascismo e o refluxo da Revolução Espanhola, de Eduard Esteban Moreno, Manifiestos políticos para la acción del movimiento obrero: Brasil y Colombia durante las primeras décadas del siglo XX, de Frederico Bartz, Os espaços da luta antifascista em Porto Alegre (1926-1937), de Pedro Cardoso, A atuação militar contra a greve do Porto de Santos em 1980, e de Guilherme Chagas, O corporativismo na construção do discurso da Revista Light (1928-1940).

Extrapolando os limites da História e da historiografia e nas suas interseções, o Dossiê também conta com contribuições de distintas áreas das Ciências Humanas e Sociais, o que mostra a importância do diálogo constante e como o tema do trabalho continua provocando discussões interdisciplinares sobre o sistema capitalista e os novos regimes de trabalho e explicação, de acordo com os artigos de Leonardo Kussler e Leonardo Van Leeuven, Da alienação em Marx à sociedade do cansaço em Han: fantasia e realidade dos trabalhadores precarizados, de Evandro Ribeiro Lomba, As estruturas históricas da formação para o trabalho no sistema capitalista e de Gustavo Portella Machado, Entre desemprego e freelance: a atual configuração do mundo do trabalho na cultura a partir da ocupação de produtores culturais como microempreendedores individuais. Ainda dentro dessa temática, este número também conta com a resenha de Regina Lucia Fernandes Albuquerque sobre o livro de Tom Slee, Uberização: a nova onda do trabalho precarizado.

Finalizando o Dossiê Mundos do Trabalho, apresentamos a entrevista concedida pelos professores Paulo Fontes (PPGH / UFRJ) e Victoria Basualdo (COCINET / FLACSO) para as organizadoras, Clarisse Pereira e Heliene Nagasava. Na conversa, os professores discutem suas formações acadêmicas, trajetórias de pesquisa, transformações no campo da história do trabalho e a importância do pensamento e da atuação dos historiadores, em especial os historiadores do trabalho e trabalhadores, fora dos muros da Universidade.

Desejamos a todas e todos uma ótima leitura!

Clarisse Pereira – Mestra e licenciada em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Desenvolve pesquisa na área de História do Brasil Republicano, atuando principalmente no tema sobre trabalhadores rurais na ditadura civil-militar. Atualmente é doutoranda em História Social pela Universidade Federal Fluminense, com bolsa CAPES, e desde 2019 faz parte da Comissão Editorial da Revista Cantareira. E-mail: [email protected]

Heliene Nagasava – Doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV), pesquisadora do Laboratório de Estudos de História do Trabalho (LEHMT / UFRJ) e funcionária do Arquivo Nacional. E-mail: [email protected]


PEREIRA, Clarisse; NAGASAVA, Heliene. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n.34, jan / jun, 2021. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Os mundos do trabalho e suas interfaces com a ciência, a saúde e a doença | Mundos do Trabalho | 2020

Vivemos um presente distópico, de pandemia e mudança repentina de hábitos, paradigmas, maneiras de compreender a realidade e lidar com suas consequências em nossa vida cotidiana. Uma realidade que foi pincelada, de maneira mais ou menos próxima ao que vivenciamos, por autores de ficção do século passado. O historiador Sidney Chalhoub se referiu ao momento que enfrentamos neste ano de 2020, com a pandemia da covid-19, como uma distopia neoliberal. Uma doença desconhecida, um vírus novo, e em poucos meses o mundo inteiro parou – e se trancou em casa. Ao menos quem pode. A pandemia obrigou os mercados a reduzir sua atividade, forçou o isolamento, encerrando viagens locais e internacionais, fechando fronteiras, na contramão da defesa exagerada do consumo e das propostas de um neoliberalismo privatista de extrema direita que se instalou em grande parte do mundo neste começo de século. A tão ovacionada globalização que, como descreveu Frederick Cooper, é sempre invocada para incentivar os países ricos a diminuir o Estado social e os países pobres a reduzir as despesas sociais, sofreu um forte abalo com a covid-19.1 Mais do que nunca, ficou explícita a importância de um sistema de saúde público e eficiente, de um Estado consistente que centralize a organização de todas as forças possíveis para salvar vidas. Leia Mais

História social e mundos do trabalho no Brasil | Revista Piauiense de História Social e do Trabalho | 2020

Referências

[História social e mundos do trabalho no Brasil]. Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Parnaíba, ano VI, n. 10. Jan./jul. 2020. Acessar dossiê [DR]

 

História e mundos do trabalho no Brasil: desenvolvimento, paradoxos e desafios | Ars Historica | 2019

“O século XX foi a era da classe trabalhadora”, lembrou recentemente o sociólogo sueco e professor da Universidade de Cambridge, Goran Therborn. Para ele, foi nesse período que, em escala global, “pela primeira vez, as pessoas que trabalham e que não têm propriedade tornaram-se uma força política fundamental”.1 Também foi assim no Brasil. Se os legados seculares da escravidão e os impactos das imensas assimetrias econômicas e exclusão política marcaram a “questão social”, também é possível dizer que os embates contra essas desigualdades foram decisivos para a construção de uma linguagem de classe e de valorização do mundo do trabalho que colocaria os setores populares no centro da arena política ao longo daquele século. Leia Mais

Mundos del trabajo y clases trabajadoras en los siglos XIX y XX: nuevas perspectivas y aproximaciones | Claves – Revista de Historia | 2019

En las últimas décadas la historiografía sobre el mundo del trabajo y las clases trabajadoras en América Latina y el Uruguay ha tenido una transformación significativa. La conformación de un campo de estudio sobre estas temáticas es el resultado de un largo recorrido que puede leerse en diálogo con la peripecia histórica de los sujetos sociales en cuestión.

Un primer tipo de abordaje priorizó como objeto de pesquisa a la “clase” (obrera, trabajadora, proletaria) y sus “organizaciones”. La primera, pensada en tanto sujeto histórico dotado de motivaciones e intereses propios (y unívocos) y protagonista central de una transformación estructural de la sociedad, que se consideraba en curso. Las “organizaciones” que era necesario conocer, en tanto expresiones del accionar y los intereses de la clase trabajadora, eran los “sindicatos” -que representaban sus intereses reivindicativos inmediatos- y los “partidos” o “movimientos” que la expresaban en la arena política. No es de extrañar que esa primera historiografía se haya centrado en la historia de las grandes organizaciones, por sobre los colectivos más pequeños y de base territorial. Y que tampoco haya incluido en sus estudios aquellas multitudes de trabajadores y trabajadoras, asalariados o no, que escapaban de ese interés fundamental, sin incorporar dimensiones como las relaciones de género o las diferenciaciones étnico-raciales y etáreas. Leia Mais

Beatriz Ana Loner: mundos do trabalho e pós-abolição | Mundos do Trabalho | 2019

A análise das associações negras mereceu um estudo à parte. Isso porque, em razão do forte preconceito e discriminação que enfrentavam na sociedade, os negros foram obrigados a desenvolver uma rede associativa completa e diferenciada das demais. Eles formaram desde entidades recreativas até entidades de classe, para organizarem-se na luta pelos seus direitos como trabalhadores e de resistência contra o preconceito e a dominação branca. Nesse processo, provaram possuir um alto grau de criatividade e determinação que a simples enunciação de suas entidades deixa entrever.1

