Relações Brasil-Estados Unidos: séculos XX e XXI | Sidnei J. Munhoz e Francisco Carlos Teixeira da Silva

As relações entre Brasil e Estados Unidos constituem um campo riquíssimo de pesquisas. Embora muitos trabalhos de peso sejam publicados anualmente, o assunto está longe de ser esgotado. Isso se deve tanto ao fato dessas relações continuarem a se desenrolar na atualidade (o que as coloca constantemente em debate), quanto aos novos olhares lançados sobre o passado, os quais suscitam releituras e reinterpretações. Além disso, trata-se de uma área de estudo abrangente, onde se entrecruzam fatores políticos, diplomáticos, econômicos, sociais e culturais.

Os Estados Unidos foram a primeira nação a reconhecer a independência brasileira, em 1824. Desde então, procuraram difundir e ampliar sua influência sobre o país latino-americano, fosse como seu principal parceiro comercial (situação que perdurou por décadas); intervindo politicamente nos rumos do país; ou exportando padrões de consumo e comportamento por meio de sua poderosa indústria cultural. Todavia, a nova posição do Brasil no cenário mundial e a postura do governo Barack Obama estão reconfigurando essas relações. Leia Mais

Relações Brasil-Estados Unidos: séculos XX e XXI – MUNHOZ; TEIXEIRA DA SILVA (CTP)

MUNHOZ, Sidnei J.; TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. (Orgs.). Relações Brasil-Estados Unidos: séculos XX e XXI. Maringá: Eduem, 2011. Resenha de: PEREIRA JÚNIOR, Edson José Perosa. Relações Brasil-Estados Unidos: Séculos XX e XXI, de Sidnei Munhoz e Francisco Teixeira da Silva. Cadernos do Tempo Presente, n. 07 – 07 de abril de 2012.

Em Relações Brasil-Estados Unidos: séculos XX e XXI, os organizadores Sidnei J. Munhoz e Francisco Carlos Teixeira da Silva reuniram textos de diferentes autores sobre as relações entre Brasil e Estados Unidos, traçando uma perspectiva histórica no relacionamento desses dois gigantes. O livro foca as relações Brasil-EUA durante o século XX e início do XXI, apontando para as perspectivas desse novo século. Desnecessário apontar a importância dos Estados Unidos para o Brasil ao longo desse período, sendo o maior parceiro comercial do Brasil até muito recentemente, além de haverem sido aliados durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Todavia, isso não significou que o Brasil foi submisso aos interesses dos EUA; os dois países vivenciaram períodos de intensa cooperação (como a Segunda Guerra Mundial e o governo Castello Branco, por exemplo) e períodos de mais afastamento e tensões (governo Goulart e governo Geisel, por exemplo).

No capítulo introdutório, Sidnei J. Munhoz destaca a instabilidade do sistema internacional causado pelos atentados de 11 de setembro de 2001, e a reação estadunidense subsequente, destacando dessa forma a atualidade e relevância do tema tratado pelo livro. Aponta também a ascensão do Brasil como potência regional, e possivelmente mundial, nos últimos anos. Isso é fundamental para entendermos como podem ser configuradas as relações Brasil-EUA daqui para frente. Exposto o cenário internacional mais recente, Munhoz sintetiza cada capítulo do livro. A obra se divide em duas partes. A Parte I possui oito capítulos que trazem a abordagem histórica, ordenada de forma razoavelmente cronológica. A Parte II, em seus cinco capítulos, faz um corte transversal sobre as relações entre os dois países tratando de temas mais específicos como Cultura, Direitos Humanos, segurança e defesa.

No capítulo 1, Brasil e Estados Unidos: dois séculos de relacionamento, Frank D. McCann parte de uma perspectiva de longa duração no relacionamento entre os dois países, por isso mesmo McCann dá uma nova dimensão a esse relacionamento, destacando que os momentos de tensões e conflitos foram mais frequentes do que se costuma supor. Traçando o início da cooperação mais intensa entre os dois países, durante a gestão do Barão do Rio Branco no afirma que o Brasil desenvolveu sua Política Externa no sentido de se aliar com os EUA nas grandes questões internacionais da época, esperando que os EUA por sua vez apoiassem o Brasil em seus litígios sul-americanos. Era regra do serviço diplomático brasileiro não se reunir com mais de um país sul americano, para evitar que os países de língua espanhola conspirassem contra o Brasil. Essa regra inspirou uma aliança não escrita com os EUA. Os interesses do Brasil e dos EUA parecem haver sido perfeitamente compatíveis enquanto o Brasil foi um país eminentemente agrário, entretanto quando o país passou a exportar mais manufaturados do que produtos agrícolas as relações entre os dois países passaram a ser menos compatíveis com o interesse da cada país, havia e há de fato uma rivalidade emergente. McCann aponta também como Washington foi responsável por diversos desentendimentos desnecessários entre os dois países.

