A constitution of many minds: Why the founding document doesn’t mean what it meant before – SUNSTEIN (FU)

SUNSTEIN, C.R. A constitution of many minds: Why the founding document doesn’t mean what it meant before. New Jersey: Princeton University Press, 2009. Resenha de: CONSANI, Cristina Foroni. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.3, p.343-347, set./dez., 2010.

Uma boa forma de começar a ler um dos mais recentes trabalhos do renomado constitucionalista norte-americano Cass Sunstein é compreendendo o que o autor entende por A Constitution of Many Minds, conceito esclarecido logo no prefácio de seu livro, a saber: quando muitas pessoas pensam algo, seu ponto de vista deve ser levado em consideração nos momentos de interpretação da Constituição, interpretação esta que, segundo seu entendimento, não se restringe ao Poder Judiciário, mas, ao contrário, envolve as opiniões da sociedade democrática como um todo. É exatamente a necessidade de incorporar as considerações públicas relevantes às decisões referentes à legislação constitucional que fundamenta o many minds argument, princípio norteador desse livro que analisa a interpretação constitucional a partir de três enfoques distintos, quais sejam: o tradicionalismo, o populismo e o cosmopolitismo, e que tem como meta principal mostrar o quanto e por que o many minds argument pode ou não ter grande valor.

A estrutura da obra é definida pela possibilidade de encontrar, em cada uma das correntes interpretativas analisadas, um apelo ao many minds argument. O livro é composto por quatro partes. A primeira delas contém apenas um capítulo e está dedicada a discutir e problematizar questões de interpretação constitucional em geral. O autor deixa claro o quão complexa a interpretação pode ser ao apresentar distintas correntes que disputam o modo pelo qual a hermenêutica constitucional pode se dar a fim de aprimorar a Constituição vigente, entre elas são destacadas o originalismo, o perfeccionismo, o tradicionalismo, o populismo e o cosmopolitismo, sendo que a estas três últimas são dedicadas as outras partes da obra. A segunda parte, contendo os capítulos 2, 3 e 4, explora o tradicionalismo, dando principal atenção ao que o autor chama de minimalismo burkeano. A terceira parte, que inclui os capítulos 5, 6 e 7, analisa o Populismo e a forma pela qual o judiciário e outras instituições governamentais devem lidar com a opinião pública nos momentos de decisão de questões controversas, sempre tendo em vista a manutenção da ordem social e o aperfeiçoamento do sistema legal. A quarta e última parte do livro contém somente o capítulo 8 e trata do cosmopolitismo. A principal questão analisada é se e quando as cortes constitucionais devem fazer uso da jurisprudência estrangeira para orientar e fundamentar seus julgamentos.

O debate acerca da influência do many minds argument é introduzido por Sunstein recorrendo à consagrada divergência entre James Madison e Thomas Jefferson, ocorrida nos primórdios da aprovação da Constituição americana, acerca do processo de alteração desse documento. Enquanto para o primeiro as mudanças constitucionais poderiam ocorrer apenas em situações extraordinárias, para o segundo uma constituição deveria ser repensada pelas muitas opiniões de cada geração e, dessa forma, estar sempre aberta a reformas. Sunstein relembra que parece haver um entendimento padrão na sociedade americana: Madison estava certo, Jefferson estava errado, e os Estados Unidos da America têm sido governado pela mais antiga constituição existente, a qual sofreu poucas modificações ao longo de mais de 200 anos.1 Para Sunstein, entretanto, a estabilidade constitucional é um mito e, na prática, ocorre aquilo que o ele chama de “ a vingança de Jefferson”, ou seja, a Constituição americana tem sofrido frequentes reformulações, não por meio de emendas formais, mas sim por meio de práticas sociais e interpretações que tornam o documento atual diferente daquele erigido pelos pais fundadores. A mudança constitucional, assegura Sunstein, “tem ocorrido por meio de julgamentos de muitas opiniões e de gerações sucessivas, de tal forma que captura algumas das esperanças de Jefferson” (Sunstein, 2009, p.3). O ponto central defendido pelo autor é que as mudanças constitucionais “têm sido um produto de processos democráticos ordinários, produzindo ajustes na compreensão constitucional ao longo do tempo” mais do que fruto da interpretação judicial.2 Nesse sentido, sempre que a Suprema Corte estabelece um novo princípio constitucional ou um novo entendimento de um velho princípio, isso nunca se dá em um vácuo social, mas, ao contrário, frequentemente endossa retroativamente um julgamento que encontra amplo suporte social.

