República Brasileira e Autoritarismo (Parte II) /  Das Amazônias / 2019  

No decurso do biênio 2018-2019 experimentamos uma onda de conservadorismo em contexto nacional e internacional, que motiva o revisionismo e por vezes o negacionismo de temáticas e fatos históricos vividos. Diante disto, foi proposta a ideia da composição de um dossiê abordando a República Brasileira e Autoritarismo. Quer pelo entusiasmo de compreender o hoje analisando o passado, ou em virtude da proximidade cotidiana com o autoritarismo na sociedade brasileira, fomos surpreendidos por grande volume de artigos e resenhas, levando a divisão do dossiê em duas publicações dentro do ano em curso.

Face a isto, optamos por lançar em novembro de 2019 a primeira parte do dossiê durante evento conjunto que congregou a XIX Semana de História alusiva aos “40 anos do curso de História: trajetórias em nome das liberdades e igualdades”, V Semana em Favor de Igualdade Racial cujo tema foram “Lutas e (re)existências” e VII Seminário PIBID História e II Seminário de Residência Pedagógica de História da Universidade Federal do Acre. A escolha de data se deu por compreendermos a importância do periódico como fator de fortalecimento e registro da produção discente no âmbito da mais antiga Instituição Federal de Ensino Superior no extremo ocidental da Amazônia, comprovando não apenas a nossa existência, bem como a sobrevivência e necessidade de mantermo-nos como instrumento de educação, pesquisa, extensão e reflexão da sociedade brasileira.

Agora, ao término do atribulado ano de 2019 (em que as IFES, a pesquisa e a ciência brasileira sofreram tantos achaques) com perseverança e denodo os cursos de licenciatura e bacharelado em História estão mais uma vez expondo produtos de suas atividades, representadas aqui na publicação da etapa final do dossiê República Brasileira e Autoritarismo. A revista que ora se divulga, concorda com a ideia de que o autoritarismo anteceda a República Brasileira e que este tenha despontado já nos tempos coloniais com a escravidão, tal qual recordou Lilia Moritz Schwarcz . Entretanto, o foco de análises deste volume são as demonstrações de autoritarismo dentro do regime republicano brasileiro, tendo no começo o olhar sobre suas manifestações constituídas na primeira república e passagem a Era Vargas. Em seguida aborda-se o autoritarismo do período de 1964 a 1985 no que concerne a ocupação do território brasileiro, funcionamento do poder legislativo, cultura, movimentos sociais e gênero. Finalizando o número atual com resenha remetendo as várias vertentes do autoritarismo brasileiro na primeira metade do século XX e associando-o as nuances do pleito eleitoral de 2018.

Assim, abrimos o periódico com a discussão sobre a Revolução de 1930, o Estado Novo, a condição de (i)legitimação eleitoral e emissário do povo feita por Gaby Gama da Mota Lima analisando as ambiguidades do “Autoritarismo, manipulação e censura no representante popular Getúlio Vargas”.

Em “Integrar para não entregar: a Ditadura Civil Militar (1964-1985) ressignificando a colonialidade” Jair Leandro e Tailini Mendes propuseram interpretar os projetos de ocupação desconstruindo a ideia de assimilação dos espaços territoriais em função do risco de perdê-los. Os autores buscaram “compreender as violentas permanências e a absoluta falta de visão socioambiental ao tratar do desenvolvimento econômico da região através da análise dos discursos”, tomando como suporte os cronistas do período colonial para chegar aos “propagandistas da ditadura militar”.

Dando continuidade às reflexões a respeito da atuação estatal e da construção das normas legais no período de 1964 a 1985 temos o artigo “O funcionamento do poder legislativo no Período da Ditadura Civil-Militar no Brasil” de Ageu Moreira, Ana Maria Pimentel, Deusivania Gadelha, Karen Munique e Karina Oliveira.

Transitando da concretude do estado para o âmbito cultural Beatriz Oliveira, Émile Consuela, Karolaine da Silva e Thaís Albuquerque escreveram “A música como forma de resistência contra o silêncio imposto pelos opressores”, expondo estratégias de embair os censores, refletindo sobre a atuação de artistas e estudantes a partir de debates em torno do conceito de ditadura, repressão e resistência, tomando Bobbio, Matteucci e Pasquino como aporte.

Alice Leão, Fabiane Fartolino, Maria Clara Silva e Rayra Torquato abordaram as “Mulheres, homossexuais, indígenas e negros na Ditadura Civil-Militar: uma análise sobre as minorias no regime político” discorrendo sobre visibilidade, lutas e direitos em tempos de desrespeito as garantias constitucionais e práticas negatórias da Declaração Universal dos Direitos Humanos, expondo as bases que corroboraram ao texto da Constituição Cidadão de 1988.

Finalizando a edição em comento temos a resenha “O(s) malvado(s) favorito(s): pensamentos nacionalistas autoritários analisados por Boris Fausto” de Sandy M. G. de Andrade, que nos brinda com alusões a contemporaneidade brasileira por meio do uso da figurativa persona de desenhos infantis e seus “minions”.

Em clima de oscilações institucionais, políticas e acadêmicas, recordamos a afirmativa de que “a construção de uma história oficial não é, portanto, um recurso inócuo ou sem importância; tem um papel estratégico nas políticas de Estado, engrandecendo certos eventos e suavizando problemas que a nação vivenciou no passado mas prefere esquecer, e cujas raízes ainda encontram repercussão no tempo presente” (SCHWARCZ,2019). Tendo isso em mente, encerramos o ano de 2019 reafirmando nosso compromisso com a educação pública, gratuita e de qualidade. De tal forma, repetimos o dito no dossiê anterior quanto ao ato de pensar a sociedade se relacionar ao ofício dos profissionais da escrita e do ensino de História. Por isso, eis aqui, novamente, nossa construção e diálogo historiográfico sobre seus usos e sentidos, implicando em interpretação mais criteriosa acerca daquilo que fomos e ainda somos, assim como os nossos anseios de futuro.

Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque –  Organizadora do Dossiê República Brasileira e Autoritarismo.

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