Europe in the Era of Two World Wars. From Militarism and Genocide to Civil Society, 1900-1950 – BERTGHAHN (LH)

BERGHAHN, Volker R. Europe in the Era of Two World Wars. From Militarism and Genocide to Civil Society, 1900-1950. Princeton: Princeton University Press, 2006. 163 pp. Resenha de: NEVES, João Campos. Ler História, n.62, p.216-219, 2012.

1 Volker R. Berghahn é professor de História na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. É doutorado pela Universidade de Londres e lecionou na Alemanha e em Inglaterra, antes de passar pela Brown University dos Estados Unidos. Trata-se de um especialista em história da Alemanha contemporânea e da relação entre os Estados Unidos e a Europa, focando-se essencialmente no estudo da Guerra Fria, sob esta perspetiva. É autor de uma obra relevante e diversificada, na qual se inclui The German Empire, 1871-1914: Economy, Society, Culture and Politics, que se centra no império conduzido por Bismarck, e mais tarde por Guilherme II. Trata-se de um estudo que pretende explicar como é que a Alemanha imperial eminentemente aristocrática, como foi a Alemanha do Kaiser e do chanceler Bismarck deu lugar ao Terceiro Reich, a partir de 1933. Publicou também America and the Intellectual Cold Wars in Europe que aborda as relações entre os Estados Unidos e a Europa durante a Guerra Fria, assente numa análise sobre a influência cultural americana na Europa do após II Guerra Mundial.

2 Europe in the Era of Two World Wars é um estudo histórico focado na análise das dinâmicas modernizadoras, económicas, sociais, culturais e políticas que marcaram a história europeia desde finais do século XIX até ao após II Guerra Mundial. O autor aplica o seu modelo teórico à história da Alemanha deste período, fazendo aproximações mais generalizantes à história do pensamento político, cultural e intelectual europeu, indissociável daquilo que levou ao eclodir dos dois conflitos mundiais. A sua proposta para compreender a Europa entre guerras baseia-se em duas alternativas políticas radicalmente opostas, que consubstanciavam formas de organização social modernas. Ao contrário dos teóricos liberais, Volker recusa categoricamente associar à modernidade a existência exclusiva de comunidades políticas baseadas nos princípios de abertura política, económica e cultural, avessas à violência e regidas pelos pressupostos democráticos da solidariedade e da justiça. As sociedades governadas pelos «homens de violência» são também um produto e uma consequência da modernidade. A dicotomia central da obra é entre uma sociedade democrática, parlamentar e liberal, que deveria adotar o modelo económico americano dos anos 1920, orientando a produção industrial para o consumo e satisfação das necessidades materiais dos seus cidadãos numa conjuntura de paz, e uma sociedade totalmente militarizada, que deveria reproduzir a utopia da «comunidade das trincheiras» da I Guerra Mundial, governada por «homens de violência», com o desiderato de dirigir toda a produção industrial para o futuro esforço de guerra. Os Estados Unidos formaram a alternativa de sociedade pacífica ainda antes de 1914, em oposição aos regimes europeus que propugnavam a guerra total. A paz entre os cidadãos só poderia ser garantida pelo contínuo progresso económico e material; de outro modo, um clima de conflito e guerra civil poderia pôr em causa a democracia, como aconteceu na República de Weimar.

3 A metodologia utilizada no livro consistiu no transporte de dois modelos de análise teóricos, aplicáveis ao passado histórico europeu, inserindo a teoria no trabalho empírico. A opção metodológica de analisar a Alemanha explica-se pelo conhecimento profundo que Volker tem da história e da cultura alemãs e pelo facto dos dois modelos de sociedade que caracterizam a sua análise terem tido uma concretização histórica na Alemanha entre guerras. A república de Weimar, antes da sua progressiva decadência consubstanciada nos últimos executivos de Brüning, Von Papen e Sleicher, foi um regime democrático, com uma constituição moderna que garantia a liberdade dos cidadãos e da imprensa, encaixando cabalmente na definição de sociedade cívica. Já o nazismo foi o apogeu do regime comandado pelos «homens de violência», alicerçados numa visão racial e biológica da história e da humanidade. O autor não cai em determinismos redutores nem aceita propostas contra-factuais aplicáveis ao passado histórico, não existindo no seu entendimento uma noção de inevitabilidade perante o triunfo dos «homens de violência» durante os anos 30. Esta visão da sociedade materializou-se, mas para Volker a alternativa cívica também poderia ter tido sucesso, não fossem as condicionantes históricas estruturais que pesaram sobre a Alemanha, como as imposições decorrentes do tratado de Versalhes que alimentaram o ressentimento e o sentimento de vingança do povo alemão, a que se juntou uma crise económica irresolúvel e um clima de guerra civil que sucedeu ao armistício de 1918 e reapareceu no aftermath do crash bolsista de 1929. O precário estabelecimento da primeira experiência democrática alemã fracassou devido à ação dos «homens de violência» e à subsequente adesão das massas ao programa de militarismo e racismo extremo de Hitler como solução para a crise económica, institucional e social.