Embora o fragmento disposto acima evoque uma epígrafe, damos início à apresentação explicitando que ele é bem mais que isso. Aquilo que entendemos como a síntese da unidade entre o campo de estudos dos Mundos do Trabalho e aquele que viria a se constituir como campo de estudos sobre as Emancipações e o Pós- -Abolição, foi escrito pela pesquisadora e professora que dá nome ao dossiê, Beatriz Ana Loner. O excerto foi retirado de seu livro, “Construção de Classe: operários de Pelotas e Rio Grande, 1888-1930”, de 2001, com segunda edição em 2016. O livro é oriundo de sua tese de doutorado, defendida em 1999, junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Leia Mais

Mundos do Trabalho / Estudos Históricos / 2016

Chega a ser surpreendente que Estudos Históricos não tenha tido, até este momento, um número específico dedicado aos mundos do trabalho. Temática cara à tradição acadêmica do CPDOC / FGV, os estudos sobre o trabalho e os(as) trabalhadores(as) foram centrais para algumas das obras e pesquisas mais importantes da instituição. Por outro lado, no entanto, esta edição chega em um momento particularmente rico para os estudos dos mundos do trabalho no Brasil em uma perspectiva histórica e interdisciplinar. O campo da história social do trabalho no Brasil vive, já há alguns anos, um período de criatividade, renovação e diversificação. Gerações recentes de historiadores, historiadoras e cientistas sociais em geral têm expandido o escopo da área, incluindo novas e pouco exploradas temáticas, como gênero, etnicidade, trabalho informal, bem como as conexões entre trabalho escravo, forçado e o chamado “trabalho livre”. Mesmo temas considerados clássicos, como sindicalismo, conflitos sociais, participação política dos trabalhadores e a relação entre os mundos do trabalho e o Estado e empresários têm sido abordados de formas inovadoras e inventivas, ampliando em muito o entendimento sobre o papel dos setores subalternos nos processos de desenvolvimento econômico e social e na construção da cidadania e da democracia na história do país.

Além disso, a produção historiográfica nesta área teve uma evidente ampliação geográfica, ultrapassando em muito as análises antes bastante confinadas ao eixo Rio-São Paulo. A multiplicação de estudos sobre outras regiões, sobre o mundo urbano e rural e sobre os mundos do trabalho em pequenas, médias e grandes cidades permite hoje uma visão muito mais complexa, sofisticada e “nacional” dos processos de formação de classe e das relações sociais brasileiras. Por outro lado, a produção no campo tem se internacionalizado crescentemente. Ao lado de suas congêneres indiana e sul-africana, a historiografia do trabalho brasileira tem sido amplamente reconhecida como um dos polos de renovação e dinamismo da chamada “História Global do Trabalho”.

Este número de Estudos Históricos dialoga diretamente com esse momento de vitalidade da história social do trabalho no Brasil. De um lado, apresenta vários estudos de grande qualidade sobre os mundos do trabalho no país em diferentes períodos, regiões e situações. De outro, também aponta os limites e desafios colocados para este campo de estudos. É o caso dos dois artigos que abrem a revista. Alexandre Fortes, em O processo histórico de formação da classe trabalhadora: algumas considerações, revisita a obra de E. P. Thompson procurando demonstrar como ela, a partir dos desafios atuais e confrontada com outros autores mais contemporâneos, ainda pode inspirar uma necessária atualização conceitual sobre o processo de formação de classe no Brasil. Já Álvaro Pereira Nascimento, em seu provocativo artigo Trabalhadores negros e o “paradigma da ausência”: contribuições à história social do trabalho no Brasil, faz um balanço da (in)visibilidade dos sujeitos negros na produção historiográfica dos mundos do trabalho. O autor aponta os vários problemas trazidos pela ausência desses sujeitos históricos nos estudos da história social do trabalho e sugere alguns caminhos metodológicos para superá-los.

Exemplo da ampliação que vem ocorrendo com o conceito de trabalho e trabalhadores(as), o artigo de André Rosemberg, A pena como arma: trabalho, intimidade e rotina nas cartas dos policiais paulistas (1870-1915), surpreende ao abordar os policiais como trabalhadores, utilizando uma fonte pessoal e íntima como a correspondência trocada por esses personagens. Já Fabiane Popinigis, em “Todas as liberdades são irmãs”: os caixeiros e as lutas dos trabalhadores por direitos entre o Império e a República, retoma temas clássicos como o da “transição” do trabalho escravo para o trabalho livre e a construção da cidadania, a partir das experiências dos empregados do comércio carioca.

A regulação do trabalho feminino em um sistema político masculino, Brasil: 1932-1943, de Teresa Cristina Novaes Marques, inova ao abordar o polêmico processo de regulação do trabalho dos anos 1930 e 40 a partir de uma perspectiva de gênero, procurando compreender como a questão do trabalho feminino foi abordada por diferentes atores e movimentos políticos e sociais. Uma outra abordagem inédita sobre os mundos do trabalho durante a Era Vargas é feita por Adriano Duarte em Pedro Maneta e o concurso literário promovido pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1942. Nesse artigo, ao analisar o romance Pedro Maneta, premiado em concurso promovido pelo Ministério do Trabalho, o autor reflete sobre as intricadas relações entre história, literatura e sociedade. Assim, a partir de novas perspectivas, rediscute a centralidade adquirida pelos mundos do trabalho durante o Estado Novo.

Tanto o papel das biografias e trajetórias de ativistas quanto as relações entre o universo do trabalho e da moradia são abordados no texto de Mauro Amoroso e Rafael Soares Gonçalves. O advogado e os “trabalhadores favelados”: Antonie de Magarinos Torres e a prática política nas favelas cariocas dos anos 1950 e 1960 analisa a ação do famoso advogado Magarinos, em particular na favela do Borel, e seu papel de estímulo ao associativismo de seus moradores. Temas clássicos da história do trabalho, como o cotidiano fabril e os processos de dominação nos locais de trabalho são abordados por Cristiana Ferreira a partir das experiências de mulheres e jovens em Códigos de solidariedade na experiência de jovens e mulheres na indústria têxtil de Blumenau (1958-1968).

A mobilização dos trabalhadores rurais na crucial conjuntura do pré-1964 em um estado nordestino é o tema de Pablo Francisco de Andrade Porfírio em O tal de natal: reivindicação por direito trabalhista e assassinatos de camponeses. Pernambuco, 1963. O artigo analisa como, além do uso da violência, articulou-se uma narrativa visual e escrita para classificar, qualificar e construir significados para a ação reivindicatória dos camponeses. Por fim, O lobby dos trabalhadores no Processo Constituinte de 1987-88: um estudo sobre a atuação do DIAP, de Lucas Nascimento Ferraz Costa, mostra as diferentes estratégias e alianças políticas articuladas pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) para defender os interesses dos trabalhadores na Constituinte na segunda metade da década de 1980.

