The Bloomsbury Encyclopedia of Utilitarianism – CRIMMINS (SY)

CRIMMINS, James E. (Ed.). The Bloomsbury Encyclopedia of Utilitarianism. London: Bloomsbury Academic, 2013. Resenha de: TRINDAD, Gabriel Garmendia da. Synesis, Petrópolis, v. 10, n. 2, p. 244-250, ago./dez., 2019.

A filósofa espanhola María Esperanza Guisán (1940–2015) celebremente observou que a doutrina utilitarista é “uma das teorias ético-políticas pior estudadas e compreendidas ao longo do tempo”.1 Podemos elencar entre as principais causas de incompreensões e dúvidas sobre tal abordagem a constante confusão acerca do que vem a ser, de fato, o utilitarismo. Frequentemente, é possível encontrar comentadores na literatura filosófica os quais descrevem “o utilitarismo” como um sistema moral único e definido. Tais caracterizações são, todavia, bastante problemáticas. Em realidade, poder-se-ia dizer que há tantos utilitarismos quanto utilitaristas – talvez até mais, pois não é incomum pensadores revisarem e proporem variações de suas próprias perspectivas ético-utilitárias no decorrer de suas carreiras.2 A Bloomsbury Encyclopedia of Utilitarianism (doravante, ‘BEU’) surge justamente para retificar este e muitos outros equívocos interpretativos acerca da tradição utilitarista e seus representantes.

Editada pelo cientista político inglês James E. Crimmins, a BEU é um monumento filosófico ímpar.3 As mais de seiscentas páginas desse formidável manuscrito configuram o que pode ser prontamente classificado – ao menos até o presente momento – como o compêndio definitivo sobre os estudos utilitaristas. Os leitores da obra em pauta dificilmente poderão concluir outra coisa. A razão disso é a riqueza e excelência de tal publicação. Como Crimmins faz questão de anunciar ao introduzir a BEU ao seu público alvo, esta é composta por mais de 220 verbetes elaborados por cerca de 120 pesquisadores do mais alto calibre acadêmico-científico. Tais verbetes abrangem os seguintes tópicos: figuras históricas e progenitores tardios do que viria a se tornar a filosofia utilitarista, utilitaristas clássicos e contribuintes recentes da literatura em voga, economistas políticos, scholars legais e juristas, objetores da ideologia ético-utilitária, historiadores e comentadores da tradição utilitarista, escolas de pensamento e teorias relacionadas aos frameworks utilitaristas, elementos significantes dos debates utilitaristas contemporâneos, diferentes tipos de utilitarismo, conceitos-chave, bem como problemas específicos da doutrina utilitarista – em especial, as dificuldades atinentes à avaliação e agregação das distintas manifestações da ideia de ‘utilidade’.4

Uma vez enumerados os conteúdos da BEU, Crimmins é rápido ao destacar que, a despeito da vasta constelação de assuntos ponderados, os possíveis críticos em vigília certamente questionarão a não inclusão de outras temáticas referentes ao utilitarismo. À vista disso, Crimmins esforça-se para justificar quaisquer ausências em termos de limitações de espaço – o que é compreensível. Decisões editoriais acerca daquilo que será abarcado ou deixado de lado em obras dessa magnitude são extremamente comuns. Ainda assim, levantar esse tipo de questionamento jamais poderia ser tomado como algo atípico ou desimportante. Afinal de contas, escritores utilitaristas são tradicionalmente conhecidos por empregar as suas abordagens e princípios na reflexão e tratamento filosófico das mais variadas problemáticas imagináveis. Limitar literariamente o dinamismo e versatilidade da doutrina utilitarista por intermédio de uma abundância de supressões textuais somente empobreceria o volume discutido. A construção de indagações dessa natureza deveria ser, então, fortemente encorajada – sobretudo se tivermos em mente a possibilidade de uma futura reedição do manuscrito. É precisamente por isso que a presente análise não hesitará em assinalar alguns dos temas mais relevantes que não foram incorporados nessa primeira versão da BEU. Comecemos, no entanto, pelo mais evidente acerto da publicação sob escrutínio, qual seja, o seu hábil detalhamento de múltiplas propostas morais utilitaristas.

Como mencionado há pouco, aquilo que é descrito como “o utilitarismo” deveria ser pensado, em realidade, como um vasto conjunto de abordagens ético-políticas de cunho consequencialista.5 A BEU reforça essa concepção ao trazer análises de mais de trinta subtipos diferentes de posturas utilitaristas desenvolvidas nos últimos dois séculos. Dentre as entradas com o maior número de informações e esclarecimentos, sobressaem-se as discussões sobre o utilitarismo do ato e da regra, utilitarismo ideal, utilitarismo de preferências (‘preferencialismo’), utilitarismo análogo e binário, utilitarismo expectabilista e ‘number-dampened utilitarianism’. Boa parte desses verbetes incluem investigações sobre as vantagens das vertentes utilitaristas comentadas em comparação direta a outras formas de utilitarismo e sistemas morais rivais – o que facilita significativamente a posterior construção de paralelos ainda mais aprofundados por pesquisadores. Além disso, são também consideradas variantes utilitaristas pouquíssimas vezes tratadas na literatura filosófica em pauta. Esse é o caso, por exemplo, do utilitarismo dos motivos, uma proposta esboçada, em meados da década de setenta, pelo filósofo norte-americano Robert Merrihew Adams. Tal teoria, como o seu próprio nome sugere, diz respeito à avaliação dos motivos segundo os quais as pessoas agem e como eles influenciam na determinação das condições da utilidade. Notavelmente, Gwen Bradford, autora do verbete em foco, complementa o seu exame do utilitarismo dos motivos ao abranger como essa perspectiva poderia ser retomada no cenário filosófico atual – o que demonstra, novamente, a quantidade de tópicos dignos de estudo contida nas páginas da enciclopédia.

Embora o grupo de correntes utilitaristas perscrutado na BEU seja bastante amplo, ele ainda assim acaba por não incluir diversos tipos e famílias de utilitarismos. Uma ausência particularmente questionável é a do chamado ‘utilitarismo negativo’. Utilitaristas negativos dão prioridade absoluta à minimização de experiências aversivas em contraposição à costumeira maximização de experiências agradáveis. Tal teoria foi originalmente delineada por Karl Popper em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945) e duramente criticada por J. J. C. Smart.6 A despeito dos ataques de Smart, a popularidade do utilitarismo negativo e suas variações cresceu consideravelmente no decorrer das duas últimas décadas. Muito disso se deve aos esforços de autores como o filósofo britânico David Pearce que, em seu livro The Hedonistic Imperative (1995), defende uma variedade da teoria a qual toma como propósito central da moralidade a abolição do sofrimento em toda a vida senciente.7 Além de ser retratado nos escritos de Pearce, o utilitarismo negativo tem sido utilizado ao longo dos anos no tratamento de uma multiplicidade de problemas no campo da ética prática e ética populacional. Dado à contínua aplicação do utilitarismo negativo na literatura filosófica atual, a falta de uma nota específica dedicada a essa perspectiva dificilmente poderia ser vista com bons olhos.

