Mar sem fim – KLINK (MB-P)

KLINK, Amyr. Mar sem fim. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.  271p. Resenha de: SANTOS, Caroline Bezerra. Um mar que não tem fim. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

“Navegar é preciso, viver não é preciso”.  A frase, muito utilizada por antigos navegadores, traz consigo uma confusão semântica entre precisão e necessidade. Em “Mar sem fim”, livro em que o navegador Amyr Klink descreve a experiência de circunavegar sozinho, ao longo de cinco meses, o continente Antártico, essa confusão se desfaz diante da narrativa doautor: a obra faz com que o leitor acompanhe com curiosidadea precisão de Amyr na arte de navegar, ao utlizar com destreza instrumentos e técnicas de navegação, e com atençãoa sua necessidade em viver desafios e se aperfeiçoarna arte de superá-los.

No primeiro capítulo, o autor descreve toda a preparação, tanto prática como emocional, para iniciar sua “volta ao mundo”. A bordo do Paratii, veleiro escolhido para conduzi-lo na aventura, Amyr se mostra consciente do desafio que está prestes a iniciar, dos contratempos que podem surgir e dos impactos psíquicos que a solidão pode desencadear. Contudo, oineditismo da experiência, a possibilidade de ser pioneiroe de saborear o estado de espírito que estar a  bordo lhe proporciona se transformam emmotores para se lançar com confiança e ousadia em sua expedição.

Ao longo da obra, o autor passa a descrever o dia-a-dia de sua viagem. Em sua primeira parada, na Ilha da Geórgia do Sul, Amyr relatacom deslumbramento a Terra que se anunciava no horizonte: “Mil vezes mais linda que qualquer foto que já havia visto da Ilha”, diz. Esse encantamento marca vários outros trechos do livro: quando se depara com o que chama de “Ilha Morta”, uma baleia que morreu naturalmente e flutuava no oceano, paradoxalmente sendo fonte de vida para vários outros seres daquela fauna; quando tenta traduzir as formas de cada geleira que se apresenta em seu percurso; quando se surpreende, mesmo sendo um navegador experiente, em aindase admirar com cada espelho d’água porporcionado pela beleza da noite no mar.

Em seu percurso de 360º em torno do continente Antártico, o mais curto e também o mais perigoso ao redor do planeta, Amyr se confronta com diversas situações que poderiam interromper precocemente seu projeto. Chuvas torrenciais, ventos cortantes conduzindo o veleiro em penosos ziguezagues, frio úmido, turnos de sono interrompidos a cada 30 minutos e a certeza de que, naquela empreitada, era o único operador de cada manobra e ação. Afinal, só podia contar com ele mesmo. E a cada superação, a certeza de que havia feito a melhor escolha: “um homem precisa viajar” -afirma.

O autor não deixa de mencionar a importância dos vínculos. A relação com a família, com os amigos da terra, ou com os amigos do mar, se mostram como um dos combustíveis que fazem seguir o Paratii. Amyr narra, no capítulo 14, sua passagem pela Estação Antártica Comandante Ferraz. Diante de uma série de percalços, inclusive de um incêndio enquanto o Paratii encontrava-se ancorado na Baía do Almirantado, a solidariedade e a presteza dos militares da Estaçãofaz com que o leitor entenda que, por mais que a viagem do navegador seja solitária, em momento algum o mesmo glorifica a solidão: o autor se entusiasma ao falar de hospitalidade, empatia e gratidão, e toma isso como valores importantes para vencer o que chama de “individualismo egocêtrico” dos tempos atuais.

Por fim, Amyrdescreve a volta para casa. Trata a saudade como um prêmio, e não como sofrimento após seu ato de bravura em realizar algo com que sempre sonhou. E é categórico emafirmar que tanto mar, ao invés de trazer separação, trouxe ainda mais união. Compartilhar sua experiência com a família e os amigos, constatandoque a Terra é mesmo redonda, é o que a fez ganhar um sentido especial: ‘De nada servem dias especiais ou conquistas se não for para serem compartilhados em casa”, diz.

Aleitura deste livro permite  repensar todas as amarras que impedem o homem de ir além em sua história pessoal, seja por medo ou por comodismo. Amyr tem uma postura empreendedora e determinada, sem deixar para trás valores que são fundamentais na empreitada que assume, inspirando o leitor a conduzir da melhor forma o rumo de sua viagem pela vida, com inteligência emocional para superar cada desafio que se impõe e com coragem para se lançar no desconhecido, a fim de se aprofundar no que move cada alma humana: suas aspirações.

Caroline Bezerra Santos – 1º. Tenente da Marinha do Brasil

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