Retromania: Pop Culture‘s Addiction to Its Own Past – REYNOLDS (RETHH)

REYNOLDS, Simon. Retromania: Pop Culture‘s Addiction to Its Own Past. London: Faber & Faber, 2011. Resenha de: SILVEIRA, Pedro Telles da. Presos no tempo: retrô, cultura pop e experiência da história. Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia v. 5, N.1, Janeiro-Julho de 2014.

Pedro Telles da Silveira*

Billy Pilgrim has got unstuck in time

KURT VONNEGUT

Em 1977, a cantora norte-americana Donna Summer lançou o álbum intitulado I Remember Yesterday. Produzido pelo italiano Giorgio Moroder, o disco era unificado pelo fato de que cada uma de suas oito faixas encarnava o estilo de uma década específica, seja os anos 1920, 1950 ou 1960. O que distinguia o disco de tantos outros que, já naquela época, procuravam emular o som gravado em décadas passadas, era sua última faixa, o hit da música disco ―I Feel Love‖, a qual não representava um momento histórico específico mas indicava simplesmente o futuro. Antes da passagem dos anos 70 para os anos 80, portanto, o futuro ainda era passível de ser imaginado.

Comparando com a primeira década do século XXI, o futuro, argumenta Simon Reynolds, começou a parecer cada vez mais distante ou indistinto, como se fosse meramente uma continuação do presente (REYNOLDS, 2011, p. 372). Para ele, a última década foi marcada pelo fato de que a ―sensação de se mover para a frente diminuiu conforme a década se desenrolou. O próprio tempo parece ter ficado lento, como um rio que começa a se perder em seus meandros e formar poças‖ (REYOLDS, 2011, p. X). Ao mesmo tempo, a década foi marcada por revivals que a fizeram ser a primeira, em muito tempo, a não possuir uma cara própria. O que mudou entre Donna Summer e Amy Winehouse? Simon Reynolds é jornalista com larga atuação nos maiores veículos da mídia musical impressa inglesa das últimas décadas (New Musical Express, Melody Maker, Wire etc.). Desde sua mudança para os Estados Unidos em finais da década de 1990, ele vem atuando como jornalista freelancer, dedicando-se à composição de livros dedicados à história da música eletrônica e do post-punk (REYNOLDS, 1998; 2005). Sua escrita é marcada pela utilização de um denso vocabulário conceitual e por um conhecimento quase enciclopédico da história da música do século XX, mesclando a escrita jornalística, a crítica musical e a teorização cultural.

Os contextos analisados por Reynolds em seus demais livros foram marcados por uma intensa atividade criativa que os fazia ou romper laços com o passado ou tornar o futuro incerto porém cada vez mais palpável. A sensação de estar vivendo no futuro, entretanto, foi substituída pela de ter chegado tarde demais ao mundo (REYNOLDS, 2011, p. XXII). No contexto do pop, esta mudança é ainda mais estranha, uma vez que O pop deveria ser todo sobre o presente, certo? Ele ainda é considerado o domínio da juventude, e os jovens supostamente não deveriam ser nostálgicos, afinal eles não estão por aí há tempo o bastante para construir um repertório de preciosas memórias (REYNOLDS, 2011, p. XVIII-XIX).

Ao longo do livro, são explorados vários sintomas relacionados a esta situação, os quais vão da tecnologia ao comportamento. O advento da internet, das mídias digitais e da conexão de banda larga significou uma compressão do tempo e da experiência histórica, fatiando o contínuo temporal em pequenos excertos que podem ser facilmente manipulados pelo usuário de acordo com a extensão de sua capacidade de atenção (basta pensar no Youtube) (REYNOLDS, 2001, p. 61, 69). Isto é acompanhado por uma transformação do conceito de criatividade, com o artista não sendo mais percebido como um criador mas sim como um curador ou compilador (REYNOLDS, 2011, p.