Outro ponto nitidamente forte da BEU é a apresentação e problematização dos indivíduos que auxiliaram a moldar a doutrina utilitarista ao longo do tempo. A obra contém mais de cento e trinta entradas dedicadas, como assinalado anteriormente, a defensores, objetores, comentadores, revisores e influenciadores do pensamento e abordagens utilitaristas. Tendo observado isso, é simplesmente impraticável destacar de modo apropriado a grandeza e pluralidade desses verbetes em especial. Como os possíveis leitores da enciclopédia podem imaginar, o tratamento dispensado pela BEU aos principais representantes do utilitarismo é incomparável. Discussões acerca de pensadores clássicos e expoentes iniciais das teses utilitaristas tais como Jeremy Bentham, James Mill, John Stuart Mill, William Paley e Henry Sidgwick se encontram entre as mais aprofundadas e extensas do volume inteiro. O detalhamento de contribuintes historicamente menos prestigiados também é digno de nota. Comentador algum é pequeno demais para ser ignorado por Crimmins. Mesmo John Rickards Mozley – matemático e educador inglês, cuja única contribuição aos estudos utilitaristas foi a publicação de uma breve resenha crítica de Os Métodos da Ética (1874) de Sidgwick – recebeu o seu devido lugar nas páginas da BEU. O impacto das ideias de Platão, Aristóteles, Epicuro, Hobbes, Locke e Kant sobre os valores utilitaristas é igualmente averiguado – o que resulta em uma apreciação histórica ainda mais rigorosa dessas visões na tradição filosófica ocidental.

Embora ocupem um espaço significativamente menor do que as entradas destinadas aos primeiros proponentes e opositores dos fundamentos utilitaristas, as considerações referentes a apologistas e arguidores contemporâneos (i.e., nascidos no século XX em diante) possuem grande relevância e merecem uma reflexão à parte. Os verbetes dedicados a contendedores das propostas utilitaristas são particularmente bons. Dentre esse grupo, evidenciam-se os apontamentos sobre H. L. A. Hart, John Rawls, Bernard Williams, Robert Nozick e Michel Foucault. É apenas quando examinamos o material concernente a utilitaristas contemporâneos que as coisas ficam mais complicadas.

A enciclopédia contém entradas sobre autores esperados, tais como R. M. Hare, Peter Singer, John Harsanyi e Brad Hooker. Porém, uma vez que o número de intelectuais que se identificam com as ideias utilitaristas hoje em dia é assombroso, muitos acabaram ficando fora da obra em pauta. Duas ausências em especial são simplesmente imperdoáveis. A primeira diz respeito a R. G. Frey (1941–2012). Uma figura polêmica no campo da ética aplicada, Frey foi conhecido por suas declarações incendiárias, ataques mordazes à considerabilidade moral dos animais não-humanos e por uma defesa do utilitarismo de preferências.8 A segunda tange ao filósofo sueco Torbjörn Tännsjö. Um escritor prolífico, Tännsjö tem feito importantes contribuições aos debates sobre o utilitarismo hedonista e empregado suas teorias para lidar com uma multiplicidade de temas difíceis da bioética e ética médica.9 Por enquanto, somente podemos esperar que essas e as demais ausências sejam reparadas em edições futuras da BEU.

Aqueles que optarem por consultar a BEU para alcançar uma compreensão mais diversificada do modelo utilitarista, e não apenas do seu impacto geral na literatura filosófica ocidental, não ficarão nem um pouco desapontados. Isso porque o livro é um verdadeiro poço de curiosidades acerca da doutrina estabelecida por Bentham. O volume editado por Crimmins traz, por exemplo, dados pormenorizados acerca da criação do famigerado ‘autoicon’ – o esqueleto de Bentham preservado, anexado a uma cabeça feita de cera e vestido em suas próprias roupas – que atualmente se encontra em uma pequena cabine exposta ao público na University College London. Há também comentários sobre os pensadores e publicações utilitaristas originalmente incluídos no index papal – i.e., a lista de livros proibidos pela Igreja Católica. Em suma, todo o tipo de informação acerca daquilo que Bentham se referia como “a seita dos utilitaristas”.10 É importante frisar, aliás, que todos os verbetes da BEU estão conectados uns aos outros por meio de um vasto índice, sugestões de leitura, bem como referências bibliográficas adicionais. Desse modo, é bastante interessante comparar, por exemplo, a entrada ‘Panopticon’ com a nota sobre Michel Foucault – autor que tomava o panóptico benthamiano como a manifestação última da sociedade de controle.11 Essa organização cuidadosa dos verbetes só vem para fortalecer ainda mais a sensação de estar lidando com uma obra dificilmente superável.

Para concluir, um breve apontamento de ordem monetária. Até muito recentemente, o maior problema da BEU era o seu custo abusivo – algo igualmente criticado por outros resenhistas do livro.12 Os atuais valores da versão em capa dura (‘Hardcover’) da antologia giram em torno de trezentas libras esterlinas (quase 1.300,00 Reais na cotação corrente). Felizmente, em 2017, a tão esperada edição em brochura do manuscrito foi enfim publicada. Esta, por sua vez, conta com um preço muito mais acessível, cerca de GBP45,00 – o equivalente a pouco mais de R$200,00. Uma transação que, muito possivelmente, paga a si mesma. Pois, aqueles que forem financeiramente afortunados para adquirir alguma das versões da BEU não levarão para casa uma mera compilação de verbetes acadêmicos, mas sim a mais completa e competente obra já publicada sobre a doutrina utilitarista desde os tempos de Bentham – o que é seguramente suficiente para estimular e nortear longos anos de pesquisa no campo da filosofia prática.

Notas

1 GUISÁN, E. Utilitarismo, justiça e felicidade. In: PELUSO, Luis Alberto (ed.). Ética & Utilitarismo. Campinas: Editora Alínea, 1998, p. 131.

2 Peter Singer, por exemplo, celebrado pela sua defesa do utilitarismo de preferências durante décadas, recentemente abandonou tal posição em prol de uma versão modificada do utilitarismo hedonista clássico de Henry Sidgwick. Tal mudança é explorada em: LAZARI-RADEK, K.; SINGER, P. The Point of View of the Universe: Sidgwick and Contemporary Ethics. Oxford: Oxford University Press, 2014.

3 Crimmins é especialista no pensamento benthamiano e atualmente ocupa a posição de Professor of Political Theory no Huron University College, University of Western Ontario. Dentre as suas principais publicações, destacam-se: Secular Utilitarianism: Social Science and the Critique of Religion in the Thought of Jeremy Bentham (1990), On Bentham (2004) e Utilitarian Philosophy and Politics: Bentham’s Later Years (2011). Para uma lista detalhada dos escritos de Crimmins, visite: <https://works.bepress.com/james_e_crimmins/>. Acesso em: 04 fev. 2019.

4 CRIMMINS, James E. Preface. In: CRIMMINS, James E. (ed.). The Bloomsbury Encyclopedia of Utilitarianism. London: Bloomsbury Academic, 2013, p. x.

5 O filósofo Harlan B. Miller relata que provavelmente existe mais de uma centena de variantes distintas de perspectivas utilitaristas. Como ele salienta, “o utilitarismo possui muitas formas, o que depende de se o princípio é aplicado a escolhas de fatos ou escolhas de regras, se ‘prazer’ e ‘dor’ são compreendidos em sentido abrangente ou estritamente, se aquilo a ser maximizado é prazer ou satisfação de preferências, quão amplo é o escopo de ‘todos os seres afetados’, se trata-se de consequências atuais ou esperadas, e assim por diante. Utilitarismo em todas as suas formas é uma teoria consequencialista: o que torna um ato correto é as suas consequências.” MILLER, Harlan B. On Utilitarianism and Utilitarian Attitudes. Between the Species, v. 6, n. 3, 1990, p. 128. Traduzido livremente do inglês pelo autor.

6 Para as críticas de Smart, veja: SMART, J. J. C. Negative Utilitarianism. Mind, v. 67, n. 268, p. 542-543, 1958. SMART, J. J. C. An Outline of a System of Utilitarian Ethics. In: SMART, J. J. C.; WILLIAMS, Bernard. Utilitarianism: For & Against. Cambridge: Cambridge University Press, p. 1-74, 1973. 7 Para o manifesto escrito por Pearce, visite: https://www.hedweb.com/hedethic/tabconhi.htm. Acesso em: 04 fev. 2019.

