Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective | Dennis Green e Frank Siegmund

O volume The Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century foi editado por Dennis H. Green e Frank Siegmund, dois especialistas em questões ligadas à História dos povos germânicos no período medieval. A área específica de Dennis Green encontra-se nas relações entre Linguagem, Literatura e História no período medieval, especialmente entre os povos germânicos, como exemplificado nas seguintes obras: Medieval Listening and Reading: The Primary Reception of German Literature 800-1300 – Cambridge, 1994; Language and History in the Early Germanic World – Cambridge, 2000; The Beginnings of Medieval Romance: Fact and Fiction, 1150-1220 – Cambridge, 2002 e Woman and Marriage in German Medieval Romance – Cambridge, 2009 entre outras. Por sua vez, Frank Siegmund é um arqueólogo especializado nos povos germânicos durante o período Merovíngio, podendo-se conhecer mais de sua prolífica produção nos seguintes websites: http://www.frank-siegmund.de e http://independent.academia.edu/ Frank Siegmund (acessado em 10/07/2012).

Este volume sobre os Saxões Continentais continua a série anual de discussões no Center for Interdisciplinary Research on Social Stress em San Marino, realizadas por iniciativa de seu diretor, Dr. Giorgio Ausenda. Elas têm como objeto de estudo o impacto dos “bárbaros” germânicos no Império Romano e nos reinos sucessores. Desde o início, a metodologia adotada para estas discussões foi a interdisciplinaridade: História, Arqueologia, Filologia e Etnografia. O primeiro encontro (cujas discussões foram publicadas sob o título After Empire: Towards an Ethnology of Europe’s Barbarians, editado por Giorgio Ausenda) foi devotado a vários aspectos gerais do problema, enquanto que os encontros subsequentes foram concentrados em tópicos específicos. Assim, os volumes posteriores foram: The Anglo-Saxons from the Migration Period to the Eighth Century: An Ethnographic Perspective (editado por John Hines), Franks and Alamanni in the Merovingian Period: An Ethnographic Perspective (editado por Ian Wood), The Visigoths from the Migration Period to the Seventh Century: An Ethnographic Perspective (editado por Peter Heather), The Scandinavians from the Vendel Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective (editado por Judith Jesch). Após a publicação do volume dedicado aos Saxônios, foram publicados The Ostrogoths from the Migration Period to the Sixth Century: An Ethnographic Perspective (editado por Sam Barnish e Federico Marazzi) e The Langobards from the Migration Period to the Eighth Century: An Ethnographic Perspective (editado por Paolo Delogu e Chris Wickham), sendo que ainda aguardam a realização (e posterior publicação) as discussões voltadas aos Vândalos e Suábios (volume conjunto), aos Burgúndios e aos Bávaros.

Uma das vantagens destes encontros, além do estímulo causado pela reunião de estudiosos de diferentes disciplinas e países, sempre foi o reduzido número de participantes que, em conjunto com o considerável período de tempo dedicado à discussão de textos pré-distribuídos, permite uma amigável e animada troca de opiniões, mas, inevitavelmente, isso significa que nada semelhante a uma avaliação completa de cada tópico pode ser obtida.

Isto está refletido neste volume, onde somente algumas das questões relativas aos Saxônios, sua etnogênese, seus encontros com vizinhos diversos como os Frísios, os Daneses, os Eslavos e os Francos (além de suas conexões com os Anglo-Saxões), assim como seu encontro com os Carolíngios e sua ascensão posterior com os Otônidas, puderam encontrar espaço nesta discussão.

Este tomo inicia-se com “Location in Space and Time” (p. 11-36), uma análise crítica de Matthias Springer acerca da localização dos Saxônios tanto no tempo quanto no espaço. O texto está apropriadamente no início do volume porque o autor não apenas polemiza contra as opiniões tradicionais sobre as origens dos Saxônios, mas também, como parte deste questionamento, submete a uma análise crítica o emprego do termo Saxones na Antiguidade Clássica e o que se reporta como sua localização geográfica no mesmo período. A partir disso somos levados sistematicamente pelo que foi relatado na Antiguidade Tardia, nas fontes merovíngias, nas carolíngias e nas do século X.