A seção Contribuição Especial apresenta o texto da palestra promovida pelo Laboratório de Estudos dos Mundos do Trabalho e Movimentos Sociais (LEMT) do CPDOC / FGV, proferida pelo historiador alemão Bernhard H. Bayerlein em julho de 2016. O artigo traça um panorama da situação e possibilidades de pesquisa nos arquivos mais importantes para os estudos históricos sobre o comunismo em diversas partes do globo. O arquivo da Internacional Comunista na Rússia e o projeto Comitern Online são analisados em particular. Por fim, o autor aborda o impacto que a abertura de novos acervos teve para a historiografia sobre comunismo, para as políticas de memória e para a história do século XX em geral.

Finalmente, este número traz uma rara entrevista com Michael Hall, um dos decanos da história do trabalho no Brasil. Professor do Departamento de História da Unicamp por mais de 30 anos, Michael Hall foi orientador de diversas gerações de historiadores. Foi um dos fundadores do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), o maior arquivo especializado em história do trabalho na América Latina. Nesta entrevista, concedida a Paulo Fontes e Francisco Macedo, Michael Hall fala sobre sua trajetória profissional e sua produção intelectual, analisa o desenvolvimento da historiografia do trabalho brasileira desde os anos 1960 e opina sobre os desafios contemporâneos desse campo de estudos.

Angela Moreira Domingues da Silva – Professora da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV).

Marco Aurélio Vannucchi Leme de Mattos – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV).

Paulo Fontes – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV).

Os editores.

SILVA, Angela Moreira Domingues da; MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi Leme de; FONTES, Paulo. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.29, n.59, set. / dez.2016. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Perspectivas Globais e Transnacionais / Estudos Históricos / 2017


MORELI Alexandre (Org d), Perspectivas Globais – Transnacionais / Estudos Históricos / 2017, Global (d), Transnacional (d), Estudos Históricos (EHd) MORELI, Alexandre. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.30, n.60, jan. / abr. 2017. Acesso apenas pelo link original [DR]

Acessar dossiê

Mundos do Trabalho: história e historiografia / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2010

Apresentar mais uma Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR) é motivo de imensa satisfação. Fruto de um esforço coletivo dos editores discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados, dos membros do Conselho Editorial e do Consultivo, a cada lançamento a REHR tem dado passos relevantes na tarefa de se consolidar como meio de interlocução acadêmica na área de História em Mato Grosso do Sul, e no cenário brasileiro. Para tanto, evidentemente, vale destacar a confiança dos diversos autores de todo o país que contribuem com seus trabalhos e acreditam na seriedade e qualidade da Revista.

Em sua VII Edição, a REHR traz o dossiê: Mundos do Trabalho: história e historiografia. Esta temática permitiu abranger diversos trabalhos com problemáticas referentes aos “mundos do trabalho”, em suas mais diferentes relações. Questões como trabalho e trabalhadores, participação política, formas de organização, resistência e cultura de classes são algumas das perspectivas que abordam os artigos que compõem o dossiê. As abordagens evidenciam também as ações de trabalhadores diante das condições de trabalho desfavoráveis, as resistências e os modos constitutivos de seus universos culturais inseridos na dinâmica do trabalho, tanto no campo quanto na cidade. Sem mais delongas, apresentamos os trabalhos!

Iniciando o Dossiê, em O Mundo do trabalho lembrado e revivido por ex-moradores da “cidade flutuante” de Manaus, Leno Barata Souza preocupou-se em discutir aspectos do mundo do trabalho em Manaus, entre 1920 e 1967, através de narrativas orais. Este período foi marcado pela formação, sobre as vias aquáticas da cidade, de uma expressão cultural marcada por modos de vida próprios que foram pontos de partida para determinadas disputas sociais. Tais disputas tornaram as margens fluviais lugar de memórias para os entrevistados de Souza, especialmente o que diz respeito às sociabilidades do mundo do trabalho. A Zona Franca, inaugurada em 1967, fez desaparecer muitas destas relações sociais, porém, ainda permanecem na memória dos entrevistados, que a utilizam para reconstruir o passado e discutir sobre presente e futuro da cidade de Manaus.

O trabalho de Eric Gustavo Cardin, Os Trabalhadores das vias Públicas de Ciudad Del Este: considerações preliminares sobre os mesiteros e suas associações problematiza aspectos das relações de trabalho estabelecidas pelos trabalhadores das vias públicas da Ciudad Del Este nos últimos trintas anos. Através de pesquisas documentais disponibilizadas pela Associação dos Trabalhadores das Vias Públicas de Ciudad Del Este, levantamentos estatísticos e entrevistas exploratórias de trabalhadores do microcentro, foi possível compreender a história dos trabalhadores e os conflitos existentes na configuração e utilização do espaço público em questão, de modo a surgir, gradativamente, diferentes ocupações e suas respectivas associações e sindicatos. Nesta perspectiva, procurou construir reflexões sobre os vínculos existentes entre as organizações sociais e a municipalidade, além de observar determinadas mudanças no funcionamento e objetivos das associações de trabalhadores, e esboçar algumas considerações sobre o perfil dos mesmos.

Saulo Álvaro de Mello, em Recrutamento Compulsório e Trabalho em Mato Grosso: disciplina, violência, castigos e reações, discute a participação de marinheiros submetidos à violência sistêmica nas embarcações da Flotilha de Mato Grosso (1825 e 1879), evidenciando assim o anacronismo e a violência verificados nas Companhias de Aprendizes Marinheiros e Imperiais Marinheiros em Mato Grosso, tal como acontecia na Marinha Imperial. Foram utilizadas como fontes documentais correspondências, relatórios provinciais e ministeriais como suporte para as discussões, que enfocaram o homem livre pobre, enjeitados, órfãos e vadios, como principais vítimas.

“E ninguém parece sentiu saudade”: narrativas e memórias da diferença, trabalhadores horteleiro no Extremo-Oeste do Paraná é ó título do artigo de Gilson Backes, que propõe investigar as dinâmicas sociopopulacionais desencadeadas nas décadas de 1960 e 1970, no extremo oeste do estado do Paraná, de modo identificar as diferentes maneiras que trabalhadores migrantes circunscreviam suas dinâmicas de trabalho no período em questão.

Raimundo Lima dos Santos discute em Manoel Conceição Santos: de camponês a líder político a história de um camponês maranhense que se tornou um dos maiores articuladores da luta camponesa em resistência ao regime militar do país. Manoel Conceição Santos foi organizador do sindicato de trabalhadores rurais no vale do PindaréMirim, no Maranhão e, posteriormente, participou da organização de entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU). Por estas ações, Manoel Conceição Santos foi perseguido, preso e torturado na ditadura militar, até ser exilado em Genebra, onde, juntamente com outros exilados políticos, organizou a luta contra governos repressivos do período. Após seu retorno ao país, depois de três anos de exílio, manteve sua luta por uma sociedade mais justa, através do trabalho de associações e cooperativas, visando o aperfeiçoamento dessas organizações e o bem-estar dos trabalhadores.