8 O filósofo norte-americano David DeGrazia chega a declarar que Frey é um dos dois mais puros e dominantes utilitaristas contemporâneos no debate acerca do tratamento ético a ser concedido aos demais animais, o outro sendo Singer. DEGRAZIA, D. The Moral Status of Animals and Their Use in Research: A Philosophical Review. Kennedy Institute of Ethics Journal, v. 1, n. 1, 1991, p. 48.

9 Recentemente, Tännsjö esteve envolvido em uma bizarra controvérsia online. O famoso portal de notícias Vox.com decidiu por não publicar um artigo escrito pelo sueco acerca da chamada “conclusão repugnante” – a ideia de que teríamos uma obrigação moral de procriarmos, pois, supostamente, um maior número de humanos implicaria em um aumento no montante de felicidade total – devido aos seus argumentos serem demasiado provocativos. Para maiores detalhes do ocorrido, assim como o texto rejeitado, visite: <https://gawker.com/heres-the-philosophy-essay-vox-found-too-upsetting-to-p-1727243459>. Acesso em: 04 fev. 2019.

10 Certa vez, em conversa com o político britânico William Petty, 1º Marquês de Lansdowne, Bentham comentou sobre um sonho que tivera no qual se via como “um fundador de uma seita; naturalmente, uma personagem de grande santidade e importância. Chamava-se seita dos utilitaristas”. MSS disponível na ‘Bentham Collection’ (University College London, Box 169/79, “Dream”) apud Crimmins, James E. Bentham on Religion: Atheism and Secular Society. Journal of the History of Ideas, v. 47, n. 1, 1986, p. 103. Traduzido livremente do inglês pelo autor.

11 Para uma excelente avaliação sobre o panóptico benthamiano, assim como da oposição foucaultiana a este, veja: GONÇALVES, Davidson Sepini. O Panóptico de Jeremy Bentham: Por uma Leitura Utilitarista. São Paulo: Blucher Acadêmico, 2008. 12 SCHOFIELD, P. James E. Crimmins, ed., The Bloomsbury Encyclopedia of Utilitarianism. Journal of Bentham Studies, v. 16, n. 1, 2014, p. 3.

Referências

CRIMMINS, James E. Bentham on Religion: Atheism and Secular Society. Journal of the History of Ideas, v. 47, n. 1, p. 95-110, 1986.

CRIMMINS, James E. (ed.). The Bloomsbury Encyclopedia of Utilitarianism. London: Bloomsbury Academic, 2013.

DEGRAZIA, D. The Moral Status of Animals and Their Use in Research: A Philosophical Review. Kennedy Institute of Ethics Journal, v. 1, n. 1, p. 48-70, 1991. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/245599. Acesso em: 04 fev. 2019.

GUISÁN, E. Utilitarismo, Justiça e Felicidade. In: PELUSO, Luis Alberto (ed.). Ética & Utilitarismo. Campinas: Editora Alínea, p. 131-143, 1998.

MILLER, Harlan B. On Utilitarianism and Utilitarian Attitudes. Between the Species, v. 6, n. 3, p. 128-129, 1990. Disponível em: https://digitalcommons.calpoly.edu/bts/vol6/iss3/10/. Acesso em: 04 fev. 2019.

SCHOFIELD, P. James E. Crimmins, ed., The Bloomsbury Encyclopedia of Utilitarianism. Journal of Bentham Studies, v. 16, n. 1, p. 1-3, 2014. Disponível em: https://www.ucl.ac.uk/ucl-press/browse-books/journal-of-bentham-studies. Acesso em: 04 fev. 2019.

Gabriel Garmendia da Trindad– University of Birmingham, United Kingdom. Doutorando em Global Ethics no Centre for the Study of Global Ethics, Department of Philosophy, University of Birmingham. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6770358458457650. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[DR]

 

The age of empathy: nature’s lessons for a kinder society – DE WAAL (SY)

DE WAAL, Frans. The age of empathy: nature’s lessons for a kinder society. London: Souvenir Press, 2011. Resenha de: TRINDAD, Gabriel Garmendia da; MARIN, Ana Paula Foletto. Synesis, Petrópolis, v.9, n.1, p.180-195, jan./jul., 2017.

De produções cinematográficas1 a discursos políticos2, ‘empatia’ está se tornando um termo cada vez mais comum no vocabulário popular. O termo em questão tem sido igualmente empregado e discutido em uma miríade de estudos filosóficos e do campo da psicologia. Porém, a despeito de seu uso contínuo e popularização, tanto por acadêmicos quanto por profissionais de outras áreas, ainda não existe um acordo acerca de como, precisamente, a noção de ‘empatia’ deveria ser entendida e definida – o que tem resultado em um número ainda maior de publicações. Em sua obra The Age of Empathy: Nature’s Lessons for a Kinder Society, o primatólogo e antropólogo holandês Frans de Waal3 convida os leitores a refletirem sobre a ideia de ‘empatia’, bem como o seu papel e importância nas vidas de humanos e não-humanos.

No primeiro capítulo de The Age of Empathy, de Waal articula uma ideia que será constante até o final do livro, a de que é preciso perceber e compreender as relações sociais, enquanto alvo de problematização da biologia, de modo diferente do habitual. Há de se abandonar as costumeiras suposições de caráter negativista sobre a biologia e adotar uma visão mais positiva quanto aos seres humanos. Por exemplo, um pensamento ainda bastante comum no campo das ciências humanas é o conhecido Homo homini lupus (“O homem é o lobo do homem”). Para de Waal, tal máxima hobbesiana não poderia estar mais longe da verdade. Isso porque ela não passa de uma afirmação enganosa sobre os seres humanos a qual se fundamenta em falsas suposições acerca de outra espécie. Em realidade, lobos são seres que mantêm profundos laços sociais. A sua sobrevivência não depende da eliminação de competidores ou do ato de manter os alimentos obtidos individualmente para si mesmos, mas sim de cooperação e partilha. Tais comportamentos são próprios de diversas espécies predadoras que caçam em bando, o que inclui primatas e, por consequência, seres humanos.

Humanos são animais de grupo. Por um lado, revelam-se como altamente cooperativos, sensíveis a ações injustas e, na maioria das vezes, amantes da paz. Por outro lado, agem por incentivo, de maneira a atentar, por exemplo, para o status pessoal, limites do território e a segurança de suas fontes de alimento. Ou seja, há tanto um aspecto social quanto um aspecto egoísta na espécie humana. Uma sociedade que ignora essas tendências, assevera de Waal, não pode ser tomada como ideal. Assim, se “o homem é o lobo do homem”, ele o é em todos os sentidos, e não apenas no negativo. A humanidade não teria sobrevivido até os dias de hoje se os seus ancestrais fossem seres socialmente indiferentes e distantes.

Ainda no capítulo inicial, de Waal propõe-se a discutir e refutar três mitos referentes aos seres humanos e suas relações sociais em geral. O primeiro deles é o de que os ancestrais dos atuais seres humanos governavam abertamente a savana africana. Conforme esclarece de Waal, embora os antepassados da espécie humana se encontrassem em uma posição bem mais elevada do que a maioria dos outros primatas na cadeia alimentar, eles estavam muito longe do topo. Eles provavelmente deveriam ter vivido em contínuo terror de outros animais predadores, como hienas gigantes ou tigres-dente-de-sabre. Em decorrência disso, os ancestrais humanos tinham de se contentar com horários de caça secundários.

O segundo mito debatido por de Waal está intimamente ligado à questão da segurança – a primeira e principal razão para a vida social. O mito em pauta concerne à ideia de que a sociedade humana foi erigida voluntariamente por seres humanos autônomos. Em outros termos, os seres humanos são animais inteligentes que decidiram abrir mão de algumas de suas liberdades individuais para adotar uma vida em comunidade. De acordo com essa perspectiva, os ancestrais humanos levavam vidas descompromissadas de modo a não precisar uns dos outros. Porém, por serem criaturas altamente competitivas, o custo dos sucessivos conflitos entre si se tornou insustentável. Assim, a vida em sociedade se revelou como uma solução sensata.