130). Esta transformação, que vem justamente do contexto da arte contemporânea das décadas de 1960 e 1970, ressoa fortemente na produção cultural das últimas décadas, onde a recombinação de tropos e clichês, resultando numa colagem de referências muitas vezes explícitas, é algo a ser esperado mais que evitado. Por último, a aproximação entre o consumo cultural e a moda, através da qual a combinação entre ―consumismo elevado e a criação-vista-como-curadoria‖ acaba na ―conversão da música em signos de estilo e capital cultural‖ (REYNOLDS, 2011, p. 170).

Quanto a este último ponto, se poderia estar tentado a argumentar a respeito da natureza de distinção social de todo gosto cultural, na vertente da teorização de Pierre Bourdieu (2007). O problema identificado por Reynolds, entretanto, é mais complexo, partindo de sua própria recusa a conceder espaço a interpretações que buscam analisar a cultura pop apenas numa relação mercadológica ou no cálculo de fins e meios. Como afirma em determinado momento, a cultura pop é marcada pela contradição fundamental entre ―sua mediação pelo capitalismo‖ ao mesmo tempo em que se ―refere a valores que o transcendem‖ (REYNOLDS, 2011, p. 197).

No contexto analisado por Reynolds, é justamente o fato de que a música (assim como outros aspectos culturais) não é utilizada como signo de distinção social, no sentido de constituir subculturas unificadas, que chama atenção. Com isso, é o próprio ato de consumir, e não o que é consumido, elidindo a diferença entre alta e baixa cultura, que cria esta distinção. A fidelidade a um estilo ou gênero musical, assim como a um suposto estilo de vida, é tão passageira quanto as coleções que as marcas de moda lançam a cada estação.

O autor aponta apenas negativamente, porém, que a ausência de ―tribos‖ é o reflexo de uma história do pop que se fragmenta conforme o próprio conceito de uma cultura pop se desfaz. Quando apenas grandes gravadoras (no caso da música) virtualmente detinham o monopólio da produção da música pop e a dependência da mídia física correspondia ao controle por estas mesmas empresas dos canais de distribuição, era mais fácil pensar que havia apenas uma narrativa que reunia temporalmente os diferentes objetos de consumo. O viés interpretativo do autor lhe faz perder a oportunidade de refletir sobre a própria cultura pop atualmente, centrando sua atenção sobre o que, para ele, deveria ser uma vanguarda (os hipsters); se, contudo, ele adotasse uma perspectiva ligeiramente diferente, poderia ver com melhores olhos um contexto no qual a cultura pop vai se tornando sua própria alta e baixa cultura, dependendo dos horizontes do receptor, como o conceito de afterpop de Eloy Fernandez Porta (2007) ou, até mesmo, rompendo com esta narrativa de enquadramento do fenômeno que estuda, como já fez Karl Heinz Bohrer no seminal ensaio ―The Three Cultures‖ (BOHRER, 1987 [1979]). Apesar deste viés, a valoração de seu objeto é importante porque aponta para a própria trama do que subjaz a ele, qual seja, as transformações nos modos pelos quais a história e o tempo são experienciados.

Sendo assim, a acumulação de um vasto arquivo da própria história da música e da cultura pop significa que o passado se torna uma fonte de inspiração maior que o presente, nem que seja pelo simples motivo de que o passado se torna mais volumoso que o presente. Surge, desse modo, o retrô. Segundo o autor, o fenômeno retrô ou a retromania, como chama ―os usos e abusos do passado pop‖ (REYNOLDS, 2011, p.

XIII), distingue-se do antiquariato ou da memória histórica, primeiro, por se ocupar do passado imediato (REYNOLDS, 2011, p. XIV, XXX); segundo, por envolver uma lembrança exata do passado, ou seja, a possibilidade de replicar de modo preciso os estilos de outrora (REYNOLDS, 2011, p. XXX); terceiro, como resultado, o retrô se interessa pelos artefatos e objetos materiais desse passado recente, sendo que estes objetos frequentemente não eram os objetos valorizados na época em que foram usados, mas aqueles que eram considerados banais ou, até mesmo, de má qualidade (REYNOLDS, 2011, p. XXX); quarto, o retrô enquanto uma sensibilidade específica com relação ao passado não procura ―idealizá-lo nem sentimentalizá-lo, mas sim ser entretido e enfeitiçado por ele‖, resultando numa abordagem que não é purista e erudita mas irônica e eclética (REYNOLDS, 2011, p. XXX/XXXI).