No capítulo seguinte, intitulado Estados Unidos: ‘farol’ e ‘polícia’ da América Latina, Mariana Martins Villaça foca o relacionamento entre os EUA e os países latino-americanos.

Havia duas tendências diferentes para o desenvolvimento da América Latina. Os EUA insistiam na importância de os países latino-americanos abrirem os seus mercados para os produtos e capitais estadunidenses; por outro lado a ONU, representada pelo Cepal, insistia na importância de se desenvolver uma indústria nacional nesses países, por meio da substituição de importações, o que exigia protecionismo e política cambial apropriada. Os Estados Unidos exerceram e ainda exercem sua hegemonia sobre o hemisfério, servindo de ‘farol’ para muitos países da região, como um modelo a ser seguido, mas também sendo o ‘policial’ da região, utilizando-se da sua força militar contra os países que saíssem do eixo, ou desagradassem Washington.

No Capítulo 3, A Participação Conjunta de Brasileiros e Norte-americanos na Segunda Guerra Mundial, Frank McCann e Francisco Ferraz discorrem sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial e a aliança com os EUA, sendo esse o período de maior aproximação entre os dois países. Os Estados Unidos orientados pela Política de Boa Vizinhança, evitavam atritos e tensões com os países latinos, utilizando-se mais do soft power para atrair os países latino-americanos para sua órbita de influência, alinhando-se contra os países do Eixo. O chanceler Osvaldo Aranha tendo consciência da fragilidade econômica e militar do Brasil indicava que o país deveria se aliar com os estadunidenses na busca de seus interesses, mesmo sabendo que essa aliança poderia ser perigosa, pois deixava o Brasil muito dependente dos Estados Unidos.

No capítulo Na Gênese da Guerra Fria: os EUA e a repressão ao comunismo no Brasil, Sidnei Munhoz aborda o início da Guerra Fria e suas consequências para o Brasil. Houve com o fim da Segunda Guerra Mundial, tentativas democratizantes na América Latina, mas que foram obstadas com o limiar da Guerra Fria, devido ao medo do comunismo. O anticomunismo serviu de álibi para a repressão dos mais diversos movimentos sociais, bem como na repressão do Partido Comunista Brasileiro. O governo Dutra foi altamente repressor, sendo um retrocesso no processo de abertura política depois do fim do Estado Novo; a cassação dos partidos comunistas pela América Latina se deu em muitos países e teve significativa influência dos EUA nesse processo. Assim, apesar do conservadorismo das elites locais, não se pode negar a influência dos EUA na repressão ao comunismo e aos movimentos sociais no Brasil e em toda a América Latina daquele período.

No capítulo, O Populismo e as Relações Brasil-EUA (1945-1964): a dialética do alinhamento e da autonomia, Paulo Vizentini percorre o período entre o fim do Estado Novo e o golpe militar. O governo Vargas oscilou em sua Política Externa, hora cedendo aos interesses estadunidenses, hora assumindo uma postura mais independente; o ano de 1952 foi marcado por essas oscilações, pois o Brasil denunciou a remessa irregular de lucros para o exterior e assinou o acordo de cooperação militar com os EUA. As próprias necessidades de desenvolvimento interno brasileiro faziam com que o país buscasse uma postura mais assertiva e autônoma para com os EUA, culminando nos governos Jânio Quadros e João Goulart, com o que ficou conhecido como Política Externa Independente (PEI).

No capítulo seguinte, A Relações Brasil-EUA durante o Regime Militar (1964-1985), Vizentini aborda as relações entre os dois países durante a Ditadura Militar. Distanciando-se das visões estereotipadas de que o Regime Militar foi completamente submisso aos interesses estadunidenses, o autor aponta para os desentendimentos entre os dois países. O regime militar tinha um projeto desenvolvimentista, que o colocou em rota de colisão com os EUA.

Ainda que no governo Castello Branco tenha havido uma maior afinidade com os Estados Unidos (em grande parte devido ao suporte que os EUA deram ao golpe), já no governo Costa e Silva começam a aparecer divergências entre os dois países. O governo Geisel foi o ponto máximo de afastamento entre os dois países, o Pragmatismo Responsável retomava vários princípios da PEI.

