População em áreas de fronteira / Territórios & Fronteiras / 2015

Este dossiê temático intitulado “População em áreas de fronteira” procurou reunir, em um único produto, no caso uma edição da revista Territórios & Fronteiras, artigos de estudiosos de renome da área de estudos de população de diversas instituições.

Os artigos foram divididos em quatro seções: 1) Processos de formação e ocupação de fronteiras; 2) Migração populacional em áreas de fronteira; 3) Inserção social e cultural dos migrantes; e 4) Estratégias de sobrevivência na fronteira amazônica. A primeira parte deste produto contém artigos que tratam dos processos de formação e ocupação de áreas de fronteira do Amapá com a Guiana Francesa, Rondônia e na Amazônia como um todo.

O primeiro artigo, de Jadson Porto e Yurgel Caldas, aborda a construção da fronteira franco-brasileira, entre a Guiana Francesa e o Amapá, através da atuação francesa e da atuação brasileira na formação da fronteira amapaense, e a inserção desta fronteira na rede global. Chama atenção também para o papel da fronteira como território estratégico e também como um grande negócio, fornecedor de commodities além de integrante de uma rede ambiental a atuante na integração com o Platô das Guianas.

No segundo artigo, de Alisson Barbieri, são estudadas estratégias de planejamento regional para a ocupação da Amazônia a partir da utilização de três perspectivas teóricas tradicionais em mobilidade populacional (funcionalista, estruturalista e transicional) e a dificuldade destas perspectivas em explicar este processo de ocupação. O texto traz a relação entre mobilidade populacional e planejamento regional para a ocupação e desenvolvimento da fronteira amazônica, assim como aponta a necessidade de uma redefinição conceitual de urbano e rural para o planejamento regional.

Já o terceiro artigo, de Marília e Geraldo Cotinguiba, faz uma ponte entre a primeira e a segunda parte deste dossiê, uma vez que traz um panorama histórico da formação do estado de Rondônia como uma região de fronteira, situando o incremento populacional no âmbito das migrações internas em diferentes momentos, o papel das hidrelétricas, e também analisando a dinâmica e as fases do processo migratório dos haitianos em Porto Velho após o ano de 2010.

A segunda parte deste dossiê traz artigos que tratam de processos migratórios em áreas de fronteira, relacionando atividades de garimpo e remessas financeiras na fronteira Brasil-Guiana, a evolução da população urbana e rural no Oeste do Paraná e a relação entre migração e gênero no caso das migrantes bolivianas em Corumbá.

O artigo de Hisakhana Corbin e Luis Aragón explana sobre os processos migratórios na Guiana, em especial na cidade-fronteira de Lethem com a cidade brasileira de Bonfim (RR), e a importância das redes sociais e familiares nesta mobilidade de população. O texto aborda o problema da fragilidade da economia guianense, baseada na produção mineral e em remessas de guianenses residentes no exterior. Uma vez que mais da metade da população da Guiana se encontra fora de seu país de nascimento, as remessas financeiras para suas famílias chegam a perto de 10% do PIB da Guiana e são consideradas estratégias de redução de pobreza. Neste contexto, é mencionada também a questão da fuga de cérebros (brain drain) do país, causando problemas como a escassez de profissionais mais qualificados, como professores, por exemplo.

O próximo artigo, de Ricardo Rippel, abordou a relação entre dinâmica demográfica e localização da população rural e urbana do Oeste do Paraná, a última área de fronteira a ser ocupada no Paraná, frente à migração e à qualificação dos responsáveis pela família. Envolve questões como a modernização da agricultura e sua relação com os movimentos migratórios, medidas de localização da população e sugere que a concentração populacional não sofreu modificações significativas no período adotado.

Já o terceiro artigo desta parte, de Roberta Peres, analisa a questão das mulheres na fronteira, por meio da migração de bolivianas para Corumbá (MS). Inicialmente faz uma discussão do papel da fronteira para a elaboração de um aporte teórico que sustente e explique este fluxo migratório, depois trata da migração feminina e as relações de gênero, apontando uma rede social essencialmente feminina naquele local, com o dinamismo econômico fortalecendo atividades mais femininas, e termina abordando as trajetórias migratórias e o ciclo de vida destas mulheres. Chama também a atenção para modificações das relações de poder e os papéis de gênero desempenhados pelas mulheres bolivianas em Corumbá através de salários maiores, autonomia e poder de decisão em suas famílias.

A inserção dos migrantes internacionais, seja esta social ou mesmo cultural, é retratada na terceira parte deste produto, por meio do exemplo dos haitianos na Amazônia ou das festas com danças de forró ou reggae frequentadas pela população que se move na fronteira entre o Brasil e a Guiana.

