Celso Furtado e os 60 anos de “Formação Econômica do Brasil” | Alexandre Macchione

A pandemia que assolou o mundo em 2020 suscitou reflexões acerca dos rumos tomados pela humanidade no último século e das perspectivas de futuro. O ano também foi marcado pelo centenário do nascimento de Celso Furtado, efeméride que flamejou debates sobre desenvolvimento, desigualdade e outras problemáticas socioeconômicas. Foi nesse contexto que Alexandre Macchione Saes e Alexandre de Freitas Barbosa organizaram o livro Celso Furtado e os 60 anos de “Formação Econômica do Brasil”, com relevantes revisitações à magnum opus publicada em 1959, “uma obra que ainda produz preciosas sugestões sobre um projeto social e econômico de Brasil”, segundo os organizadores.

A bem da verdade, o livro em destaque é fruto do evento realizado em 2019 por ocasião dos 60 anos de Formação Econômica do Brasil – organizado pela Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) e pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), ambos da Universidade de São Paulo (USP) –, que foi sediado pelo Centro de Pesquisa e Formação do Serviço Social do Comércio (SESC). Seus capítulos reúnem parte significativa daquilo que se discutiu com 22 especialistas em nove mesas temáticas, cujos eixos orbitaram na importância histórica da obra consagrada e na persistência de sua proposta inovadora e única para a análise dos problemas brasileiros. Leia Mais

Sobre a arte brasileira da Pré-História aos anos 1960 – BARCINSKI (CA)

BARCINSKI, Fabiana Werneck (Org.). Sobre a arte brasileira da Pré-História aos anos 1960. São Paulo: Edições Sesc/WMF Martins Sontes., 2015, 365 p. Resenha de: MAIOR, Paulo Martin Souto. Clio Arqueológica, Recife, v. 31, n. 2, p.211-216, 2016.

Sobre a Arte Brasileira não é mais um tratado historicista dedicado aos diferentes períodos da história da arte no Brasil. Idealizado e organizado por Fabiana Barcinski, partiu de uma visão social da arte que pretendia dar um viés diferente à percepção da estética. Desde os primórdios da região como colônia portuguesa e como Nação independente depois, sem ignorar as raízes indígenas, a obra leva desde o início a uma reflexão sobre o que realmente seja a genuína arte brasileira. Para tanto, foram convidados escritores e pesquisadores de diversas instituições acadêmicas do Brasil. O resultado foi uma obra original, crítica e reflexiva sobre as múltiplas facetas da arte brasileira e sob os diferentes olhares de um grupo destacado de especialistas.

Dividido em nove temas, o livro se abre com o capítulo: Para uma história (social) da arte brasileira, escrito por Francisco Alambert, professor da USP e crítico de arte, que marca já o teor da obra, a partir da reflexão sobre a legitimidade e a pertinência de falar em uma arte “brasileira” com características próprias.

Segue-se A arte pré-histórica do Brasil: da técnica ao objeto, da autoria de Anne- Marie Pessis e Gabriela Martin, arqueólogas e professoras da UFPE, que refletem sobre a finalidade prática e imediata, material ou imaterial, do objeto que, hoje podemos considerar artístico, mas que, na realidade, era parte das estratégias de sobrevivência do grupo autor, considerando a arte pré-histórica brasileira como uma manufatura cuja evolução segue os passos do cognitivo ao lúdico e, finalmente, ao social.

Valeria Piccoli, arquiteta e integrante do Núcleo de pesquisa em crítica e história da arte na Pinacoteca do Estado de São Paulo, no capítulo intitulado O olhar estrangeiro e a representação do Brasil, reflete sobre o explícito desinteresse da Coroa portuguesa de divulgar ou dar valor à produção de textos ou imagens das terras e povos sob sua soberania, notadamente nos dois primeiros séculos da colonização. A cartografia do litoral, tão necessária à colonização das novas terras desenvolve-se, entretanto que o interior do país, a chamada Terra Incógnita permanece deliberadamente reduzida à representação de vinhetas da vida cotidiana. Esse panorama vai mudar com a chegada dos holandeses ao Brasil. As obras de Frans Post, Albert Eckhout, Georg Marcgraf e Willem Piso abrem as primeiras janelas à desconhecida paisagem brasileira, enriquecida depois com as obras dos viajantes estrangeiros.