A fim de corroborar sua tese a respeito da influência do many minds argument no processo de interpretação constitucional, Sunstein recorre ao Teorema do Júri de Condorcet, segundo o qual grupos agirão melhor do que indivíduos e grandes grupos melhor do que pequenos, desde que duas condições sejam encontradas: (a) a regra da maioria seja utilizada; (b) quando for mais provável que cada pessoa não esteja certa. O autor acredita que o Teorema do Júri possa servir de parâmetro para a lei constitucional uma vez que, enfatizada “a aritmética por trás da teoria pode-se ter pistas de quando many minds argument faz sentido e quando falha” (Sunstein, 2009, p.9).

As possibilidades de sucesso ou de fracasso do many minds argument são então analisadas dentro de cada um dos enfoques eleitos por Sunstein. O primeiro deles é o tradicionalismo. Os defensores desta corrente interpretativa entendem que, no momento da decisão de questões controversas, tradições estabelecidas há longo tempo devem ser levadas em consideração. O autor confere especial atenção, nesta parte de seu trabalho, ao que chamou de minimalismo burkeano, que encontra fundamento nas teses de Edmund Burke, as quais enfatizaram a necessidade de confiar na experiência e especialmente na experiência de gerações, demonstrando grande respeito pelas tradições. Inicialmente Sunstein adverte que existem muitas formas de minimalismos e que o burkeano é apenas uma delas. As interpretações minimalistas caracterizam-se por se realizarem de modo superficial e limitado, considerando poder evitar, desta forma, grandes equívocos e, por outro lado, mostrando um alto grau de respeito com aqueles que discordam em grandes questões. O que chama a atenção de Sunstein nessa corrente interpretativa é exatamente o fato de que as regulações minimalistas deixam amplo espaço para o debate e a discussão democrática.

Além disso, Susntein relaciona o entusiasmo de Burke a respeito das tradições com o Teorema do Júri de Condorcet. Burke considera que as tradições incorporam o julgamento de muitas pessoas operando ao longo do tempo. Se incontáveis pessoas tiverem comprometido a si mesmas com certas práticas, então isso é de fato possível; de acordo com o fundamento de Condorcet, “a ‘sabedoria latente’ permanecerá com eles, principalmente se a maior parte das pessoas estiver certa e não errada. O fato da tradição persistir proporciona uma salvaguarda adicional aqui: a persistência atesta sua sabedoria e funcionalidade, pelo menos como regra geral” (Sunstein, 2009, p.51).

Embora encontre um apelo ao many minds argument nas interpretações tradicionalistas, Sunstein não nega que decisões apoiadas em tradições podem ser problemáticas, pois “algumas tradições não são produzidas pela sabedoria, mas por uma espécie de cascata social, em que práticas persistem não porque diversas pessoas decidem independentemente em seu favor, mas porque as pessoas simplesmente imitam outras” (Sunstein, 2009, p.52). Nesse caso, segundo ele, o tradicionalismo é bastante atrativo quando se trata de temas como separação de poderes, federalismo e direitos de possuir armas, mas, quando se fala em igualdade, esse enfoque tem menos força. Há um grande temor de que as tradições sejam injustas ou arbitrárias, haja vista a sociedade frequentemente progredir submetendo-as a sérias mudanças (como, por exemplo, quando a Suprema Corte considerou inconstitucional a discriminação sexual contra as mulheres, a qual estava pautada no hábito e na tradição, mas não encontrava suporte racional, ou ainda, a decisão que derrubou a proibição da sodomia homossexual). Por fim, o autor considera que uma posição mais adequada seria aceitar a tradição como “o local para começar, mas não para terminar”, uma vez que as cortes poderiam fazer uso de um enfoque mais racionalista, “testando se a tradição é sensata em princípio” (Sunstein, 2009, p.120).

Sunstein definitivamente não é um simpatizante de uma supremacia judicial na interpretação constitucional e também encontra pouca legitimidade nas interpretações originalistas, haja vista não verificar a possibilidade de decisões serem tomadas de forma abstrata, sem considerar o contexto social e o conjunto institucional existente em cada país em uma determinada época. Segundo ele:

Se nós acreditamos que o significado da Constituição é estabelecido pelo entendimento original de seus ratificadores, então o próprio povo está provavelmente pouco equipado para descobrir esse significado, e juízes prestariam pouco ou nenhuma atenção ao desejo do povo. Mas se nós acreditamos que o significado da Constituição é legitimamente estabelecido pela referência a julgamentos morais e políticos, e se as cortes não são especialmente boas para fazer esses julgamentos, então o constitucionalismo popular […] tem uma apelo maior (Sunstein, 2009, p.126).