O capítulo 7 trada As Relações Brasil-Estados Unidos durante os governos FHC. Paulo Roberto de Almeida destaca como FHC introduziu um novo elemento no relacionamento entre os dois países despolitizando os conflitos que eventualmente surgem, centrados em questões comerciais, e estabelecendo o bom relacionamento com os EUA como norma.

Certamente a simpatia entre os dois governantes, FHC e Bill Clinton, contribui para o bom relacionamento entre as duas nações e foi, provavelmente, fundamental no apoio que o Brasil recebeu dos Estados Unidos por conta da crise financeira de 1998, que ameaçava a estabilidade recém conquistada pelo Plano Real. Entretanto depois dos atentados de 11 de setembro os EUA passaram a assumir uma postura mais unilateral (devido também ao governo neoconservador de George W. Bush) e provocou significativo deterioramento no relacionamento econômico entre o Brasil e os Estados Unidos.

No capítulo 8, A Política Externa do Governo Luís Inácio Lula da Silva e as Relações com os Estados Unidos da América, Ricardo Pereira Cabral aborda um dos dois temas mais contemporâneos do livro. As relações exteriores brasileiras se caracterizaram pelo pragmatismo, especialmente em relação com os EUA. Além disso, o governo Lula deu especial enfoque para as relações sul-sul, como forma de contrabalançar a hegemonia política, econômica e militar dos países desenvolvidos. Podemos perceber elementos de continuidade e ruptura em relação ao governo anterior. Continuidade no enfoque multilateral e nos compromissos assumidos pelo Brasil mundo afora e ruptura no sentido de insistir em certos temas na agenda internacional, como o combate a fome. A crise econômica de 2008 que se arrasta até hoje, demonstrou a força do mercado interno brasileiro e a solidez da economia brasileira mesmo em um cenário de crise como esse. Isso contribui para fortalecer a imagem do Brasil no exterior e para que novos fóruns e grupos de discussões e tomadas de decisões, como o BRICS, G-20 e IBAS, se fortalecessem.

O capítulo 9, As Relações Militares entre o Brasil e os Estados Unidos no Século XX, inicia a Parte II do livro. Nesse capítulo, Sonny Davis aborda a relação entre os dois países sob o ponto de vista militar; as fases de cooperação e de divergências entre Brasil e EUA nesse campo. O relacionamento entre o Brasil e os EUA cresceu lentamente até a Segunda Guerra Mundial, acelerando-se a partir daí; os dois países desenvolveram íntimos laços econômicos e militares, o Brasil esperava que a aliança com os Estados Unidos ajudasse em sua busca por desenvolvimento econômico e militar, enquanto os EUA entendiam que o Brasil seria seu leal aliando em assuntos internacionais. A Segunda Guerra Mundial foi um momento histórico único para as relações entre o Brasil e os Estados Unidos, passado esse momento, as relações entre os dois países passou por uma reorientação em que a América Latina e o Brasil perderam importância dentro da nova conjuntura da Guerra Fria. Apesar das divergências, há que se destacar que a cooperação militar entre Brasil e EUA foi intensa, comparada com as relações militares dos Estados Unidos com outros países da América Latina.

No capítulo seguinte, Da Boa Vizinhança à Cortina de Ferro: política e cinema nas relações Brasil-EUA em meados do século XX, Alexandre Valim faz um recorte específico na análise das relações entre Brasil e EUA; destacando o uso político do cinema (e da indústria do entretenimento de modo geral) e demonstrando como entretenimento e propaganda política estão imbricados. Para Valim, a Política de Boa Vizinhança não representou a liquidação dos objetivos imperialistas dos EUA na América Latina, mas apenas a sua reformulação em métodos mais criativos e, por que não, mais eficazes. Ou seja, a Política de Boa Vizinhança significou que os EUA se utilizaram mais do chamado Soft Power (Cinema, Propaganda, etc.). Com o alvorecer da Guerra Fria, o anticomunismo tornou-se exacerbado e isso foi propagando dos EUA para o resto do planeta, por meio do cinema. Dessa forma, nesses dois momentos, antes e depois da Segunda Guerra Mundial o cinema foi um recurso importante nas formas de dominação que os EUA utilizavam na América Latina e no mundo. Não se pode negligenciar esse aspecto quando se aborda o relacionamento entre os dois países.

