Percursos do Olhar – caminhos da pesquisa nas trilhas da visualidade / Locus – Revista de História / 2013

O historiador de arte crê, amiúde, que o único assunto que o compete é o

dos objetos. Em realidade, as relações organizam esses objetos, lhes dão vida

e significação. Georges Didi-Huberman

Com essa afirmação o filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman inicia seu estudo sobre a arte diante do tempo [1]. Ao fazer a arqueologia dos anacronismos, próprios de uma história da arte em busca de renovação, o autor enfatiza que os objetos de arte talvez não possam ser compreendidos sem a análise de suas eleições teóricas, cuja história e crítica solicitam exame. Sob esta perspectiva, não há como cultivar um pensar profundo sobre os estudos da arte, sem pousar os olhos nos caminhos empreendidos por pesquisadores oriundos do campo artístico e do campo historiográfico, em experiências e encontros que, não raro, ocorreram hibridizados em um mesmo escopo de formação profissional.

Há, por outro lado, complementaridades e mesmo embates entre as áreas que lidam com a temática artística. Somadas ou em confronto, história e artes visuais contribuem para a discussão sobre a epistemologia das linguagens e as inquietações oriundas do campo da investigação artística com marcas na historicidade, que aqui compreendemos como visualidade. A necessidade de favorecer a (auto)reflexão dos caminhos de investigação trilhados por pesquisadores da arte e dar a ler suas experiências, foram os elementos que motivaram a organização deste dossiê. São dez artigos produzidos sob a perspectiva dos percursos do olhar, revelando a maneira como cada pesquisador, de forma disciplinar ou fronteiriça, traçou seu plano de pesquisa.

O dossiê tem, portanto, como objetivo apresentar reflexões sobre os percursos adotados por diversos pesquisadores no trato de vários temas. Com abrangência em distintas expressões artísticas (pintura, desenho, gravura, escultura e arquitetura), pretende promover um mapeamento dos caminhos e opções teórico-metodológicas em experiências de pesquisa. Objetiva favorecer, por meio de seus artigos, a (auto) reflexão do pesquisador sobre trilhas de investigação percorridas, e, ao mesmo tempo, estimular discussões e debates que sirvam de inspiração a estudantes e pesquisadores no campo das artes visuais. No limite entre as oportunidades e as impossibilidades de um conhecimento e de um meio absoluto de leitura e análise no campo artístico, o dossiê pretende estimular a reflexão, inspirar novos pesquisadores, dar a conhecer o jogo de significações em torno de seus temas e, em perspectiva temporal, apresentar contextos significativos de pesquisas realizadas sobre pontos referenciais da história da arte no Brasil em suas múltiplas facetas.

O dossiê é composto por pesquisadores experientes, associados, em sua maioria, a linhas de pesquisa que tratam do campo artístico relacionado à história em diversos programas de pós-graduação nacionais. Assim, comparecem ao dossiê, pesquisadores do Centro, Nordeste e Sudeste do país que em seus textos vão nos apresentar reflexões advindas de suas experiências com a arte colonial, com as expressões artísticas do dezenove e reflexões sobre a arte do século XX. Em abordagens sobrevindas de vários campos de conhecimento, cada pesquisador, a seu modo e segundo seu ângulo de visão e inquietação, elaborou reflexões relativas a temas específicos, sobre os quais se debruçou por anos de trabalho e partilhou as opções teórico-metodológicas assumidas, mesmo de maneira provisória e questionadora.