Para de Waal, essa forma de perceber as relações sociais entre seres humanos é um mero resquício de um pensamento pré-darwiniano, o qual está assentado sobre uma visão completamente equivocada da espécie humana. Do mesmo modo que ocorre para muitos outros mamíferos, os diferentes ciclos da vida humana abrangem estágios nos quais os seres humanos dependem uns dos outros. A espécie humana descende de uma longa linhagem de primatas que viviam em grupos e que apresentavam um elevado grau de interdependência. A necessidade de segurança moldou tanto a vida social de humanos quanto a dos demais primatas. A predação, por exemplo, é um fenômeno que força os indivíduos a se unirem. Deveras, pode-se dizer que quanto mais vulnerável é uma espécie, maiores são as agregações entre seus integrantes. Esse, segundo de Waal, é o real ponto de partida para problematizações acerca da sociedade humana; e não abordagens fundamentalmente desvinculadas da realidade biológica e evolutiva, as quais retratam os seres humanos como criaturas exageradamente livres e destituídas de quaisquer obrigações sociais.

O terceiro mito a ser explorado é o de que a espécie humana tem travado guerras desde os seus primórdios. Ou seja, a agressão é compreendida como a marca registrada da humanidade – a belicosidade estaria escrita no DNA humano. Como expõe de Waal, essa perspectiva se tornou bastante popular após as devastações resultantes da Segunda Guerra Mundial. Os seres humanos passaram a ser tomados como “símios assassinos” quando comparados a outros primatas – que eram vistos como “pacifistas”. O estadista britânico Winston Churchill (1874 – 1965), por exemplo, acreditava que, salvo alguns breves momentos de paz, a guerra é ininterrupta nesse mundo. Segundo de Waal, essa é outra visão que se afasta enormemente da realidade humana.

Embora existam evidências arqueológicas de que os primeiros assassinatos individuais entre membros da espécie humana tenham sucedido há centenas de milhares de anos, o mesmo não é válido para quaisquer possíveis morticínios em larga escala ocorridos antes da revolução agrícola. Como argumenta de Waal, em decorrência das interdependências entre grupos, os ancestrais da espécie humana provavelmente nunca entrariam em uma guerra de grandes proporções até terem acumulado uma considerável soma de valores por meio da agricultura. Tal estratégia resultaria em mais espólios após ofensivas a grupos rivais. Em última instância, de Waal sugere que, para os ancestrais humanos, a guerra sempre se apresentou como uma opção. Muito possivelmente, eles seguiam um modelo similar aos das atuais tribos caçador-coletoras, i.e., intercalar longos períodos de paz com breves momentos de disputa violenta – uma abordagem que visivelmente contradiz o pensamento churchilliano.

No segundo capítulo, de Waal concentra seus esforços na construção de uma crítica ao darwinismo social. Este se caracteriza por ser uma tentativa de aplicar certos conceitos e princípios de ordem biológica para explicar e justificar a superioridade de determinados indivíduos em contextos sociais ou políticos. A vida é descrita como uma contínua batalha. Aqueles que podem perseverar não deveriam ser obstruídos por outros que não possuem o que é necessário para sobreviver. A gênese de tal posicionamento pode ser traçada, mais notavelmente, aos escritos do filósofo inglês Herbert Spencer (1820 – 1903). Ele foi o formulador original da ideia de “sobrevivência do mais apto”, a qual ainda hoje permanece sendo erroneamente referida a Charles Darwin (1809 – 1882).

No tocante ao darwinismo social, sentimentos como a compaixão, ou outras demonstrações empáticas não são bem vistos. Isso porque comportamentos altruístas supostamente impedem que a natureza siga o seu curso. A caridade, bem como qualquer tentativa de buscar a igualdade social, por exemplo, são tidos como atos despropositados e/ou contraprodutivos. Nesse sentido, a pobreza é tomada como uma prova da preguiça daqueles que são afligidos por ela, e a justiça nada mais é do que uma marca da fraqueza de outrem. Assim, no entender de Spencer, o real intuito da natureza é extinguir aqueles que são percebidos como retardatários ou socialmente ineficientes e dar lugar a algo ou alguém melhor.

Para de Waal, no entanto, o darwinismo social é fundamentalmente problemático, pois é inviável deduzir os objetivos da sociedade a partir dos objetivos da natureza. Em outras palavras, o darwinismo social incorre na chamada falácia naturalista, a qual denuncia a impossibilidade de extrair do atual estado das coisas como elas deveriam ser. Por exemplo, animais não-humanos comumente eliminam uns aos outros em larga escala, porém não é possível extrair disso a conclusão de que os seres humanos também devem fazê-lo. Da mesma forma, se os membros de outras espécies vivessem em plena harmonia, disso também não se seguiria que os seres humanos teriam uma obrigação de agir de modo igual. A natureza, afirma de Waal, pode oferecer informação, assim como inspiração, porém não prescrição.

Ainda no segundo capítulo, e seguindo na esteira de objeções ao darwinismo social, de Waal passa a criticar a teoria do “gene egoísta”. Esta foi popularizada pelo etólogo e biólogo evolutivo Richard Dawkins. De acordo com a visão da evolução centrada nos genes pleiteada por Dawkins, os organismos devem ser entendidos como “veículos”, ao passo que os “condutores” seriam os genes. Em outras palavras, uma vez que a evolução adaptativa ocorre através da competição e propagação dos genes, estes constroem organismos que agem como “máquinas de sobrevivência”, cuja função é possibilitar a perpetuação dos genes nas futuras gerações. Dawkins cunhou a metáfora do “gene egoísta” para explicar a ideia de que os genes que serão replicados nas gerações seguintes são aqueles cujos efeitos concernem aos seus interesses implícitos – i.e., serem replicados e permanecerem no pool gênico. Isso significa que a evolução não estaria centrada em indivíduos específicos ou grupos, mas sim nos genes. Todavia, na opinião de de Waal, a metáfora criada por Dawkins para explicar a teoria da seleção genética acabou gerando mais mal do que bem para o campo da biologia.

Como de Waal faz questão de esclarecer, genes são simplesmente pedaços de DNA que não podem ser mais “egoístas” do que um rio pode ser “furioso”. É preciso ficar entendido que quando os genes são descritos como “egoístas”, isso não diz absolutamente nada acerca das reais motivações de humanos ou não-humanos. Há uma separação entre aquilo que guia a evolução e aquilo que norteia o verdadeiro comportamento dos indivíduos. Deveras, alguns comportamentos – os quais incluem a realização de ações notavelmente compassivas ou altruístas – podem ser produzidos por genes selecionados para salvaguardar os seus portadores (vulgo “veículos”). Ademais, é necessário salientar que a contínua discussão de biólogos sobre a temática da competição não implica que esses pesquisadores advoguem em prol dela como um norteador aceitável do comportamento em sociedade. Similarmente, quando esses mesmos biólogos descrevem os genes como “egoístas”, isso não significa que eles, de fato, o sejam. Nesse sentido, a metáfora elaborada por Dawkins mostrase bastante problemática. Isso porque ao adicionar um termo de ordem psicológica a uma discussão sobre evolução genética, dois níveis distintos que os biólogos constantemente lutam para manter separados acabam chocando-se. Tal colisão forçada resulta no obscurecimento da distinção entre genes e motivação, o que leva a posturas cínicas acerca dos comportamentos de humanos e não-humanos.