Com o artigo Maneirismo, Barroco e Rococó na arte religiosa e seus antecedentes europeus, de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, historiadora da arte e professora da UFRJ, a obra entra nos estilos universais dos séculos XVII a XVIII implantados no Brasil pelos colonizadores portugueses.

Destaca-se a importância preponderante da Igreja Católica como cliente da encomenda arquitetônica e artística no período colonial, em detrimento da arquitetura civil de caráter oficial. A historiadora da Arte Elaine Dias, da Universidade Estadual de Campinas, SP, assina o artigo Arte e academia entre política e natureza (1816-1857). O trabalho analisa o impacto da Missão Artística Francesa iniciada em 1816 que pretendia a criação de uma Escola de Ciências, Artes e Ofícios no Rio de Janeiro e que seria o cerne da Academia Imperial de Belas Artes instituição de fundamental importância na formação de brasileiros no campo da arte e da cultura.

A Arte no Brasil entre o segundo reinado e a Belle Époque, artigo assinado por Luciano Migliaccio, do Departamento de História da Arquitetura e Estética da USP, inicia a sua dissertação no momento da maioridade de D. Pedro II, proclamada em 1840. No Império do Brasil, separado de Portugal, o Rio de Janeiro torna-se a sede de uma corte detentora da política cultural do Estado. A Academia assumirá o papel preponderante nas exigências de propaganda do governo imperial. Paralelamente, o indigeníssimo passa a ser valorizado, embora com uma visão romântica alheia à realidade. O autor cita, entre outros exemplos, daquele indianismo incipiente, a estátua equestre de D. Pedro I ladeada por grupos indígenas com animais e plantas típicas da natureza brasileira.

Em Modernismo no Brasil: campo de disputas, sua autora Ana Paula Cavalcanti Simioni, docente do Instituto de Estudos Brasileiros, da USP vemos como a sua formação em Sociologia dão uma base segura ao posicionamento crítico adotado na hora de julgar os valores do Modernismo brasileiro. Reconhecendo o Rio e São Paulo como os pilares do Modernismo no Brasil, a autora chama a atenção para não negligenciar as produções ocorridas em Pernambuco, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, entre outros centros, a partir, inclusive de como entender o termo “Modernismo”.

Também com marcada direção sociológica, Glaucia Kruse Villas Bôas, da UFFRJ, escreve Concretismo, capítulo do livro que abarca temas como as artes plásticas, a poesia, o cinema novo, o teatro e a bossa nova com um discurso intelectualizado e universalista que se contrapõe ao empenho de fixar a brasilidade do Modernismo, interessado no “abrasileiramento dos brasileiros”, como dizia Mário de Andrade.

Os anos 1960: descobrir o corpo de Paula Braga, filósofa e historiadora da arte, nos fala no seu artigo do labirinto sensorial Tropicália como herança das vanguardas modernistas. A produção artística nacional deu um salto radical, ultrapassando em poucos anos o abismo que a separava da arte europeia, norteamericana e até japonesa. A autora considera que o neoconcretismo se inicia nos anos 1960 com o Manifesto Neoconcreto, publicado em 1959, na abertura da I Exposição de Arte Neoconcreta, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Os dez capítulos que formam a obra se encerram com Arte Popular, trabalho de Ricardo Gomes Lima, antropólogo e professor de arte na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. O título do artigo é já explicativo. O autor refere-se à recusa inicial de considerar como objetos artísticos obras realizadas pelas camadas mais humildes da população, sejam urbanas ou rurais.

O autor considera que o povo brasileiro deixa de ser uma totalidade quando falamos em arte popular e arte erudita, separando os dois conceitos por uma linha econômica e social. Citamos, por oportuno, palavras do escritor Ariano Suassuna sobre a arte na história, que começou sendo popular para ser depois considerada erudita. O livro amplamente ilustrado, apesenta bibliografia relativa a cada capítulo.

A melhor definição que podemos fazer desse livro, quem nasce como uma obra de referência é o comentário de Luciano Migliaccio no seu capítulo Arte no Brasil entre e o Segundo Reinado e a Belle Époque: A arte brasileira, ontem como hoje, reflete em si as ambiguidades de um país que se quer moderno e que faz da arte um atalho para imaginar seu próprio futuro, ocultando as contradições que esconde em seu seio.

Paulo Martin Souto Maior – Departamento de Arqueologia, UFPE. E-mail: [email protected]   

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