De Norte a Sul, a sombra do autoritarismo e do fascismo no passado e no presente: perspectivas sobre experiências limítrofes nos séculos XX e XXI /Escritas do Tempo/2022

Se Marshall Berman (1987) dizia que a modernidade é demarcada por sua inerente contradição, Zygmunt Bauman complementou essa perspectiva compreendendo esse período como o constante derretimento de sólidos. Assim, a fluidez dos tempos modernos não demonstraria a ausência dos sólidos: pelo contrário, a nova ordem deveria ser verdadeiramente pautada em estruturas. Para Bauman, nenhum molde social foi destruído sem que outro fosse construído para substituí-lo. Dessa maneira, o processo de derreter os sólidos “antigos” era uma urgência vinda da necessidade de “inventar sólidos de solidez duradoura”, tornando esse novo mundo, portanto, previsível, organizado e administrável (BAUMAN, 2001, p. 10). Leia Mais

Direito e autoritarismo: juristas e cultura jurídica em regimes de exceção e ditaduras | História do Direito | 2021

Esse terceiro número da RHD, História do Direito – Revista do Instituto Brasileiro de História do Direito, que corresponde ao segundo número do ano de 2021, constitui o primeiro dossiê temático do periódico. A revista, de fato, tem como plano que o segundo número de cada ano aborde uma problemática específica que seja de interesse da disciplina. E a leitora e o leitor agora têm em mãos o nosso primeiro dossiê.

Muitas vezes historiadores do direito devem suportar perguntas incautas (feitas às vezes por ingenuidade, outras por ignorância) sobre a “utilidade” de sua disciplina, ou ainda irônicas, sobre a sua “atualidade”. Se não for uma pergunta maliciosa, a verdade é que se trata, claro, de uma pergunta complexa e que poderia abrir toda uma sessão pertinente de discussões sobre a teoria da história. Muitos colegas qualificados poderiam trazer questões pertinentes sobre a relação entre a teoria e a prática no âmbito de nossas discussões acadêmicas; poderiam fazer um debate sobre como o excessivo pragmatismo acadêmico (filho dileto dos tempos contemporâneos) pode ser nocivo para a compreensão adequada daquilo que somos e fazemos; poderiam também demonstrar como sem adequados níveis de compreensão da experiência jurídica passada, o jurista contemporâneo sempre será um tanto deficitário. Ou, como também já vi acontecer, um colega mais indulgente poderia simplesmente sorrir, achando que o interlocutor não vale o debate, talvez juntando a isso um lamento silencioso sobre o empobrecimento da nossa cultura. Leia Mais

Intelectuais e resistências ao autoritarismo na América Latina  | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2021

Em junho de 2009, a América Latina foi palco da deposição do presidente de Honduras Manuel Zelaya, fruto de uma decisão do Parlamento apoiada pelo Judiciário de seu país. O episódio foi considerado por muitos como um golpe de Estado pelo fato de Zelaya ter sido retirado sem direito à defesa, numa decisão sumária. Três anos depois, foi a vez do presidente paraguaio, Fernando Lugo, passar por um rápido processo de impeachment, levado a cabo pelo Senado, em um julgamento no qual não pôde se defender. Em 2016, um novo impeachment abalou a democracia no continente: Dilma Rousseff foi destituída do cargo de presidente pelo Parlamento após ser acusada de cometer as chamadas “pedaladas fiscais”. Durante a simbólica votação ocorrida em 17 de abril na Câmara dos Deputados, que abriu o caminho para o impeachment, o então deputado Jair Bolsonaro evocou o torturador Carlos Brilhante Ustra em seu voto pela deposição, com a intenção de exaltar a ditadura da qual Russeff havia sido vítima. Em 2018, o mesmo Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, alcançando um resultado considerado improvável há poucos anos. Um ano depois, na Bolívia, Evo Morales renunciou ao cargo de presidente, que ocupava há treze anos, diante da violência e convulsão social derivadas da denúncia de fraude eleitoral. Sua sucessora, Jeanini Áñez, assumiu numa sessão legislativa sem quórum e, recentemente, foi presa acusada de tramar um golpe de Estado. Todos esses eventos, ao que pesem suas particularidades, podem ser  apontados como exemplos de tensões nas democracias latino-americanas, mostrando que certas conquistas consideradas consolidadas após as transições democráticas das últimas décadas do século XX seguiam frágeis. Leia Mais

