Politização do tempo: temporalização dos discursos políticos no processo de Independência do Brasil | Rafael Fanni

O livro de Rafael Fanni, adaptação de sua dissertação de mestrado,3 se propõe a analisar o processo de independência do Brasil a partir de discursos enunciados na imprensa periódica — panfletos, manifestos e documentos oficiais que circularam entre 1820 e 1822 na província do Rio de Janeiro. O estudo se concentra em performances discursivas que modificaram estruturas temporais da experiência histórica durante um período de crescimento inédito da publicização do debate político na imprensa, haja vista o fim da censura prévia decretado pelas Cortes de Lisboa e ratificado pelo governo do Rio de Janeiro. Fenômeno mais abrangente ligado à formação da esfera pública moderna, a expansão da imprensa serviu de vetor para a consolidação da experiência moderna de aceleração do tempo no Brasil. Os futuros e os passados, nesse contexto de profunda crise política, no qual diferentes formas de organização do Estado e da sociedade estavam em disputa entre portugueses da América e da Europa, se constituíram como objetos centrais dos discursos políticos.4

Esta obra integra o conjunto de livros publicados pela Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin no âmbito do projeto 3 vezes 22, reunindo trabalhos vencedores do Prêmio Teses e Dissertações sobre o Bicentenário da Independência do Brasil.5 A obra está estruturada em três capítulos. O primeiro, “A temporalização dos discursos em um espaço de experiência revolucionário moderno”, se dedica a situar os discursos políticos veiculados na esfera pública do Rio de Janeiro dentro de um “espaço de experiência revolucionário moderno”, categoria cunhada por seu orientador, João Paulo Pimenta, para qualificar um conjunto de experiências revolucionárias que formaram o esteio de boa parte da prática concreta e da elaboração intelectual sobre a realidade em várias de suas dimensões.6 Ao fazê-lo, sempre com a utilização de dicionários da época, Fanni destaca como certos conceitos como “revolução”, “regeneração” e “reforma” balizaram as expectativas, percepções e leituras de atores políticos a respeito dos acontecimentos do mundo ibero-americano e as possibilidades que se descortinavam para o futuro do Brasil, tanto as temidas como as desejadas por diferentes grupos políticos. Leia Mais

Povo em lágrimas, povo em armas | Georges Didi-Huberman

Georges Didi Huberman Imagem Consulta Cinema
Georges Didi-Huberman | Imagem: Consulta Cinema

Um gesto de lamento. Uma mão crispada em luto torna-se uma mão levantada em riste. A lamúria converte-se em ato de revolta. Essa dinâmica, presente em Bronenosets Potyonkim (O Encouraçado Potemkin, URSS, 1925), é o motor que aciona a análise nas páginas do mais recente livro publicado em língua portuguesa de Georges Didi-Huberman. Classificar o livro é árdua tarefa, assim como talvez seja classificar seu escritor.

O autor já foi chamado de historiador de arte, teórico da arte, simplesmente historiador e, mais recentemente, filósofo. A obra em questão consiste em uma coletânea de ensaios sobre cinema-história, além de um compêndio de teoria-metodologia de análise da imagem, cujo objeto é o cinema de Serguei Eisenstein. A força motriz dessa reflexão é a dialética contida na sequência descrita nas linhas iniciais, retomada várias vezes durante a obra – movimento contido no próprio título: Povo em lágrimas, povo em armas. 2 Leia Mais