Ptolomeu (s. II d.C.) é a primeira fonte cuja confiabilidade histórica, geográfica e etnográfica foi questionada. Springer dúvida da validade do senso comum acerca da expansão meridional dos Saxônios (a partir de onde Ptolomeu os localizou), seja através da subjugação de outros povos, seja pela formação de uma confederação. Ele ainda argumenta que a expansão da designação de um grupo étnico nem sempre significa que os portadores originais do mesmo tenham migrado, nem que a denominação étnica sempre se expanda de dentro para fora (cita como exemplo os imigrantes germânicos que se estabeleceram na Transilvânia húngara em fins do período medieval, mas chamados pelo monarca magiar de “Saxônios”). Para complicar a situação, o mesmo nome pode ser utilizado em relação a povos muito diferentes (como no caso dos Serby em Eslavônico, mas Serben e Sorben em Alemão, que designam, respectivamente, aos Sérvios e aos Sorbos, uma população eslava nativa da região da Lusatia). Em muitos casos fica claro que os autores posteriores aplicaram denominações conhecidas, como a de Francos e Saxônios, a grupos populacionais que lhes eram desconhecidos.

A partir destes casos complicados Springer prosseguiu analisando referências que, embora indisputadas em relação à sua aplicação aos Saxônios, são problemáticas em relação ao período em questão. Ademais, como os termos “Vikings” e “Normandos”, a palavra Saxones pode ter sido utilizada inicialmente para descrever saqueadores vindos do mar ao invés de um grupo étnico, quanto mais um grupamento geográfico específico. O resultado é tal que na Antiguidade Tardia os Saxônios podem ser localizados no tempo, mas não em seu espaço original. Uma anomalia final é apresentada pelo termo Anglisaxones. Pelo contraste com estes, os Saxões Continentais são os “verdadeiros” Saxões, dos quais os invasores da Britânia tinham que ser distinguidos pelo prefixo Angli-, ao passo que para Beda, os “verdadeiros” Saxões eram aqueles da Inglaterra, e as contrapartes continentais é que precisavam ser referidas por um atributo: Antiqui Saxones. Aliás, deve-se notar que as dificuldades para denominar esta população estendem-se à Língua Portuguesa, já que, seguindo o uso dado por Beda, denominam-se como Saxões (aliado ao prefixo “Anglo”) aos habitantes germânicos das ilhas britânicas e aos do norte da “Alemanha”, como Saxônios. Por outro lado, dentro do mesmo padrão estabelecido por Beda, também é perfeitamente aceitável denominá-los como Saxões Continentais.

Em “The North Sea Coastal Area: Settlement History from Roman to Early Medieval Times” (p. 37-76), Dirk Meier dedica sua atenção ao litoral do Mar do Norte e a história de seus assentamentos dos tempos romanos à Alta Idade Média. Ele dividiu seu ensaio em quatro seções, analisando primeiro a paisagem, depois a área costeira entre os períodos Romano e das Migrações, a seguir o mesmo para o período medieval inicial e, finalmente, um “epílogo” sobre a herança cultural das zonas costeiras e pantanosas.

O autor inevitavelmente confronta nesta região problemas relativos à história dos assentamentos tanto dos Saxônios quanto dos Frísios, cuja diferenciação arqueológica nem sempre é fácil. A área costeira estava próxima o suficiente da fronteira renana do Império para interessar aos Romanos, que mantiveram boas relações comerciais com seus habitantes, como atestado pelos muitos achados Romanos provenientes da região. A localidade de Feddersen Wierde (talvez o melhor exemplo de um assentamento do período romano) foi discutida neste contexto. Meier também volta sua atenção para a área do rio Eider e seu estuário: aqui o recuo do mar tornou possível a construção de assentamentos no nível do mar nas margens do rio durante os dois primeiros séculos d.C., fato que incrementou a importância da área em termos comerciais e logísticos.

Este sistema econômico (e político) entrou em colapso com a queda do Império Romano; com isso, muito pouco sabe-se a respeito do padrão de ocupação da região durante a instabilidade do período das Migrações. Contudo, o dramático declínio populacional ocorrido entre os séculos IV e VI pode estar relacionado a uma piora do clima. Afinidades arqueológicas entre as regiões costeiras do norte da Alemanha, sul da Dinamarca e Inglaterra definem as duas primeiras como áreas de origem e a última como área de destino das migrações dos Anglos, Saxões e Jutos.

Em sua seção relativa à Alta Idade Média, Meier considera os Frísios e seu relacionamento com os Saxônios, mas também a migração destes para a região costeira entre o Eider e o sul da Dinamarca (norte da Frísia). É sobretudo neste período que o Mar do Norte (compreendendo o continente, a Inglaterra e a Escandinávia) se tornou uma importante via de tráfego e comércio. Aqui o importante centro comercial de Dorestad e o assentamento viking de Ribe alcançaram mais do que importância simbólica.

Com o ensaio “Social Relations among the Old Saxons” (p. 77-112) Frank Siegmund trata o objeto das relações sociais entre os Saxônios, levando em consideração os seguintes tópicos: a questão étnica, o decréscimo nos assentamentos nos séculos V e VI, a disposição dos cemitérios, a demografia, os gêneros e a elite.