República Brasileira e Autoritarismo (Parte II) /  Das Amazônias / 2019  

No decurso do biênio 2018-2019 experimentamos uma onda de conservadorismo em contexto nacional e internacional, que motiva o revisionismo e por vezes o negacionismo de temáticas e fatos históricos vividos. Diante disto, foi proposta a ideia da composição de um dossiê abordando a República Brasileira e Autoritarismo. Quer pelo entusiasmo de compreender o hoje analisando o passado, ou em virtude da proximidade cotidiana com o autoritarismo na sociedade brasileira, fomos surpreendidos por grande volume de artigos e resenhas, levando a divisão do dossiê em duas publicações dentro do ano em curso.

Face a isto, optamos por lançar em novembro de 2019 a primeira parte do dossiê durante evento conjunto que congregou a XIX Semana de História alusiva aos “40 anos do curso de História: trajetórias em nome das liberdades e igualdades”, V Semana em Favor de Igualdade Racial cujo tema foram “Lutas e (re)existências” e VII Seminário PIBID História e II Seminário de Residência Pedagógica de História da Universidade Federal do Acre. A escolha de data se deu por compreendermos a importância do periódico como fator de fortalecimento e registro da produção discente no âmbito da mais antiga Instituição Federal de Ensino Superior no extremo ocidental da Amazônia, comprovando não apenas a nossa existência, bem como a sobrevivência e necessidade de mantermo-nos como instrumento de educação, pesquisa, extensão e reflexão da sociedade brasileira.

Agora, ao término do atribulado ano de 2019 (em que as IFES, a pesquisa e a ciência brasileira sofreram tantos achaques) com perseverança e denodo os cursos de licenciatura e bacharelado em História estão mais uma vez expondo produtos de suas atividades, representadas aqui na publicação da etapa final do dossiê República Brasileira e Autoritarismo. A revista que ora se divulga, concorda com a ideia de que o autoritarismo anteceda a República Brasileira e que este tenha despontado já nos tempos coloniais com a escravidão, tal qual recordou Lilia Moritz Schwarcz . Entretanto, o foco de análises deste volume são as demonstrações de autoritarismo dentro do regime republicano brasileiro, tendo no começo o olhar sobre suas manifestações constituídas na primeira república e passagem a Era Vargas. Em seguida aborda-se o autoritarismo do período de 1964 a 1985 no que concerne a ocupação do território brasileiro, funcionamento do poder legislativo, cultura, movimentos sociais e gênero. Finalizando o número atual com resenha remetendo as várias vertentes do autoritarismo brasileiro na primeira metade do século XX e associando-o as nuances do pleito eleitoral de 2018.

Assim, abrimos o periódico com a discussão sobre a Revolução de 1930, o Estado Novo, a condição de (i)legitimação eleitoral e emissário do povo feita por Gaby Gama da Mota Lima analisando as ambiguidades do “Autoritarismo, manipulação e censura no representante popular Getúlio Vargas”.

Em “Integrar para não entregar: a Ditadura Civil Militar (1964-1985) ressignificando a colonialidade” Jair Leandro e Tailini Mendes propuseram interpretar os projetos de ocupação desconstruindo a ideia de assimilação dos espaços territoriais em função do risco de perdê-los. Os autores buscaram “compreender as violentas permanências e a absoluta falta de visão socioambiental ao tratar do desenvolvimento econômico da região através da análise dos discursos”, tomando como suporte os cronistas do período colonial para chegar aos “propagandistas da ditadura militar”.

Dando continuidade às reflexões a respeito da atuação estatal e da construção das normas legais no período de 1964 a 1985 temos o artigo “O funcionamento do poder legislativo no Período da Ditadura Civil-Militar no Brasil” de Ageu Moreira, Ana Maria Pimentel, Deusivania Gadelha, Karen Munique e Karina Oliveira.

Transitando da concretude do estado para o âmbito cultural Beatriz Oliveira, Émile Consuela, Karolaine da Silva e Thaís Albuquerque escreveram “A música como forma de resistência contra o silêncio imposto pelos opressores”, expondo estratégias de embair os censores, refletindo sobre a atuação de artistas e estudantes a partir de debates em torno do conceito de ditadura, repressão e resistência, tomando Bobbio, Matteucci e Pasquino como aporte.