Com essa aspiração organizamos a série de artigos deste dossiê. Embora houvesse a intenção inicial de apresentar os temas em certa ordem cronológica, fomos interpelados por temas mais teóricos e diálogos com diversos tempos em uma mesma análise. Tal aspecto nos recoloca a problemática incessante da arte em seus diálogos com o tempo e com a história. Walter Benjamin trouxe a metáfora da escavação para o conhecimento associado ao passado. O filósofo e historiador da arte Georges Didi- Huberman recupera a tarefa como um ato da espectralidade do tempo e nos remete a uma arqueologia não somente material, mas também antropológica e política. Nesta arqueologia, somos aqueles que manejam os instrumentos, se esforçam por ler as camadas, mas ao mesmo tempo, admitem a árdua tarefa de levantar vestígios e considerar a substância mesma dos solos em que se encontram os sedimentos revoltos por nossas escolhas [2]. Por este princípio a pergunta organizadora deste dossiê se faz necessária: qual o percurso do olhar prescrutador da arte e do tempo? As respostas elaboradas neste dossiê talvez possam nos ajudar a rememorar trilhas e arriscar renovados caminhos.

Notas

1. DIDI-HUBERMAN, Georges. Ante El Tiempo. Historia del Arte y Anacronismo de las Imagenes. Buenos Aires, Adriana Hidalgo Editora, 2008.

2. DIDI-HUBERMAN, op. cit, p.170.

Heloisa Selma Fernandes Capel – PPGH / UFG

Maraliz de Castro Vieira Christo – PPGH / UFJF


CAPEL, Heloisa Selma Fernandes; CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.19, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

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O olhar dos viajantes estrangeiros / Historiae / 2013

Em seu primeiro número de 2013, a Historiae publica o Dossiê “O olhar dos viajantes estrangeiros”, buscando enfatizar a relevância dos relatos oriundos de visitantes como fontes históricas. A presença de estrangeiros no Brasil foi uma constante desde os primeiros tempos da colonização, pois, apesar dos empecilhos criados pela metrópole, não faltaram viajantes de outras nacionalidades que deixaram seus testemunhos sobre os trópicos. Ao passo que os portugueses intentavam evitar uma divulgação mais ampla de informações sobre suas possessões coloniais na América, os estrangeiros se encarregaram de levar à Europa as peculiaridades do Novo Mundo. A partir das transformações do início do século XIX, desencadeadas desde a Abertura dos Portos e aprofundadas a partir de então, uma enorme quantidade de visitantes esteve no Brasil, elaborando registros sobre sua formação humana e territorial. Com a edificação do estado nacional, primeiro monárquico e depois republicano, não escassearam os viajantes que continuaram mostrando suas perspectivas in loco acerca da terra e da gente brasileira.

Tais visões peculiares ressaltaram diversificados fundamentos acerca da sociedade brasileira, abrangendo desde o mais comezinho aspecto até a mais basilar conjuntura. O testemunho ocular dos estrangeiros focava desde as cenas do cotidiano até os processos de continuidade e ruptura intrínsecos ao devir histórico nacional. Os brasileiros e seu país foram retratados das mais variadas formas pelos visitantes, com ojeriza, receio, preconceito, simpatia, admiração e paixão, num emaranhado de percepções e sentimentos que muito caracterizam tais relatos. Como num espelho os europeus viam o Brasil através de si mesmos e de suas respectivas visões de mundo e suas narrações em muito viriam a influir na própria configuração de algumas das identidades nacionais, à medida que se (re)criavam imagens acerca dos brasileiros, vistos pelo crivo do olhar estrangeiro.

Os escritos referentes ao Dossiê abordam prismas múltiplos sobre o tema, passando pela História local, regional e nacional e enfocando um amplo período que abrange desde os tempos coloniais até o século XX. A Historiae traz ainda neste número vários artigos de temática livre, abordando pesquisas envolvendo também estudos do local ao internacional, desde a antiguidade até a contemporaneidade.

Com este número inaugural de seu quarto volume, a Historiae – Revista de História da Universidade Federal do Rio Grande mantém seu intento de difusão de trabalhos acadêmicos de natureza histórica, dando continuidade a uma caminhada iniciada pelos historiadores da FURG há mais de três décadas.

Francisco das Neves Alves – Presidente do Corpo Editorial


ALVES, Francisco das Neves. Apresentação. Historiae, Rio Grande- RS, v. 4, n. 1, 2013. Acessar publicação original [DR]

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