Siegmund inicia destacando que as diferentes tradições de pesquisa significam que as fontes arqueológicas disponíveis acerca dos Saxões continentais diferem daquelas que concernem aos Alamanos e aos Francos. Sobre a etnicidade ele aponta que as atuais ideias arqueológicas a respeito da história inicial dos Saxônios procedem de uma tentativa de reconciliar as fontes clássicas (Tácito e Ptolomeu) com a Arqueologia, mas os registros arqueológicos devem ser verificados de maneira mais independente possível de fontes escritas supostamente confiáveis.

Ele pergunta se algumas das características consideradas como tipicamente saxãs talvez não estejam baseadas em tradições mais antigas, oriundas de um fundo germânico comum, sobrevivendo entre os Francos a leste do Reno, mesmo se não entre os do oeste. Uma complicação extra encontra-se no fato de que, em contraste com outros grupos mais unidos, talvez seja mais correto falarmos de “povos Saxões”, no plural, já que contavam entre seus componentes populações diversas como os Angrarii, os Nordalbingii, os Westfálios e os Ostfálios.

Como outros contribuintes neste volume, o autor também procura por possíveis indicadores da emigração dos Saxões para a Inglaterra, mas compartilha das dúvidas surgidas pelo exame recente da região dos Anglos na Jutlândia, onde o declínio populacional foi menos severo e pode ser analisado de modo cronologicamente diferente, sem o recurso à teoria da migração. Resultados similares, agora disponíveis para a área saxônia, fortalecem estas dúvidas. Ademais, o mesmo fenômeno pode ter ocorrido em outros lugares (como com os Alamanos ou os Francos), sem a necessidade da utilização de complexas hipóteses migratórias para explicá-los.

Também deve ser notada como bem-vinda a atenção dispensada às mulheres, para as quais o risco de morte na pré-história sempre foi maior que para os homens. A civilização Romana trouxe algumas melhoras para a condição das mulheres nas províncias ocidentais, como testemunhado pelos achados nos cemitérios escavados que apresentaram tanto considerável diminuição no número de restos mortais pertencentes a mulheres em idade parturiente quanto na elevação da sua expectativa de vida. Dados como estes evidenciam o que Siegmund apresenta como um risco de morte mais balanceado entre ambos os sexos.

Em “Jural relations among the Saxons before and after Christianization” (p. 113-132) Giorgio Ausenda inicia sua contribuição sobre as relações jurídicas entre os Saxônios antes e depois de sua conversão ao Cristianismo, argumentando que antes deste ponto de inflexão os saxões continentais constituíam uma “sociedade simples” ágrafa e regulada por costumes. Após a conversão eles fizeram a transição para uma sociedade complexa, fazendo uso de leis escritas. Portanto, neste texto Ausenda procura detectar sobrevivências de leis costumárias anteriores nas primeiras leis escritas concernentes aos Saxônios. Como a discussão posterior demonstra amplamente, isto provocou um debate animado e prolongado acerca do que constituiria uma “sociedade simples”, sobre o relacionamento de tal sociedade com a oralidade e a escrita (rúnica ou outra) e, de fato, sobre os diferentes significados que devemos agregar ao termo “alfabetização” quando aplicado às runas e à escrita romana.

O artigo começa observando as leis escritas de duas outras sociedades relacionadas aos Saxões Continentais em período anterior ou a seus vizinhos. Os Anglo-saxões são discutidos em relação às leis de Æthelbert de Kent e os Longobardos (só denominados como Lombardos após o fim de seu reino independente) em relação ao Édito de Rothari. As respectivas compensações por ferimentos (wergeld) estabelecidas por estes dois códigos são comparadas de forma tabular. Iluminados por estes dois paralelos, foram discutidos os três conjuntos de “leis saxônicas”, ou melhor, de leis aplicáveis aos Saxões Continentais mas emitidas pelos Francos. O primeiro conjunto (e também mais severo) é o Capitula de partibus Saxoniae (com suas medidas de cumprimento de ordem pública e conversão compulsória), o segundo – e menor – é o Capitulare Saxonicum (rascunhado durante um concílio ocorrido em Aachen, com a participação dos Saxônios) e, por último, a Lex Saxonum (possivelmente elaborada com um olho na legislação costumária dos saxônios).

