Os Futuros de Darcy Ribeiro | Andrés Kozel, Fabricio Pereira da Silva

A obra “Os Futuros de Darcy Ribeiro” (2022), de Andrés Kozel e Fabricio Pereira da Silva, é uma excelente e eficiente escolha de abordagem da reflexão sociológica e política de Darcy a partir das especulações sobre o futuro da humanidade feitas pelo pensador, comumente definidas pelos autores como “futurações”. Excelente, porque de fato a produção do pensador se orienta para o que Koselleck (2006) chamaria de “planejar o futuro”, ou seja, pensar a sociedade em função de transformá-la, orientar o seu futuro, possibilidade que se abre com a concepção moderna de História. Eficiente, porque a escolha de trechos das obras de Darcy foi cuidadosamente realizada, de forma que o argumento dos organizadores está embasado numa curadoria precisa, e os textos selecionados funcionam como verdadeiro material empírico da tese defendida e da metodologia implementada. Os organizadores se valeram da análise de dez trechos de obras centrais para entender Darcy, cada qual organizada em capítulos nos quais a análise vem primeiro e se segue o trecho selecionado. São eles: O processo civilizatório (1968), As Américas e a civilização (1969), Os índios e a civilização (1970), O dilema da América Latina (1971), “O abominável homem novo” (1972), “Venutopias 2003” (1973), Utopia selvagem (1982), “A nação latino-americana” (1982), “A civilização emergente” (1984) e O povo brasileiro (1995). Sua maneira de olhar a História, que está sem dúvida ligada a uma crença nela como um todo coerente e processual, ainda que por vezes mais contraditório, por vezes menos, é um tema central para pensar o autor. Essa, contudo, é uma característica que o aproxima de vários intelectuais de sua geração, notam os organizadores, já que dedicarse a pensar e construir as matrizes para o Estado Nacional brasileiro foi uma característica das ciências humanas então recém-nascidas no Brasil. Por sua vez, Darcy o fará de forma bastante singular. Nas palavras dos organizadores: “A chave interpretativa de Darcy Ribeiro é tecnologista: seu olhar para a história gira em torno do conceito de revolução tecnológica” (KOZEL; SILVA, 2022, p.13). Nesse sentido, a revolução tecnológica é o sentido da História. O desenvolvimento das sociedades e das culturas seguem esse padrão, no qual o socialismo é entendido como uma etapa dessa revolução: Difícil de prever em suas características concretas, a sociedade futura de Darcy Ribeiro é uma sociedade socialista “de novo tipo”, na qual as possibilidades de conhecer e atuar são ilimitadas e o homem já não é adjetivável ética, racial ou regionalmente: é a civilização da humanidade (KOZEL; SILVA, 2022, p.15). O socialismo seria parte, portanto, da “civilização emergente” – e aqui nos deparamos com outro conceito destacado pelos organizadores como central no entendimento das futurações de Darcy. Tal civilização almejada incluiria, além do socialismo na esfera econômica, uma “humanidade etnicamente fusionada” na esfera cultural, o que na visão dos autores, estaria em diálogo com as ideias de “raça cósmica” de José de Vasconcelos e “civilização do universal” em Pierre Teilhard de Chardin. Esta abordagem dos problemas da cultura humana que padece sob o eurocentrismo e a homogeneização podem ser encontradas em “As Américas e a civilização”. No entanto, os organizadores destacam que a obra de Darcy não deve ser lida como linear. Sua trajetória não se trata de um simples desenvolvimento da proposta intelectual original, mas são notadas sensíveis mudanças ao longo do caminho. “O processo civilizatório” (1968) foi escrito no exílio no Uruguai e abre a “antropologia da civilização” de Darcy. O estudo se conecta com a necessidade de entender as razões para o golpe de Estado no Brasil em 1964: Leia Mais