Como sugere de Waal, mesmo que uma dada característica biológica tenha evoluído por determinada razão, isso não significa que ela não possa ser utilizada diariamente para outras finalidades. Por exemplo, o ato de oferecer ajuda a outros evoluiu para satisfazer interesses pessoais – o que, de fato, é realizado quando o alvo do auxílio é um familiar ou um membro do grupo que possa reciprocar o favor futuramente. Todavia, isso não quer dizer que humanos e não-humanos somente prestam ajuda por motivos egoístas. As razões para a evolução desse modo de agir não restringem, necessariamente, as ações do agente. Embora esse indivíduo siga dada tendência, certas vezes ele pode fazê-lo sem receber nada em troca. Alguns exemplos disso são o comportamento sexual humano que, em incontáveis situações, não tem como objetivo a reprodução; o mesmo pode ser dito da adoção de outros indivíduos que não fazem parte da própria prole – algo observado em diversas espécies.

No terceiro capítulo, de Waal trata do surgimento da empatia. Segundo ele, esta primeiramente se apresenta na forma de sincronização de corpos. Por ‘sincronia’ entende-se a imitação de certos movimentos corporais como rir, chorar, bocejar, etc. O riso, por exemplo, é uma expressão humana universal e inata que frequentemente indica bem-estar. As primeiras risadas acontecem entre mãe e filho e simbolizam apreciação mútua. Em outros primatas, por sua vez, o riso ocorre como uma reação à surpresa ou incongruência – como quando a mãe cutuca a barriga de seu filhote com seus dedos compridos. O riso, por ser contagiante, reflete a sensibilidade do indivíduo aos demais. De acordo com de Waal, sincronia é a forma mais antiga de ajustamento aos outros. Sincronizar-se implica ser capaz de reconhecer o próprio corpo no corpo do outro e fazer dos movimentos deste os seus movimentos. Isso explica o fato de que o riso ou o bocejo de alguém é capaz de fazer outros rirem ou bocejar. Além disso, ser capaz de se conectar aos demais e se ajustar aos seus movimentos é vantajoso em termos de sobrevivência – e.g., um pássaro que foge de um possível perigo ao levantar voo quando outros pássaros voam em disparada.

Reconhecer o próprio corpo no corpo do outro (body-mapping) é algo que inicia bastante cedo e continua se mostrando como um fenômeno profundamente enigmático. Quando um adulto mostra a língua para um bebê, por exemplo, este tende a responder fazendo o mesmo. O enigma é: como o bebê sabe que sua língua, a qual ele nem consegue ver, corresponde ao músculo carnudo que se encontra entre os lábios do adulto? Mais misteriosos ainda são os casos de body-mapping entre diferentes espécies. Em um estudo, golfinhos sem nenhum tipo de treinamento imitavam pessoas perto de uma piscina: quando um homem abanava os braços, o golfinho respondia abanando suas nadadeiras; quando o homem levantava uma perna, o golfinho levantava a calda acima da água. A questão de como o cérebro corretamente reconhece as partes do corpo de outra pessoa como partes do seu próprio corpo é conhecido como o ‘problema da correspondência’. Segundo de Waal, identificação é o que atrai um indivíduo e o faz adotar as emoções e comportamentos daqueles que se encontram próximos. Em outras palavras, quando há identificação entre um corpo e outro, há empatia e, consequentemente, imitação. Essa, por sua vez, possui um papel fundamental no fortalecimento de vínculos. Estudos indicam que, em situações românticas, imitar os movimentos do parceiro, como cruzar as pernas quando o outro cruza ou segurar o copo quando o outro o faz, gera conexão, o que aumenta as chances de o encontro prosperar. Além disso, pesquisas mostram que garçons que repetem o pedido do cliente recebem duas vezes mais gorjetas do que aqueles que apenas exclamam “É pra já!”

Como relembra de Waal, humanos adoram o som do seu próprio eco. Ainda assim, o modo como o corpo de um indivíduo – seja sua voz, seu humor, sua postura, etc. – é influenciado por aqueles corpos que o cercam permanece um mistério. Interessantemente, tal enigma é justamente o que mantém sociedades inteiras conectadas. O psicólogo alemão Theodor Lipps (1851 – 1914) foi o primeiro a reconhecer que há algo como um canal que conecta as pessoas entre si. As experiências de um indivíduo podem ecoar dentro de outra pessoa de modo que essa as sinta como se fossem suas. Como quando ela observa em suspense um acrobata caminhando sobre um cabo de aço e reage com apreensão a cada deslize. Tal conexão involuntária de emoções começou a ser pesquisada em 1990 pelo psicólogo sueco Ulf Dimberg. A fim de registrar os movimentos musculares mais sutis, Dimberg colocou eletrodos na face de seus voluntários e exibiu fotos de rostos raivosos e felizes na tela de um computador. Os participantes franziam as sobrancelhas em resposta às imagens de rostos raivosos e esticavam o canto da boca em resposta a rostos felizes. Um resultado similar foi obtido em outro teste, onde as mesmas fotos foram apresentadas em alta velocidade, de modo que os participantes não pudessem percebê-las conscientemente. Aqueles que foram expostos a rostos felizes relataram ter se sentido melhor do que aqueles que observaram rostos raivosos. Como a pesquisa de Dimberg sugere, humanos não decidem, necessariamente, ser empáticos; eles simplesmente o são.

A descoberta dos neurônios-espelho, em 1992, impulsionou a perspectiva acima mencionada. Um experimento realizado em macacos revelou que esses possuem células cerebrais especiais, as quais disparam quando o macaco agarra um objeto e também quando ele vê outro fazendo o mesmo. Em outras palavras, tais neurônios não diferenciam o ato “macaco faz” do ato “macaco vê”. Por conseguinte, também não fazem distinção entre ‘si mesmo’ e o ‘outro’. Como destaca de Waal, tal descoberta fornece um primeiro indício do papel do cérebro no reconhecimento das emoções e do comportamento alheio. Ademais, ela igualmente fragiliza as afirmações de que a empatia concerne unicamente aos seres humanos. De acordo com de Waal, ‘empatia’, entendida como o ato de projetar-se no outro, pode ser regulada através de atenção seletiva e identificação. Ou seja, um indivíduo pode optar por ignorar o que lhe causa desconforto e se identificar apenas com aqueles que lhe são semelhantes – familiares, amigos, pessoas do mesmo sexo, da mesma religião, etc. de Waal salienta que identificação é tão fundamental para que haja empatia que até mesmo ratos de laboratório compartilham a dor de seus companheiros de jaula. Em termos gerais, enquanto a presença de identificação abre a porta para a empatia, sua ausência a fecha.

Ainda no terceiro capítulo, de Waal apresenta as duas principais respostas ao problema de como as emoções alheias afetam um indivíduo. Uma primeira sugestão é a de que o corpo afeta as emoções. Estudos revelam que o humor de um indivíduo pode ser melhorado pelo simples ato de esticar os cantos da boca. Em contraste, pessoas que assistem a desenhos animados com as sobrancelhas franzidas, por exemplo, tendem a julgá-los menos engraçados do que aquelas que assistem forçando um sorriso (mordendo um lápis horizontalmente sem encostar nos lábios). Outra sugestão é a de que o corpo é afetado pelas emoções. Ao observar a linguagem corporal de uma pessoa, um indivíduo é capaz de deduzir o estado emocional dela, o que, por seu turno, acaba por afetar as suas próprias emoções. Apesar da linguagem corporal ser um fator crucial para que haja contágio emocional, é o rosto que possibilita a conexão mais rápida com o outro. Pesquisas revelam que pessoas tendem a se afastar de indivíduos que apresentam paralisia facial, ao passo que esses, muitas vezes, se sentem profundamente sozinhos e depressivos, podendo chegar a beira do suicídio. Como de Waal faz questão de enfatizar, a empatia precisa de um rosto. Pode-se dizer, então, que expressões faciais pobres geram um entendimento empático pobre.