Selva Trágica: imposições e resistências é o artigo de Fábio Luiz de Arruda Herring. A proposta é analisar os pontos históricos da obra de Hernani Donato: Selva Trágica: a gesta no sulestematogrossense. As discussões estão inseridas no cone sul do atual estado de Mato Grosso do Sul, no período correspondente ao início do século XX e problematizam as imposições feitas à cultura dos trabalhadores da Companhia Matte Larangeira e as formas de resistência criadas por eles para manter os elementos constitutivos de sua cultura.

Divino Marcos de Sena, em Camapuã no Período do Ocaso das Monções: população, trabalho, lavoura, exploração e resistências explica como as monções contribuíram para garantir a expansão do território da colônia portuguesa na América, através de saídas da capitania de São Paulo, que tinham por objetivo dar suporte aos núcleos populacionais que se formavam no decorrer do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX. Assim, as monções proporcionaram o florescimento de vários povoados e, entre eles, Camapuã, que se tornou uma importante localidade para dar apoio aos viajantes. A proposta do autor é apresentar algumas características de Camapuã no período final da rota das monções, enfocando o quanto sua existência foi fundamental no período monçoeiro.

O trabalho de Nilo Dias de Oliveira, A Vigilância do DOPS-SP: vigia-se tudo e todos, analisa a prática da vigilância do Serviço Secreto do DOPS-SP durante a década de 1950, que durante o período, recaiu sobre os mais variados personagens da esfera civil e militar do país. Foram evidenciadas como, no período, qualquer tentativa de participação ou engajamento político partidário ou mesmo movimentos reivindicatórios que demonstrasse ser de posição contrária ao estabelecido pelas esferas governamentais tornava-se alvo de suspeita imediatamente.

Encerrando o Dossiê, Jorge Eremites de Oliveira, em Sobre a Necessidade do Trabalho Antropológico para o Licenciamento Ambiental: avaliação dos impactos socioambientais gerados a partir da pavimentação asfáltica da Rodovia MS-384 sobre a comunidade Kaiowa de Ñande Ru Marangatu, apresenta uma avaliação dos impactos socioambientais sofridos pela comunidade Kaiowa de Ñande Ru Marangatu durante e após a construção da rodovia estadual MS-384, no distrito de Campestre, município de Antônio João. O estudo enfoca os muitos aspectos negativos diretos na comunidade, que se estruturaram em dois momentos: o primeiro durante a pavimentação asfáltica e o segundo após sua inauguração, e vão desde a discriminação racial, doenças decorrentes da inalação de poeira e do estresse causado durante a obra até atropelamentos com vítimas fatais.

Na sessão de Artigos Livres, iniciamos com o artigo de Edianne dos Santos Nobre: Porta dos Céus: Juazeiro como lugar de salvação a partir de narrativas femininas (Ceará, 1889-1896). O artigo se propõe analisar as narrativas das beatas envolvidas nos episódios de fé em Juazeiro, de modo a compreender, a partir de tais narrativas, as imagens que fundaram o local como um espaço sagrado e de salvação nas imagens presentes em um conjunto de narrativas femininas no final do século XX.

Literatura e Política na Revolução Mexicana: a visão crítica de Mariano Azuela é o artigo de Warley Alves Gomes que discute como a Revolução Mexicana, marco na história daquele país, teve seus desdobramentos por todo o século XX, principalmente no que concerne o intenso caráter popular e a participação das classes populares, até então à margem da vida política mexicana. A Revolução Mexicana é vista neste artigo a partir da visão crítica de Mariano Azuela, um renomado escritor mexicano, que evidencia como as artes e literatura exerceram um importante papel na reflexão sobre o conflito.

Margarida do Amaral Silva, em Codificação das Diferenças: a invenção do homem latino propõe discutir as desconstruções dos discursos produzidos sobre aqueles dos quais suas vozes sempre foi nula ou irracionalizada pelas teorias vigentes sobre grupos subalternos, no que diz respeito à raça, gênero ou posição social. A subalternidade racial é adotada como perspectiva por discutir e ampliar a visão da idéia de subalternidade das colônias modernas, da racionalização do sujeito e do conhecimento.

Hermes Gilber Uberti, no artigo: Assumindo Outros Papéis: o caso da viúva Francisca Pereira Pinto, teve por objetivo analisar situações ligadas à trajetória da mulher no processo de povoamento e colonização da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, a partir da análise das migrações que Francisca Pereira Pinto realizou ao longo do século XIX naquela região. Alguns papéis foram assumidos por ela, ao longo das andanças, entre os quais o de viúva que a levou, entre outras coisas, a assumir a gerência dos negócios, condição que a fez recorrer a diferentes instâncias do poder para fazer valer seus direitos. Além do patrimônio, estavam em jogo interesses outros, como seu reconhecimento social, sua respeitabilidade e o nome da família que pertencia.

Janderson Clayton Farias Machado, com o artigo: O Despertar do Recife no Brasil Holandês propõe abordar como se estruturou o desenvolvimento experimentado por Recife após a invasão holandesa em Pernambuco, enfocando as transformações que a tornaram um grande centro político, econômico e cultural na América Portuguesa, considerando a importância que a administração de Maurício de Nassau teve e o modo como ficou marcada na história de Pernambuco.

Estados Unidos: o contexto dos anos 1970 e as crises do petróleo é o artigo de Havana Alicia de Moraes Pimentel Marinho, que discute o panorama das várias crises dos anos 1970 dentro da perspectiva dos Estados Unidos. No período em questão, dominava a sensação de forte declínio da economia após os frutíferos “anos dourados” do pós-guerra, deste modo, as conseqüências políticas e econômicas dos acontecimentos e as decisões da política externa serão avaliadas no período proposto.

Finalizando a Edição, apresentamos duas resenhas: O desafio biográfico (2009), de Dosse François, resenhada por Fernanda Lorandi Lorenzetti, e George Zeidan Araújo apresentou a resenha da obra Política, cultura e classe na Revolução Francesa (2007), de Lynn Hunt.

Desejamos prazerosas e profícuas leituras!

Camila Cremonese Adamo

Fabiano Coelho

Daniele Reiter Chedid

Cássio Knapp

Fernanda Chaves de Andrade

(Editores) Dourados – MS, Inverno de 2010.


CREMONESE, Camila Adamo; COELHO, Fabiano; CHEDID, Daniele Reiter; KNAPP, Cássio; ANDRADE, Fernanda Chaves de. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 4 n.7, jan. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Mundos do Trabalho e Identidades / Locus – Revista de História / 2009

O Programa de Pós-Graduação em História e o Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora apresentam com satisfação a 28ª edição da Locus, correspondente ao Volume 15, Número 1 da revista. O temário escolhido para o dossiê presente neste número é Mundos do Trabalho e Identidades.

Os dois primeiros artigos do dossiê focalizam diferentes dimensões da legislação trabalhista e social brasileira. Em 1937: o Brasil, apesar do Fascismo: a legislação do Estado Novo e a do Fascismo italiano sobre o trabalho, o contrato coletivo e o salário, Mário Cleber Martins Lanna Junior põe em questão uma relação firmada na literatura sobre a legislação trabalhista, qual seja a suposta identidade com a Carta del Laboro fascista. O autor aponta as diferenças contextuais que envolvem o aparecimento das duas legislações, relacionadas ao estágio de desenvolvimento das duas sociedades, bem como as dessemelhanças dos próprios dispositivos legais, particularmente referidas às características do ordenamento corporativo aos quais se associam e ao caráter mais acentuadamente protetivo da CLT brasileira.

