Silence in the Land of Logos | Silvia Montiglio

Os antigos gregos possuíam uma “cultura da palavra” ─ todas as esferas da vida pública, como os debates na assembléia, os rituais e o teatro, eram marcados pelo uso dos discursos. A ascensão da Polis contribuiu para desenvolver um tipo específico de “logos” que visava a persuasão por meio de argumentos. [2] Na esteira destas constatações a escritora Silvia Montiglio com seu livro “Silence in the Land of Logos” coloca-nos o seu importante tema de pesquisa: o silêncio e as diferentes práticas do silêncio como um modo discursivo no mundo grego.

O livro é a adaptação da tese de pós-doutorado da autora, defendida em 1995 na École des Hautes Études en Sciences Sociales sob a orientação de Nicole Loraux. Montiglio dialoga então com os grandes nomes do helenismo francês, como Louis Gernet, Jean-Pierre Vernant, Marcel Detienne e Pierre Vidal-Naquet. Já a importância que Montiglio dá à noção de cultura coloca o seu trabalho em uma perspectiva de antropologia histórica.

Na introdução (pp. 3-8) a autora defende o silêncio como uma prática cultural específica que pode ter diferentes significados para variados grupos e que assim pode se transformar de acordo com as mudanças sociais: “If silence is a culturally specific notion, its meanings may be expected to change not only from civilization to civilization, but also within the same civilization across the time.”[3] (p. 4) Montiglio coloca-nos o seguinte questionamento para desenvolver o texto: “Como o silêncio ressoa neste mundo marcado pela voz?” (“How does silence resonate against this vocal background?” – p. 3) É em busca dessa especifidade do silêncio e guiada por sua interrogação que Silvia Montiglio desenvolve os seus oito capítulos que tratam do mundo arcaico ao período clássico ateniense, abarcando desde Homero aos oradores e não esquecendo a leitura dos textos trágicos.

No primeiro capítulo (pp. 9-45), “Religious Silence without an Ineffable God,” Montiglio tenta demostrar o erro em universalizar o significado do silêncio em diferentes práticas religiosas. A análise da autora parte do significado da noção de “inefável” para mostrar que no panteão grego existem graus de silêncio (degrees of silence) exigidos pelas divindades. Assim, são mostrados os silêncios ligados à “iniciação religiosa”, mistérios órficos e a relação entre silêncio, pureza e impureza.

O segundo capítulo (pp. 46-81), “A Silent Body in a Sonorous World: Silence and Heroic Values in the Iliad,” é centrado na Ilíada de Homero, sendo que a autora deseja reconhecer as diferentes representações do silêncio feitas pelo Aedo. O mundo da Ilíada é o lugar da nobreza guerreira, no qual o corpo desempenha um importante papel de diferenciação social. Com este indício, Montiglio procura reconhecer expressões corporais no momento de “estar em silêncio.” É assinalada pela autora a existência de um vocabulário homérico para o silêncio ─ basta citar como exemplo a palavra aneôi, que é usada diante do maravilhoso ou o ficar mudo diante do fantástico, e também o silêncio da concordância que é colocado junto com o verbo agamai.

No capítulo seguinte (pp. 82-115), “The Poet’s Voice against Silence,” é discutida a figura do Aedo e a sua relação com a voz, a verdade e o silêncio. Parte-se então de uma afirmação de Marcel Detienne que coloca o silêncio na poesia arcaica como equivalente ao esquecimento e a culpa e como oposição à memória, a qual é a glória e a verdade cristalizada pela voz. Montiglio desenvolve a sua análise na poesia de Píndaro, na qual ela descreve a oposição entre voz ─ memória e silêncio ─ esquecimento como um mediador poético.

O quarto capítulo (pp. 116-157), “’I Will Be Silent’: Figures of Silence and Representations of Speaking in Athenian Oratory,” concentra-se no silêncio como um artifício de retórica. A pergunta que pode ser feita ao texto de Montiglio é: Como o silêncio é explorado como argumento? Para responder a esta indagação, a autora explica alguns recursos retóricos muito usados na Antigüidade. Entre eles, um chamado praeteritio, que consiste em dizer que não falará de um tema em particular para chamar a atenção do auditório sobre este tema e a aposiopesis, que consiste em fazer um silêncio brusco ao fim de uma frase, de forma a eufemizar certas questões.

Na segunda metade do livro, nos quatro capítulos restantes, Montiglio passa a se dedicar exclusivamente à análise do silêncio na tragédia grega. A especificidade do texto trágico em relação às outras formas discursivas do mundo grego está no problema da ambiguidade. A tragédia grega é construída em sua estrutura por relações ambíguas entre as personagens, entre o coro, entre os atores e os espectadores, entre os homens e o mundo dos deuses. A linguagem do texto não escapa dessa relação na qual a dúvida é sempre intrínseca.