Assim, o constitucionalismo popular, contrapondo-se ao Originalismo, considera que a interpretação constitucional requer julgamentos de princípios básicos, os quais são mais confiáveis se feitos pelo público do que pelo judiciário. Sunstein analisa essa corrente interpretativa levando em consideração principalmente três aspectos: public backlash (definido como a intensa e sustentada desaprovação pública de uma regulação judicial, acompanhada de passos agressivos de resistência à decisão para retirar sua força legal); as consequências que podem advir de se ignorar o public backlash; e, por fim, a adoção de uma espécie de humildade judicial (judicial humility), que deveria ser encampada pelos juízes diante de casos pouco comuns e de grande relevância, para os quais não houvesse aprovação popular para o seu posicionamento inicial. Sunstein reconhece que, para as visões mais convencionais sobre a interpretação constitucional, a opinião pública é considerada irrelevante, uma vez que a meta central da lei constitucional, ou pelo menos da revisão judicial, é impor supervisão e controle aos julgamentos públicos e, às vezes, até mesmo anular esses julgamentos. Questionando essa visão, o autor apresenta duas razões pelas quais as convicções públicas intensamente asseguradas poderiam importar. A primeira é consequencialista; a segunda é epistêmica.

O consequencialismo é um modo de interpretação segundo o qual o juiz leva em consideração a repercussão de sua decisão, a qual pode implicar o ultraje (outrage) à população. O ultraje é o caso extremo de conflito entre a Corte e a nação, podendo causar até mesmo o não cumprimento da determinação judicial pelos oficiais do governo – Poderes Executivo e Legislativo. Um diferente modo de lidar com o public backlash seria o julgamento kantiano, que consiste em julgar de acordo com a lei, não importando de forma alguma as consequências do julgamento. De acordo com este enfoque, o papel da Corte é dizer o que a lei é, e suas conclusões sobre esse ponto não deveriam ser afetadas pela vontade pública. De fato, uma aguda separação entre lei e política poderia ser pensada para contar com um compromisso com o julgamento kantiano. No contexto de potenciais invalidações, o argumento para o julgamento kantiano parece até mesmo mais forte. Por que deveriam os juízes apoiar medidas inconstitucionais (por exemplo, discriminação racial ou detenções sem o devido processo legal ou restrições à liberdade de expressão) meramente porque o público seria ultrajado se eles se recusassem a fazer isso? A deferência ao ultraje (do) público parece inconsistente com o papel dos juízes em um sistema constitucional. Considerando o ultraje e seus efeitos, restam duas opções: talvez o julgamento kantiano seja realmente a melhor, porque a cegueira em relação às consequências provavelmente produzirá melhores resultados. Contudo, Sunstein considera que, em alguns casos, os juízes têm como obter informações suficientes para saber se o ultraje ocorrerá ou não. Assim, o autor aposta em um uso equilibrado do julgamento kantiano com o julgamento consequencialista.

A razão epistêmica, por outro lado, considera quem teria melhores condições de tomar a decisão correta. Trata-se então de um teste para a força do many minds argument. Para que esse princípio seja realmente levado em consideração, Sunstein acredita que o público deve ter uma visão clara a respeito de fatos e valores capazes de sustentar um posicionamento jurídico. Neste ponto surgem também os problemas relacionados à formação da opinião pública tais como a influência de preconceitos, preferências sistemáticas, efeito cascata e polarização. Entretanto, considerando que o Constitucionalismo Popular, cujas raízes podem ser encontradas no período fundacional, concede amplo papel de interpretação da Constituição ao We the People, mais que ao judiciário, o autor defende que, em circunstâncias raras, mas de grande relevância, os juízes deveriam levar em consideração as convicções públicas não apenas em razão das consequências que podem advir de um julgamento contrário, mas também porque elas podem trazer informações importantes sobre a melhor interpretação da Constituição. Essa atenção dispensada às convicções populares enquadra-se no que Sunstein chama de judicial humility (humildade judicial), que coloca o judiciário numa posição de questionamento a respeito de sua própria capacidade de tomar a decisão correta (se é que a respeito de questões morais e políticas pode-se falar em decisão correta).