No ensaio “Rural Economy of the Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century” (p. 133-158), Walter Dörfler baseou-se nas escavações realizadas em assentamentos rurais para recuperar informações acerca de suas estruturas, diferenciações sociais e econômicas, a função do comércio e a extensão da auto-suficiência econômica. Embora algumas destas informações possam ser inferidas dos artefatos encontrados (tais como foices, pás e arados), as principais fontes são as análises pedológicas, botânicas e zoológicas. Sua argumentação enquadra-se em diversos aspectos: primeiramente, a arqueozoologia e a pedologia; e então, a arqueobotânica; atividades agrícolas na Era do Ferro romana e na Idade Média inicial; finalmente, um sumário e conclusões.

A partir deste levantamento surgem numerosas questões, concernentes não apenas aos Saxões Continentais, mas também aos Anglo-saxões. Dörfler estabelece a partir de suas evidências que houve um claro rompimento nos assentamentos na Saxônia entre os séculos VI e VIII (contudo, o autor aponta que o abandono dos campos na região já havia iniciado por volta do século III), com um considerável declínio nos indicadores de assentamentos entre 450 e 600, coincidindo com o período das Migrações. A maior parte dos assentamentos desapareceu na segunda metade do século V. Contudo, o número de saxões que podem ter ficado para trás é incerto (todavia, certamente o suficiente para justificar a fortificação de Danevirke no início do século VIII). Para alcançar suas conclusões, Dörfler utilizou-se de “micro-resquícios” botânicos para reconstruir a paisagem natural deste período e as mudanças conectadas às atividades de assentamento.

No ensaio “The Beginnings of Urban Economies among the Saxons” (p. 159-192), Heiko Steuer argumenta que antes da incorporação do território dos Saxônios ao império Carolíngio, a nobreza saxônia monopolizava o comércio e a produção artesanal, além de supervisionar a distribuição dos bens. O território saxônio encontrava-se cercado por economias mais desenvolvidas, voltadas para formas pré-urbanas de organização, nas quais existiam formas monetárias de circulação da riqueza e possuíam o comércio regulado por mercadores. A Saxônia manteve-se na periferia até a segunda metade do século VIII, quando foi influenciada pelo império Carolíngio e sua estrutura econômica; Steuer primeiro analisa os Saxônios e os Carolíngios, estendendo sua discussão até o império Otônida, que viu os Saxônios em uma nova posição: o centro político de um Império Romano revigorado.

Daí segue uma seção sobre a rede de centros pré-urbanos e a circulação de bens, outra sobre a reforma Carolíngia da cunhagem e outra sobre novos mercados. O ensaio é concluído com um levantamento de fortalezas, mosteiros e sés diocesanas ou episcopais como centros pré-urbanos em território saxônio.

Desde o início fica claro que havia uma considerável diferença entre a Saxônia e os domínios dos Francos antes da integração da primeira na grande esfera econômica e política dos segundos. O trabalho missionário junto aos saxônios foi preparado não apenas para o proselitismo, mas também como um veículo para a incorporação dos conversos em novas atividades políticas e econômicas, resumidas no estabelecimento de laços comerciais, grandes concentrações populacionais e novos distritos legais, juntamente com fortificações exercendo funções centralizadoras. A reforma da cunhagem é vista como uma mudança especialmente importante e iluminada, de numerário baseado em ouro (entesourado e difícil de ser obtido) para um padrão baseado em prata (muito mais acessível), que tornou possível a transição de uma economia de escambos locais para atividades comerciais de longa distância. Este processo também compreendeu centros de comércio marítimo, sobretudo nos dois extremos da região friso-saxônia: os portos de Dorestad (no oeste) e Haithabu na Jutlândia.

No ensaio “Saxon Art between Interpretation and Imitation: the Influence of Roman, Scandinavian, Frankish, and Christian Art on the Material Culture of the Continental Saxons AD 400-1000” (p. 193-246), Karen Høilund Nielsen baseou-se em diferentes tipos de arte e artesanato para traçar as influências romanas, escandinavas, francas e cristãs na cultura material dos Saxões continentais entre os anos 400 e 1000. Ela apresenta esta sequência em quatro estágios: primeiro, uma tentativa saxã de criar uma identidade particular a partir da tradição romana. Em segundo, a influência escandinava no norte da área saxônia, que nunca levou à produção local. Em terceiro, a influência franca no sul que, provavelmente, também nunca ocasionou produção local. Finalmente, as influências carolíngias/cristãs que submergiram o que havia sido a cultura material tradicional saxônia.