Em “Quem tem ofício tem Benefício”: Legislação protetiva na ótica sindical sob a República trabalhista, Valéria Lobo analisa a presença, na agenda sindical relativa à legislação social, durante a década de 1950 no Brasil, de formulações dirigidas aos excluídos do mercado formal de trabalho, inclusive os desempregados. Seu artigo observa que embora com pequena incidência, consoante com o predomínio dos mecanismos da cidadania regulada, que circunscrevia o acesso aos benefícios e serviços da política social brasileira no período, tais formulações dispõem de incidência crescente, revelando a elevação das preocupações do movimento sindical com os processos de exclusão que acompanham a trajetória capitalista brasileira.

Os três artigos que se seguem abordam dilemas associados à formação da identidade de trabalhadores ao final do século XIX, e início do século XX, com foco na imprensa operária e na composição étnica de contingentes diversos de trabalhadores.

Irmãos de arte: trabalho, identidade e imprensa em São Paulo no século XIX de Jefferson Cano, analisa o discurso de um jornal paulistano do século XIX, publicado por um grupo de tipógrafos. O artigo observa que o objetivo de construção de uma identidade operária, buscado pelo jornal, fracassa em função dos significados sociais do conceito de classe com o qual opera.

André Rosemberg apresenta-nos uma análise do Corpo Policial Permanente de São Paulo no final do Império. O artigo Para quando o calo aperta – os trabalhadores-policiais do Corpo Policial Permanente de São Paulo no final do Império salienta de que forma, ao final do século XIX, concomitante à ampliação da presença de imigrantes em território paulista, o corpo policial apresenta-se como uma alternativa de ocupação para uma importante parcela da população pobre, formada principalmente de homens, brasileiros e não-brancos.

Oswaldo Mário Serra Truzzi e Rogério da Palma realizam um levantamento do perfil étnico-racial e ocupacional das famílias que compunham a mão-de-obra dos latifúndios cafeeiros de São Carlos durante o início do século XX. O artigo Identidades e mercado de trabalho: uma análise do perfil étnico-racial e ocupacional dos latifúndios cafeeiros de São Carlos (1907) vale-se do recenseamento municipal realizado no ano de 1907 no município de São Carlos, São Paulo, para sugerir determinadas relações entre a conformação do mercado de trabalho e a (re)construção de identidades e de padrões de sociabilidade nesse contexto específico.

Mais três artigos discorrem sobre diferentes experiências de lutas e de sociabilidade entre trabalhadores de diversas regiões, períodos e categorias profissionais, no Brasil após 1930, considerando o impacto que produzem na formação de suas identidades.

Paula Garcia Schneider analisa os movimentos grevistas dos trabalhadores de Porto Alegre em 1945, reagindo à carestia que atingia a sociedade brasileira desde 1942. Seu artigo, Trabajadores, carestía de vida y huelga general. El caso de Porto Alegre en 1945, sugere que os dois processos têm peso importante na formação da classe trabalhadora gaúcha no período.

Juçara da Silva Barbosa de Mello analisa como o compartilhamento de valores solidários e certas experiências comuns participam na constituição da identidade dos trabalhadores têxteis numa pequena localidade no Rio de Janeiro entre 1930 e 1960. Seu artigo, Identidades operárias: hierarquias sócio- profissionais e valores solidários firmados a partir da centralidade do trabalho fabril, sustenta que os aspectos indicados acima não anulam, mas sobrepõem-se, à diversidade de posições ocupadas pelos trabalhadores no universo fabril e em seu cotidiano.

Memória(s) e Identidade(s) nos trilhos: História de Ferroviários brasileiros em tempos de neoliberalismo, de Andréa Casa Nova Maia, analisa como os ferroviários da Rede Ferroviária Federal S.A., entre os anos de 1957 e 1996, até os dias de hoje, em Minas Gerais, presenciam as mudanças e os novos desafios do capitalismo no século XXI. A partir das formulações de E.P. Thompson, discute, então, a luta por direitos e as formas de organização dos ferroviários mineiros no período indicado.

O dossiê proposto nesta revista completa-se com mais dois artigos que, embora não abordem temas diretamente vinculados aos mundos do trabalho, focalizam dilemas associados à formação de identidades entre imigrantes em duas situações diversas.

Em La Contruccíon de la Italianidad en Argentina (Luján, Provincia de Buenos Aires, 1870-1920), Dedier Norberto Marquiegui analisa os processos de formação de identidades entre os italianos na província argentina de Luján, num período de intenso fluxo imigrantista. O artigo focaliza a inserção social dos imigrantes, bem como o papel desempenhado pelas associações e elites italianas em tais processos.

Endrica Geraldo analisa a política repressiva contra os trabalhadores estrangeiros no Brasil durante o Estado Novo. Em O combate contra os “quistos étnicos”: identidade, assimilação e política imigratória no Estado Novo, observa que, no contexto da Segunda Guerra Mundial, os debates sobre assimilação e miscigenação seriam influenciados também pela classificação dos trabalhadores imigrantes como uma ameaça militar.

O presente volume conta, ainda, com o artigo Território da doença e da saúde: o Vale do Rio Doce frente ao panorama sanitário de Minas Gerais (1910-1950), de Jean Luiz Neves Abreu e Maria Terezinha Bretas Vilarino, que aborda a presença do Vale do Rio Doce no panorama sanitário de Minas Gerais entre as décadas de 1910 e 1950. A partir da análise da atuação do poder público na área da saúde em Minas Gerais, o artigo salienta como a região do Rio Doce se inseriu tardiamente no projeto do saneamento do Estado.

Esta edição da Locus encerra-se com a resenha de Claúdia Maria Ribeiro Viscardi sobre o livro de Allan Kidd initulado Society and the Poor in XIX Century. Em que pese ser uma publicação editada há mais de 10 anos, trata-se de uma obra virtualmente desconhecida do público brasileiro, que tem, portanto, uma oportunidade de estabelecer com ela um primeiro contato.

Ignacio José Godinho Delgado – Editor


DELGADO, Ignacio José Godinho. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.15, n.1, 2009. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Perspectivas de gênero nos mundos do trabalho | Mundos do Trabalho | 2009

Os artigos reunidos neste dossiê trilham diferentes caminhos frente ao desafio comum de articular perspectivas de gênero num exercício de história social. A categoria analítica de gênero é neles empregada para rever e ampliar os limites do mundo do trabalho e seus sujeitos. As e os protagonistas das histórias contadas nos artigos que se seguem nem sempre cerraram fileiras em partidos políticos ou em sindicatos, e muitos deles não realizaram greves nem motins. Suas experiências sociais são aqui tomadas para problematizar os limites e a abrangência do conceito de classe trabalhadora, que não se expressa e não se esgota apenas em sua organização institucional.