No quarto capítulo, de Waal fornece uma distinção entre ‘empatia’ e ‘simpatia’. Segundo ele, ‘empatia’ é um processo através do qual um indivíduo é capaz de apreender informações a respeito do estado emocional de outros seres. ‘Simpatia’, por sua vez, envolve preocupação com o outro, geralmente acompanhada do desejo de melhorar a sua situação. de Waal ressalta que ‘simpatia’ é comum não apenas a humanos, mas também a não-humanos. Outros primatas, em especial, são muito sensíveis ao sofrimento alheio e tendem a oferecer ajuda àqueles que precisam. Uma demonstração de simpatia comum em grupos de chimpanzés se dá na forma de consolo. Após brigas entre chimpanzés, é comum que a vítima de uma agressão receba a visita de algum amigo ou familiar que irá oferecer abraços, inspecionar cuidadosamente os seus ferimentos ou praticar catação (social grooming) – i.e., o ato de remover piolhos e outros parasitas do pelo. De acordo com de Waal, oferecer conforto através de contato físico faz parte da biologia dos mamíferos. No entanto, a motivação por trás de tal ato não está inteiramente clara. Uma hipótese é a de que ao consolar outros busca-se, em realidade, o próprio conforto. Por exemplo, uma pessoa que, por sentir-se aflita com o choro de alguém, oferece consolo para tranquilizar a si mesma. Crianças pequenas e alguns não-humanos também são frequentemente atraídos a indivíduos cuja a agonia os afeta – de Waal chama essa atração cega de ‘preconcern’. Outras demonstrações de simpatia ocorrem na forma de “ajuda direcionada” (targeted helping) – i.e., quando a ajuda é voltada à situação específica de outros. de Waal oferece o exemplo da bonobo Kuni que, ao encontrar um pássaro preso em sua jaula no zoológico, levou-o ao ponto mais alto de uma árvore, abriu suas asas e o soltou no ar. de Waal também distingue empatia e simpatia do que ele chama de perspective-taking: tomar a perspectiva de alguém, o que envolve buscar saber e entender o que o outro pensa, acredita ou sente. Tal capacidade é altamente desenvolvida em animais com cérebros grandes, mas também pode ser encontrada em animais com cérebros menores.

Ainda no quarto capítulo, de Waal trata da questão do altruísmo, comportamento esse que, segundo ele, não existiria sem a capacidade de empatia.  Embora haja incontáveis histórias e casos de sacrifício humano, o heroísmo, por exemplo, não é uma característica exclusivamente humana. Há numerosas evidências acerca dessa forma de altruísmo em outras espécies de primatas. Casos comuns são os de chimpanzés que, apesar de hidrófobos, arriscam a própria vida ao tentar socorrer companheiros se afogando. Como explica de Waal, altruísmo, em geral, exige esforço. Porém, há também o chamado ‘altruísmo de baixo custo’ – i.e., quando é possível ajudar outros sem muito esforço (e.g., dar carona ou segurar a porta aberta para alguém). Ser atencioso com outros indivíduos implica entender como o próprio comportamento afeta os dos demais, o que, por sua vez, requer empatia e perspective-taking. Tal assistência de baixo custo pode ser igualmente observada em distintas espécies de primatas e se dá na forma de catação e social scratching – i.e., o ato de coçar vigorosamente as costas de outros indivíduos.

No quinto capítulo, de Waal aborda a relação entre empatia e a capacidade de um indivíduo de se reconhecer no espelho. Segundo de Waal, não se pode conceber a ideia de empatia em sua forma mais avançada sem uma noção de ‘si mesmo’. Sem essa noção em particular não seria possível distinguir o próprio sofrimento do sofrimento dos demais. Uma maneira de testar se um indivíduo possui uma noção de si mesmo é observar o seu comportamento diante de um espelho. Tal teste consiste em marcar um lado da face do participante com tinta ou maquiagem colorida e observar as suas reações. Crianças a partir de dois anos de idade, outros primatas, elefantes e golfinhos respondem ao teste inspecionando cuidadosamente a marca em seus corpos e tentando removê-la quando possível. O teste do espelho é relevante, pois expõe como um indivíduo se posiciona no mundo, o seu jeito de se relacionar com os outros, e sua capacidade para tratar situações alheias como distintas da sua. A hipótese de que há uma relação entre se reconhecer no espelho e ser capaz de empatia e ajuda direcionada é chamada por de Waal de ‘hipótese da co-emergência’.

Para de Waal, indivíduos que se identificam no espelho apresentam a tendência em ajudar tanto aqueles que pertencem a sua própria espécie quanto a membros de outras. Há inúmeros casos de assistência interespécie. Um exemplo bastante popular é o de nadadores humanos salvos por golfinhos ou baleias. Interessantemente, embora entendam e utilizem espelhos para encontrar comida, macacos tendem a reprovar no teste do espelho. A partir disso, de Waal sugere a existência de diferentes níveis de entendimento de um espelho. O fato de macacos nunca confundirem o seu próprio reflexo com o reflexo de outros macacos sugere que a imagem deles mesmos no espelho não lhes é estranha. Além disso, embora macacos pareçam não serem capazes de tomar a perspectiva de outros indivíduos e identificar as suas necessidades, eles compartilham da aflição alheia e, em raras ocasiões, ajudam uns aos outros.

O ato de apontar para objetos como forma de compartilhar informação é outra temática discutida por de Waal no quinto capítulo. Tal gesto depende da capacidade de tomar a perspectiva alheia e reconhecer que o outro não possui a mesma perspectiva nem a informação que se está querendo passar. Humanos não são os únicos animais que esticam o braço e apontam com o dedo para objetos aos quais se quer chamar a atenção. Outros primatas também são especialistas em suscitar a atenção alheia, muitas vezes sem nem precisar apontar – de Waal conta como o chimpanzé Nikkie mantendo apenas contato visual e movimentando a cabeça comunicou que ele queria os frutos que se encontravam atrás de de Waal. Tal exemplo contraria a ideia de que apenas indivíduos dotados de uma linguagem sofisticada são capazes de compartilhar informação e expressar as suas necessidades.

No sexto capítulo, de Waal investiga as origens e principais características do senso de justiça (fairness) comum aos seres humanos. Ele nota um aspecto bastante curioso da espécie humana como um todo; embora erijam e tomem parte de complexas estruturas sociais, humanos tendem a renegá-las sempre que seus interesses e bem-estar próprios estão em risco. Diferenças de status e hierarquias sociais são toleradas apenas até certo ponto. Quando determinado limite é cruzado, humanos frequentemente abdicam de tais construtos e se rebelam contra aqueles que os prejudicam sem uma boa causa. Segundo de Waal, esse senso de justiça – de receber o que lhe é devido – está fortemente arraigado num igualitarismo que perpassa a história da espécie humana inteira. Estudos antropológicos conduzidos pelo pesquisador norte-americano Christopher Boehm revelam como comunidades tribais regulam os seus níveis de hierarquia internos. Perda de respeito e apoio são as principais reações comunais a líderes que optam por não cumprir as suas funções adequadamente – e.g., ao engradecerem a si mesmos em detrimento dos integrantes de seus grupos, distribuírem bens materiais de forma inapropriada, governarem por meio de intimidação e medo, etc. O apreço e anseio dos seres humanos por um tratamento justo pode ser observado em todos os tipos de sociedades. Porém, a despeito do que tem sido tradicionalmente tomado como fato entre intelectuais, humanos não são os únicos animais que demonstram um senso de justiça. Em realidade, esse traço social possui profundas raízes evolutivas, as quais são partilhadas com uma variedade de outras espécies. No intuito de construir uma defesa convincente dessa visão, de Waal passa a examinar o tema da confiança entre indivíduos – o que ele entende como sendo um dos elementos fundamentais do senso de justiça comum a humanos e não-humanos.