Em concordância com esta visão essencialmente negativa de qualquer independência cultural dos saxônios, sua argumentação inicia com a forte influência da tradição romana tardia na região do Elba-Weser. A despeito desta dependência em modelos romanos, ela enfatiza que a qualidade do material saxônio é geralmente superior. Uma seção mais ampla discute as influências impostas de direções diferentes: Escandinávia e Frância, com a escandinava bem atestada nas bracteates (moedas mais leves, cunhadas em apenas um lado, que demandavam menores quantidades de metal, em média 0,9g). Já a influência franca pode ser detectada em peças que apresentam estilos semelhantes aos encontrados na Austrásia (mas também na Nêustria e mesmo na Alemânia). A estas influências foi acrescentada a tradição cristã, representada pelo assim chamado estilo Tassilo (que não era distintamente Saxônio, mas muito disseminado), pelo relicário de Enger (que dificilmente foi produzido na Saxônia) e broches com santos ou animais sagrados. Esta última seção resume a rendição final dos Saxônios à religião e política do império Carolíngio.

Dennis H. Green, em seu texto “Three Aspects of the Old Saxon Biblical Epic, The Heliand” (p. 247-270) lida, evidentemente, com o anônimo épico literário bíblico Heliand, uma vida de Cristo composta no século IX em versos aliterativos tradicionais germânicos. Green realiza uma comparação e ao mesmo tempo uma contrastação entre esta obra e o que Beda reporta acerca da composição do Hino de Cædmon em Inglês Antigo. Ambas as obras empregam a técnica de acomodação linguística na busca de equivalentes vernaculares para os conceitos bíblicos (por exemplo, descrevendo Cristo como o líder de poucos escolhidos em termos que sugerem que eles eram membros de um bando guerreiro germânico). O que parece ser uma concessão cristã ao passado germânico é, contudo, muito diferente de uma Germanização do Cristianismo, mas, em efeito, uma Cristianização dos Germânicos, sendo que aqui o autor adota uma postura francamente hostil a James C. Russell (The Germanization of Early Medieval Christianity, Oxford: OUP, 1994) e G. Ronald Murphy (The Saxon Savior, Oxford: OUP, 1989 e The Heliand – The Saxon Gospel, Oxford: OUP, 1992).

Isto fica claro nos três aspectos sob os quais o Heliand foi discutido. O primeiro trabalha com o relacionamento entre as literaturas em Inglês e Saxão Antigos, com foco na forma em que as obras foram entregues às suas audiências e por estas recebidas (por recital público aos ouvintes ou como texto para a leitura individual – grande preocupação de outra obra do autor, Medieval Listening and Reading – The primary reception of German literature 800-1300, Cambridge: CUP, 1994). O Hino de Cædmon é visto em termos da primeira possibilidade, enquanto que o Heliand combina ambas. O segundo aspecto abre com a questão da relação entre a visão pagã do destino e o conceito cristão de Providência (o autor do Heliand subordina termos da esfera mais antiga para expressar visões posteriores). Finalmente, o Heliand proporciona evidências mostrando como a Cristandade reagiu aos valores heroicos e marciais do mundo germânico. Aqui também a mensagem cristã impôs-se à tradição germânica.

Em “Beyond Satraps and Ostriches: Political and Social Structures of the Saxons in the Early Carolingian Period” (p. 271-298), Ian Wood expressa insatisfação com a maneira com que as evidências relativas aos Saxônios muitas vezes são tratadas com desrespeito em relação à cronologia. Para remediar esta situação ele considera as evidências escritas acerca das estruturas políticas e sociais dos Saxônios em sequência histórica, esperando assim iluminar atitudes cambiantes nestas fontes ou sua prontidão em emprestar ou adaptar material mais antigo.

Partindo de Beda como a fonte substancial mais antiga em sua descrição dos Antiqui Saxones, Wood ilumina o uso que o Venerável fez da palavra satrapae, observando suas ocorrências bíblicas, mas também em dois comentários bíblicos do próprio monge anglo-saxão, assim como em outras fontes latinas. A descrição de Beda destaca-se por sua relevância em relação à missão dos anglo-saxões no continente, apresentando um mundo ainda por ser convertido. Bonifácio também estava ciente das muitas entidades populacionais cobertas pelo termo “Saxônia”. Todavia, a despeito da óbvia importância de sua missão entre os Saxônios, nenhuma obra hagiográfica importante os descreve ou ao seu território com detalhes.

O próximo grupo de fontes consideradas provém do período carolíngio, como seus anais e sua legislação, portadores da reveladora distinção entre três povos na Saxônia: Westfálios, Angrarii e Ostfálios. Os próximos textos considerados são as Historiae de Nithard e a Vita Lebuini antiqua (com suas referências à assembleia dos Saxônios em Marklo). De grande interesse, se bem que não confiável, é a obra de Rodolfo de Fulda, com sua surpreendente afirmação de que ao invés dos Saxões terem migrado para a Britânia, na verdade eles é que de lá migraram para a Germânia, proporcionando assim aos Saxônios uma etnogênese similar à de outras tribos, ao menos no topos relacionado ao deslocamento marítimo, derivado da Eneida.