As autoras deste dossiê escolheram enfocar primordialmente a complexidade da composição e do relacionamento de diversos grupos de trabalhadores, levando em conta as múltiplas noções identitárias que permeiam suas experiências. Leia Mais

Mundos do trabalho / História Social / 2008

Os artigos que compõem este número da revista atestam a vitalidade da História Social do Trabalho. Passado o impacto dos estudos produzidos entre o final dos anos 1970 e meados da década de 1980, esta área de conhecimento atravessou períodos difíceis e de incerteza. Mudanças profundas do capitalismo – tanto no que concerne à introdução de novas tecnologias nas fábricas e novos modelos de gestão empresarial, quanto ao “consenso neoliberal”, articulado ao acelerado processo de mundialização da economia e reforçado pela derrocada dos assim chamados países socialistas – levaram a declarações sobre o fim da sociedade industrial do trabalho, ao menos como esta foi concebida e conhecida segundo os padrões tayloristas e fordistas de organização do trabalho.

Os pesquisadores da História do Trabalho, confrontados com os desafios colocados por este quadro, tinham que se defrontar também com a “concorrência” de novos temas, objetos e abordagens de pesquisa, que faziam estremecer os bem acomodados alicerces de investigações tributárias de uma longa tradição de estudos marxistas de variados matizes. O ambiente instável oscilou entre o desânimo e a perplexidade. Houve os que resolveram mudar de assunto, enquanto outros agarravam-se fortemente ao que restava do vendaval ou debatiam(-se) na defensiva. Outros ainda apostaram numa solução de compromisso: bastaria juntar aos melhores ingredientes da história social os novos condimentos da história cultural, e a receita estava pronta. Resultado do valor nutritivo do prato à parte, tal fórmula pode ser entendida ora como rendição a outros paradigmas de conhecimento, ora como anexação de novos territórios. Seja como for, em ambos os diagnósticos, o corolário teria sido uma crise de identidade da História Social do Trabalho.

O fato é que muitos dos seus praticantes, sem perder a autoconfiança, reconheciam que sua agenda de pesquisa precisava ser modificada e ampliada para dialogar com outros interlocutores acadêmicos e se inserir no vasto repertório do debate político contemporâneo. A questão permanece aberta, mas nos últimos anos o que se observa é o fortalecimento da História do Trabalho. Atestam-no a marcante presença do GT “Mundos do Trabalho” nos simpósios da Associação Nacional dos Historiadores (Anpuh), o incremento dos acervos de diversos arquivos e centros de documentação voltados à temática do trabalho, o crescente número de dissertações e teses anualmente defendidas em diferentes programas de pós-graduação do país, as parcerias com instituições fora do âmbito acadêmico, a ampliação de redes de pesquisa e conferências internacionais e o surgimento de novos periódicos especializados. Com efeito, o vigor atual da História do Trabalho se expressa nos artigos desta revista, escritos por uma nova geração de pesquisadores.

A seqüência dos textos obedece aqui a uma organização cronológica, bem como a um arranjo por assunto, ordenado, grosso modo, em seis eixos temáticos, embora possam ser agrupados também segundo outros critérios, como abordagens ou problemas de investigação.

O primeiro eixo diz respeito à experiência dos escravos na formação da classe trabalhadora brasileira, mostrando a fragilidade das interpretações que consagraram uma divisão rígida entre o trabalho escravo e o chamado trabalho livre. A derrota de algumas propostas dos abolicionistas no fim do Império é o tema de Roberto Saba. Diante dos movimentos abolicionistas que tomavam as ruas, lideranças escravistas, guiados por um pragmatismo político conservador, aferraram-se no parlamento ao direito da propriedade escrava. É nesse contexto, segundo o autor, que cabe entender os debates que envolveram a elaboração e aprovação da Lei dos Sexagenários. Se, como Roberto Saba demonstra, certas leis emancipacionistas frustraram alguns líderes abolicionistas, peço licença ao autor para acrescentar aqui que, mesmo para os arautos da “causa da liberdade”, como os da envergadura de um Joaquim Nabuco, era também no parlamento, e não nas ruas, que o fim da escravidão deveria ser decidido. Cativos sem consciência em razão da suposta “morte civil” infligida por séculos de escravidão deveriam ser representados por “homens de casaca”, conforme pontificou Nabuco em O Abolicionismo. No entanto, algumas décadas de pesquisas empiricamente sustentadas já deram conta de mostrar que, no pós-abolição, os libertos estavam civilmente vivos e não endossaram invariavelmente as apostas dos abolicionistas imigrantistas que viam no mercado de trabalho livre o antídoto eficaz contra as heranças deixadas pela escravidão. Iacy Maia Mata, em “Libertos na mira da Polícia”, revela justamente as estratégias dos ex-escravos para afastar de seu horizonte o trabalho assalariado nas fazendas baianas após 13 de maio de 1888. Baseada em jornais, processos judiciais e documentação policial, Mata abre um leque de opções de liberdade que, mesmo limitado, oferecia mobilidade aos trabalhadores negros no campo e na cidade. Foi contra essa recusa ao assalariamento que a Polícia aumentou seus efetivos e seus mecanismos de controle social. Seguindo essa mesma linha tênue entre escravidão e liberdade, Robério S. Souza estuda uma encarniçada greve de ferroviários baianos, ocorrida em 1909, quando eles bradaram: “tudo pelo trabalho livre”. O que estavam expressando neste grito de guerra era uma experiência de exploração que remontava aos tempos e à memória do cativeiro. Afinal, os grevistas eram, em grande parte, afrodescendentes que não demarcavam as fronteiras entre escravidão e trabalho livre com a mesma precisão de muitos historiadores subseqüentes, conforme vasta produção acadêmica vem demonstrando nos últimos 30 anos, na qual se inserem os trabalhos de Iacy Mata e Rogério Souza.

Do mesmo modo, a imagem monocromática da classe operária na Primeira República – branca e imigrante – não permitiria compreender como foi possível a convivência de um fundidor negro (“trabalhador livre”) e um barbeiro português (proprietário de seu pequeno salão) em uma mesma sociedade mutualista na cidade de Campinas / SP. Paula Nomelini investiga tal possibilidade ao analisar as associações campineiras de recreação e ajuda mútua, entre 1906 e 1930, abrindo o eixo temático sobre “culturas de classe”. A cultura associativa dos trabalhadores não era estritamente militante. Os estatutos de diversas sociedades – fossem elas organizadas por ofício, etnia, empresa, “identidade negra”, ou para fins recreativos ou assistenciais – preconizavam a neutralidade política. No entanto, Nomelini registra que associações de caráter não especificamente sindical expressaram nítida identidade de classe e mobilizavam-se em favor de melhores condições de vida, além de funcionarem segundo princípios democráticos de organização. Não foi por outra razão que muitos trabalhadores se filiaram a sociedades de natureza distinta, compondo, assim, uma densa rede de relações sociais. Nesta mesma corrente de investigação, Uassyr de Siqueira, respaldado em pesquisa paciente e minuciosa, rastreia um amplo campo associativo na cidade de São Paulo durante a Primeira República. Seu objetivo é identificar e analisar espaços informais de sociabilidade, embaralhando as fronteiras entre trabalho e lazer ao “adentrar” no recinto de sociedades recreativas e botequins, espaços onde se podia relaxar e escapar dos controles sociais do dia-a-dia. Estes adeptos de uma espécie de “Internacional das vítimas da pinga” sofriam ataques de uma cruzada dos militantes anarquistas contra o abuso do álcool, o que era parte integrante de um contexto também internacional do movimento operário das primeiras décadas do século XIX, como bem destacam outros autores referenciados por Siqueira. No campo da “cultura militante e letrada”, Alonso Lima investiga idéias, mitos e símbolos presentes no jornal anarquista A Lucta Social da cidade de Manaus, na década de 1910. Os artigos que configuram este eixo de investigação fazem parte dos esforços recentes da História Social no sentido de explorar temas e problemas da cultura operária, até bem pouco tempo relegados a segundo plano, tais como rituais, lazer, celebrações, identidades, produção simbólica e relações de sociabilidade, esgarçando, assim, os limites das abordagens clássicas da história dos trabalhadores, em geral, e do movimento operário, em particular.