Essas características apontam para uma transformação no modo de se relacionar com o passado e a história. A quebra de grandes paradigmas interpretativos abriu espaço tanto para uma maior projeção do passado sobre o presente quanto para um encolhimento do futuro; simultaneamente, a diferença entre os diversos contextos é reduzida a um presente amplo (HARTOG, 2013). A contribuição de Simon Reynolds se situa em colocar lado a lado os usos da tecnologia com as mudanças na experiência histórica contemporânea; parece quase um truísmo, porém é um aspecto tratado apenas tangencialmente pela historiografia mais recente que ―a internet coloca o passado remoto e o presente exótico lado a lado. Igualmente acessíveis, ambos se tornam a mesma coisa: longínquos, porém próximos…velhos, porém novos‖ (REYNOLDS, 2011, p. 85).

É justamente na intersecção entre a teorização sobre o tempo e a experiência histórica com a transformação tecnológica que o livro rende seus melhores frutos.91 Reynolds lembra que ―a cultura de massa de outrora substituiu cada vez mais os eventos políticos e as eleições como os marcadores da memória geracional‖ (REYNOLDS, 2011, p. XXIX), o que equivale a dizer que a memória histórica é cada vez mais mediada pela experiência midiática, inclusive pelas características específicas do meio de reprodução (REYNOLDS, 2011, p. 331). Em texto recente, Claudio Fogu argumentou que nós identificamos a passadidade (past-ness) mais e mais com um ―lugar‖ que com um tempo, e nós nos acostumamos cada vez mais a experienciar uma sensação ―virtual‖ da presença do passado na representação. No processo, a própria experiência temporal está sendo divorciada da representação histórica (FOGU, 2009, p. 112).92 Não é por acaso que a historicidade passa a estar inscrita nos próprios objetos, e não mais na relação que fazemos com eles (REYNOLDS, 2011, p. 163), o que explica a apropriação sensorial, estética e pouco narrativa do retrô com o passado. O jornalista britânico avalia de modo geralmente negativo aquilo que Hans Ulrich Gumbrecht (2010) defende como uma relação de presença com o passado, uma na qual a interpretação cede espaço à sensação. Parece-me que a intermediação conceitual com a reflexão sobre a mídia e a tecnologia faz o diagnóstico de Reynolds ser menos entusiasmado – e, talvez, menos ingênuo – com relação ao fenômeno que estuda que o do teórico alemão.

A questão que resta, entretanto, é se o viés negativo com que Reynolds analisa e, muitas vezes, condena alguns de seus objetos não o torna demasiadamente dependente de um conceito de história, grosso modo identificado com o conceito moderno de história centrado na noção de progresso (KOSELLECK, 2006), fazendo-o cego a abordagens recentes que a ele escapam. E se as décadas do século XX que formataram sua perspectiva teórica não tenham sido nada mais que um contexto específico, quase único, da produção da cultura pop? Se iniciativas artísticas recentes simplesmente não são feitas com base na tentativa de produzir algo novo com relação ao que veio antes, por que julgá-las então a partir de um enquadramento teórico que pressupõe a noção de progresso? A pergunta, é claro, poderia ser invertida, e é possível perguntar se, diante da apropriação irrestrita, irônica e, frequentemente, irrefletida do passado feita hoje em dia, não é a própria possibilidade de realizar um questionamento crítico como o de Reynolds que está ameaçada. Se Reynolds define a si mesmo como um modernista inveterado (REYNOLDS, 2011, p. 404), parece-me ser apenas por isso que ele julga necessário ressaltar o aspecto de dor que é parte integral da idéia de nostalgia (REYNOLDS, 2011, p. 356).