No capítulo 11, Internacionalismo Trabalhista: o envolvimento dos Estados Unidos nos sindicatos brasileiros, 1945-1964, Clifford Welch destaca um ponto pouco explorado nas relações entre Brasil e EUA. No período que antecedeu o Golpe Militar, foi ativa a participação e interferência dos EUA em sindicatos brasileiros como forma de pressionar os governos populistas do período. Os Estados Unidos visavam ‘‘educar’’ os sindicatos brasileiros na forma como tratavam os trabalhadores e afastá-los do comunismo, ou seja, objetivavam controlar as relações de trabalho de forma a evitar as perturbações por meio de greves, mantendo a produtividade e a estabilidade. Após 1962, todavia, os Estados Unidos passaram a pressionar diretamente os militares para que tomassem o poder, de tal maneira que os sindicatos perderam importância.

No capítulo 12, Opondo-se à Ditadura nos Estados Unidos: direitos humanos e a Organização dos Estados Americanos, James Green demonstra a importância dos movimentos de combate a Ditadura Militar brasileira nos EUA, e como eles foram importantes para trazer à baila a questão nos Direitos Humanos em todo o mundo no final dos anos 1970. A Ditadura brasileira procurou passar a impressão de que não havia presos políticos no Brasil, mas apenas terroristas, que por seus crimes estavam presos. A pressão internacional em torno da tortura fez que a ditadura tentasse desmentir as acusações que pairavam sobre ela. Esses movimentos de defesa dos Direitos Humanos atuavam também na OEA como forma de pressionar essa organização para que tomasse medidas contra países que violavam as normas internacionais.

O autor defende que esses grupos que atuavam nos EUA, incomodaram realmente a Ditadura Militar brasileira, causando constrangimento para os militares, que eram acusados de tortura; especialmente num momento em que o regime tencionava liberalizar-se.

Por fim, no último capítulo, As dimensões de Segurança e Defesa nas Relações entre o Brasil e os Estados Unidos em face do 11 de Setembro de 2001, Francisco Carlos Teixeira da Silva, versa sobre um tema bem atual nas relações Brasil-EUA. O autor discorre sobre a pressão que o governo brasileiro sofreu dos Estados Unidos logo após os atentados de 11 de setembro para que reforçasse o monitoramento da Tríplice Fronteira (entre Brasil, Argentina e Paraguai) em Foz do Iguaçu. O governo estadunidense alegava que a Tríplice Fronteira era um foco terrorista e que abrigava células da Al-Qaeda e de outros grupos terroristas. Para Teixeira da Silva esse temor dos EUA era infundado, pois não aviam provas suficientes de que a Tríplice Fronteira abrigasse células terroristas. Essa ação reflete o unilateralismo dos Estados Unidos, governados por George W. Bush. O governo brasileiro foi pego de surpresa na balbúrdia causada pelos atentados de 11 de setembro e não soube muito bem como reagir face à pressão estadunidense, faltando maior articulação entre os órgãos de defesa e inteligência.

Destarte, o livro é de suma importância para os estudantes da área, pois é um livro atual escrito por profissionais e pesquisadores das relações Brasil-Estados Unidos. É um livro abrangente e de fôlego, abordando diversos aspectos no relacionamento entre os dois países (trata inclusive aspectos pouco explorados em outras obras). Em face da importância econômica, cultural, tecnológica e política que os Estados Unidos tiveram e ainda tem para com o Brasil ainda há muitos trabalhos para serem feitos sobre essa temática e esse livro vem para complementar a atualizar o conhecimento sobre as relações entre esses dois países. O livro não é escrito numa linguagem excessivamente acadêmica e pode muito bem ser lido pelo grande público, mesmo os pouco familiarizados com o tema. Por haver sido escrito por diferentes autores do Brasil e dos EUA, a qualidade e a forma dos capítulos variam significativamente, entretanto os organizadores conseguiram manter um padrão na qualidade dos textos. Finalmente, pode-se dizer que o livro desmistifica alguns clichês a respeito do relacionamento entre Brasil e Estados Unidos, tanto aqueles que mostram as relações como perfeitamente harmônicas quanto aqueles que apresentam o Brasil como completamente submisso aos desígnios dos EUA.

Referências

MUNHOZ, Sidnei J.; TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. (Orgs.). Relações Brasil-Estados Unidos: séculos XX e XXI. Maringá, PR: Eduem, 2011.

Edson José Perosa Junior – Graduado em história pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), 2011. Mestrando do Programa de Pósgraduação em História Comparada (PPGHC-UFRJ).

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