Widukind de Corvey (um descendente do guerreiro saxônio Widukind do século VIII) dedicou sua obra a Matilda, filha de Otto I, identificando-a como uma descendente do mesmo ancestral. Sua Res gestae Saxonicae também providencia aos Saxônios uma respeitável etnogênese de acordo com seu status imperial de fins do século X. Este historiador, por duvidoso que seja, nos provê com a mais completa descrição das origens dos Saxônios.

Questões religiosas, incluindo seu possível reflexo na literatura em Saxão Antigo, são discutidas no ensaio de John Hines, “The Conversion of the Old Saxons” (p. 299-328). Ele também inicia com Beda, uma testemunha considerada como confiavelmente informada acerca da organização social dos Saxões Continentais e sobre o que ele diz a respeito de seus satrapae no lugar de um monarca. Se isto implica em alguma medida de fraqueza política (e assim pode ter sido), tivesse a estrutura social saxônia sido mais centralizada, os resultados de suas lutas contra Carlos Magno e contra a conversão ao Cristianismo poderiam ter sido bem diferentes.

Nosso conhecimento do paganismo Saxônio foi contaminado pela presença dos Francos, já que as fontes disponíveis a este respeito revelam um duplo ponto de partida: elas são tanto Cristãs quanto Francas. Já que é o reino Franco que detalha o que descrevia o que estava confrontando, estas fontes precisam ser tratadas com grande cuidado.

Um aspecto desta questão que dominou a discussão subsequente a este ensaio, foi a forma com que a historiografia franca apresentou a conversão dos saxônios em termos altamente individualizados, como um conflito entre Carlos Magno, o governante do imperium christianum, e Widukind, o líder pagão local. Esta visão estreita foi muito ampliada por Hines, referindo-se ao apoio que Widukind recebeu do rei danês; assim, o saxônio pode ser visto como um lutador pertencente a um sistema político e religioso (não Cristão e mesmo “norte-germânico”) ao invés de outro, o império Carolíngio.

Em seu tratamento da literatura em Saxão Antigo, Hines ressalta que como os scriptoria onde estas obras foram compostas (Corvey, Fulda e Verden), estão localizados no oeste e no sul da Saxônia (portanto afastados das áreas que permaneceram pagãs por mais tempo), então estes textos acabam assumindo aspectos marginais e intrusivos em relação à questão. Também enfatizou o fato de que esta literatura não pode, de maneira alguma, ser interpretada como uma “Germanização do Cristianismo”, em consonância com as ideias expressas anteriormente por Dennis Green.

Como foi dito no início desta resenha, muitas questões permaneceram não discutidas, tanto pelo tempo limitado do colóquio quanto pelo número restrito de especialidades representadas em San Marino. Isto fica patente nas discussões subsequentes a cada ensaio, mas de forma muito mais contundente em boa parte do último dia do evento, reservado para um olhar mais prolongado aos temas abordados e as probabilidades de trabalhos futuros. Isto foi resumido no fim do volume sob o título “Current Issues and Suggested Future Directions in the Study of the Continental Saxons” (p. 329-352) de F. Siegmund e G. Ausenda.

Toda a série Studies in Historical Achaeoethnology possui um valor extraordinário para os medievalistas em geral, mas ainda maior para os pesquisadores voltados para o estudo das populações germânicas que moldaram a Europa após o Império Romano. Nas últimas décadas houve um crescimento considerável no número e na qualidade das obras dedicadas à análise da etnogênese dos povos germânicos, como as séries Transformations of the Roman World (atualmente com treze volumes) e sua continuação Early Middle Ages (contando com sete volumes) editadas pela neerlandesa Brill, a série Studies in the Early Middle Ages (atualmente com trinta e sete volumes) pela belga Brepols, além de outros.

Porém, nenhum outro volume foi dedicado exclusivamente aos saxônios, embora as perspectivas reveladas neste volume, particularmente em relação à publicação de futuros trabalhos, especialmente relativos às escavações arqueológicas realizadas na Saxônia, prometam novos desdobramentos e publicações futuras. Assim, o valor de The Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century como um compêndio acerca dos saxônios, mantém-se intacto.