Confiança é um fator-chave para relações sociais. Como descreve de Waal, confiar em alguém implica, primeiramente, em contar com a sua fidelidade ou cooperação e, num sentido ainda mais básico, na simples expectativa de que esse indivíduo não irá agir de má-fé e lhe passar a perna ou deixar na mão. O cultivo e estabelecimento de confiança ajuda a expandir o círculo de atuação dos indivíduos, o que, por sua vez, os prepara para múltiplos tipos de colaboração. Para que isso possa ocorrer, no entanto, experiências passadas são comumente empregadas em considerações acerca de quem é confiável ou não – experiências essas que podem ser generalizadas dependendo do alvo da reflexão. Isso não significa, necessariamente, que todo e qualquer indivíduo deva ser testado antes de uma ação conjunta. Se assim fosse, conjectura de Waal, jamais alguém seria capaz de alcançar qualquer coisa. Confiança é o elemento que mantém diferentes sociedades unidas – sejam essas altamente complexas ou rústicas. Aborígenes, por exemplo, constantemente espalham veneno em suas flechas e as escondem nas árvores mais altas, longe do alcance de crianças. As suas armas são tratadas com bastante seriedade. Uma comunidade na qual os seus integrantes estão sempre dispostos a utilizá-las dificilmente encontraria qualquer coesão social duradoura. A importância da confiança para a construção e manutenção de vínculos cooperativos não está restrita a relações humanas. O ato de confiar no outro é fundamental para inúmeras espécies sociais.

Há uma profusão de cenários retratando relações de confiança entre não-humanos, sejam esses de uma mesma espécie ou de espécies distintas. Um dos exemplos mais conhecidos na literatura científica é o dos “peixes limpadores” que mantêm uma relação de perfeito mutualismo com outros não-humanos. Peixes limpadores mordiscam ectoparasitas e tecidos mortos da superfície do corpo e, algumas vezes, do interior da cavidade bucal de peixes maiores. Eles confiam que os indivíduos para os quais prestam esse serviço não irão devorá-los vivos. Por sua vez, os “peixes clientes” igualmente confiam que a criatura nadando dentro de sua boca não irá abocanhar mais do que o devido e se alimentar de tecidos saudáveis. Quando isso ocorre, todavia, alguns peixes limpadores tentam restaurar a confiança de seus clientes fazendo cócegas ao massageá-los com suas barbatanas dorsais. Isso geralmente tranquiliza os peixes maiores, o que permite a continuidade e conclusão da limpeza. Certos peixes limpadores acabam se ocupando tanto com os seus clientes que esses chegam a formar filas para serem atendidos.

Outro componente basilar do senso de justiça comum a humanos e não-humanos é reciprocidade. Retornar favores e demonstrar gratidão são engrenagens cuja atuação silenciosa torna possível diversos aspectos da vida em comunidade. Quem exibe uma tendência a não retribuir a gentileza ou não reconhecer a ajuda de outrem acaba sendo mal visto em agregados sociais. Em situações nas quais é possível escolher entre colaborar com uma pessoa que apresenta um histórico de correspondência ou alguém que tem o costume de tirar vantagem da generosidade alheia, o último é frequentemente rejeitado. Quando se trata de cooperação, penalizações sociais sérias raramente são aplicadas àqueles que ficam aquém do desejado. Entretanto, esses indivíduos tendem a ser “punidos” por seus pares em estudos psicológicos conduzidos em laboratório. Tal apreço pelo ato de reciprocar é igualmente partilhado com outras espécies de animais. Morcegos-vampiros, por exemplo, adotam um sistema de companheirismo centrado em parcerias mutualmente vantajosas. Uma vez que não podem ficar nem um único dia sem se alimentar, morcegos-vampiros dividem o risco trabalhando em pares. Se por alguma razão um dos membros do par não conseguir encontrar uma presa, o outro irá lhe regurgitar um pouco de sangue na boca ao final da noite. Sempre que o cenário inverte, o gesto é reciprocado. Chimpanzés, por sua vez, demostram comportamentos ainda mais conscientes e propositados acerca de atos recíprocos. Por exemplo, chimpanzés machos geralmente não gostam de lidar com filhotes. Porém, eles irão acariciá-los e coçá-los caso isso os ajude a conquistar o apoio de um maior número de fêmeas e manter e/ou adquirir poder em sua comunidade. de Waal compara esse comportamento com a prática de candidatos políticos que, no intuito de angariar votos, levantam bebês acima da cabeça em frente de seus pais e outros possíveis eleitores.

Quando alguém se revela indigno de confiança e apresenta uma tendência a não retornar favores ou demonstrar gratidão, ele passa a ser alvo do ressentimento alheio. Porém, esse indivíduo também é mal visto quando recebe mais do que lhe é devido no que seria considerada uma divisão justa; essa “aversão à iniquidade” tem sido tradicionalmente tomada como outro comportamento exclusivo dos seres humanos. Para de Waal, entretanto, ela é igualmente comum a múltiplas espécies não-humanas. Chimpanzés novamente, por exemplo. Após uma caçada bem-sucedida, membros de um grupo de chimpanzés garantem o seu quinhão a partir de seu papel na empreitada. Aqueles que não tiveram grande participação ganham apenas porções pequenas. Nem mesmo os machos mais dominantes fogem à regra. Caso não tenham ajudado ativamente, eles receberão o mínimo, ou sequer coisa alguma. Embolsar mais do que o merecido é sempre uma manobra arriscada, pois pode resultar em agressões – especialmente se o ato for realizado em frente aos demais. de Waal relata o caso de uma bonobo fêmea que, ao ser testada em um laboratório de cognição, recebeu uma recompensa muito maior de leite e passas de uva do que os seus companheiros. Após perceber os olhares dos outros bonobos à distância, ela recusou a comida e gesticulou em direção aos demais até que boa parte dos petiscos fosse dividida com eles. Somente após isso ela consumiu a sua porção. Caso tivesse agido de outra maneira e mantido todos os alimentos para si, a bonobo certamente iria correr um grande perigo quando retornasse ao seu grupo mais tarde.

Confiança, reciprocidade, igualdade; são os principais elementos do senso de justiça comum a humanos e não-humanos. Naturalmente, seres humanos tratam questões de justiça de uma forma muito mais sofisticada e ampla que os outros animais. Reflexões acerca daquilo que é justo em sociedades humanas quase sempre vão além de meros interesses pessoais e ressentimento. Interesses alheios também são levados em consideração. de Waal está ciente disso. Porém, como ele faz questão de enfatizar, o senso de justiça humano não se origina em pretensões de imparcialidade ou numa preocupação com o outro, a qual transcende interesses pessoais. As suas reais raízes são partilhadas, em maior ou menor grau, com inúmeras outras espécies animais – o que tem ficado cada vez mais claro a partir das contínuas descobertas dos atuais estudos etológicos.