O artigo de Sidney Silva analisa os haitianos nas fronteiras amazônicas, em especial em Manaus, tentando captar as formas de inserção social e cultural destes migrantes no local de destino, e explicitando a falta de políticas públicas inclusivas para eles. Utiliza fontes de dados primários (surveys) ou pesquisas de campo para traçar um perfil dos haitianos, incluindo também meios de entrada no Brasil e relação com os brasileiros. Destaca que inicialmente os migrantes eram constituídos basicamente por homens, jovens, entrando via terrestre e agora é possível observar mudanças no perfil migratório, aumentando a proporção de crianças, mulheres e adultos com mais de 50 anos, ou seja, características de migração na forma de reunificação familiar, e chegando inclusive por via aérea.

O tema da inserção cultural é descrito mais a fundo no artigo de Antonio Meneses, Francilene Rodrigues e Ana Vale, que descreve duas festas: o forró em Bonfim (RR) e o reggae em Lethem (Guiana), chamando a atenção para pontos de encontro, de contato e de trocas culturais que ocorrem nestas festas. São abordados os processos de diferenciação e de identificação de participantes e estratégias de sociabilidade, inclusive através de símbolos que podem marcar identidades e diferenças sociais e de classe, como marcas de cerveja e tipos de prato para degustar. Estas festas possibilitam as trocas culturais, a criação de relações sociais e o fortalecimento dos laços de solidariedade que se refletem nesse espaço transfronteiriço. Exemplo disso é o que os autores chamam de “casamentos transnacionais”, formados muitas vezes nestas festas, em que os membros precisam falar outros idiomas, compartilhar culturas diferentes e viver em dois lugares ou mais.

Por fim, a última parte do dossiê contém artigos que abordam as estratégias de sobrevivência da população na fronteira amazônica, das perspectivas rurais e urbanas e do ciclo de vida, a partir de estudos de caso.

As estratégias de sobrevivência da população na fronteira amazônica são estudadas no artigo de Thais Lombardi, Gilvan Guedes e Alisson Barbieri para a área urbana, utilizando dados de Altamira (PA), e para a área rural, com dados de Machadinho d’Oeste (RO). Nestas regiões houve forte influência de projetos de colonização nas décadas de 1970 e 1980. Após uma discussão sobre o conceito de estratégias de sobrevivência, seus pressupostos e limitações, os autores utilizam modelos de classe latente para analisar as relações entre os indicadores destas estratégias, distribuídos nos capitais natural, físico, social, humano e financeiro, mostrando as características regionais destas áreas de fronteira, e a progressiva urbanização de estratégias de sobrevivência das áreas rurais, assemelhando-se às das áreas urbanas.

Por fim, o último artigo, de Gilvan Guedes, Alisson Barbieri, Reinaldo Santos e Mariângela Antigo, aborda mais a fundo a evolução das estratégias de sobrevivência em termos do desenvolvimento da fronteira agrícola de Machadinho d’Oeste (RO) analisando duas gerações de domicílios a partir da natureza longitudinal dos dados, observando os domicílios ao longo do tempo. Foram investigadas as dimensões de estratégias de sobrevivência, mobilidade e fatores de ciclo de vida. Além dos modelos de classe latente, utilizados no artigo anterior, também utilizaram a modelagem “grade of membership” que utiliza técnicas fuzzy de análise para estimar o grau de pertencimento individual a cada classe latente, e assim identificar um modelo com a menor quantidade de classes que descrevem os dados. Os resultados mostram cinco perfis de estratégias de sobrevivência para as duas gerações de domicílios.

Assim, este dossiê trata de temas extremamente atuais, alguns inclusive de difícil captação por meio das fontes mais utilizadas pelos estudiosos de população, como os censos demográficos, como no caso da recente migração de haitianos ao Brasil pós-2010 e festas culturais; e trata também de localidades de estudo com bem poucos estudos publicados, como a fronteira do Brasil com as Guianas (francesa e inglesa) e outras regiões de fronteiras amazônicas.

Os processos migratórios abordados envolvem migração interna, migração internacional, assim como mobilidade populacional, ou circulação de pessoas em localidades transfronteiriças, podendo ser de grande relevância para a correta formulação de políticas públicas específicas para estes grupos populacionais.

Boa leitura!

Alberto Augusto Eichman Jakob – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: [email protected]

Dimitri Fazito – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected]


JAKOB, Alberto Augusto Eichman; FAZITO, Dimitri. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.8, n.2, jul / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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