Ainda na Primeira República, temos um terceiro eixo de estudos ligado às experiências comunistas. Caio Bugiato, jovem pesquisador de Ciência Política, problematiza a tese, de resto já bastante criticada por outros pesquisadores, de que os anos iniciais de vida do Partido Comunista do Brasil (PCB) teriam sido uma mera correia de transmissão de um suposto comunismo internacional gravitando harmonicamente em torno de Moscou. Sem perder de vista os impactos da Revolução Russa na formação do comunismo no Brasil, o autor sustenta que foram os fatores internos ao PCB que presidiram a fundação e os passos iniciais do partido, marcados por uma atuação mais autônoma do que sugerem estudos empenhados em demonstrar que a orientação político-ideológica dos comunistas brasileiros era um simples decalque dos ditames do Comintern. No terreno da história biográfica, Frederico Bartz percorre com grande sensibilidade a trajetória, senão errática, ao menos tortuosa e, talvez, única do imigrante libanês Abílio Nequete, também fortemente influenciado pela Revolução de 1917 e fundador de um dos primeiros núcleos do PCB. O leitor, certamente, se surpreenderá com os múltiplos caminhos de um militante um tanto idiossincrático, capaz de desconcertar qualquer biógrafo mais inclinado a encontrar coerências e uniformidade nas histórias de vida de seus personagens. De cristão ortodoxo e, depois, espírita, Nequete aderiu ao comunismo, do qual se afastou para criar o Partido Tecnocrata, sob a máxima “técnicos de todos os países, uni-vos”. O “Marx dos Técnicos” incorporou à sua tecnocracia uma doutrina religiosa toda própria, o evidentismo, sobre o qual o leitor encontrará uma definição no artigo de Bartz. Vale registrar, enfim, que a história do comunismo já não é apenas a história de suas direções, de seus conflitos internos, orientações políticas e documentos oficiais. Do mesmo modo, novas pesquisas buscam não mais reduzir o comunismo a uma propriedade ou essência, como “partido de cúpula”, “seita secularizada” e “títere de Moscou”. Assim, os artigos aqui referidos ampliam as investigações sobre a história intelectual do PCB, suas tensas conexões com o comunismo internacional, suas iniciativas culturais e redes de sociabilidade, além das vozes dissonantes de seus militantes, captadas por meio de investigações biográficas, campo crescentemente explorado pela História Social.

Adentramos agora em um conjunto de textos cujos objetos de pesquisa se situam na cronologicamente indefinível “era Vargas”. A conjuntura de “esforço de guerra” durante parte do Estado Novo (1937-1945) foi vivida pelos trabalhadores como um período de sufocamento político, perda de direitos, precarização das condições do trabalho e recrudescimento da arbitrariedade patronal. O artigo de Fernando Pureza se dedica a uma dimensão ainda pouco explorada do cotidiano do operariado durante a Segunda Guerra Mundial: o custo de vida, a renda familiar e, sobretudo, a visão de economia dos próprios trabalhadores, tomando Porto Alegre como cenário de conflitos e mobilizações. A distribuição irregular do leite, por exemplo, envolta em concepções morais, levou alguns condutores de caminhão destinado à entrega do precioso líquido a baterem em retirada frente aos ataques de “populares” enfurecidos. Apesar dos constrangimentos sociais e políticos daquela conjuntura, os trabalhadores não permaneceram inertes. Entre outras iniciativas, muitos deles colocariam à prova a eficácia e os intentos de mais de uma década de atividade legiferante no campo dos direitos trabalhistas. A Justiça do Trabalho, recém-instalada sob a promessa de defender a “parte frágil” da relação entre capital e trabalho, foi um dos espaços legítimos de atuação de trabalhadores e sindicatos. Edinaldo Oliveira Souza, ao percorrer “os bastidores das disputas trabalhistas” do Recôncavo Baiano, entre 1940 e 1960, questiona a eficácia do instituto da conciliação dos conflitos na arena jurídica como mecanismo de colaboração de classes, segundo os princípios advogados pelo corporativismo. O autor mostra que, na prática cotidiana dos tribunais, os propósitos conciliatórios não alcançaram a almejada “paz social” e se abriram a numerosos conflitos, os quais não se limitavam à disputa por “vantagens econômicas”, pois envolviam igualmente noções de honra pessoal, dignidade profissional e solidariedade de classe. Ao longo de anos de embates dentro e fora dos espaços institucionais, os trabalhadores foram capazes de construir uma cultura jurídico-política de direitos que os tornava aptos a “manobrar” as cortes trabalhistas em seu próprio benefício, como ocorreu durante a “greve dos 700 mil”, em São Paulo, em 1963. Dissecada por Larissa Corrêa, esta paralisação teve desdobramentos jurídicos de grande impacto nacional, que só puderam ser bem interpretados mediante a análise minuciosa de dissídios coletivos salvos da sanha incendiária da Justiça do Trabalho. A autora apresenta tribunais permeáveis à forte pressão do movimento operário, com manifestações ruidosas batendo em suas portas e lideranças pouco inclinadas à deferência esperada diante de magistrados paramentados. Ao contrário das teses que consideram os tribunais trabalhistas como invariáveis defensores dos interesses patronais, das páginas do artigo de Corrêa emergem rituais e roteiros em que os atos não estão definidos de antemão. O que encontramos nesses textos, portanto, é uma parte do ingente investimento de revisão historiográfica iniciada nos anos 1980, que vem procurando explorar as ambigüidades do populismo e questionar as teses que ressaltavam a invariável subordinação da classe trabalhadora à retórica e às práticas dos governos de viés trabalhista. Assim, projetos e discursos “oficiais” são articulados às experiências, expectativas e frustrações dos próprios trabalhadores, em meio às suas noções acerca dos direitos, das leis e da justiça.