Alice Leão, Fabiane Fartolino, Maria Clara Silva e Rayra Torquato abordaram as “Mulheres, homossexuais, indígenas e negros na Ditadura Civil-Militar: uma análise sobre as minorias no regime político” discorrendo sobre visibilidade, lutas e direitos em tempos de desrespeito as garantias constitucionais e práticas negatórias da Declaração Universal dos Direitos Humanos, expondo as bases que corroboraram ao texto da Constituição Cidadão de 1988.

Finalizando a edição em comento temos a resenha “O(s) malvado(s) favorito(s): pensamentos nacionalistas autoritários analisados por Boris Fausto” de Sandy M. G. de Andrade, que nos brinda com alusões a contemporaneidade brasileira por meio do uso da figurativa persona de desenhos infantis e seus “minions”.

Em clima de oscilações institucionais, políticas e acadêmicas, recordamos a afirmativa de que “a construção de uma história oficial não é, portanto, um recurso inócuo ou sem importância; tem um papel estratégico nas políticas de Estado, engrandecendo certos eventos e suavizando problemas que a nação vivenciou no passado mas prefere esquecer, e cujas raízes ainda encontram repercussão no tempo presente” (SCHWARCZ,2019). Tendo isso em mente, encerramos o ano de 2019 reafirmando nosso compromisso com a educação pública, gratuita e de qualidade. De tal forma, repetimos o dito no dossiê anterior quanto ao ato de pensar a sociedade se relacionar ao ofício dos profissionais da escrita e do ensino de História. Por isso, eis aqui, novamente, nossa construção e diálogo historiográfico sobre seus usos e sentidos, implicando em interpretação mais criteriosa acerca daquilo que fomos e ainda somos, assim como os nossos anseios de futuro.

Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque –  Organizadora do Dossiê República Brasileira e Autoritarismo.

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República Brasileira e Autoritarismo (Parte I) / Das Amazônias / 2019

O decênio que finda trouxe a humanidade forças e discursos políticos em descrédito a eventos históricos, incitando a desconstrução e relativização dos direitos humanos. O Brasil não foge a esse padrão, pois o cinquentenário do “31 de março de 1964” e ascensão de forças políticas conservadoras em âmbito federal evocam memórias apologéticas a períodos de autoritarismo e restrição de direitos na república brasileira, em detrimento de análises científicas sobre tais temáticas. Assim, pensar o regime republicano no Brasil demanda estudar suas especificidades relativas as restrições a participação popular na sua construção e desenvolvimento, ocasionando gestões autoritárias em desfavor de governos democráticos.

O que nos leva a afirmar, apesar ou sobretudo, por conta da involução histórica, que tais circunstâncias estão diretamente relacionadas ao ofício do profissional da escrita e do ensino de História. Isto porque, ao partirmos da premissa de ao historiador caber rememorar aquilo que se quer esquecer e negar, torna-se imprescindível recordar a presença do autoritarismo já na forma como foi “proclamada” a república por Marechal Deodoro da Fonseca, apoiado pelas elites civis, demonstrando desde então as longevas relações entre não militares e membros das casernas na vida política nacional. Associações construtoras do nosso perfil político com alternância de governos democrático e períodos autoritários, conforme se verifica tanto com o controle direto das fardas (na geração de 31 de março de 1964 repetindo o já ocorrido nas presidências de Deodoro e Floriano), quanto os exemplos civis da suspensão de garantias constitucionais (com Arthur Bernardes, na “Revolução de 1930” e durante a ditadura do Estado Novo).

Neste sentido a publicação da segunda edição da revista Das Amazônias feita às vésperas do aniversário de cento e trinta anos da instauração do regime republicano em nosso país é extremamente necessária e oportuna, por demonstrar que pensamos e produzimos a História – não obstante as grandes e intensas adversidades experimentadas neste ano –, além de caracterizar a discordância sobre a harmonia e passividade brasileira durante a República. É vital fazermos e dialogarmos sobre usos e sentidos da História em tempos marcados por seu descrédito.

Assim, o presente número ganha maior significado por ser lançado durante a realização conjunta da XIX Semana de História, V Semana em Favor de Igualdade Racial, VII Seminário do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência de História e II Seminário de Residência Pedagógica vinculados ao curso de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre, para caracterizar nossa resiliência. Por isso, o intuito deste exemplar em formato de dossiê (bem como da edição seguinte) é congregar artigos e resenhas sobre a república brasileira, tendo como foco as manifestações de autoritarismo.