4 O livro foca-se numa narrativa que pretende explicar como as diferentes propostas de sociedade surgiram e foram entendidas pelos protagonistas políticos da primeira metade do século XX. Sendo um estudo muito específico, não tem como objetivo narrar exaustivamente a história política, militar e cultural do século XX europeu. Tem propósitos menos ambiciosos que se coadunam com a perspetiva teórica e analítica adotada, fornecendo uma explicação para o desenvolvimento de uma violência de massas sem grandes precedentes na história, excetuando a violência colonial em África, que é descrita em detalhe no primeiro capítulo. As noções de violência de massas, mobilização total da nação para a guerra e de aniquilação do inimigo não foram um exclusivo do militarismo alemão, sendo as comparações realizadas com outros Estados europeus um dos trunfos do livro, ao desmistificar esta falsa ideia. Os Estados-Maiores da França, da Rússia e do Império Austro-húngaro também planearam e pensaram a guerra em termos da aniquilação total do inimigo.

5 Os objetivos teóricos, analíticos e conceptuais que presidiram à reflexão de Volker têm elementos de continuidade que se complementam e justificam entre si, baseados na contradição estruturante da história da Europa contemporânea: ao ser simultaneamente o berço da cultura democrática, cívica e liberal e das formas mais violentas de militarismo, expansionismo e extremismo ideológico. A sua explicação para o sucesso dos «homens de violência» resulta duma conjugação de fatores, entre os quais o ethnonationalism, aliado ao culto dos valores heroicos da violência e à presença dum darwinismo social radical que se coadunou com o desenvolvimento de noções pseudocientíficas sobre o valor constitutivo da raça.

6 O capítulo «Violence Unleashed, 1914-1923» versa sobre o acontecimento fundador do século XX europeu, rutura decisiva em todos os aspetos da vida social e humana. Nos impérios centrais, a elite militar tomou uma posição de predomínio devido à excecionalidade da situação internacional, afastando os políticos da condução da guerra. A mobilização total dos recursos humanos e materiais da nação foi aqui inaugurada, incluindo tanto a frente de guerra como a home front; tal como a violência de massas dirigida contra as populações civis em solo europeu, compreensível à luz da necessidade de aniquilar totalmente as nações adversárias.

7 A maior originalidade da proposta de Volker está em não considerar o caminho para a rutura revolucionária e violenta preconizada pelos movimentos fascistas como o inevitável destino para parte da Europa dos anos 1920. Não procedendo a um exercício de história contra-factual, que é necessariamente do domínio da literatura e não da história científica, o autor pensa que a possibilidade de formação de sociedades cívicas no coração da Europa foi muito real. Reproduzindo a organização social americana, deveriam ser comunidades políticas democráticas e parlamentares, em que o bem-estar dos cidadãos seria assegurado pela produção em massa de matriz fordiana, que levaria aos mercados produtos de qualidade a um preço comportável para o indivíduo comum. A assinatura do pacto de Locarno, em 1925, e a adesão à Liga das Nações em 1926 dá credibilidade ao pressuposto de que a Alemanha nos anos 1920 não era propriamente um pária internacional e que, inevitavelmente, iria assistir à ascensão dos «homens de violência».

8 Entre os aspetos menos conseguidos do livro, saliente-se a importância exagerada dada aos dois modelos conceptualizados, como se estes tivessem sido as duas únicas alternativas políticas na Europa entre-guerras. Diversos regimes não se enquadram nem no modelo de sociedade cívica, nem no de sociedade totalmente militarizada, e dominada pelos «homens de violência»: o Estado Novo de Salazar ou o franquismo, em Espanha, não se adequam cabalmente aos paradigmas propostos, tal como a França de Vichy ou o «austro-fascismo» de Dolfuss. A explicação da organização e estruturas paramilitares dos «homens de violência» é superficial, existindo uma ausência interpretativa do papel fulcral desempenhado pelos partidos políticos na sua ascensão e legitimação eleitoral e política. A utilização dos meios de comunicação modernos e da cultura de massas pelos extremistas não é devidamente enquadrada, havendo somente pequenas referências à sua importância decisiva para a adesão ao fascismo vinda debaixo. O sentimento de decadência civilizacional e de apocalipse, produto da filosofia e do pensamento intelectual do século XIX está totalmente ausente da obra, tendo este sido um propulsionador fundamental para a destruição dos regimes liberais. A apologia da violência e da guerra por grupos de intelectuais, como o da Action Française não é referida, nem a repercussão que as suas ideias tiveram na extrema-direita europeia. Os movimentos artísticos, obcecados com a violência, como os Surrealistas, os Expressionistas e os Futuristas, que transportaram o sentimento de decadência civilizacional para o século XX também não estão presentes na obra nem tão pouco a influência que tiveram sobre uma ideologia centrada nos valores heroicos da guerra, da rutura revolucionária e da violência.

João Campos NevesDoutorando em História Moderna e Contemporânea e membro do CEHC, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. A sua área de pesquisa é a história política e militar em Portugal durante o Estado Novo. E-mail: [email protected]

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