A última parte da obra, bastante sucinta, é dedicada à análise do Cosmopolitismo constitucional e, especificamente, se e quando as cortes constitucionais devem levar em conta a jurisprudência estrangeira no momento de interpretar a Constituição. Considerando o many minds argument, o autor acredita que poderia ser interessante para nações cujos sistemas democráticos são bastante jovens buscar informações nos julgamentos de democracias mais antigas.3 Por outro lado, ele entende que nações com longa prática democrática, como os Estados Unidos, possuem um grande número de precedentes e a consulta à jurisprudência estrangeira apenas tornaria mais difícil a decisão ao acrescentar mais elementos para análise. Claro que, fora do campo especificamente judiciário, Sunstein reconhece que os oficiais do governo – dos Poderes Executivo ou Legislativo – não podem ignorar como outros países têm decidido em questões como segurança nacional, mudanças climáticas, legislação trabalhista, entre outras.

Enfim, o many minds argument é invocado para demonstrar que, ao longo do tempo, diversas correntes interpretativas têm atuado, incorporando anseios populares, de forma que o próprio texto da Constituição Americana, no entendimento de Sunstein, não significa atualmente aquilo que significou na época em que foi aprovado. Contrastando com o entendimento de Ackerman4 a respeito dos momentos constitucionais em que o povo se manifesta, Sunstein considera que

[…] mudança constitucional não é meramente um produto de ‘momentos’ em que cidadãos mobilizados suportam reformas em grande escala. Há uma continuidade de pequenas mudanças, produzidas em períodos de relativa estabilidade, para as principais, produzidas quando crises ou movimentos sociais clamam por mudanças (Sunstein, 2009, p.5-6).

Sunstein reconhece que o apelo de Jefferson por mudanças constitucionais dirigidas popularmente não é abarcado por essa compreensão de alteração constitucional, haja vista que os mecanismos de mudança raramente invocam procedimentos formais, como Jefferson defendeu. Ao final, a compreensão de Constituição e do processo de alterações delineada nessa obra por Sunstein parece ter um viés mais hegeliano do que jeffersoniano, haja vista ressaltar, assim como Hegel, que as mudanças constitucionais fazem parte de processos contínuos de autointerpretação popular do texto original.5

Por fim, trata-se de um texto bastante didático, o qual aborda e explica alguns dos principais enfoques da interpretação constitucional desenvolvidos no contexto americano e, neste aspecto, é bastante interessante para aqueles que querem iniciar o estudo do tema. Mas também apresenta uma tese, a qual segue na esteira de um antigo debate que se iniciou junto com a própria constituição americana, tendo como interlocutores James Madison e Thomas Jefferson, a respeito das formas de interpretação e das alterações constitucionais. Para Sunstein, a Constituição deve ser mantida como um documento vivo, atual e atualizável pelos anseios da sociedade.

Notas

1 Sunstein enumera as mudanças significativas sofridas pelo texto constitucional de 1787: o Bill of rights – 1789; emendas que ocorreram após a guerra civil – abolição da escravidão, concessão do direito de voto aos afroamericanos, aumento do poder do governo nacional sobre os estados; emendas posteriores que instituíram eleições diretas para senadores e presidente e garantiram às mulheres o direito de voto (Cf. Sustein, 2009, p.2-3).

2 O autor cita como exemplo de mudança que não envolve um julgamento por tribunais a grande autoridade que o presidente tem sobre a segurança nacional, autoridade esta muito maior do que aquela dada originalmente pela constituição; segundo o autor, essa autoridade não é produto de um julgamento da suprema corte, mas sim de julgamentos de uma variedade de pessoas e instituições e, em última análise, do “We the people” (Sustein, 2009, p.4).

3 Dentre essas nações, Sunstein cita Canadá, África do Sul, Hungria e Polônia.

4 De acordo com Bruce Ackerman, existem duas formas de se compreender o processo político: a partir da política constitucional – que consiste nos momentos raros em que o povo é chamado a decidir questões políticas consideradas fundamentais, como ocorreu na elaboração das emendas constitucionais após a guerra civil norte-americana ou no New Deal; e a partir da política normal – aquela feita corriqueiramente pelo Congresso.

5 A compreensão hegeliana a respeito da Constituição pode ser encontrada na obra Linhas fundamentais da filosofia do direito.

Cristina Foroni Consani – Doutoranda em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista CAPES no PDEE (Columbia University/USA-2010). Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: [email protected]

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