Vinicius Cesar Dreger de Araujo – Centro Educacional Anhanguera – Pós-graduação (Santo André e Osasco). E-mail: [email protected]


GREEN, Dennis H.; SIEGMUND, Frank (Ed.). Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective. Woodbridge: Boydell, 2003. (Studies in Historical Archaeoethnology 6). Resenha de: ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de. Contribuições para a elucidação da etnogênese saxônia. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.12, n.1, p. 152-160, 2012. Acessar publicação original [DR]

The Barbarians Speak: How the conquered peoples shaped Roman Europe | Peter S. Wells

A maioria das pessoas tem a mesma impressão do mundo romano: que a expansão de Roma pelo centro da Europa aculturou os povos dominados, substituindo a cultura nativa existente pelo modo de vida romano. Esta impressão é reforçada pelo fato de que há muito pouca informação ou documentos preservados referentes às populações que habitavam, nos tempos romanos, a área em que hoje ficam a França, Alemanha, os Países Baixos, a Escandinávia, as ilhas britânicas e a Europa oriental. O livro do Prof. Peter S. Wells, quebrando esta impressão hegemônica, se propõe a buscar entender, através da arqueologia, na perspectiva da teoria pós-colonial, o processo de interação entre as populações conquistadas e o império romano.

O relacionamento entre o exército expansionista romano e os povos desta área da Europa teve um evento divisor de águas: a batalha da floresta de Teutoburg. Nesta batalha, cerca de 20 mil soldados romanos foram atacados e completamente derrotados por bandos de guerreiros daqueles povos que os Romanos chamavam de germânicos. Tal derrota chocou o mundo romano e determinou que a fronteira do império se estabelecesse a oeste do Reno e ao sul do Danúbio. Porém, mais importante que isso, os despojos deixados por esta batalha e outros vestígios da ocupação romana, encontrados em escavações arqueológicas de hoje, podem dizer muito sobre a interação dos nativos com os romanos.

A primeira informação importante que pode ser fornecida pelas escavações é a de que espadas romanas, juntamente com outros tipos de material romano, podem ser encontradas em sítios arqueológicos que ficam centenas de quilômetros além da fronteira do império. Estes achados mostram significativa atividade romana em áreas não conquistadas. Wells comenta que o império romano é uma das maiores forças de unificação de que se tem notícia, ligando povos política, econômica, cultural e militarmente, desde o norte da Bretanha e do Estreito de Gibraltar até o Eufrates e o sul do Egito. Comercialmente, a influência romana foi ainda mais longe, de tal forma que Wells traça paralelos do mundo romano com o mundo globalizado de hoje. Neste livro, o exército romano é de grande importância, porque foi responsável pelas conquistas de território e também o principal mediador entre Roma e os povos locais.

A segunda informação importante revelada pelas escavações é a de que o relacionamento dos povos do norte da Europa com os povos mediterrâneos precede a chegada dos romanos na região e, apesar de não compreender-se totalmente a natureza deste relacionamento, atualmente pensa-se que girava em torno do comércio. O relacionamento das elites da região com a cultura mediterrânea era, no entanto, mais complexo que apenas comercial. Professor Wells declara que o aspecto mais significante de toda esta evidência de interação é o de que algumas pessoas na região norte da Europa, num período de até quinhentos anos antes da ocupação romana, começaram a se familiarizar com aspectos do estilo de vida mediterrâneo e claramente os achavam atraentes.

Numerosos autores clássicos falam de mercenários celtas – ou Keltoi, nome dado pelos gregos (Celtae para os romanos) aos povos da Europa central – servindo em exércitos de povos mediterrâneos durante os IV e III séculos a.C. Esta experiência dos mercenários serviu para familiarizar muitos homens da Europa central com o mundo mediterrâneo. A maioria destes homens provavelmente retornou para casa depois de seu serviço, e quando o fizeram, levaram com eles riqueza, conhecimento e ideologias provenientes dos povos mediterrâneos; em pelo menos alguns destes casos deve ter havido o desejo de “imitar” aspectos deste estilo de vida.

O livro descreve os povos que César encontrou na Gália e no norte da Europa como pertencentes a sociedades dinâmicas que estavam passando por processos complexos de mudança em sua economia, organização política e estrutura social. É especialmente importante a evidência cada vez maior de interação entre os habitantes de diferentes regiões da Europa no último século a.C. Havia uma quantidade crescente de bens romanos chegando a comunidades ao norte dos Alpes; o crescente desejo de adquirir estes bens, junto à sua cada vez maior disponibilidade, levou ao desenvolvimento de redes de comércio, por onde estes bens eram levados da Itália romana até a Europa central e ocidental, e mesmo a comunidades mais ao norte.

Por serem as sociedades heterogêneas e complexas quando os romanos marcharam pela Gália Central, não podemos compreender as interações que se iniciaram como simplesmente o exército romano conquistando as “massas” locais. Estes eventos ocorriam em uma época de feroz rivalidade entre as diferentes tribos da Gália. Desde o início dos conflitos, César e outros generais fizeram uso de tropas e métodos de luta locais para alcançar as metas imperiais romanas. César teve sucesso baseado na construção e no cultivo de alianças com muitos grupos de povos da Gália, que se uniram a ele para derrotar os outros.

