Mulheres em Pesquisa/Revista Estudos Feministas/2022

A Revista Estudos Feministas completa 30 anos de publicação ininterrupta em um momento crucial do Brasil. Um momento em que o feminismo enfrenta, por um lado, uma oposição aberta e ferrenha, baseada em uma articulação política de direita, que retoma valores fascistas com discursos inspirados na consigna “Deus, Pátria e Família” (família patriarcal e cisheteronormativa, é claro). Ao mesmo tempo, o feminismo ganhou novo impulso com o engajamento de mulheres jovens, e de articulações anticapitalistas e antirracistas (Heloísa Buarque de HOLLANDA, 2018). As mulheres negras, mulheres indígenas e camponesas se apropriam dessa palavra tão destratada pela direita, e fazem sua a bandeira do Espelho de Vênus (Branca M. ALVES; Jacqueline PITANGUY; Leila L. BARSTED; Mariska RIBEIRO; Sandra BOSCHI, 1981), que antes era identificada pela esquerda como algo um tanto pequeno burguês (Joana PEDRO; Cristina WOLFF; Janine SILVA, 2022). A campanha contra as violências de gênero, que passam a incluir as homofóbicas e transfóbicas, os assédios, os feminicídios e a violência doméstica, sem falar em violências no ambiente virtual, adquire, nesse contexto, um destaque político mais expressivo, ocupando o centro do debate eleitoral. Leia Mais

História Antiga e Medieval no Brasil: pesquisa e prática de ensino / Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino / 2020

As pesquisas em História Antiga e Medieval ganham o Brasil de uma ponta a outra. Partindo de centros de excelência, como a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal Fluminense, espalharam-se por todo o país, graças ao trabalho incansável e audacioso de muitos pesquisadores / professores que acreditaram que é possível fazer uma História Antiga e Medieval de excelência no Brasil. Teçamos loas a essas pessoas admiráveis, que passaram por nossas vidas, que nos inspiraram e continuam a fazê-lo.

O trabalho pujante da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, a SBEC, a formação dos Grupos de Trabalho (GTs) da Associação Nacional dos Professores de História (ANPUH), os inúmeros laboratórios reunindo pesquisadores de diferentes estados e os muitos congressos e revistas científicas especializadas na área têm proporcionado uma rica troca de experiências, que impulsiona a pesquisa brasileira.

As atuais pesquisas em História Antiga e Medieval propõem modelos interpretativos diversos, o alargamento das fontes documentais, o uso da tecnologia em benefício da pesquisa e do Ensino e o diálogo com outras ciências, especialmente com a Arqueologia. Novas questões estão na ordem do dia a nos desafiar, intimando-nos a pensar, a tecer novas proposições para a construção de uma História Antiga, viva, em movimento.

Toda sorte de problemas que afetam direta e indiretamente a todos nós, conduzem-nos a reflexões importantes para o repensar do mundo antigo e do nosso próprio mundo. Entre tais problemas está a inquietação com as questões do tempo presente de um mundo globalizado, com problemas igualmente globais, como a pandemia do novo coronavírus a nos fragilizar; enfraquece-nos também a intolerância, a grassar em suas diversas faces, principalmente, no que se refere à discriminação contra as minorias.

Diante de tal quadro, os artigos desse dossiê devem contribuir para a valorização da diferença, da diversidade, da heterogeneidade, da tolerância e combate à discriminação, rejeitando qualquer tipo de preconceito, seja de qual natureza for, por seu potencial de abordagem multiculturalista e de diversidade presente em seus conteúdos. Dialogando com pesquisadores de vários centros de pesquisa, o dossiê apresenta trabalhos de novos e experientes pesquisadores demonstrando, que os estudos de História Antiga e Medieval estão bem dinamizados na Bahia e em outros estados da Federação.

Estes artigos são exemplos de que as pesquisas brasileiras em História Antiga e Medieval estão conectadas com as discussões levadas a termo no cenário internacional, mas evidenciando as especificidades de um “olhar” local que contribuem nos debates em ambientes hegemônicos. Os artigos também espelham a proximidade das pesquisas com a nossa realidade, propiciando-nos uma fecunda possibilidade de compreender melhor o presente, com uma visão menos limitada, linear e por vezes distorcida. No âmbito do ensino, tal perspectiva deve ajudar os discentes a enxergarem a nossa realidade de forma transitória, contrastando-a com os seus modos de vida, observando as persistências e mudanças ao longo do tempo, dissipando a distância entre o saber científico, produzido nas Universidades, e o saber escolar, produzido em salas de aula do Ensino Fundamental e Médio. Aos docentes, os artigos apresentam instigantes possibilidades de refletir sobre a História Antiga, de repensá-la em sua prática de sala de aula, de fazer novas experimentações, tornando essa História mais próxima, mais viva e prenhe de sentido. Muitos artigos visam instrumentalizar o professor, oferecendo-lhe ferramentas úteis para diminuir o descompasso entre aquilo que é produzido no meio acadêmico e o que é ensinado nas escolas.

Compõem o dossiê um total de dez artigos. Alexandre Galvão Carvalho, em seu texto Diálogos entre a História Antiga e o ensino de História, tece reflexões em torno da alteridade, multiculturalismo, eurocentrismo e da relação entre Ocidente e Oriente nos debates acerca do ensino da História Antiga. Procura repensar as formas e modelos da História Antiga e o ensino de História com o objetivo de aproximar a disciplina História Antiga de nossa realidade e superar preconceitos, articulando artigos atuais sobre as formas e modelos teóricos da área com as propostas curriculares para o ensino de História, acentuando os caminhos para a inserção da disciplina História Antiga na construção e fortalecimento da cidadania.

No artigo Saberes arqueológicos na escola pública: ações educativas do Labeca aplicadas ao “Projeto Minimus Intersdiciplinar”, Maria Cristina Nicolau Kormikiari, Felipe Perissato e Felipe Leonardo Ferreira destacam a contribuição do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga (LABECA) para o avanço das pesquisas sobre a cidade antiga grega no Brasil. Apresentam, a partir de um rico e instigante projeto, um relato de experiência dos desdobramentos dos estudos desenvolvidos no LABECA em escola pública da Educação Básica de São Paulo. O objetivo do projeto é aproximar o conhecimento produzido no espaço da universidade da escola secundária, preocupação constante do Laboratório.

No terceiro artigo, O livro didático e o Ensino de História Antiga – desafios no presente e problemas do passado, Luis Filipe Bantim de Assumpção e Carlos Eduardo da Costa Campos partiram da experiência como docentes no Ensino Médio, em colégios particulares do Rio de Janeiro, para demonstrar como os materiais didáticos ali utilizados detêm uma visão conservadora sobre a História Antiga. Os autores aproveitam a oportunidade para apresentar, com muito esmero, uma metodologia de análise do livro / material didático utilizado, com a qual se objetiva desenvolver uma análise crítica do conteúdo de Antiguidade.

Na sequência, o artigo História dos cristianismos nos livros didáticos: considerações sobre a narrativa histórica escolar, de autoria de José Petrúcio de Farias Júnior e Ramonn Gonçalves de Moura, apresenta uma discussão necessária e importante sobre a História dos Cristianismos a partir de preocupações atuais, como o fundamentalismo religioso e a intolerância religiosa, tão presentes em nosso cotidiano. Os autores analisam a apresentação da história dos cristianismos nos livros didáticos e chegam à conclusão do quanto ainda é profundo o fosso entre aquilo que é ensinado nas escolas e as discussões recentes sobre a temática.

No quinto artigo “Mitologia, História e Cinema”: um projeto de extensão sobre recepção do mundo-greco romano em curso, Igor Barbosa Cardoso e Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho brindam-nos com a apresentação de um projeto amplo e audacioso (como todos devem ser) envolvendo Mitologia, História e Cinema, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Muito mais do que a apresentação do projeto, os autores oferecem um magnífico quadro teórico de análise da produção cinematográfica e de importantes questões atinentes ao estudo da recepção da cultura clássica. Trata-se de um convite desafiador (e tentador) àqueles que desejam repensar a História sobre novos e promissores alicerces, inserindo, sob bases acertadas, o cinema em sala de aula.

Em O Mediterrâneo Antigo: uma proposta didática Manuel Rolph Cabeceiras apresenta, em seus aspectos teórico-metodológicos e práticos, os resultados da construção de uma proposta de aprendizagem compartilhada nas turmas de “História Antiga” no 1º Período do Curso de Graduação em História da UFF de 2013 a 2019, centrada no Mediterrâneo como categoria de análise histórica nas áreas por ele abrangidas dos séculos XXIV a.C. a III d.C. O artigo além de apresentar análise inovadora sobre o Mediterrâneo Antigo, abre a possibilidade para um novo modo de se pensar e trabalhar em sala de aula o mundo antigo.

No artigo seguinte O II Concílio de Braga e Da Correção dos Rústicos contra o paganismo: entre a cultura escrita e a oralidade, de autoria de Vitor Moraes Guimarães e Márcia Santos Lemos, os autores apresentam uma análise muito rica sobre as formas utilizadas pela Igreja no processo de evangelização e difusão do cristianismo no Reino Suevo do VI século. A partir de múltiplas estratégias de conversão ao cristianismo, a Igreja alcançava tanto as baixas camadas do clero quanto as populações humildes e afastadas, na busca da consolidação do cristianismo e eliminação do paganismo.

O oitavo artigo, A pesquisa sobre Império Romano no Brasil: a Numismática e a Coleção do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (RJ), de Cláudio Umpierre Carlan, apresenta uma das mais instigantes e frutíferas fontes de pesquisa: a moeda. A partir da Coleção do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, o estudioso presenteia-nos com uma análise do Império Romano. Passeando pela história da Numismática, apontando suas possibilidades de pesquisa, ofertando-nos exemplos de como é possível extrair da fonte imagética um conhecimento profundo e sob diferentes aspectos da história dos romanos.

O artigo seguinte: Os sepultamentos secundários dos judeus e os ossuários judaicos: um breve debate sobre continuidades e rupturas dos padrões funerários na região da Judeia, dos autores Carolina Mattoso e Vagner Carvalheiro Porto, apresenta uma história que vem da província romana da Judeia, pouca conhecida entre nós. Tem o mérito de discorrer com profundidade sobre o sepultamento secundário de judeus e o uso de ossuário como modo para esse tipo de sepultamento. Sob tais bases os autores tentam ampliar o conhecimento das interações entre a província e os romanos e entender o próprio passado judaico.

Fechando o dossiê, no artigo O espaço como um contributo para a compreensão da tragédia e para a interpretação da História, Márcia Cristina Lacerda Ribeiro propõe a utilização do ‘espaço’ como categoria de análise útil para ampliar o entendimento sobre a tragédia grega e sobre a História. A partir de uma leitura antropológica do espaço, tomada de empréstimo de Amos Rapoport, o texto discute a interação entre espaço e comportamento, exemplificado a partir da análise do espaço da gruta, presente na tragédia Íon de Eurípides.

Com esse dossiê, reforçamos nossa perspectiva de que o estudo da História Antiga e Medieval deve ser encarado como um laboratório, com uma enorme diversidade de formas socioculturais das experiências dos homens e mulheres ao longo da história. O afresco de Luca Giordano, “O barco de Caronte, o Sono da noite e Morfeu”, do século XVII, capa da nossa revista, é uma leitura da Antiguidade formulada em outro contexto histórico, por meio de uma linguagem própria, uma forma de apropriação e usos do passado que coloca em tela o interesse que o antigo e o medievo têm despertado ao longo do tempo. Que assim continue….

Nossos agradecimentos a todos os autores que nos presentearam com seus belíssimos trabalhos.

Boa leitura!

Alexandre Galvão Carvalho – Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Professor Pleno do Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Brasil. E-mail: [email protected]

Fábio de Souza Lessa – Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vinculado ao Laboratório de História Antiga e ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) do Instituto de História da UFRJ e ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas (PPGLC) da Faculdade de Letras da UFRJ. Brasil. E-mail: [email protected]

Márcia Cristina Lacerda Ribeiro – Doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo; Pós- doutora em Arqueologia Clássica pela Universidade de São Paulo. Professora da Universidade do Estado da Bahia (na Graduação em História e no Programa de Pós-Graduação em Ensino, Linguagem e Sociedade). Pesquisadora do LABECA / MAE / USP e do NHIPE / CNPq. Brasil. E-mail: [email protected]


CARVALHO, Alexandre Galvão; LESSA, Fábio de Souza; RIBEIRO, Márcia Cristina Lacerda. [História Antiga e Medieval no Brasil: pesquisa e prática de ensino]. Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino. Caetité, v.2, n.6, jul. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Sandra Jatahy Pesavento: acervo, memórias e trajetórias de pesquisa / Revista do IHGRS / 2020

Sandra Jatahy Pesavento: acervo, memórias e trajetórias de pesquisa [1]

Em março de 2019 completaram-se os 10 anos do falecimento da Profa. Dra. Sandra Jatahy Pesavento (1946-2009), docente titular do Departamento de História da UFRGS e professora dos Programas de Pós-Graduação de História e do PROPUR da mesma instituição. Algumas homenagens foram feitas pela equipe que coordena o acervo da professora, abrigado no IHGRGS em Porto Alegre. Uma destas homenagens foi a IV Jornada Sandra Jatahy Pesavento que aconteceu em 8 de junho do ano passado, no Centro Histórico Cultural da Santa Casa de Misericórdia. Para ela, foram convidados alguns pesquisadores que tiveram forte interlocução com a historiadora Pesavento, seja pelo GT de História Cultural, seja pela orientação de pós-graduação. Naquele momento, surgiu a ideia de publicarmos os textos apresentados e, para isso, todos os participantes foram convidados a comporem este dossiê. Nem todos puderam aceitar, mas a maior parte, sim, enviou seu texto para nós.

A trajetória da professora / pesquisadora / historiadora, dedicada ao ensino de História e à pesquisa, resultou na projeção e no reconhecimento do inegável legado intelectual dos seus estudos nos campos da História Econômica e da História Cultural, atestando a importância da influência do seu pensamento na formação de gerações de historiadores / as e na produção historiográfica contemporânea. Sandra Pesavento fez doutorado em História Econômica na USP, seguindo formação na França na vertente da História Cultural, onde construiu uma trajetória acadêmica internacional relevante, contribuindo, sobretudo, para a formalização de acordos entre universidades francesas e a UFRGS, notadamente o acordo CAPES / COFECUB. Foi pesquisadora 1 A do CNPq desde o ano de 1996. Autora de uma vasta obra historiográfica, com aproximadamente 261 publicações (entre artigos publicados no Brasil e no exterior livros, entre individuais e coletivos e capítulos de livros), Pesavento foi uma das mais importantes historiadoras do século XX, no Brasil, cuja obra versa sobre variadas vertentes da historiografia.

Da História Econômica, com viés marxista, à História Cultural, sua extensa obra versa sobre as charqueadas gaúchas, sobre a Revolução Farroupilha, sobre a burguesia gaúcha e, também, sobre as questões do urbano, das imagens, das sensibilidades e da relação História-Literatura, estas últimas já sob o enfoque da História Cultural.

Por iniciativa da família Pesavento (esposo e filhos da historiadora), os escritos da historiadora gaúcha foram digitalizados integralmente e disponibilizados gratuitamente para a comunidade acadêmica e para a sociedade em geral. Atualmente estão alocados no site oficial do Instituto Histórico Geográfico, o qual guarda, também, seu acervo intelectual (biblioteca e material de 40 anos de pesquisa, incluindo também seus objetos, álbuns e diários de viagens). Existe, desde início de 2015, uma equipe de curadoria para o acervo, sob responsabilidade de uma historiadora (uma das organizadoras deste dossiê), que atua em diversas ações de preservação e divulgação deste arquivo pessoal tão importante para história da disciplina História de nosso estado.

Justificou-se, por este conjunto de fatores, a proposição de um Dossiê Temático na Revista do IHGRGS, focando os percursos da pesquisadora e o processo de construção dos seus objetos e metodologias de pesquisa singulares, através de seu acervo, de memórias de seus interlocutores / as e de trajetórias de pesquisas que se entrecruzam em diálogo com os seus estudos durante o período em que esteve ativamente produzindo no campo da História. A proposta emergiu desta reflexão frente à importância de sua produção, mas também frente ao momento que atravessamos no Brasil, onde se faz necessária a discussão sobre os espaços patrimoniais de guarda de documentos e o desenvolvimento de políticas públicas que auxiliem em sua salvaguarda e manutenção. Também devido à situação de pandemia que atravessamos, outras reflexões se fazem necessárias e são incorporadas em alguns textos.

O referido dossiê reúne, assim, trabalhos de pesquisadores / as, professores / as que tiveram uma significativa interlocução com a historiadora e ou com sua obra e acervo, buscando gerar e socializar novas abordagens através do seu legado, seu acervo e memórias desta pesquisadora. Compõem o dossiê: nove artigos (oito de convidados, incluindo os convidados da Jornada de 2019 e membros da equipe de curadoria do Acervo SJP, e um que veio pela chamada pública); uma entrevista com Jacques Leenhardt (professor francês de forte interlocução com a historiadora); duas resenhas de livros de Pesavento; um artigo da própria historiadora, sobre memória e patrimônio e publicado nos Cadernos LEPAARQ da UFPEL em 2008; um artigo intitulado “Conversando com Sandra”, de um colega historiador que teve uma influência da obra de Pesavento em sua trajetória acadêmica.

Também a publicação do conjunto de artigos, entrevistas e resenhas neste dossiê surge no período de comemoração do centenário do IHGRGS (agosto / setembro de 2020), o que é de grande relevância para a comunidade acadêmica e para a história do Instituto.

Desejamos uma ótima leitura a todos!

Nota

1. Esse dossiê é um dos produtos do projeto de pesquisa “O pensamento de Sandra Jatahy Pesavento e sua importância na historiografia brasileira: da história econômica à História Cultural – um estudo a partir do arquivo pessoal da historiadora”, em parceria do PPG em Performances Culturais da UFG (Universidade Federal de Goiás) com o IHGRGS, onde está depositado sob custódia o arquivo da historiadora. O projeto foi contemplado no edital ‘Chamada Universal MCTIC / CNPq n.º 28 / 2018’, portanto tem financiamento do CNPq.

Porto Alegre, 21 de julho de 2020

Hilda Jaqueline de Fraga – Doutora.

Nádia Maria Weber Santos – Doutora.

Organizadoras do Número Especial Dossiê Sandra Jatahy Pesavento


FRAGA, Hilda Jaqueline de; SANTOS, Nádia Maria Weber. Apresentação. Revista do IHGRS. Porto Alegre, n.158, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Os desafios da pesquisa a partir do olhar do professor (a)- pesquisador (a): reflexões teórico-metodológicas sobre o campo de ensino de história / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2020

Quem são e o que observam as(os) professoras(es)-pesquisadoras(es) de História? 1

Por isso, lhe digo: Professor: trate de prestar atenção ao seu olhar. Ele é mais importante que os seus planos de aula. O olhar tem o poder de despertar ou, pelo contrário, de intimidar a inteligência. O seu olhar tem um poder mágico! (ALVES, 2004, p.2).

Nos primeiros anos do século XXI, o educador Rubem Alves ao chamar atenção para a maneira como o professor vê a escola, os alunos e a prática docente, ele também advertia as instituições formadoras de professores e seus modos de educar o olhar desses sujeitos. Para o autor, os espaços de formação precisariam adotar como estratégia de resistência e sobrevivência aos ataques da mídia e dos grandes grupos econômicos a competência profissional do professor, o que chamou de educação do olhar. Essa pedagogia consiste, no exercício político e estético, em fazer com que o professor enxergue não só as limitações tão bem propagadas, mas, as potencialidades da rede de ensino.

Nesse sentido, o alerta sobre o cuidado que o professor deve ter com o seu olhar, surge num primeiro momento como uma crítica ao movimento de desvalorização e negação da capacidade intelectual e pedagógica do professor na década de 1990. Com a ascensão das políticas neoliberais no campo educacional, o professor passa a ser visto como o elemento mais frágil do processo educativo escolar. Para esses agentes, o motivo dos baixos indicadores na educação básica são os professores mal formados, pois, não sabem ensinar, por isso, as crianças não aprendem. Por isso, o escritor Rubem Alves, faz questão de enfatizar a necessidade de o professor estar atento ao seu modo de ver de modo que não reproduza esse negacionismo. Assim, essa preocupação desdobrou-se numa convocatória as instituições de ensino, na tentativa de fazer com que a formação inicial e continuada dos professores pudessem ter uma leitura mais ampliada do espaço escolar, de modo que, esses futuros profissionais não fossem ensinados a ver a precariedade e a ausência, mas, a presença e a abundância de práticas desenvolvidas por professores para reagir ao descaso e o abandono.

Na crônica intitulada o olhar do professor, embora, o escritor esteja preocupado com a necessidade de implementar uma nova ética e um outra estética nos cursos de formação de professores, de modo a ensinar a esse profissional, a ver a beleza, a alegria e a criatividade produzida por inúmeros profissionais que estão no chão da escola, ela também nos ajuda a pensar em outros deslocamentos que os profissionais da educação precisam realizar. Entre os inúmeros movimentos necessários, entendemos ser urgente, o professor precisa a aprender a realizar o movimento chamado por Paulo Freira de gnosiológico, ou seja, o professor precisa aprender a fazer a passagem de um olhar curioso para um olhar epistemológico. Para Freire, o movimento inicia com uma curiosidade simples, que “tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho chamando de „curiosidade epistemológica‟.” (FREIRE, 1996, p.31).

Logo, o trecho da crônica de Rubem Alves usado na abertura do presente dossiê além de problematizar a importância da formação social, política e cultural do professor para não excluir crianças e adolescente do processo de aprendizagem, ele nos permite fazer um exercício de reflexão sobre o processo de transformação do olhar do professor como professor-pesquisador que atua no campo da História e do Ensino de História. Desse modo, a apresentação estimula a investigação sobre o perfil do professor-pesquisador, o tipo de pesquisa desenvolvida pelo professor-pesquisador, as condições sociais e econômicas do professor-pesquisador para realizar a pesquisa, e, por fim, os laços existentes entre o movimento de formação de um grupo de professores pesquisadores de História e o movimento de professores das conhecidas escolas secundárias inglesas, cuja ação contribuiu para a criação do conceito de professores pesquisadores.

No primeiro momento, podemos pontuar que o campo da História tem utilizado a expressão Historiador (a) para designar as ações daqueles que realizam atividades de pesquisa, comunicação, curadoria e gerenciamento de acervo documental. O historiador de oficio é aquele que trabalha com documentos em arquivos para produzir conhecimento historiográfico. Conforme definiram as pesquisadoras Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen (2016), o historiador é um intelectual mediador da cultura, ou seja, aquele profissional voltado para produção e difusão do conhecimento histórico que tem um impacto direto ou indiretamente no contexto sociopolítico. Tal designação, embora reivindicada por todos os profissionais formados em História, quase nunca é empregada para denominar os licenciados em história que atuam na educação básica, pois, para o campo, o historiador é aquele que apresenta um trabalho historiográfico.

Nota-se em editais, circulares, cartazes, folders e demais documentos pedagógicos que o termo empregado para denominar o formado em História que atua na Educação Básica é professor de História. Do mesmo modo, percebemos que a expressão Historiador(a) também não tem sido utilizada para designar aqueles que estudam no Mestrado Profissional em Ensino de História (Profhistória) ou os já formados (mestres). E apesar da professora-pesquisadora Verena Alberti, demonstrar que o exercício dos professores de história em sala de aula se assemelha as atividades desenvolvidas pelos pesquisadores nos arquivos ou centros de memória, pois, “fazermos as escolhas, (…) temos alguns objetivos (aquilo que gostaríamos que nossos alunos aprendessem) e as etapas e métodos para alcançarmos esses objetivos. O resultado final não é um artigo, uma dissertação ou uma tese, mas um monte de vozes, gestos (…)”(ALBERTI, 2014, p.2), constatamos que o movimento de reconhecimento do trabalho do professor da educação básica como um trabalho intelectual ainda é pontual, e, que, a distinção entre os que produzem e os que ensinam história ainda se faz presente e candente no campo.

Nesse sentido, organizar um dossiê que propõe o debate sobre os desafios da pesquisa a partir do olhar do professor-pesquisador é explicar quem são e o que observam. Já que se trata de uma expressão pouco usual no campo da história e ensino de história. O termo professor-pesquisador surgiu em 1960 na Inglaterra a partir de um movimento docente que lutou contra as imposições dos órgãos do governo sobre o currículo do Ensino Secundário (FAGUNDES, 2016, p.284). O conceito professor pesquisador criado pelo professor Stenhouse (1975) e sistematizado pelo Schon (1983), nasceu do reconhecimento da prática de um grupo de professores que preocupados com a melhoria da aprendizagem dos alunos, organizaram-se politicamente e pedagogicamente para pautar o currículo que consideravam mais adequado. A definição currículo foi fruto da observação, reflexão e pesquisa dos professores londrinos.

No Brasil, o debate sobre o perfil e as ações dos professores-pesquisadores, iniciou em 1980 e ganhou força na década de 1990 no campo da Pesquisa em Educação. Tanto que, Paulo Freire será contundente em Pedagogia da Autonmia, ao afirmar que “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”(FREIRE, 1996, p.30). Os estudos da pesquisadora Fagundes (2016), apontam que o conceito de professor-reflexivo foi assimilado nas pesquisas educacionais brasileiras através do paradigma do professor reflexivo. Perspectiva preocupada em investigar os saberes construídos na ação(tácita e espontânea), pela característica do conhecimento produzido naquele determinado lugar, espaço e tempo.

No campo da História e Ensino de História, a repercussão do debate apresentou impactos distintos. Enquanto que, no campo da História o termo não é utilizado por conta da existência de um termo próprio e cuja preocupação concentra-se na legitimação desse lugar a partir do processo de regulamentação da profissão de historiador (FAGUNDES, 2017, p. 38), no campo do Ensino de História, começa a aparecer os primeiros sinais do uso do termo professor-pesquisador, embora o significado ainda esteja pouco definido. O termo vai aparecer como título de uma disciplina ofertada pelo Profhistória, programastricto sensu criado em 2014 com o objetivo de oferecer uma formação continuada “que contribua para a melhoria da qualidade do exercício da docência em História na Educação Básica” (SITE UFRJ / PROFHISTÓRIA).

Na ocasião, analisamos a ementa da disciplina “Metodologia no Ensino de História: o pesquisador-professor e o professor-pesquisador”, buscando observar os sentidos atribuídos pelo campo do Ensino de História ao termo professor-pesquisador. Conforme pontuamos, a presença do termo no campo tem pouca representatividade, embora haja uma disciplina. Os sentidos empregados pelo campo do ensino de história ao termo se aproxima da noção desenvolvida pelo pesquisador Stenhouse (1975), ou seja, o mestrando é estimulado a refletir sobre a escola, currículo, práticas e etc, conforme, pode ser observado na proposta da ementa: “O método de pesquisar História e o método de ensinar História. A pesquisa histórica no ensino de História. A importância do professor-pesquisador. A importância dos alunos-pesquisadores. A utilização de oficinas em sala de aula (…)”. (SITE UFRJ / PROFHISTÓRIA). Por fim, reconhecemos que o desdobramento social e político do termo ainda precisa ser ampliado. Haja vista que, fica claro para nós que, o professor-pesquisador retratado pelo campo é o professor da educação básica que está preocupado em problematizar questões que emergem do cotidiano escolar e do chão da sala de aula.

Desse modo, ao assumir um postura crítica as perspectivas tecnocráticas e instrumentais subjacentes que separam a conceitualização, o planejamento e a organização curricular da execução, o campo do Ensino de Historia inicia um movimento de reconhecimento do professor de história como intelectual, pesquisador e sujeito político que está preocupado em, conforme nos aponta Sebastian Plá “comprender mejor los procesos de construcción de significados sobre El pasado dentro de La escuela” (PLÁ, 2014, p. 163)

Dessa forma, o presente dossiê reuniu pesquisadoras (es) de diferentes regiões do Brasil, para pontuar as reflexões que o leitor irá encontrar no dossiê sobre as diversas perspectivas teóricas que influenciam na produção de sentido, os procedimentos e as estratégias de análise utilizados pelos diferentes pesquisadores da área de ensino de história, o impacto dos programas de formação docente (PIBID, Profhistória, Residência Pedagógica e PET) na produção e difusão do conhecimento histórico, os desdobramentos do diálogo entre história, educação, psicologia e antropologia no desenvolvimento de instrumento de pesquisa sobre ensino e aprendizagem, os fundamentos epistemológicos do campo.

O debate sobre a produção intelectual dos professores está organizado em duas partes. A primeira parte, os pesquisadores discutem a prática docente e a formação continuada desse professor(a)-pesquisador(a) e num segundo bloco sobre metodologias do ensino desenvolvidas em sala de aula para caracterizara perspectiva artífice do professor(a)-pesquisador(a) que estuda, ler, planeja, elabora e expõe ao público, no caso, os seus aprendentes.

Para acompanhar esse trabalho intelectual que é desenvolvido pelos professores(as), Rafael Monteiro de Oliveira Cintra, no texto intitulado Professores de História sob a perspectiva de Estética e Política em Jacques Rancière: reflexões sobre possíveis abordagens teóricas e metodológicas,traz uma reflexão sobreaulas de História a partir das noções de “Estética” e “Política” (re)definidas por Jacques Rancière. Para tal, explora práticas de uma professora de História do ensino básico de uma escola pública da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, buscando apresentar a potencia poética e intelectual do fazer pedagógico.

Em seguida, a professora Margarida Maria Dias de Oliveira e o professor Itamar Freitas de Oliveira, no artigo Desafios do mestrado profissional na reinvenção do campo do Ensino de História, abordam as alterações políticas e epistemológicas no campo do Ensino de História, provocadas pela organização em rede das instituições associadas ao Mestrado Profissional em História (PROFHISTÓRIA) no Brasil. Os autores analisam o currículo prescrito do curso para as disciplinas obrigatórias – Teoria da História e História do Ensino de História –, buscando identificar o comum nas propostas ao que se refere aos objetivos, objetos, assuntos e bibliografia.

Sobre o exercício intelectual na sala de aula, o dossiê traz uma discussão sobre ensino e imaginação. O professor Nilton Mullet Pereira, no trabalho O que pode a imaginação na aprendizagem histórica? Propõe um debate sobre o que se ensina e o modo como se ensina História na sala de aula da escola básica, a partir das contribuições do filósofo Henri Bergson e do teórico do campo da teoria da História, Hayden White. Tomando como base teórica esses autores, apresenta uma defesa de que a imaginação é um elemento importante na criação conceitual e na maneira de se relacionar com o passado e propõe uma discussão sobre os possíveis deslocamentos que parte do tempo cronológico da sala de aulaao tempo da imaginação.

No conjunto de textos que trazem uma reflexão sobre objetos, metodologias e estratégias produzidas e utilizadas pelos professoras(es) em / para sala de aula. Para falar sobre saber histórico escolar e a História da América Latina, o professor André Mendes Salles, no texto Saberes disciplinares da História e Formação de professores no Paraguai: Guerra da Tríplice Aliança em foco, aborda os saberes disciplinares de dois professores de História que atuam na Educação Básica no Paraguai, a partir da formação inicial e continuada desses sujeitos. Na ocasião, o estudo identifica a influência da formação inicial nos saberes da ciência de referência e pedagógicos sobre a Guerra da Tríplice Aliança.

Com relação a historiografia escolar e a prática docente, o texto intitulado Esfinge ou Caleidoscópio? O desafio da pesquisa em livros didáticos de História, produzido pela professora Helenice A. B. Rocha, traz um debate a partir da crítica aos estudos do Alain Choppin à pesquisa sobre o livro didático no Brasil, partindo do pressuposto de que o livro didático é o lugar de discursos didatizados sobre conhecimento da ciência de referência histórica.

O dossiê também apresenta um debate sobre as pesquisas realizadas no interior do programa em rede de pós-graduação strictum sensu – Profhistória. Desse modo, a professora Carmem Vargas Gil, no texto Investigações em educação patrimonial e ensino de História (2015-2017), apresenta o resultado da primeira etapa do projeto de pesquisa Ensino de História, Patrimônio e Cultura Digital (FACED / UFRGS), que visa identificar e analisar a produção de pesquisas em programas de pós-graduação em História e Educação do Brasil sobre a interface do ensino, tecnologia e patrimônio. A pesquisa apontou as abordagens da educação patrimonial no campo do ensino de História e como a escola tem se apropriado do debate sobre o tema.

As professoras Rosangela Celia Faustino e Luciana Helena de Oliveira Viceli, no texto – Ensino de História: possibilidades de diálogos entre escola indígena e escola não indígena para a construção da interculturalidade, trazem um debate sobre o ensino de história indígena para escolas não indígenas. Por fim, o professor-pesquisador Marcus Martins, no artigo Avaliação da aprendizagem no Ensino de História: entre “silêncios de” e “desafios para” um campo de pesquisa, problematiza como a avaliação das aprendizagens históricas tem sido abordada no campo do Ensino de História. Para tal, investigou no Banco da Capes e os anais do Simpósio Nacional de História da ANPUH / Brasil e dos eventos: Encontro Nacional Perspectivas em Ensino de História e Encontro Nacional Pesquisadores do Ensino de História-ENPEH o tema avaliação nos processos escolares e identificou que essa discussão não tem assumido lugar de relevância.

A partir dessas importantes investigações, voltadas para pensar o lugar do professor-pesquisador no ensino de história, consideramos esse o dossiê demonstra ser de grande valor para os estudiosos desse campo de pesquisa. Assim, aproveitem!

Nota

1. Para contribuir no processo de leitura da apresentação, haja vista o grande número de citações da expressão que designa a ação docente, nós, organizadoras do dossiê, recorremos ao seguinte recurso discursivo: onde se lê professor-pesquisador, entende-se professora-pesquisadora e professor-pesquisador

Referências

ALBERTI, Verena. O professor de história e o ensino de questões sensíveis e controversas. In: Seminário de História em Caicó. Rio Grande do Norte. 2014.

ALVES, Rubem. O olhar do professor. (Fragmento). Disponível em:https: / / contadoresdestorias.wordpress.com / 2012 / 02 / 19 / o-olhar-do-professor-rubemalves / Acesso em:10 / 07 / 2020, com adaptações.

FAGUNDES, Bruno Flávio Lontra. PROFHISTÓRIA, experimento sem prognóstico. Revista PerCursos, Florianópolis, v. 18, n. 38,p. 33 – 62, set. / dez. 2017.

FAGUNDES, Tatiana Bezerra. Os conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo: perspectivas do trabalho docente. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. 21 n. 65 abr.-jun. 2016. p. 281-298.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

GOMES, Ângela de C; HANSEN, Patrícia S. Apresentação. In: _______ (org). Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp. 7-37.

PLÁ, Sebastián. La enseñanza de lahistoria como objeto de investigación. Revista Secuencia, nº 84, p. 163-184, 2012.

Cristiana Ferreira Lyrio Ximenes – Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professora assistente da Universidade do Estado da Bahia. E-mail: [email protected]

Juliana Alves de Andrade – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: [email protected]


XIMENES, Cristiana Ferreira Lyrio; ANDRADE, Juliana Alves de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.38, n.1, jan / jun, 2020. Acessar publicação original [DR]

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História Militar, Historiografia e Caminhos de Pesquisa / Vozes Pretérito & Devir / 2019

Ao elaborarmos a proposta deste dossiê sobre História Militar, Historiografia e Caminhos de Pesquisa tivemos a intenção de fomentar a reflexão em torno de estudos recentes relacionados ao campo da história militar fossem eles voltados para a análise de eventos bélicos, os chamados temas tradicionais da história militar, e seus desdobramentos sociais, fossem eles voltados para a atuação de grupos, instituições e eventos militares em tempos de paz. O leitor da presente edição da revista Vozes, Pretério & Devir se deparará, portanto, com um conjunto de trabalhos que se debruça com maior empenho sobre a preparação da sociedade para a guerra, o papel das forças armadas na organização cotidiana da sociedade brasileira, a construção de mitologias e legitimidades em torno da atuação política de militares, o papel normatizador da instituição sobre a população, como também a problematização da escrita existente sobre essas temáticas. A multiplicidade de enfoques oferece ao leitor o afastamento em relação aos campos de batalha, o que permite perceber estes enquanto apenas um dos palcos de atuação dos militares e de seus projetos para a sociedade. Os artigos arrolados apresentam contextos e relações sociais diversos, pondo em suspeição imagens simplistas e heroicizantes. Trata-se da efetivação do dever estruturante da História enquanto ciência: questionar as certezas herdadas do passado.

É interessante perceber que todos os trabalhos apresentados se alicerçam em episódios transcorridos no Brasil, tradicionalmente rotulado enquanto um país pacífico e que não se envolveu em guerras de forma significante. Na contracorrente deste lugar comum, o dossiê mostra o amadurecimento da História Militar em nosso país, fomentado a partir da década de 1990, devido ao distanciamento do período ditatorial (1964-1985) e à expansão das pós-graduações nas universidades brasileiras. Ressalte-se que no regime militar o espaço acadêmico não teve interesse (ou liberdade) em discutir as Forças Armadas e os poucos estudos voltaram-se para a pesquisa do envolvimento militar na política, desconsiderando outras análises sobre a instituição (CASTRO; IZECKSOHN; KRAAY, 2004, p. 13). A profissionalização dos arquivos militares, com o ingresso nesses espaços de historiadores e arquivistas de formação, a progressiva abertura de acervos produzidos ou relacionados ao meio castrense, bem como a crescente profissionalização dos pesquisadores através dos cursos de pós-graduação proporcionaram o crescimento dos estudos nesta área (FIGUEIREDO, 2015, p.12-14).

O estudo dos militares e sua relação com aspectos da vida social como a política, a cultura e a sociedade, em suas várias temporalidades, é fundamental para a compreensão da trajetória histórica dos povos, especialmente na América Latina, onde os militares ou se apresentam historicamente como força democrática, de acordo com tese de Nelson Werneck Sodré (CUNHA, 2010, p. 07-17), ou como força conservadora e até reacionária. Sendo assim, o uso de novos temas, fontes e abordagens na produção da História Militar articulada à expansão dessa área de estudo no universo acadêmico vem contribuindo de forma relevante para a interpretação do papel dos militares nos movimentos históricos, tanto em seus avanços quanto em seus retrocessos, assim como a influência sofridas por eles do mundo social.

Dessa forma, levando em consideração a relevância do tema na atualidade e a necessidade de se compreender as relações que se estabeleceram ao longo do processo histórico entre Militares, política e sociedade, a Revista de História da Universidade Estadual do Piauí torna público o dossiê História Militar, Historiografia e Caminhos de Pesquisa, composto por oito artigos.

Os dois artigos que abrem o dossiê afastam-se do teatro de guerra, mas apresentam outras formas de encenar o poder, qual seja a construção de legitimidades. Ronaldo Zatta e Ismael Antônio Vannini abordam as comemorações e a ritualização nacionalista durante o período ditatorial civil-militar. Ao dirigirem sua atenção para o município paranaense de Francisco Beltrão em 1980 nos propiciam compreender como as autoridades locais buscaram alinhar-se aos símbolos e à pedagogia militarista apresentada em celebrações do sete de setembro. Os esforços em cumprir determinações militares terminaram por adequar associações civis e estudantes em nível escolar à disciplina determinada pelos presidentes-generais.

Bárbara Tikami de Lima, por sua vez, investe em balanço da História Militar e a da Arte. Para tanto, explora as trajetórias dos pintores das obras que imortalizaram a participação do exército e marinha do Brasil na guerra do Paraguai. Telas como Batalha do Avahy e Batalha Naval do Riachuelo são frequentemente evocadas na liturgia militar, enquanto símbolos do denodo e sacrifício realizados em nome da pátria. O argumento da autora aposta na indissociação entre a experiências dos artistas e a dos militares na elaboração da imagética iconográfica.

Os dois artigos seguintes examinam a importância que as guerras civis tiveram no país. Gustavo Figueira Andrade explora a associação entre duas experiências diferentes. A Vozes Pretérito & Devir Ano VI, Vol. X Nº I (2019) Apresentação ISSN: 2317-1979 6 primeira é a da guerra civil em si, neste caso a transcorrida entre 1893 e 1895 no Rio Grande do Sul. A segunda é a da mobilização de efetivos ao longo do país e seu deslocamento para frentes muito diversas das que originalmente serviam os soldados. Valendo-se das memórias de um praça cearense recém-chegado ao território sulista, Andrade nos oferece tanto a análise sobre as condições de vida de um soldado na jovem república brasileira quanto a perspectiva de estranhamento de um oriundo de parte muito diversa da mesma. Vivência castrense e civil se misturam, apontando as limitações da homogeneização do treinamento militar.

Determinado a recapitular o desenvolvimento do tenentismo, Amílcar Guidolim Vitor passa em revista as ações que deram origem a esta categoria. A alternância entre a narrativa e a análise da repercussão das manifestações de jovens oficiais em jornais da época aponta para o sofisma que é afirmar que no Brasil os combates militares estiveram ausentes. De fato, nas mobilizações dos “tenentes” foram recorrentes as marchas forçadas e o confronto com outras unidades do exército ou de polícias militares estaduais. A guerra brasileira teve uma manifestação endêmica e interna.

O artigo de Johny Santana de Araújo foca na ação do exército enquanto transformador dos cidadãos brasileiros, um objetivo praticado com particular recorrência na primeira república. Ao verificar a implantação do 25º batalhão de caçadores em Teresina, o professor nos apresenta o quanto a promoção de atividades de entretenimento e de sociabilidade foram utilizadas para oferecer uma imagem positiva do exército e, por conseguinte do Estado brasileiro. No Piauí, estado no qual as Forças Armadas e o poder central tinham presença pouco expressiva, fazia-se necessário não apenas atuar, mas também ganhar corações e mentes da população. Para tanto, lançava-se mão do soft power como meio de adesão.

Mas o que será de um exército sem um inimigo? Wilson de Oliveira Neto nos mostra que a definição de um antagonista não era óbvia, obrigando a uma pedagogia política para apontar aos cidadãos quem eram os opositores da pátria. No caso da II Guerra Mundial a imprensa, articulada com a propaganda estado-unidense foi fundamental para transformar os alemães, outrora aliados, no inimigo nazista que deveria ser combatido. Novamente, coloca-se em jogo a legitimidade das ações militares e sua relevância política no cotidiano.

Lucas Mateus Vieira de Godoy Stringuetti, por sua vez, discute como carreiras militares se desdobraram em carreiras políticas, valendo-se para tanto das biografias elogiosas ao brigadeiro Eduardo Gomes. Tendo as biografias surgido no embalo das discussões para apontar o candidato da UDN à presidência da república em 1945, eram menos estudos desinteressados do que peças de propaganda. Nesse sentido, tratavam não apenas de relatar as proezas militares do brigadeiro, mas construir a figura de um líder nacional.

Fechando o dossiê, Marcelo Cardoso examina as escritas acadêmica e institucional produzidas sobre a Polícia Militar Brasileira e Piauiense entre os anos de 1975 e 2010. O autor analisa os distanciamentos e aproximações existentes entre essas narrativas levando em consideração o lugar social de produção e os procedimentos metodológicos utilizados. A partir desse debate, Cardoso apresenta através de seu percurso acadêmico uma proposta para a história acadêmica da Polícia Militar no Piauí.

Além do material do dossiê o leitor conta com a seção de Artigos Livres, que totaliza seis trabalhos autorais. O primeiro deles realiza uma transição entre o militarismo do dossiê e as demais contribuições, ao explorar a utilização de corsários pelo movimento revolucionário e emancipador de Buenos Aires no início do século XIX. Eduardo Sartoretto analisa a participação de marinheiros e oficiais que vendiam seus serviços a favor da revolução, mas também visando a própria sobrevivência. Valendo-se de um diálogo sólido com a historiografia internacional, percebe como a definição da soberania da nação nascente foi atravessada por questões internacionais que se evidenciavam na ação corsária.

Erick Matheus Bezerra Mendonça Rodrigues retorna ao século XVI para averiguar o quanto a obtenção de informações e sua transformação em conhecimento era fundamental para a monarquia hispânica manter sua dominação sobre territórios ultramarinos. Conhecer para conquistar era uma prática recorrente no mundo moderno e os espanhóis fomentaram o conhecimento científico pautados pelo uso imediato que poderiam lhe dar.

Rodrigo de Morais Guerra também se ocupa de analisar a ação sobre o espaço, mas seu esforço se desenvolve no sentido de uma reflexão teórica em torno de como diferentes historiadores pensaram esta categoria. Procurando distanciar-se de uma perspectiva na qual o espaço seria tão somente o palco da ação humana o autor enfrenta o desafio de contrastar nomes díspares como Koselleck, Foucault e Benedict Anderson, entre outros.

As políticas públicas são objeto em dois artigos distintos. Werbeth Serejo Belo se ocupa do sistema de proteção social em Portugal, no início do século XX. Joseanne Zingleara Soares Marinho tem por recortes o Piauí entre 1930 e 1945, estudando a saúde maternoinfantil. Em ambos os casos há uma preocupação com grupos muitas vezes excluídos da história, embora as categorias de análise sejam diferentes: o trabalho e a divisão social para o primeiro, o gênero para a segunda.

Finalmente, Elaine Ignácio e Erasmo Marcio Falcão nos oferecem um trabalho sobre educação patrimonial, o que permite a sempre salutar aproximação com a antropologia. Seu alvo é a importância das práticas culturais populares, incluindo as elaborações que fazem da sua memória social e consequentemente do seu pertencimento ao espaço social.

Para encerrar o volume, a resenha de Pedro Pio Fontineles Filho sobre a coletânea Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial, retoma em alguma medida a História Militar proposta no dossiê, da mesma maneira que nos permite revisitar e repensar a experiência brasileira no conflito. Ao dedicar-se a uma fração do Brasil, o livro nos convida a conhecer histórias que foram por muito tempo ofuscadas pela narrativa centralista do centro-sul. O que o leitor encontra no presente volume, seja em artigos articulados pelo dossiê temático, seja em contribuições livres, é a necessidade de concatenarmos múltiplos pontos de vista para a compreensão dos fenômenos sociais do presente e do passado, sempre complexos e desafiadores.

Com votos de uma boa leitura,

Referências

CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vítor; KRAAY. Da história militar à “nova” história militar. In: Nova história militar brasileira. Rio de janeiro: Editora FGV, 2004. p. 11-42.

CUNHA, Paulo Ribeiro. Um clássico mais que contemporâneo. Prefácio. In: SODRÉ, Nelson Werneck. História militar do Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 7-17.

RODRIGUES, Fernando da Silva; FERRAZ, Francisco; PINTO, Surama Conde Sá (orgs.). Introdução. In: História militar: novos caminhos e novas abordagens. Jundiaí / SP: Paco Editorial, 2015. p. 11-17.

Adriano Comissoli – Professor Doutor. (Docente Permanente do PPGH / UFSM)

Clarice Helena Santiago Lira – Mestra (Professora da UESPI / Doutoranda do PPGH / UFSM)


COMISSOLI, Adriano; LIRA, Clarice Helena Santiago. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.10, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Documentos e Pesquisa / Historiae / 2018

No primeiro número de 2018 Historiæ apresenta o dossiê “Documentos & Pesquisa” tentando refletir sobre o historiador e suas fontes e pesquisas históricas.

O estudo dos documentos ainda constitui uma das etapas fundamentais da pesquisa, notadamente quando os trabalhos se voltavam a temáticas culturais, como as histórico-literárias. O documento deixou de ser analisado como um ente indubitável, acima do bem ou do mal e código absoluto da verdade, mas isso não retirou a sua relevância, tornando-se a sua própria construção um objeto de pesquisa.

Assim, em se tratando de registros escritos, os documentos passaram a ser interpretados em sua essência discursiva, com a pesquisa voltando-se às próprias condições de produção de uma determinada documentação, ou seja, as suas inter-relações com o contexto em que foi elaborada, bem como às circunstâncias / conjunturas extra, intra e interdiscursivas de sua criação. Este dossiê busca trazer uma série de estudos de caso que abordam estas interfaces entre a pesquisa e a interpretação documental.

A organização do presente dossiê foi realizada pela Professora Doutora Vania Pinheiro Chaves da Universidade de Lisboa e pelo Professor Doutor Francisco das Neves Alves da Universidade Federal do Rio Grande.

Rodrigo Santos de Oliveira – Professor Doutor. Editor


OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Apresentação. Historiae, Rio Grande- RS, v. 9, n. 1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Ética em pesquisa em contextos educativos | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2017

Ética em pesquisa em contextos educativos: problematizações luso-brasileiras

O dossiê “Ética em pesquisa em contextos educativos” teve como objetivo problematizar as questões éticas no cotidiano da produção do conhecimento cientifico, em contextos de educação formal, informal e não formal, envolvendo artefatos culturais, midiáticos e tecnológicos. Provocados por algumas perguntas norteadoras, os autores brasileiros e portugueses problematizaram a produção do conhecimento cientifico tendo a ética em pesquisa como eixo central das discussões. No Brasil, esta problemática vem produzindo interlocuções e tomadas de posições, como no caso das resoluções sobre ética em pesquisa (Resolução 466/12 e Resolução 310/16 do CNS) e nos trabalhos de investigação envolvendo sujeitos de diferentes idades. Em Portugal, a temática também vem sendo foco da atenção de pesquisadores, dentre os quais podemos citar aqueles que pesquisa com crianças ou que realizam investigações em contextos digitais.

Neste sentido, as produções procuram apresentar contributos para alimentar o debate no que se refere aos aspectos teórico-metodológicos, em torno de pelo menos uma das questões sobre ética em pesquisa em educação. A seguir apresentamos as questões presentes no dossiê e os artigos que se propõem a discuti-las. Leia Mais

Desafios e Caminhos do Ensino, Pesquisa e Extensão em Relações Internacionais no Brasil | Meridiano 47 | 2017

A ampliação dos cursos de graduação e de pós-graduação, a diversidade das atividades com interface internacional, assim como os avanços teóricos e empíricos da disciplina nos últimos anos evidenciam a consolidação do campo de Relações Internacionais no Brasil. Ao mesmo tempo, as mudanças nas tecnologias da informação, as novas possibilidades de atuação profissional e os desdobramentos interdisciplinares estimulam a discussão sobre o perfil dos egressos, bem como sobre as expectativas do mercado de trabalho e do Estado em relação ao campo.

Questões sobre ensino, aprendizado e concepções pedagógicas são discutidas e rediscutidas em todas as áreas, assim como a questão das competências e habilidades profissionais. Há um esforço constante em diminuir lacunas entre o que os cursos oferecem, a expectativa dos estudantes e as oportunidades profissionais. O dinamismo do mundo real, do mercado de trabalho e das agendas de pesquisa acadêmicas constantemente estimulam balanços e avaliações sobre o processo de aprender a aprender, de ensinar a aprender e de aprender a ensinar. Para a área de Relações Internacionais essa discussão tem uma relevância adicional, pois, trata-se de uma área estratégica para o desenvolvimento nacional com enorme responsabilidade em formar quadros a serem absorvidos pelo setor privado, órgãos governamentais, não governamentais, academia, entre outros. Leia Mais

Ética, Pesquisa, História: desafios na produção do conhecimento / História & Perspectivas / 2015

Com o n. 52, História & Perspectivas mais uma vez traz a público um conjunto de contribuições à compreensão do processo histórico, nacional e internacional. As interpretações aqui presentes representam uma rica mostra do que se debate e se produz na historiografia atual.

O tema central deste número é “Ética e pesquisa no campo da História”, questão atemporal e que envolve todos os campos investigativos e não apenas a História ou o macro campo das Ciências Humanas e Sociais. E isso remete à necessidade de reflexão, tanto sobre a implementação propriamente dita da pesquisa como sobre a responsabilidade sócio-acadêmica dos que a praticam e dos usos que são feitos dos resultados que, desde muito, fazem parte do cotidiano de todos nós.

É nesse horizonte que o binômio ética e pesquisa tem sido um tema recorrente nos debates da área de Ciências Humanas e Sociais, especialmente se considerarmos o contexto das mudanças significativas que resultaram na sociedade do século XXI, decorrentes da intensificação dos processos de globalização das relações econômicas, culturais e científicas.

Ao longo do tempo, os humanos foram passando da condição de coletores para a de produtores de seus alimentos, de nômades para sedentários, de grupos dispersos para sociedades organizada. Aprenderam a curar suas feridas e a se utilizar da riqueza natural que os cercava, enveredando pelos mares, subindo as montanhas, dominando as florestas e as regiões áridas; enfim, passaram a ter domínio sobre suas condições de sobrevivência, num mundo a princípio inóspito, mas que gradativamente foi sendo submetido. Ao mesmo tempo, geraram regulamentos que garantiam condições variadas de sociabilidade, permitindo o planejamento de sua hegemonia e a das gerações futuras neste mundo, além de registrar e dar sentido à sua trajetória por meio da construção da História.

Esse é um processo longo e doloroso, só possível pela habilidade do homem de observar, registrar, lembrar, fazer relações e tirar conclusões sobre o que acontece à sua volta. Característica que, respeitadas as diferenças, o acompanha desde priscas eras e que passamos a chamar em certo momento de investigação científica ou simplesmente de ciência. Nos moldes em que a conhecemos hoje, passou a tomar forma nos tempos modernos, marcados pelo uso metodizado e contínuo da razão, do experimento na busca de melhorias que garantissem cada vez mais condições de conforto ao homem ou, até, a busca da felicidade.