A imagem da capa, que mostra manifestantes com livros nas mãos, é uma fotografia de autoria de Janaina Christina Progênio, com edição gráfica de Wálisson Clister Lima Martins. Foi feita em uma das manifestações do início de 2019, em um movimento nacional de defesa dos professores e da educação enquanto instituição fundamental para o desenvolvimento da sociedade brasileira. A imagem captura um dos momentos em que mais são visíveis as antagonias entre democracias e ditaduras, assim como se relaciona grandemente com as questões que são motivadoras da proposição deste dossiê.

Abrindo a edição temos o artigo “Golpe de 1964 e comemoração: memórias e discursos que enaltecem à ditadura civil-militar, causas de ressentimentos e humilhação” escrito por Andrisson F. da Silva e Paulo A. de Azevedo tecendo análise científica sobre as dores causadas pelo laudatório de tortuoso tempo. Ao que se segue de “Ditadura, Autoritarismo e Resistências: Análises Sobre os Anos de Chumbo no Brasil 1964 – 1975” produzido por Ezir Moura Júnior.

Chamando a um contexto pouco mais distante, encontramos “O fim ‘melancólico’ da ‘república do café com leite’ (1922-1930)” de Jadson da Silva Bernardo, recordando do autoritarismo dentro da primeira república.

As discussões sobre o período de 1964 a 1985 são retomadas nos textos “(Dó)r, (Ré)sistência e (Mi)úsica: ideologia presente na música popular” de Ramon Nere de Lima e Antônio Victor F. Passos, assim como nas letras de “Eu sou mulher: a luta das mulheres na ditadura civil militar no Brasil durante a segunda metade do XX” assinado por Laura Andressa C. Madeira; Syndley L. C. de Oliveira.

Wesley R. de Moura e Nicole A. da Silva, sem perder de vista a relação autoritarismo político e ensino superior na república brasileira, escrevem “Modelo universitário herdado pela ditadura: a reforma universitária de 1968 e os movimentos estudantis”. Enquanto Cássia I. de O. Marinho; Inayra S. Medeiros; Paula V. B. da Silva; Yane da R. Magalhães abordam os efeitos da propaganda no sustentáculo da ditadura do Estado Novo em “DIP: o mecanismo de propagação da utopia varguista”.

Das Amazônias apresenta reflexões sobre o Acre feitas por Jardel França em “As raízes do autoritarismo no executivo acreano – 1921 / 1964” resenhando a obra do professor Francisco Bento da Silva, publicada pela Editora da UFAC.

Fechando a primeira etapa de nosso dossiê apresento minha colaboração em parceria com Jonathan Messias e Silva com “Provocações sobre o autoritarismo republicano contemporâneo no cinema nacional: Sol Alegria e Bacurau” que associa o filme dirigido por Tavinho Teixeira e Mariah Teixeira em 2018 durante os acirramentos decorrente da disputa presidencial, com a recente película de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, caracterizando a sétima arte enquanto veículo de contestação da ordem sócio-política instaurada no Brasil.

Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque –  Organizadora do Dossiê República Brasileira e Autoritarismo.

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Imagem e Autoritarismo / Domínios da Imagem / 2019

É com muito prazer e gratidão que a Revista Domínios da Imagem vem a público trazer mais uma edição. É importante deixar claro o significado de todo esse prazer e gratidão, pois, em dias obscuros para a produção acadêmica e científica, o trabalho de produzir e divulgar os resultados de nossas pesquisas tornou-se cada vez mais uma atitude de resistência e de perseverança. Ao mesmo tempo, somos muito gratos por todos aqueles que dedicaram seu tempo para que essa edição se tornasse realidade. Agradecemos desde a colaboração dos autores que colocaram à disposição os magníficos trabalhos que compõem essa edição até nosso corpo editorial que conta com pessoas extremamente profissionais.

Quando foi gestada a ideia de produzir um novo dossiê para a revista, pensávamos sobre o alcance das imagens como comunicadores, tanto explícitos como implícitos, das mais diversas formas de violência e autoritarismo. Divagávamos sobre a importância da imagem no transcorrer da temporalidade para descrever e enunciar as mais diversas formas que a imposição de uma pessoa ou um grupo de pessoas pode ter sido realizada às custas de outras. Foi assim que “Imagem e Autoritarismo” ganhou vida e agora também ganhou fôlego.