Ainda assim, sua posição pessoal lhe permite encontrar nexos que poderiam passar despercebidos. Como destaca em diversos momentos ao longo do livro, as transformações recentes no campo cultural são correspondentes a transformações na própria estrutura econômica mundial, ―uma transição da geração de dinheiro pela produção de coisas para a geração de riqueza através da informação, dos serviços e da criação de signos‖ (REYNOLDS, 2011, p. 419), de modo que ―enquanto os financistas investem em futuros, bandas (…) especulam sobre passados‖ (REYNOLDS, 2011, p.

141).93 Independente de se Simon Reynolds está errado ou não em permanecer fiel a uma narrativa modernista da cultura dos séculos XX e XXI, deve-se admitir que, quando se defende numa revista como a New Left Review que a esquerda abandone os projetos de futuro (CLARK, 2012),94 existe algo muito errado com o nosso (sentido de) tempo.

Referências bibliográficas BOHRER, Karl Heinz. ―The Three Cultures‖. In: Jürgen Habermas (ed.). Observation on the The spiritual situation of the Age. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1987 [1979].

BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.

CLARK, Timothy James [T. J]. For a left with no future. In: New Left Review, 74, março-abril de 2012, pp. 53-75.

FOGU, Claudio. ―Digitalizing historical consciousness‖. In: History and Theory, May 2009, pp. 103-121.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.

HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiência do tempo.

Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

KOSELLECK, Reinhart. ―Historia magistra vitae: sobre a dissolução do topos na História moderna em movimento‖, In: Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.

LUHMANN, Niklas. ―La descripción del futuro‖. In: ___. Observaciones de la modernidade: racionalidade y contingência en la sociedad moderna. Buenos Aires: Paidós, 1992, pp. 121-138.

PORTA, Eloy Martínez. Afterpop: la literatura de la implosión mediática. Barcelona: Anagrama, 2007.

REYNOLDS, Simon. Energy Flash: A Journey Through Rave Music and Dance Culture. London: Picador, 1988.

_____. Rip It Up and Start Again: Post-Punk 1978-1984. London: Faber & Faber, 2005.

_____. Retromania: Pop Culture‘s Addiction to its Own Past. London: Faber & Faber: 2011.

*  Licenciado em História pela Universidade Federal o Rio Grande do Sul – UFRGS. Mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. Doutorando em História pela UFRGS, sob orientação do Prof. Dr. Fernando Felizardo Nicolazzi. Atualmente desenvolve a pesquisa intitulada Por escrituras de pedras, ou o que por nossos olhos ainda podemos ver: antiquariato, evidência da história e a cultura história do Renascimento a partir de André de Resende (1500-1593). Artigo enviado em 13/04/2014 e aceito para publicação em: 30/06/2014. E-mail: [email protected].

91 Não se trata apenas das tecnologias recentes, pois Reynolds percebe uma espécie de subversão da ordem temporal na própria origem da música gravada, uma vez que a gravação permite que uma voz seja descolada de um corpo e transportada até outro contexto, inclusive para além da vida da pessoa que a gravou (REYNOLDS, 2011, p. 312-313). Sendo assim, o processo de alargamento temporal do presente se estenderia do século XX e apenas se intensificaria nas últimas décadas.

92 O próprio Reynolds refere-se, ainda que de modo diverso, à espacialização do tempo: ―Esta espacialização do tempo faz a profundidade histórica ser abandonada; o contexto original ou a significação da música se tornam irrelevantes e difíceis de alcançar. A música se torna um material a ser usado como você quiser, seja ouvinte ou artista. Perdendo seu aspecto remoto, o passado inevitavelmente perde muito de seu mistério e de sua mágica‖ (REYNOLDS, 2011, p. 425).

93 A análise de Reynolds aproxima-se da de Niklas Luhman, a respeito da substituição dos projetos de futuro pelo gerenciamento de riscos (LUHMANN, 1992).

94 Agradeço a Arthur Lima de Ávila pela indicação deste texto.