Um quinto arco temático enfeixa três artigos ocupados, entre outros assuntos, com questões relativas ao processo e ao mercado de trabalho. Andréa Teixeira Silva, com base em depoimentos orais, reconstitui o trabalho de famílias produtoras de farinha de mandioca de Feira de Santana / BA, cujas memórias remontam ao período de 1948 e 1960. Aqui estamos diante do cotidiano do trabalho camponês, pontilhado por relações de solidariedade e lazer que demarcavam o trabalho masculino e feminino. Por outro lado, a produção da farinha, em que pese estar associada a festas acompanhadas de música, comida e bebida, não compunha um suposto mundo rural idílico e ao abrigo de desentendimentos entre os próprios trabalhadores locais. Viviane Barbosa, por sua vez, também se debruça sobre o cotidiano dos trabalhadores rurais, marcado pela diversidade e pela adversidade social, política e ecológica. Do difícil trabalho das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão emergem instigantes questões de gênero e todo um universo simbólico muito particular. Por outro lado, submetidas ao olhar preconceituoso sobre sua atividade profissional, as quebradeiras tinham de enfrentar ainda a violência de grileiros de terra, os cercamentos e a exploração predatória dos recursos naturais, cujos desdobramentos mais recentes foi a criação de instituições e movimentos voltados à defesa ambiental e ao direito à terra. Os artigos de Andréa Teixeira e Viviane Barbosa reforçam a assertiva de que a história operária não é mais exclusivamente a história dos trabalhadores urbanos, masculinos, sindicalizados e grevistas. Processo de trabalho, condições de vida e experiência cotidiana de mulheres trabalhadoras ocupam cada vez mais o elenco dos temas descobertos e / ou revalorizados pela História do Trabalho, que, ademais, deixou de ter como palco apenas os grandes centros industrializados do país, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, alargando suas fronteiras para outras regiões do país. Por fim, Fabiana Pina investiga a política educacional da Ditadura Militar destinada às “necessidades” do mercado de trabalho a partir do famigerado Acordo MEC-USAID, que pretendia fazer das universidades o locus precípuo da formação da mão-de-obra, com vistas ao “desenvolvimento nacional”.

O último eixo temático se volta também aos desafios mais recentes do mundo do trabalho, tais como reestruturação produtiva, introdução de novas tecnologias, globalização e precarização do trabalho. Antonio Bosi transita em meio à linha quase indiscernível entre formalidade e informalidade do mercado de trabalho, de modo a percorrer as ruas em que catadores de materiais recicláveis fazem das sobras do consumo doméstico um meio de sobrevivência. Da quase invisibilidade física e social dos catadores, Bosi resgata uma ética positiva do trabalho, a partir da qual eles buscam obter reconhecimento público e exprimir os limites de seu pertencimento e de sua exclusão da sociedade. Preocupado com os significados subjetivos do trabalho, o autor entra “no chão das lojas”, como o das Casas Pernambucanas, e entrevista jovens trabalhadoras que atribuem valor e sentido ao que fazem em comparação ao que seus pais faziam, o que coloca o texto de Bosi na rota das pesquisas que têm por objeto questões relativas às diferenças, tensões e continuidades entre gerações de trabalhadores. Com efeito, antigos operários talvez possam estranhar o bombardeio infernal de um novo vocabulário empresarial a que os mais jovens são submetidos diariamente nas fábricas: “gestão de pessoas”, “responsabilidade social”, “trabalhador multifuncional”, “cultura de qualidade”, Just in time, “modelos participativos” e todo um cortejo de expressões altissonantes que o autor escrutina criticamente. Com efeito, sob a denominação edificante de Turn-Key, segundo o artigo de Fábio Villela, desenvolveu-se um regime de trabalho na construção da linha 4 do Metrô de São Paulo, que, em 2007, resultou em 7 vítimas de desabamentos. Villela passa em revista todo um novo processo de “macdonaldização” que tomou conta das fast constructions, baseadas em novos “modos de socialização” dos trabalhadores. Tal processo não apenas criou uma terminologia grandiloqüente, mas envolveu um conjunto de parcerias entre universidades, centros de pesquisa e poder público, sob a batuta dos empresários, visando levar a cabo um processo de reestruturação das cidades, cujo termo, “tecnópolis”, engendra uma realidade de “gentrificação”, outra denominação pomposa que encobre processos de elitização e segregação urbana. Paralelamente a isso, antigos bairros operários passaram a conviver com verdadeiros “cemitérios de empresas”, como ocorre no processo de desindustrialização do Jacarezinho na Zona Norte do Rio de Janeiro. Cristiane Thiago e Sérgio Pereira acompanham essa desagregação do local nos anos 1990, fruto das privatizações praticadas pelas políticas de feitio neo-liberal. Os autores analisam ainda a reestruturação produtiva da Companhia Siderúrgica Nacional, de Volta Redonda / RJ, e seu corolário de demissões e descaso em relação à cidade, o que, por outro lado, motivou as lideranças e os moradores a se mobilizarem em torno de reivindicações urbanas. Por fim, temos o artigo de Marcilio R. Lucas sobre reestruturação produtiva na Votorantim Metais, em Três Marias / MG, desde os anos 1990. Ao considerar o tratamento endocrinológico de emagrecimento da fábrica (“empresa enxuta”), em meio ao processo de desregulamentação dos direitos operários, Lucas problematiza as generalizações acerca dos efeitos amplamente desagregadores dos novos modelos de gestão empresarial sobre o movimento sindical, mostrando que o sindicato local (Sindimet) não mordeu a isca dos discursos de colaboração de classes da Votorantim. Por outro lado, o autor está atento às tensões entre lideranças e trabalhadores, que, pressionados ou persuadidos pela fábrica, entram em rota de colisão com posições irredutíveis do sindicato. Em síntese, os trabalhos hoje situados na fronteira entre a História e a Sociologia do trabalho estão sensíveis aos desafios colocados pelas dramáticas mudanças atuais no processo de trabalho. No entanto, como os textos acima sintetizados sustentam, a eficácia dos modelos de “gestão de pessoas” não se faz sobre uma tábua rasa, mas são interpelados por costumes, tradições e experiências em comum, dando seqüência à linhagem de estudos thompsonianos, com vistas à compreensão e ao enfrentamento dos dilemas contemporâneos da industrialização.

Em suma, os artigos desta coletânea derivam de investigações ainda em andamento ou de dissertações e teses recém-defendidas por jovens pesquisadores e, na sua grande maioria, desenvolvidas em programas de pós-graduação em História. Trata-se, pois, de um conjunto de autores em fase de construção e estruturação de suas trajetórias de pesquisa, cujos resultados apontam para o revigoramento do campo da História Social do Trabalho, conforme busquei demonstrar ao longo deste texto.

Uma coletânea de 18 artigos como esta sempre desafia a (in)capacidade de síntese de apresentadores prolixos como eu. O que os leitores têm a fazer de melhor é percorrer as instigantes páginas que se seguem. A eles peço desculpas por não tê-los advertido disso logo no primeiro parágrafo desta Apresentação.

Fernando Teixeira da Silva – Departamento de História / Unicamp.


SILVA, Fernando Teixeira da. Apresentação. História Social. Campinas, n.14-15, 2008. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê