Teoria da história e história da educação – Por uma história cultural não culturalista | Sérgio Castanho

CASTANHO S Teoria da História e H da Educação Teoria da história e história da educação

O campineiro Sérgio Castanho é doutor em educação e professor de história da educação no programa de pós-graduação e nos cursos de graduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisador no Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Educação e Sociedade no Brasil” (HISTEDBR), publicou o livro Teoria da história e história da educação – por uma história cultural não culturalista, em 2010. Entre suas publicações, estão livros, artigos acadêmicos, capítulos de livros, resumos e trabalhos completos em anais de congressos nacionais e internacionais.

Com uma intensa vida acadêmica, Castanho busca despertar o interesse de leitores diversos pela história. Para isso, ele lança mão de uma escrita clara, objetiva e impregnada de um extraordinário gostar, cujo resultado envolve, empolga e, ao mesmo tempo, exige o entendimento de ideias trazidas de outros autores, nos remetendo à consulta de diferentes trabalhos.

A obra aqui resenhada traz uma apresentação da teoria da história em âmbito geral e específico e sua relação com a memória, o tempo presente e a prospecção do futuro, além da análise da história cultural – tratados com base no materialismo histórico de Marx.

É um livro composto de cento e dez páginas, divididas em prefácio, apresentação, dois capítulos, considerações finais, referências bibliográficas, nota sobre o autor e texto de quarta capa de Dermeval Saviani. O prefácio, escrito por José Luís Sanfelice,1 apresenta o conteúdo da obra de forma resumida e bastante envolvente, demonstrando a relevância que tem o estudo feito por Castanho, em especial para a área da história e de forma geral para as outras áreas do conhecimento. Já a apresentação elaborada pelo próprio autor sintetiza seus objetivos com o livro, bem como demonstra o caminho trilhado por ele na pesquisa que antecedeu a obra. Essas duas primeiras partes situam o leitor, dando-lhe subsídios para iniciar a leitura dos capítulos com maior segurança, antevendo o que virá.

O primeiro capítulo, intitulado “Teoria da história”, está subdividido em três partes: Marx e a história; Materialismo histórico, antiestruturalismo, projeto social e defesa da história diante do pós-modernismo; Memória, tempo presente e prospecção do futuro. Nele, Castanho discorre sobre a teoria da história sob o olhar de sua “postura marxiana genesíaca” e de influências vindas das obras de Edward Palmer Thompson e de Josep Fontana. Ele inicia esse capítulo fazendo uma provocação ao leitor, para isso cita Marc Bloch, questionando a utilidade da história. Afirma, logo em seguida, que a história serve, ao menos, para distrair-se e conta como sempre se sentiu entusiasmado ao ler narrativas. A partir daí, Castanho propõe um diálogo com diversas obras de Marx, nas quais se assentam o conceito do materialismo histórico e o da teoria da história produzida pelo historiador.

Afirmando que a história é a própria vida do ser humano (p. 4), o autor a considera, concordando com Marx, a partir de dois aspectos: o global (social) e o unitário (individual), que se fundem o tempo todo nas múltiplas e infindáveis relações sociais, as quais não ferem a unidade histórica, mas sim lhe conferem tendências e dimensões variadas e necessárias a cada contexto social, que servirão como categorias para explicá-lo ou historiá-lo.

No diálogo com Thompson, Castanho resgata o argumento de que “o materialismo histórico é válido […] como orientação geral de conhecimento, teoricamente orientado, de um processo, conhecimento esse que se origina no trato da experiên­cia histórica” (p. 47). De Fontana, o autor vai buscar a ideia de que o historiador deve sustentar seu trabalho com uma metodologia baseada na própria história, considerando, para isso, um tripé composto pela “história (narração), economia política (descrição científica e imparcial do funcionamento da sociedade) e projetos sociais (destinados a resolver problemas do presente)” (p. 49). Para Fontana, cada etapa da evolução social teve sua própria “roupagem”, estando contextualizada em uma visão histórica específica a ela, gerida pelos projetos sociais que expressam a proposta política daquele contexto, projetando seu futuro (evolução da sociedade). Castanho destaca que Marx já havia postulado essa evolução, “mas em harmonia com o desenvolvimento das relações sociais” (p. 50).

Castanho ainda menciona Ellen Meiksins Wood e John Bellamy Foster ao discutir sobre as ideias marxianas no contexto pós-moderno. Segundo uma das citações trazidas,

a lógica de transformação de tudo em mercadoria, de acumulação, maximização do lucro e competição satura toda a ordem social. E entender esse sistema “totalizante” requer exatamente o tipo de conhecimento totalizante que o marxismo oferece e os pós-modernos rejeitam. (Wood, 1999, p. 19)

Assim, Castanho deixa claro que olhar para o contexto social com base em sua totalidade e de dentro dele próprio é essencial. Novamente cita Wood (idem, p. 11) para justificar seu argumento: “[…] nenhum padrão externo de verdade, nenhum referente externo para o conhecimento existe para nós fora dos ‘discursos’ específicos em que vivemos”.

Sobre a memória, o autor constrói seu discurso destacando-a como o aspecto que define a identidade do sujeito e da sociedade, pois é um conceito que se assenta em conhecimentos acumulados pela história de vida de cada um e, portanto, de cada grupo. Já o tempo presente, “da minha geração” (p. 64), como ele afirma, configura-se como objeto da história ou como “fornecedor de categorias para análise da história passada” (p. 73). Ao futuro cabem prospecções, cujo objetivo é o de apontar tendências gerais (p. 71) que podem nortear a detecção de tendências específicas. Isso é possível de ser feito por meio das categorias de análise fornecidas pela memória e pelo tempo presente.

Ainda no primeiro capítulo, o autor explicita que, por suas especificidades, a história pode ser tratada em “dimensões diversas da realidade social” (p. 95), que legitimam seu aspecto específico, sem contudo quebrar a totalidade e a unidade, uma vez que ambas se articulam, gerando assim campos como o da história política, história demográfica, entre outros.

Ao segundo capítulo, cujo título é “História cultural e história da educação”, coube a seguinte subdivisão: Formação da história cultural e história cultural, educação e história da educação. Nessa parte, Castanho, além de explicitar os conceitos de história cultural e história da educação e suas relações, procura, assim como Marx, também ressaltar a “importância da dimensão cultural da existência da humanidade” (p. 75). O posicionamento do autor em relação à história cultural denomina-se contextualista, uma vez que considera imprescindíveis “as relações existentes entre o universo das ideias – ou intelectual – com o da sociedade” (p. 82), ou seja, as ideias têm valor e significação dentro do “contexto social em que são geradas” (p. 82).

A história da cultura e a história da educação constituem-se como campos autônomos, porém com profunda relação de mutualismo, buscando uma na outra (ou nas outras) elementos que tangenciem suas necessidades, auxiliando em suas interpretações e ressignificações.

Ao tecer suas considerações finais, Castanho didaticamente retoma os objetivos postos em sua apresentação no início da obra, dando um destaque para a legitimidade que a história da educação alcançou, em virtude de sua articulação com a “totalidade histórica” (p. 96). Assim, destaca ele, é possível estudar objetos mínimos e específicos, situados em um processo mais amplo, determinado pela história de uma maneira geral, e que em sua visão têm uma identidade marcada pelo materialismo histórico e suas relações de produção material.

Ler essa obra é de fato um deleite histórico, com ênfase em Marx e suas ideias, além de um verdadeiro passeio por importantes conceitos de serem compreendidos com rigor, embora também seja exigente por esses tantos conceitos e fatos citados. Trata-se, certamente, de uma leitura de grande valia aos especialistas ou estudantes da área de história e educação, e também para aqueles, de outras áreas, que queiram ampliar os conhecimentos sobre questões fundamentais para o entendimento da história humana.

Referências

Bloch, Marc. Introdução à história. 6. ed. Trad. de Maria Manuel e Rui Grácio. Mem Martins, Publicações Europa-América, s.d.         [ Links ]

Fontana, Josep. História: análise do passado e projeto social. Trad. de Luiz Roncari. Bauru, EDUSC, 1998.         [ Links ]

Thompson, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Trad. de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.         [ Links ]

_____. A formação da classe operária inglesa. Trad. de Denise Bottmann. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 3 v., 1987a.

_____. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Trad. de Denise Bottmann. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987b.         [ Links ]

_____. Costumes em comum. Trad. de Rosaura Eichemberg. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.         [ Links ]

_____. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Organização de Antonio Luigi Negro e Sérgio Silva. Campinas, Editora da UNICAMP, 2001.         [ Links ]

Wood, Ellen Meiksins. “Introdução: O que é a agenda pós-moderna?”. In: ______.; Foster, John Bellamy (Orgs.). Em defesa da história: marxismo e pós-modernismo. Trad. de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999. p. 7-22.

Nota

1. Professor titular de história da educação na Faculdade de Educação da UNICAMP e pesquisador vinculado ao HISTEDBR.

Rita de Cássia Ventura Pattaro – É diretora pedagógica da rede particular de ensino na cidade de Indaiatuba/SP e mestranda em educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). E-mail: [email protected].


CASTANHO, Sérgio. Teoria da história e história da educação – por uma história cultural não culturalista (T). Campinas: Editora Autores Associados, 2010, 110 p. Resenha de: PATTARO, Rita de Cássia Ventura. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v.17, n.51, set./dez. 2012. Consultar a publicação original [IF].