Muitos percalços foram enfrentados – o confronto com a religião, a luta pela garantia das liberdades –, usos condenáveis do conhecimento foram disseminados – tecnologias de guerra, de tortura, de manipulação das vontades –, mas, ao mesmo tempo, descortinaram-se benefícios infindos por intermédio da prática científica. E, com a dependência cada vez maior do homem em relação à ciência e à técnica, a reflexão sobre os usos, os procedimentos, as consequências das transformações geradas fora do circuito “natural”, gerando impactos e consequências para o meio ambiente para os quais nem o próprio homem estava preparado, geraram uma necessidade de se pensar não apenas os horizontes, mas também os riscos que se abriam e se abrem por conta da preeminência científica que a cada dia se avoluma. E essa reflexão se dá no âmbito da razão, em sociedades que respeitam regras comuns, que aceitam os direitos como patrimônio coletivo e que necessitam de assegurar tanto a convivência como a sobrevivência de todos, vislumbrando na ciência tanto a edificação de um futuro radioso como de uma catástrofe iminente.

Como superar esse impasse? Como conciliar os avanços da ciência com a preservação de valores, com o respeito ao ambiente que nos hospeda e à dignidade humana que construiu esse mundo que nos abriga? Em suma, ainda que seja unânime o reconhecimento do valor e da necessidade da ciência, também se consolidou uma visão comum da importância de se refletir sobre a prática investigativa e sobre a necessidade de se estabelecer parâmetros para sua implementação. É nesse espaço que a ética se apresenta, contribuindo para a reflexão sobre a relação do homem com o conhecimento científico. E é aí também que a História entra, ao inserir a perspectiva histórica nessa reflexão, a relação do homem com a produção e o usufruto do conhecimento ao longo do tempo.

Os textos deste dossiê não pretendem oferecer respostas ou soluções para esses e outros dilemas que assolam o ambiente acadêmico-científico brasileiro. De resto, todos nós sabemos que soluções desse tipo não existem. No entanto, contribuem significativamente para a ampliação da reflexão e para o embasamento teórico-metodológico dos pesquisadores e estudiosos sobre o debate recente em torno das resoluções emitidas pelo Conselho Nacional de Saúde regulamentando os procedimentos de avaliação e controle da prática da pesquisa no Brasil, sobre a formação do pesquisador nas universidades e nos institutos de pesquisa, sobre a pertinência da elaboração de códigos de ética para diferentes áreas, sobre a prevalência atual da bioética sobre as atividades investigativas, etc. O simples enunciado desses temas já permite ao leitor avaliar a dimensão da riqueza e do alcance dos argumentos esgrimidos pelos autores aqui reunidos, especialistas experientes tanto no tema como na prática da pesquisa, bem como na análise do processo histórico.

O presente dossiê, além disso, tem o mérito de oferecer estudos que desvelam os limites e as possibilidades da discussão em torno da regulamentação do agir investigativo, ao sinalizar para outros vetores da ética e da pesquisa, mas tendo em vista uma profícua reflexão sobre critérios centrados nas especificidades das Ciências Humanas e Sociais, em especial no campo da História, principalmente quando a relação pesquisador / objeto é matizada pela atuação intencional e planejada do cientista social. Assim, os textos do dossiê oferecem um fecundo panorama das condições de formação do pesquisador, da produção e divulgação dos conhecimentos científicos, colocando em relevo a forma pela qual a sociedade pode usufruir dos resultados da ciência sem que “prejuízos éticos” se manifestem ou reduzindo os riscos de sua ocorrência.

Repassamos agora ao público não só importantes resultados de pesquisa, mas também a responsabilidade pela leitura, pela avaliação e pela crítica, assim como pela continuidade do debate e da reflexão sobre as relações do homem com a natureza e com seus pares, mediados pela ciência.

Conselho Editorial


Ética, Pesquisa, História: desafios na produção do conhecimento. História & Perspectivas, Uberlândia, n.52, 2015. Acessar publicação original [DR].

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Algumas reflexões: formar para pesquisar, pesquisar para formar no ensino de história / Revista Mosaico / 2015

O dossiê que ora apresentamos, intitulado Algumas reflexões: formar para pesquisar, pesquisar para formar no ensino de história, visa estimular as reflexões sobre o Ensino de História, tendo como aspecto central a pesquisa no campo da formação.

As discussões acerca do ensino de história vêm ganhando corpo e densidade nos últimos tempos, a partir de importantes reflexões e pesquisas, fruto do trabalho de estudiosos e pesquisadores. Para isso, reunimos jovens professores-pesquisadores, oriundos de diferentes instituições brasileiras, com suas formações, concepções, práticas e histórias particulares, os quais pesquisam e ensinam na área de metodologias e práticas de ensino. O caráter cooperativo desse dossiê permitirá agregar pesquisadores – conhecedores da articulação entre os saberes históricos e pedagógicos, a didática, a metodologia e as práticas de ensino – em um esforço de superar a fragmentação da produção dos trabalhos em educação, criando condições que contribuam para se pensar a problemática, a partir da realidade regional e local e das suas articulações com a globalidade.

A produção da pesquisa na área do ensino de História, da prática dos docentes e do seu cotidiano escolar nos motivou a elaborar o dossiê. Ao propormos essa temática, queremos não só a compreender, como também avaliar seus avanços, seus impactos e contribuir para a formação teórica e epistemológica dos pesquisadores sobre o ensino de História. Introduzir a discussão sobre a investigação na prática educativa, notadamente na formação do professor de História, consubstancia um desafio e importante esforço para romper com uma discussão apenas afeita ao universo bacharelesco. Nesse sentido, entendemos que a investigação, no interior das formações, ganha relevo, também, na produção de novos conhecimentos. Todavia, a discussão da pesquisa na formação do docente de História ainda é um espaço a se consolidar, um desafio que não podemos dar por concluído.

Em sendo assim, juntamente com a Revista Mosaico, colocamos o atual número à disposição do público interessado em temas ligados ao ensino de História. Os textos apresentados oferecem aos leitores um variado leque de temas que se entrelaçam, permitindo o estabelecimento de conexões de forma articulada e contribuindo com a produção do conhecimento no âmbito do ensino e da formação docente. Para pensarmos a relação pesquisa e ensino é imprescindível que uma e outra estejam estreitamente relacionadas, visto que elas se constituem pilares do fazer docente.

Ana Carla Sabino e Raquel da Silva Alves, no artigo O relatório do estágio supervisionado: diálogos entre a prática de ensino e a formação do historiador que abre o presente dossiê, apresentam-nos as habilidades mobilizadas pelos alunos do curso de licenciatura em História da Universidade Federal do Ceará, na realização da disciplina de Estágio Supervisionado, a partir da utilização das fontes e dos relatórios das práticas docentes desenvolvidas nas escolas de educação básica da cidade de Fortaleza. Para tal, as autoras consideram os saberes docentes e profissionais do professor de História da educação básica – em permanente diálogo com o professor da disciplina / atividade de estágio – e a cultura escolar das instituições onde se situa o ofício do historiador, como fonte e objeto para a pesquisa e a aprendizagem da didática e da prática de ensino de História, dimensionando, socialmente, a escrita sobre os saberes e o seu caráter formativo na escola.

No artigo Por uma Cartografia dos Saberes Docentes: o PARFOR e o agenciamento de novas subjetividades no ensino de História, Andreza de Oliveira Andrade traz uma reflexão em torno da construção de saberes mobilizados para o ensino de História e de sua didática. Busca, por conseguinte, fazer dessa reflexão um exercício de cartografar alguns caminhos que levam à vivência das experiências de ensino e formação de estudantes da graduação em História, na Licenciatura ofertada pelo Plano Nacional de Formação de Professores (PARFOR), em cidades do interior do Rio Grande do Norte, atendidas pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Angela Ribeiro Ferreira no seu texto convida-nos a pensar A relação teoria e prática nos currículos de formação de professores de História no Brasil, um recorte de sua tese defendida em 2015, em que analisa o discurso expresso nos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC) dos cursos de licenciatura de História de diversas regiões do Brasil, sobre a indissociabilidade entre ensino / pesquisa e teoria / prática, diante da ampliação da carga horária obrigatória de prática de ensino, com a Resolução CNE / CP 2 / 2002. A autora nos alerta, em seu instigante texto, que a Resolução, ao dissociar a prática da formação, reforça nos PPC a dicotomia entre teoria e conteúdo e a prática profissional.

Carlos Augusto Lima Ferreira apresenta, em seu artigo Pesquisa quantitativa e qualitativa: perspectivas para o campo da educação, uma reflexão teórica dos métodos de investigação qualitativos e quantitativos e suas principais problemáticas e, ainda, como esses se apresentam nos campos do conhecimento. Apesar de historicamente ser um tema marcado por debates entre os pesquisadores “quantitativistas” e “qualitativistas”, temos experimentado um crescimento do número de abordagens que se utilizam dos dois métodos para a pesquisa. O autor evidencia as perspectivas de utilização de ambas, nos estudos referentes à educação, especialmente, na área da formação de professores.

Elaine Lourenço, em seu texto Formação e Atuação de Professores: o jogo dos currículos convida- -nos a refletir sobre diferentes currículos de formação de professores do curso de História da Universidade Nove de Julho, no decorrer da primeira década do século XXI, confrontando o percurso formativo de alguns de seus alunos com sua posterior atuação em sala de aula. Para tal, escolheu o caminho da História Oral, como uma metodologia que tem ganhado cada vez mais visibilidade e que permitiu dar voz ao professor, ao mesmo tempo em que proporcionou inúmeras informações relevantes para o entendimento dele como um sujeito, com uma trajetória e modos de vida, facilitando a compreensão de suas experiências vividas.

Juliana Alves de Andrade descortina O fazer-se ao torna-se professor de História: a pesquisa como elemento articulador da prática docente, socializando e problematizando as experiências vivenciadas entre os anos 2014-2015 na disciplina Prática de Ensino de História I, ofertada no Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco. A autora nos apresenta em seu texto as estratégias utilizadas na disciplina, evidenciando a pesquisa, como componente articulador das atividades pedagógicas, assim como o efeito dessas ações sobre a prática pedagógica dos futuros professores de História. Ao partir dessa perspectiva, o texto nos mostra que se tornar professor de História, hoje, só pode ser compreendido pelo processo histórico de como se formar (fazer-se) professor de História no Brasil. Dessa maneira, ao adotar como corpus de análise os relatórios dos estudantes, nas atividades de observação, os documentos oficiais (Projeto Pedagógico de Curso (PPC) do Curso de História), anotações individuais das aulas e os planos de intervenção pedagógica, a autora nos convida a pensar sobre o sentido e o valor da formação de docentes de História.

Lademe Correia de Sousa, por sua vez, no estudo Ensino e Pesquisa: História Local através da produção de Jornal apresenta as atividades desenvolvidas, no Projeto PIBID / História, na Universidade Federal do Oeste do Pará, com a História local associada ao estudo do meio. Para a autora, essas duas estratégias de aprendizagem mantêm relações muito próximas entre si, pois tanto o estudo do meio, quanto a História local objetivam viabilizar um contato direto dos discentes com um contexto e seu passado, num cruzamento entre História, memória e patrimônio cultural. Além desses aspectos, a autora também traz, em seu texto, uma discussão quanto às relações entre o saber acadêmico e o saber escolar, que serviram de inspiração para o desenvolvimento do Projeto PIBID. Para ela, a escola não pode ser vista como um espaço onde o saber ensinado é mera simplificação do saber acadêmico, mas, sim, como um local em que o conhecimento pode ser construído com um saber próprio, lugar portador de uma cultura escolar, não mais como um espaço de reprodução, mas sim de produção de conhecimento.

Marcella Albaine Farias da Costa, com o trabalho Tecnologia, temporalidade e História digital: interpelações ao historiador e ao professor de História busca analisar como as narrativas históricas contemporâneas se veem ampliadas, modificadas e desafiadas pelas tecnologias digitais de informação e comunicação, que influenciam e transformam a forma de ensinar História nos espaços escolares. Assim, a autora busca situar o debate da chamada História digital, aprofundando-se nos estudos sobre temporalidade e tecnologia, pois a problemática da História digital e os desafios dela advindos abarcam questões relativas à produção do conhecimento histórico e à sua recontextualização didática, envolvendo, portanto, os que estão no meio acadêmico e os que militam no espaço escolar. Ao considerar esses aspectos, a pesquisadora nos alerta que tanto a dimensão do ensino, quanto a da pesquisa na referida área estão, perceptivelmente, afetadas e com desafios importantes a enfrentar neste começo de século.

Mônica Martins da Silva trata de questões relevantes acerca da temática afro-indígenas no texto Formação de Professores de História e práticas de pesquisa: experiências de implementação das leis 10639 / 03 e 11645 / 2008 por meio do Estágio Supervisionado. O artigo apresenta reflexões sobre a formação inicial de estudantes de História nas disciplinas de Estágio Supervisionado, incorporando a pesquisa na formação, articulada à produção de materiais didáticos para a educação básica, a partir de novas abordagens sobre a História dos povos africanos, afrodescendentes e indígenas, em diálogos com as leis 10639 / 03 e 11645 / 08, construídos a partir da inter-relação teórica e metodológica entre conhecimento histórico escolar e produção historiográfica. O ensino de História desses povos ganhou um novo impulso com a legislação que definiu a obrigatoriedade desses temas nos currículos da educação básica. Por certo, a temática afro-indígena tem englobado a escola e necessita ser incorporada no e pelo cotidiano escolar nas diferentes disciplinas do currículo, rompendo com as amarras pedagógicas que excluem e, muitas vezes, cerceiam qualquer possibilidade de ser respeitada e valorizada no âmbito escolar. Para a autora, apesar de essa questão ser uma preocupação recorrente, as leis 10639 / 2003 e 11645 / 2008, desde sua promulgação, apresentam normas e orientações que definem o papel dos currículos escolares na inclusão de conteúdos específicos sobre esses grupos, na perspectiva de uma educação afirmativa, propiciando meios para a formação de cidadãos atuantes, democráticos, tolerantes e capazes de lutar pela construção de uma sociedade inclusiva, que valorize as diversidades culturais, as quais nos formam um país multiétnico e pluricultural.

Nadia Gaiofatto Gonçalves envereda pelos caminhos da produção acadêmica sobre a formação de professores de História no Brasil em sua Pesquisa na formação de professores para o ensino de História: produção acadêmica (1970-2014), em que analisa como o ensino de História foi abordado em periódicos acadêmicos de Educação, de Ensino e de História, a partir dos anos de 1970, marco inicial dos Programas de Pós-Graduação, até o ano de 2014. Para a autora, esta pesquisa pode ser compreendida como um estado da arte ou estado do conhecimento. Sua fonte foram periódicos acadêmicos nacionais, constantes no Qualis – CAPES, com classificação mínima entre A1 e B3, das áreas de Educação, História e Ensino. Ao assumir os artigos dos diversos periódicos para o seu trabalho de pesquisa, a autora mostra-nos que o princípio formativo para professores vem se configurando como uma tendência nas proposições, embora ainda de forma tímida, mesmo na produção sobre formação de professores para o ensino de História. E essa tendência decorre e dialoga com referenciais teóricos que vêm ganhando força na produção educacional no Brasil, a partir do final do século XX, relacionados ao professor reflexivo e aos saberes e práticas docentes, bem como se reporta a referências que têm se fortalecido gradativamente no campo do ensino de História, a partir do início do século XX, derivados da Educação Histórica ou da Didática da História.

Por fim, Susane Rodrigues de Oliveira analisa em seu texto A Formação de Professores-Pesquisadores no curso de História da UNB: uma análise da proposta curricular e das atividades de estágio supervisionado, os fundamentos e os modos de efetivação da proposta curricular de formação de professores-pesquisadores no curso de licenciatura em História da Universidade Nacional de Brasília. Para isso, analisou a estrutura curricular estabelecida pelo Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso que vem caminhando, gradativamente, na busca da articulação do ensino e pesquisa na formação de professores. A autora considera que muito ainda precisa ser feito, a fim de que se mude o quadro atual do ensino de História, no Brasil, e, também, para que as atividades de pesquisa no contexto escolar, exercidas por professores em formação inicial e continuada, possam ter ainda mais apoio, estímulo, reconhecimento e suporte adequados, gerando uma aproximação horizontal e transformadora entre a universidade e a escola.

Além desses artigos que compõem o dossiê a Revista Mosaico apresenta três artigos em sua seção temas livres, a saber: Militarização das Escolas Públicas do Estado de Goiás: uma reflexão sob os olhares de Gloria Anzáldua e Michel Foucault de Leandra Augusta de C. M. Cruz em co-autoria com Maria do Espírito Santo Rosa C. Ribeiro; Jogos do Sensível na História da Mídia: o Caso da Rádio Iguaçu- AM 670, de Edgar Cesar Melech e de Albertina Vicentini, Apontamentos sobre o regionalismo em literatura hoje.

De nossa parte, não objetivamos no dossiê resolver toda problemática acerca da formação de professores, bem ao contrário, esperamos que este seja um espaço para pensar, repercutir e levantar questões enfrentadas pelos professores, no âmbito da universidade, da escola e fora dessas instituições visando às mudanças nas práticas docentes.

Esperamos que esses artigos possam ampliar o debate nos campos do Ensino de História, da educação e da formação docente. Dessa forma, convidamos o leitor a se deixar “seduzir” pelos textos aqui apresentados. Excelente leitura!

Carlos Augusto Lima Ferreira – Professor Doutor. Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS

Editor deste número


FERREIRA, Carlos Augusto Lima. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.8, n.2, jul. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Patrimônio, pesquisa e cidadania / Revista do Arquivo Público Mineiro / 2015

O Dossiê deste volume celebra os 120 anos do Arquivo Público Mineiro (APM). Essa comemoração não só destaca os múltiplos significados dos arquivos públicos na sociedade contemporânea, como também propõe um momento de reflexão a respeito dos desafios enfrentados e a forma de superá-los. São quatro os textos que remetem a esses tópicos.

O primeiro artigo aborda, em seus desdobramentos, a construção da atual sede do APM e do prédio anexo. A história custodial do acervo, como costuma ocorrer, não foi linear. Recolhido em 1895, o acervo da instituição permaneceu alguns anos na casa de seu criador, José Pedro Xavier da Veiga, sendo, depois, deslocado para Belo Horizonte, nova capital mineira desde 1897. Nesta cidade, vários foram os locais que serviram de sede para o APM, sempre enfrentando o desafio – como revela Mariana Bracarense, autora desse texto – de ampliar os espaços para o depósito dos valiosos fundos e coleções. Leia Mais

Percursos do Olhar – caminhos da pesquisa nas trilhas da visualidade / Locus – Revista de História / 2013

O historiador de arte crê, amiúde, que o único assunto que o compete é o

dos objetos. Em realidade, as relações organizam esses objetos, lhes dão vida

e significação. Georges Didi-Huberman

Com essa afirmação o filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman inicia seu estudo sobre a arte diante do tempo [1]. Ao fazer a arqueologia dos anacronismos, próprios de uma história da arte em busca de renovação, o autor enfatiza que os objetos de arte talvez não possam ser compreendidos sem a análise de suas eleições teóricas, cuja história e crítica solicitam exame. Sob esta perspectiva, não há como cultivar um pensar profundo sobre os estudos da arte, sem pousar os olhos nos caminhos empreendidos por pesquisadores oriundos do campo artístico e do campo historiográfico, em experiências e encontros que, não raro, ocorreram hibridizados em um mesmo escopo de formação profissional.

Há, por outro lado, complementaridades e mesmo embates entre as áreas que lidam com a temática artística. Somadas ou em confronto, história e artes visuais contribuem para a discussão sobre a epistemologia das linguagens e as inquietações oriundas do campo da investigação artística com marcas na historicidade, que aqui compreendemos como visualidade. A necessidade de favorecer a (auto)reflexão dos caminhos de investigação trilhados por pesquisadores da arte e dar a ler suas experiências, foram os elementos que motivaram a organização deste dossiê. São dez artigos produzidos sob a perspectiva dos percursos do olhar, revelando a maneira como cada pesquisador, de forma disciplinar ou fronteiriça, traçou seu plano de pesquisa.

O dossiê tem, portanto, como objetivo apresentar reflexões sobre os percursos adotados por diversos pesquisadores no trato de vários temas. Com abrangência em distintas expressões artísticas (pintura, desenho, gravura, escultura e arquitetura), pretende promover um mapeamento dos caminhos e opções teórico-metodológicas em experiências de pesquisa. Objetiva favorecer, por meio de seus artigos, a (auto) reflexão do pesquisador sobre trilhas de investigação percorridas, e, ao mesmo tempo, estimular discussões e debates que sirvam de inspiração a estudantes e pesquisadores no campo das artes visuais. No limite entre as oportunidades e as impossibilidades de um conhecimento e de um meio absoluto de leitura e análise no campo artístico, o dossiê pretende estimular a reflexão, inspirar novos pesquisadores, dar a conhecer o jogo de significações em torno de seus temas e, em perspectiva temporal, apresentar contextos significativos de pesquisas realizadas sobre pontos referenciais da história da arte no Brasil em suas múltiplas facetas.

O dossiê é composto por pesquisadores experientes, associados, em sua maioria, a linhas de pesquisa que tratam do campo artístico relacionado à história em diversos programas de pós-graduação nacionais. Assim, comparecem ao dossiê, pesquisadores do Centro, Nordeste e Sudeste do país que em seus textos vão nos apresentar reflexões advindas de suas experiências com a arte colonial, com as expressões artísticas do dezenove e reflexões sobre a arte do século XX. Em abordagens sobrevindas de vários campos de conhecimento, cada pesquisador, a seu modo e segundo seu ângulo de visão e inquietação, elaborou reflexões relativas a temas específicos, sobre os quais se debruçou por anos de trabalho e partilhou as opções teórico-metodológicas assumidas, mesmo de maneira provisória e questionadora.

Com essa aspiração organizamos a série de artigos deste dossiê. Embora houvesse a intenção inicial de apresentar os temas em certa ordem cronológica, fomos interpelados por temas mais teóricos e diálogos com diversos tempos em uma mesma análise. Tal aspecto nos recoloca a problemática incessante da arte em seus diálogos com o tempo e com a história. Walter Benjamin trouxe a metáfora da escavação para o conhecimento associado ao passado. O filósofo e historiador da arte Georges Didi- Huberman recupera a tarefa como um ato da espectralidade do tempo e nos remete a uma arqueologia não somente material, mas também antropológica e política. Nesta arqueologia, somos aqueles que manejam os instrumentos, se esforçam por ler as camadas, mas ao mesmo tempo, admitem a árdua tarefa de levantar vestígios e considerar a substância mesma dos solos em que se encontram os sedimentos revoltos por nossas escolhas [2]. Por este princípio a pergunta organizadora deste dossiê se faz necessária: qual o percurso do olhar prescrutador da arte e do tempo? As respostas elaboradas neste dossiê talvez possam nos ajudar a rememorar trilhas e arriscar renovados caminhos.

Notas

1. DIDI-HUBERMAN, Georges. Ante El Tiempo. Historia del Arte y Anacronismo de las Imagenes. Buenos Aires, Adriana Hidalgo Editora, 2008.

2. DIDI-HUBERMAN, op. cit, p.170.

Heloisa Selma Fernandes Capel – PPGH / UFG

Maraliz de Castro Vieira Christo – PPGH / UFJF


CAPEL, Heloisa Selma Fernandes; CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.19, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Histórias visuais: experiências de pesquisa entre História e Arte | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2012

Historiadores interessados em tratar temáticas da cultura por meio da visualidade artística, ou mesmo, historiadores da arte ciosos do status da história em suas pesquisas. Este dossiê poderia ter sido pensado como um diálogo entre historiadores e historiadores da arte, mas se conformou como algo além. Diálogos pressupõem campos de formação distintos, que se confrontam e estabelecem acordos, influências mútuas a partir de áreas estanques. Os resultados deste encontro demonstraram a natureza conjunta deste corpo de estudos entre a arte e a história, espaços intervalares entre a história e as artes visuais. Ontologicamente, história e arte estão imbricadas, embora suas preocupações íntimas possam acentuar especificidades em sua expressão formal, ou mesmo nas bases histórico-culturais que as compõem. As pesquisas apresentadas neste dossiê caminharam nos campos da visualidade, demarcação de amplo espectro, que atende às inquietações teórico-metodológicas dos que lidam com imagens sob a perspectiva cultural. Leia Mais

Pesquisa e Práticas do Ensino de História / Caderno de História / 2006

É com prazer que faço a apresentação deste Cadernos de História publicado pelo Laboratório de Ensino e Aprendizagem em História e pela Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. Posso afirmar que este exemplar é estruturado em três momentos bem distintos com enfoques e temáticas que não se distanciam entre si. Elas se entrecruzam e se complementam, como se pode observar na própria apresentação. A História Local é identificada na primeira parte, onde é tratada a História da Educação em Uberlândia. Na segunda parte, a História da Educação é complementada nos textos referentes a educação no momento contemporâneo e, finalmente, na terceira parte – Dossiê “Pesquisa e Práticas do Ensino de História”, os autores se debruçaram sobre a formação docente, as práticas pedagógicas e os sujeitos históricos, fazendo um recorte a respeito do Ensino de História na atualidade.

No primeiro momento há uma série de artigos sobre História da Educação e o uso de fontes primárias como Actas da Câmara Municipal e jornais. Estes artigos têm um locus comum – a cidade de Uberlândia, antiga Uberabinha, no período de transição entre os finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Época marcada, em nossa História, pela afirmação do ideário positivista da ordem, do progresso e a construção de uma cidadania nacional. Outra marca deste período foi o desenvolvimento de Uberlândia sobre o manto do progresso e da modernidade. No artigo Educação e Progresso: evidências oficiais em Uberabinha de 1911, os autores Guilherme, Carvalho e Neto tiveram a preocupação de investigar o ideal de ordem e progresso, na administração de Uberabinha no inicio do século passado, e utilizaram como referencial de investigação e análise a aplicação de verbas públicas na educação. Há que se destacar que tais ideais de ordem e progresso que compunham o ideário positivista constituíam as metas a serem alcançadas pelas nações naquele período. Para desenvolver os seus estudos os autores consultaram fontes primárias como actas da Câmara Municipal.

O texto Representações do Ensino Rural em Uberabinha – 1888 a 1930, escrito por Ribeiro, Silveira e Inácio Filho, caracteriza-se por apresentar os passos de uma pesquisa referente ao Ensino Rural em Uberabinha, em um período de transição entre a permanência dos valores rurais para os valores de uma vida e educação urbanas. Este processo acontece sob a influência das idéias de modernidade e progresso.

Araújo e Souza, ao escreverem o texto Imprensa e Educação na Primeira República: Uberabinha, 1888-1930, tiveram a preocupação, ao investigar na imprensa local as questões educacionais, de evidenciar a importância da imprensa como fonte de pesquisa e análise.

No texto A forma(ta)ção da Cidadania: os debates em torno da Educação em Uberabinha, MG (1892-1920), o autor Ching, pesquisando fontes primárias como as Atas da Câmara Municipal e os jornais da época, teve a preocupação de refletir a respeito da formação e da formatação que era dada, através da educação, ao conceito de cidadania.

Outra particularidade deste caderno é o conjunto de textos que se seguem, cuja marca é a reflexão política sobre os desafios presentes na educação contemporânea, como a intolerância, a formação de atitudes democráticas nas aulas de História e, sobretudo, as dificuldades de inclusão social dos sujeitos com deficiências físicas e mentais.

As autoras Peres e Inácio, no texto Intolerância à alteridade na conquista da América Latina: enfoque da questão nos livros didáticos, refletiram a respeito de atitudes de intolerância que expressam a não aceitação do outro, ao não reconhecimento das diferenças. A intolerância com relação ao diferente marcou as atitudes dos conquistadores da América e tem marcado na contemporaneidade aquele que não é o nosso espelho. O propósito deste artigo é refletir sobre estas questões no interior da sala de aula.

Qual Cidadania? Que Democracia? são questionamentos que Jeanne Silva faz para discutir e analisar a função do Ensino de História na formação da democracia no Brasil. A autora analisa os obstáculos presentes nas salas de aula de História, o deterioramento das relações sociais e a resignificação, na atualidade, dos conceitos de cidadania e democracia.

O texto Educação do Campo: Novas Abordagens Pedagógicas, escrito por Pombo, chama-nos a atenção para a importância da Educação do Campo, no interior do Movimento Terra Trabalho e Liberdade (MTL), em um Pré-Assentamento na Fazenda Tangará. Esta educação baseia-se em uma prática pedagógica que se caracteriza pela diversidade, pelo idealismo e, sobretudo, pelo desafio.

Willian Vaz de Oliveira, no texto Educação Especial e Inclusão Escolar no Brasil: entre teorias e práticas, discute a construção das políticas educacionais públicas relativas a educação especial e a inclusão escolar. Mostra a importância da Constituição federal de 1988 e da LDB de 1996, no processo de promoção de uma educação direcionada as pessoas portadoras de necessidades especiais e considera, também, o distanciamento existente entre a teoria e a prática, evidenciando as dificuldades da inclusão, na escola e na sociedade, dos sujeitos “portadores” de necessidades especiais.

Para ampliar os estudos sobre linguagens alternativas para o ensino de História e outras fontes de investigação, os autores Ferreira e Ventura no texto Ensino de História e a informática educacional: alguumas possibilidades, evidenciam possibilidades do uso da Informática no ensino de História.

O próximo conjunto de textos que compõem este Caderno de História foi denominado apropriadamente, pelos organizadores, de Dossiê: “Pesquisas e Práticas do Ensino de História”, porque tem como ponto central de reflexão o ensino de história. Foram focalizados neste dossiê a prática docente, a formação de professores, a memória docente, a sala de aula como campo de pesquisa, os livros didáticos, a música, a literatura e o rádio como linguagens alternativas no ensino de História.

O texto – Profissão Docente: Representações e práticas educativas nas primeiras séries do Ensino Fundamental, escrito por Oliveira, é uma reflexão sobre as práticas escolares de profissionais que atuam nas primeiras séries do ensino fundamental. Neste artigo, a autora assinala a importância dos conceitos de cultura e de representações sociais para se compreender e analisar as práticas pedagógicas neste segmento de ensino.

O estágio supervisionado como campo de pesquisa: As narrativas escolares sobre o conhecimento histórico, de Cainelli, evidencia a importância da prática da pesquisa nas disciplinas Metodologia do Ensino de História e do Estágio Supervisionado. A autora organizou uma investigação para conhecer a natureza dos conhecimentos sobre a História dos alunos do ensino fundamental, tendo como objetivo identificar os conceitos adquiridos e como interpretam textos históricos. Os dados obtidos subsidiaram os estágios dos licenciados.

Franco, no artigo: Os Livros Didáticos de História para séries iniciais do Ensino fundamental (PNLD/2004) e as Representações de Pluralidade Cultural, contextualiza a pluralidade cultural presentes nas reflexões historiográficas e educacionais, assim como nos documentos oficiais ( PNLD e PCNs) produzidos pelos órgãos gestores da política educacional. Concomitante a esta reflexão, a autora se ocupa em analisar as representações de pluralidade cultural veiculadas em dois livros didáticos de História destinados ao primeiro segmento do Ensino Fundamental, distribuídos pelo PNLD/2004.

Música e Radiofonia: uma experiência interdisciplinar de prática de ensino é um artigo de Noadia Munhoz e Rodrigo de Paula Morais. Este texto é resultante de pesquisas feitas na Prática de Ensino e Estágio Supervisionado dos cursos de Pedagogia e História. Teve como objetivo mostrar a importância do uso de linguagens alternativas para o ensino de História, como a música e o rádio, além de evidenciar a necessidade de se aplicar, na escola, projetos interdisciplinares.

O texto de Paim – Rememorações dos professores de História em relação às Práticas de Ensino desenvolvidas na graduação, é o resultado de uma pesquisa cujo objetivo foi recuperar memórias e experiências, através de depoimentos orais, do fazer-se professor (a) de História. Neste artigo, ele recupera as rememorações dos professores na forma de estágio docente.

Paula e Motta apresentam-nos no texto intitulado Literatura de Cordel – uma porta para o Brasil Real, um estudo sobre o uso de uma outra linguagem alternativa para o ensino de História que é a Literatura de Cordel. Esta prática pedagógica foi vivenciada pelos alunos de uma 8ª série e objetivou o trabalho com as habilidades operatórias como interpretação, compreensão e assimilação importantes para compreensão do conhecimento histórico.

Finalmente, quero agradecer o convite recebido para fazer a apresentação deste número, destacar a riqueza deste Cadernos de História pela variedade temática e diversidade de autores, e desejar aos leitores muitas reflexões a partir das leituras feitas.

Ernesta Zamboni –  Professora da F.E – UNICAMP.


ZAMBONI, Ernesta. Apresentação. Caderno de História. Uberlândia, v.14, n.1, set. 2005 / set. 2006, 2006. Acessar publicação original [DR]

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