Em “Como o mito das Amazonas se transformou na alegoria da América”, Adriano Rodrigues de Oliveira se debruça tanto sobre fontes literárias como também em fontes iconográficas para nos mostrar as transformações acerca da representação da mulher ameríndia como sendo uma mulher selvagem, com as vergonhas à mostra sempre portando seu arco e flecha. Imagens essas que se espalharam sobre a representação do próprio continente americano como local de hostilidade em detrimento de um homem europeu cristão e medieval. O trabalho de Oliveira se torna pertinente ao nos fazer olhar para a construção das narrativas e de mitos fundadores. Concomitantemente a isso, enfatiza a produção de preconceitos e hiatos que essas narrativas carregam em seu corpo semântico.

Nos transportando para o outro lado do mundo, Richard Gonçalves André nos proporciona um encontro com a censura no Japão pós-1945. Em “O Ogro e o Demônio: a representação fotográfica da devastação nuclear em ‘Hiroshima’, de Ken Domon (1945-1958), o autor problematiza tanto os textos como as fotografias do livro “Hiroshima” de Domon, muito marcados pela bomba nuclear de Hiroshima. Nesse trabalho, André investiga o olhar humanizador do fotógrafo e a representação da trajetória de pessoas que sobreviveram ao impacto da bomba. Por trás dessas narrativas, Domon tinha como interesse transformar o sofrimento pessimista e derrotista trazido com o fim da Segunda Guerra Mundial e consequentemente os ataques nucleares em “não-ditos” para que a atenção estivesse alinhada com a prosperidade e o crescimento econômico apresentados pela sociedade japonesa. Dessa forma, André traz à luz a utilização da imagem como ferramenta ideológica e acima de tudo como instrumento de negação de um passado não tão bem visto em detrimento de um possível futuro próspero.

Voltamos novamente para a América, mas uma América distante temporalmente daquela descrita por Oliveira. Dois trabalhos candentes são apresentados sobre o Brasil durante a Ditadura Militar (1964-1985). Maria Elisa de Carvalho Sonda nos presenteia com “Para além das fronteiras discursivas: uma análise desconstrutora de Iracema, uma transa amazônica (1974)”. Se utilizando de fontes audiovisuais, Carvalho Sonda analisa os efeitos negativos ocorridos na exploração predatória da Amazônia durante o crescimento econômico anunciado pelos militares durante a década de 1970. Contextualizado com a construção da rodovia Transamazônica, a ficçãodocumental que serve como fonte de pesquisa da autora faz parte da linguagem do cinema verdade, que tem como um de seus princípios fundantes produzir o efeito do real. O trabalho de Carvalho Sonda se torna extremamente candente com a realidade vivenciada em nossa atualidade. A autora nos permite entrar em contato com a visão dos idealizadores de Iracema uma transa amazônica, que há quase meio século já abordavam os problemas ambientais que ainda discutimos nos dias de hoje. Além disso, outro aspecto que torna o trabalho de Carvalho Sonda de grande importância diz respeito ao cinema como forma de resistência ao Regime Militar brasileiro e sua visão unilateral de desenvolvimento não sustentável.

A mesma relevância pode ser observada no trabalho “Fotojornalistas brasileiros em época de ditadura: entre a estabilidade e o compromisso”, de Carlos Alberto Sampaio Barbosa. Em seu artigo, Barbosa discorre sobre três fotojornalistas brasileiros, Pedro Martinelli, Juca Martins e Jesus Carlos. Ao analisar as transformações do fotojornalismo brasileiro durante a Ditadura Militar, Barbosa também nos descreve um continente Latino-Americano conflituoso, especialmente os casos da Nicarágua e El Salvador, países em que Martinelli e Martins tiveram maior contato, enquanto Jesus teve posição mais radical ao representar a luta contra a ditadura brasileira. Em momentos que observamos uma América Latina novamente efervescente, com os conflitos no Chile, na Venezuela, na Bolívia e a polaridade política no Brasil, o trabalho de Barbosa é um ótimo olhar retrospectivo de nossa história de lutas e violência que permeiam o povo latino.

Agora nos deslocamos para o eixo da América do Norte, em especial para os Estados Unidos. Os trabalhos de Mariana Furio, Danilo Pontes Rodrigues e José Rodolfo Vieira se entrelaçam para discutir as narrativas sobre o imperialismo estadunidense na perspectiva de três autores e ilustradores de histórias em quadrinhos distintos. Coincidência ou não, os três trabalhos trazem tanto a temática narrativa como a fonte de pesquisa muito semelhantes, o que nos faz pensar como as próprias HQ’s podem ser consideradas elementos importantes para se discutir a história de uma nação. Em “O Comediante em Watchmen: uma paródia premeditada para a retomada do nacionalismo estadunidense”, Furio traz à tona a narrativa de Alan Moore em um mundo distópico em que a ameaça de uma guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética está à beira de ser iniciada. Com seu recorte, Furio analisa a representação da personagem Comediante, um veterano de guerra, na batalha de Saigon no Vietnam. O intuito da autora é estabelecer vínculos entre as características militaristas do Comediante com o crescimento dos valores conservadores e nacionalistas nos Estados Unidos com o advento do século XXI.

Mais adiante, o trabalho de Danilo Pontes Rodrigues, “Doutrina Bush e violência em In the Shadow of no Towers de Art Spielgeman” discute as representações artísticas de Art Spielgeman após os ataques contra as Torres Gêmeas em 2001. Nesse artigo, o autor realiza os paralelos entre as ações tomadas pelo governo Bush, também conhecidas como Doutrina Bush, e as representações na história em Quadrinhos Shadow of no Towers. Dentre os elementos alavancados por Rodrigues, é possível observar a implementação do Patrioct Act e a privação às liberdades dos cidadãos estadunideses e as guerras no Afeganistão e no Iraque.

José Rodolfo Vieira, em “Footnotes in Gaza: Representações sobre o Hamas durante as eleições na Palestina por meio das Histórias em Quadrinhos de Joe Sacco (2002-2010)”, foca em descrever e analisar as representações tanto no trabalho de Joe Sacco como também nas representações de grandes comunicadores sociais estadunidenses, tais como o The New York Times e o The Washgington Post, e averiguar a construção de narrativas acerca do grupo fundamentalista Hamas durante as eleições de 2006 para o corpo legislativo palestino. Em seu trabalho, podemos observar como os Estados Unidos articularam para que o Hamas não fizesse parte do pleito eleitoral e como foi realizado um movimento de negação após a vitória do grupo contra seus adversários do Fatah, esses últimos alinhados à política estadunidense.

Por fim, também contamos nessa edição com a resenha realizada por Jorge Edson, do livro “Guerra Civil e Super-Heróis: Terrorismo e contraterrorismo nas Histórias em Quadrinhos”, de Victor Callari. Tal como os textos de Furio, Rodrigues e Vieira, o trabalho apresentado também tem como objeto de estudo os Estados Unidos. Edson apresenta os pontos importantes da narrativa construída por Callari e seu levantamento sobre como as Histórias em Quadrinhos tiveram relações com a política, a cultura e a economia dos EUA. Com ênfase na editora Marvel Comics, o panorama construído por Edson é muito importante para aqueles que tem como fonte de pesquisa a arte sequencial e se interessa pelos estudos da história dos Estados Unidos. Portanto, podemos dizer que as expectativas e as hipóteses levantadas quando à gestação desse dossiê foram fartamente correspondidas. Não somente pela diversidade de temas que foram abordados, como também o entrelaçamento de trabalhos que discorrem sobre um objeto muito semelhante. O resultado desse trabalho não poderia ter sido melhor e, por isso, desejamos a nossos leitores uma boa leitura e bons momentos de reflexão.

Até a próxima e obrigado!

José Rodolfo Vieira –  Organizador do dossiê


VIEIRA, José Rodolfo. Apresentação. Domínios da imagem, v. 13, n. 24, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Cultura e Autoritarismo nas Américas | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2011

O número 10 da Revista Eletrônica ANPHLAC apresenta o dossiê Cultura e Autoritarismo nas Américas e inaugura uma oportuna mudança da publicação, que passa a ter periodicidade semestral.

Em contextos marcados pelo autoritarismo político, tão recorrente na história do continente americano, as complexas – e por vezes inesperadas – relações entre o poder e a cultura, em suas mais variadas expressões, perfazem um campo extremamente fértil de investigação que tem atraído pesquisadores de distintas especialidades no meio acadêmico. Compreender as diversas formas de autoritarismo, seus mecanismos e instituições; analisar as lutas políticas travadas no campo da cultura; entender as dinâmicas dos projetos e movimentos artísticos, bem como a natureza das negociações e dos impasses vigentes no meio artístico-intelectual são apenas algumas das preocupações que transparecem em pesquisas voltadas a esse tipo de abordagem. Leia Mais