O helenista Jean-Pierre Vernant lembra-nos de uma “multiplicidade de nível” no vocabulário trágico, ou seja, a mesma palavra liga-se a diferentes campos semânticos, pertencendo ao vocabulário religioso, jurídico e político. Cabe retomar uma pequena citação de Vernant que expõe a complexidade da palavra no texto trágico: “As palavras trocadas no espaço cênico têm, portanto, menos a função de estabelecer a comunicação entre as personagens que a de marcar os bloqueios, as barreiras, a impermeabilidade dos espíritos, a de discernir os pontos de conflito”.[4]

A autora, consciente do desafio que é interpretar a linguagem do texto trágico, desenvolve o seu quinto capítulo (pp. 158-192), “Words Staging Silence,” mostrando ao leitor que não podemos esperar semelhanças entre o silêncio no teatro moderno e o silêncio no teatro grego. Montiglio defende a idéia de que a tragédia grega rejeita o vazio em cena e favorece a continuidade do som; por isso, não podemos imaginar longos silêncios em cena no teatro grego. A menção ao silêncio na tragédia pode ser compreendida naquilo que a autora considera uma tendência cultural no mundo grego de associar o não-dito com o não-visto.

O sexto capítulo (pp. 193-212), “Silence and Tragic Destiny,” analisa o silêncio na trama trágica e os resultados que a escolha do falar ou não falar pode dar ao texto. O silêncio é comparado ao Kairos, ou seja, o momento oportuno ─ diferente do Kairos, o silêncio no mundo dos homens pode não refletir o destino, mas um momento confuso das personagens. Montigio ressalta então a diferença entre o silêncio do profeta, o qual mostra um conhecimento superior pois este seu silencio é uma vontade dos deuses, e o dos homens, que ficam em silêncio quando não sabem o desenrolar do próprio destino. No texto são analisadas principalmente as tragédias de Ésquilo e de Eurípides, mas não podemos deixar de lembrar que o Édipo Rei escrito por Sófocles também coloca em cena as diferenças entre a sabedoria do profeta e do herói trágico.[5]

O sétimo capítulo (pp. 213-251), “Silence, a Herald of Death,” anuncia uma complexa relação entre o silêncio e a morte. Montiglio analisa-a e compara diferentes textos gregos com a tragédia, inclusive os textos hipocráticos, nos quais a autora sinaliza diferenças entre o silêncio masculino e feminino. Já o oitavo capítulo (pp. 252-288), “Silence, Ruse, and Endurance: Odysseus and Beyond,” concentra-se na figura de Ulisses e os seus diferentes silêncios dentro do pensamento grego. Inicialmente a autora nos lembra que o silêncio de Ulisses está ligado à mètis, que é um tipo de inteligência ligado ao mundo prático. Nas épicas de Homero os silêncios de Ulisses estão ligados a um jogo de segredo, enquanto que no texto trágico Ulisses aparece com um silêncio ligado à estratégia e ao engano. Cabe lembrar o emblemático Ulisses da peça Filoctetes de Sófocles, o qual é retratado como um sofista dotado de poucos escrúpulos para alcançar o seu objetivo.

Assim, o livro “Silence in the Land of Logos” de Silvia Montiglio é de grande importância para uma historiografia que se preocupa com representações, lutas de representações e práticas discursivas. O tema do silêncio, como colocado pela autora, nos inspira a reavaliarmos a “fala” e a eloquência do “não-falar”. O projeto ambicioso de fazer uma pesquisa abrangente sobre o silêncio na Grécia Arcaica e Clássica, centrada em preocupações culturais, e o caráter antropológico que Montiglio dá ao estudo da História possibilitam uma leitura da autora a partir dos pressupostos da “Nova História Cultural”.

Para terminar esta resenha cabe lembrar de um fragmento de uma tragédia de Sófocles que diz: “My son, be silent! Silence has many beauties.” [6] O livro de Montiglio ensina-nos a compreender algumas dessas belezas.

Notas

2. Para aprofundar o problema do Logos ver o livro de Michel Fattal: FATTAL, Michel. Logos, pensée et vérité dans la philosophie grecque. Paris: L’Harmattan, 2001.

3. Tradução: “Se o silêncio é uma noção culturalmente específica, é de se esperar que os seus significados mudem não só de civilização para civilização, como também dentro da mesma civilização através do tempo.”

4. VERNANT, Jean-Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 20.

5. MARSHALL, Francisco. Édipo Tirano: a tragédia do saber. Porto Alegre: Ed UFRGS, 2000.

6. SOPHOCLES. Fragments. Edited and translated by Hugh Lloyd -Jones. London: Loeb Classical Library, 2003. P. 34, fragment 81. Tradução: “Meu filho, silencia! O silêncio tem muitas belezas.”

Mateus Dagios – Mestrando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (bolsista CNPq). E-mail: [email protected]


MONTIGLIO, Silvia. Silence in the Land of Logos. Princeton: Princeton University Press, 2000. Resenha de: DAGIOS, Mateus. Aedos. Porto Alegre, v.3, n.8, p.260-263, jan. / jun., 2011. Acessar publicação original