No sétimo e último capítulo, de Waal oferece uma abordagem da empatia. Segundo ele, empatia é uma capacidade inata que se manifesta em áreas do cérebro as quais possuem centenas de milhões de anos. de Waal propõe que a empatia pode ser melhor entendida como uma boneca russa, i.e., formada por diferentes camadas. No núcleo encontram-se processos automáticos, como a tendência de imitar a linguagem corporal e o estado emocional dos outros. Ao redor desse núcleo, a evolução foi adicionando camadas cada vez mais sofisticadas, tal como a capacidade de se preocupar com os demais, tomar a sua perspectiva e entender o que buscam e/ou precisam. As reações emocionais humanas mais complexas partilham dos mesmos processos básicos que as reações presentes em uma grande variedade de espécies. Ao tomar ‘empatia’ como uma capacidade antiga, inata e composta de diferentes níveis de complexidade, de Waal reconhece que animais não-humanos também são capazes de empatizar. Porém, ainda há uma grande resistência por parte de cientistas em aceitar que a empatia não é uma característica exclusivamente humana. Tal relutância, de Waal acredita, está mais relacionada a crenças religiosas do que com dogmatismo científico per se –  sobretudo religiões que surgiram em comunidades sem qualquer contato com outras espécies de primatas. de Waal nota ainda que mesmo aqueles que reconhecem seres humanos como simples produtos da evolução persistem em procurar por alguma anormalidade, i.e., uma característica especial que vá diferenciar humanos dos demais animais. Quando se trata de apontar para características humanas indesejáveis, todavia, continuidade nunca é um problema; os genes humanos são logo culpados e a espécie inteira é rapidamente comparada a outras que demonstram traços similares.

Embora a empatia seja uma capacidade inata, de Waal observa que é possível escolher não empatizar. Empatia ocorre facilmente quando há identificação, i.e., quando se trata de indivíduos que fazem parte do mesmo círculo, sejam eles familiares, amigos, parceiros, ou quaisquer outros que partilhem dos mesmos gostos, crenças, etc. Fora desse círculo, a empatia é opcional. Como explica de Waal, tal fenômeno ocorre da seguinte maneira. Primeiramente, suprime-se a identificação com grupos de indivíduos desconhecidos ou inimigos ao desconsiderar a individualidade dos participantes do grupo. Após isso, esses indivíduos são classificados como “inferiores” – e.g., nazistas referiam-se a judeus como “ratos” ou “pestes”. Ademais, enquanto não empatizar com aqueles que são considerados inimigos ou competidores possa resultar em diferentes formas de discriminação, manipulação e agressão, a capacidade de tomar a perspectiva alheia também pode ter fins destrutivos. O ato de torturar alguém, por exemplo, requer saber em certa medida o que os outros pensam e sentem. Psicopatas são particularmente hábeis em apreender as intenções e interesses alheios – ainda que sejam incapazes de compartilhar do sofrimento de outrem.

A investigação de de Waal sobre a empatia é enriquecida com comentários sobre Mencius (372 a.C. – 289 a. C.), o sábio chinês que há mais de dois milênios refletiu sobre a origem do ato de empatizar. Mencius foi o primeiro a notar que a empatia depende de conexões corporais. Em uma de suas histórias, um rei observou um boi com aparência amedrontada passar por seu palácio. Ao descobrir que o boi estava a caminho de ser morto em uma cerimônia, o rei ordena que ele seja poupado e uma ovelha seja sacrificada em seu lugar. Mais precisamente, o rei partilhou do sofrimento do boi que estava em sua frente e, por essa razão, optou que outro ser, com o qual ele jamais teve qualquer contato, fosse abatido e ofertado. Essas conexões corporais que pressupõem contágio emocional explicam a dificuldade de empatizar com desconhecidos ou aqueles que estão ausentes. Como de Waal explica, a empatia é uma capacidade construída sobre proximidade, similaridade e familiaridade, uma vez que evoluiu para promover a cooperação entre indivíduos do mesmo grupo.

Por último, de Waal faz questão de pontuar que embora a maioria dos seres humanos viva em grandes sociedades, onde é difícil manter igualdade e solidariedade, eles ainda assim possuem uma psicologia que os motiva a buscar tais princípios. de Waal alude à noção de “mão invisível do mercado” de Adam Smith (1723 – 1790) para defender que uma sociedade puramente baseada em motivos egoístas e forças do mercado não é capaz de produzir unidade e confiança entre seus cidadãos. A sociedade igualmente depende de uma “segunda mão invisível”, i.e., uma que aproxime os indivíduos. Para de Waal, o sentimento de que humanos não deveriam ser indiferentes uns aos outros (caso realmente queiram construir uma comunidade verdadeira) é a força que subjaz a sua conduta para com os demais. Ele acredita que é preciso confiar no intelecto humano para descobrir novas maneiras de equilibrar interesses coletivos e individuais. Além disso, há de se fazer uso de uma ferramenta adicional para enriquecer e engrandecer a forma como humanos pensam e agem. Tal instrumento foi selecionado pela evolução ao longo dos anos e testado repetidas vezes no que diz respeito ao seu valor de sobrevivência. Trata-se da empatia: a capacidade de se conectar e entender os outros e fazer da situação deles a sua própria. A partir disso tudo, de Waal reitera, conclusivamente, que recorrer a essa capacidade inata seria vantajoso a qualquer sociedade.

Para encerrar, algumas considerações estilísticas acerca de The Age of Empathy como um todo. Os leitores com uma formação analítica tradicional podem achar, ao menos por vezes, a escrita de de Waal incômoda. Embora de Waal consiga expor cenários e ocorrências de maneira detalhada e vívida, ele frequentemente passa de um assunto a outro sem finalizar argumentos e racionalizações prévias. Isso acaba por forçar os leitores a ponderar sobre o real propósito de alguns dos casos introduzidos, o que interrompe o fluxo da leitura desnecessariamente. Em contrapartida, de Waal oferece uma ferramenta interpretativa adicional. No decorrer dos sete capítulos do livro, é possível encontrar diversas ilustrações que remetem às múltiplas situações e temáticas discutidas. Todas as ilustrações foram feitas pelo próprio de Waal, o que torna a experiência de percorrer o texto muito mais íntima e agradável. Em certa medida, por meio desses desenhos, os leitores acabam por experienciar as impressões de de Waal sobre os tópicos tratados de uma maneira bastante peculiar – i.e., através dos olhos do autor. Por razões óbvias, essa é uma abordagem muito oportuna para uma obra que considera o tema ‘empatia’.

Notas

1 O tópico ‘empatia’ vem sendo tão abordado (seja direta ou indiretamente) em grandes filmes internacionais que alguns críticos de cinema têm se referido a 2016 como “um ano de empatia”: <http://www.craveonline.com/entertainment/1178765-year-empathy-16-best-movies-2016>. Acesso em: 04/05/2017. Tal tema também é analisado de maneira ainda mais aprofundada em Empatía: Una historia sobre el respecto animal contada por un escéptico, documentário recém-lançado do diretor e escritor espanhol Ed Antoja: <http://documentalempatia.com/>. Acesso em: 04/05/2017.

2 O ex-presidente norte-americano Barack Obama, por exemplo, continuamente reforçou em suas falas a importância e necessidade de ações empáticas para a construção de um mundo mais tolerante e compassivo. Uma compilação de discursos e entrevistas em que Obama aborda a questão da empatia pode ser encontrada em: <http://cultureofempathy.com/Obama/VideoClips.htm>. Acesso em: 04/05/2017.

3 Frans de Waal ocupa os cargos de Charles Howard Candler Professor of Primate Behavior no Departamento de Psicologia de Emory University e Diretor do Living Links Center – Center for the Advanced Study of Ape and Human Evolution. Além de ter publicado inúmeros artigos em periódicos científicos, de Waal é autor/editor de mais de uma dúzia de livros. Maiores informações sobre de Waal e suas publicações podem ser encontradas em: <http://www.yerkes.emory.edu/research/divisions/developmental_cognitive_neuroscience/dewaal_frans.ht ml>. Acesso em: 04/05/2017.

Gabriel Garmendia da Trindad – University of BIrmingha, Grã-Bretanha.  Doutorando em Global Ethics no Centre for the Study of Global Ethics, Department of Philosophy, University of Birmingham. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6770358458457650.  E-mail: [email protected]

Ana Paula Foletto Marin – Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Mestre em Philosophy of Health and Happiness pelo Department of Philosophy, University of Birmingham. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8155173813323590.  E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[DR]