Segundo Wells, hoje se entende que muito do que Roma construiu na Europa central se deve a alianças com os grupos nativos e a associações com a elite local. Precisamos portanto considerar as populações locais como agentes decisivos no processo. Eles não eram apenas hostis. Em muitas situações, as elites se utilizaram de oportunidades criadas pela aliança com a administração romana, porquanto traziam o aumento de status, poder, prestígio e riqueza.

Como parte das campanhas, os romanos estabeleceram uma série de instalações na região, que não eram apenas fortes militares, mas também bases de suprimentos. Algumas comunidades locais já estabelecidas podem ter assumido esse papel de fornecedor ao exército romano. A presença de grandes forças militares deve ter tido um efeito profundo nos sistemas econômico, social e político locais, mesmo que o confronto militar direto não tenha ocorrido com estas comunidades.

Uma evidência disto é que, em meados do I século d.C., o território em torno do Reno estava se tornando economicamente ativo e rico, em parte por causa da presença de tropas estabelecidas na área. Vilarejos conhecidos como vici se formaram próximos às comunidades militares. Estes lugarejos muitas vezes se desenvolveram e transformaram em centros comerciais e manufatureiros de bom tamanho, e serviam a clientes militares e civis.

Portanto, a mudança que ocorreu na época da conquista romana não foi o estabelecimento de contato e o início da interação entre Roma e os povos que habitavam as terras ao norte dos Alpes. O que ocorreu foi uma mudança de interações causadas por motivos econômicos para uma situação onde Roma exercia alguma medida de controle militar e político sobre estas terras européias. Em todas as situações, evidência textual e arqueológica mostra que existia um padrão complexo de combinação das tradições locais e elementos introduzidos pelo aparato militar e administrativo de Roma.

De uma forma geral, o que se tinha era diversidade. Além disso, a reação às mudanças variava de região para região, de indivíduo para indivíduo. Após a conquista, os grupos locais continuaram a fazer muitas coisas da forma que faziam durante o período pré-histórico. A evidência mais clara da continuidade de práticas tradicionais pode ser encontrada nas cerâmicas. Os arqueólogos que trabalham em escavações do período romano há muito reconheceram a presença de cerâmica do estilo tardio da Idade do Ferro nestes locais.

Wells pede que consideremos dois processos opostos que operavam ao mesmo tempo. Em contraste com as forças de homogeneização representadas pelos centros urbanos romanos, as bases militares e o seu pessoal, e as elites locais que em muitos aspectos se transformaram em membros da aristocracia imperial, a evidência arqueológica mostra que muitas populações nativas reagiram contra a tendência para a uniformidade através da criação de padrões regionais distintos de enterros, práticas rituais e estilos de cerâmica, usando estas formas de expressão para criar um necessário senso de identidade pessoal e coletiva, mesmo que de modo geral continuassem sob dominação de uma autoridade estrangeira.

Existe evidência arqueológica e textual de interação através das fronteiras. Esta interação teve dois resultados para a Europa central: o primeiro foi a gradual homogeneização das sociedades dos dois lados da fronteira; outro foi a formação, durante o século III, de grandes confederações tribais entre os povos além da fronteira. A dinâmica criada por estes dois processos criou as condições necessárias para que se iniciasse a luta na região pela independência de Roma. Por mais de duzentos anos as fronteiras do império sobreviveram intactas. Então, por volta de meados do século III d.C., Roma se rendeu aos freqüentes ataques na fronteira e tirou suas defesas da parte superior do Danúbio e do Reno.

O resultado da interação entre estes povos e o império romano foi a formação de novas e dinâmicas sociedades, que incorporavam de maneira diversa tanto elementos da tradição local quanto os do mundo mediterrâneo. Este livro sugere que o modelo de interação estudado pode ser aplicado a outros impérios em outros períodos históricos; que em todas as instâncias de interação entre uma sociedade maior e mais complexa e uma menor e menos complexa, não podemos presumir que a maior irá predominar através de força política, militar ou econômica. Sociedades menores têm recursos diversos e pouco estudados que possibilitam que elas tenham um papel determinante no resultado desta interação.

Assunção Medeiros – Professora (Cândido Mendes). E-mail: [email protected]


WELLS, Peter S. The Barbarians Speak: How the conquered peoples shaped Roman Europe. Princeton/New Jersey: Princeton University Press, 1999. Resenha de: MEDEIROS, Assunção. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.1, n.2, p.68-70, 2001. Acessar publicação original [DR]