Antologia del Pensamiento Crítico Caribeño Contemporáneo (West Indies, Antillas Francesas y Antillas Holandesas) | Félix Valdés Garcia

O Caribe se constitui num imenso mosaico multidimensional (cultural, político, intelectual) marcado por uma ampla diversidade de dominações, colonizações, influências, resistências e reelaborações, que estão explicitadas em suas diversas denominações. Desta forma, uma parte da região, o Caribe hispânico é chamado de ‘El Caribe’, nas ilhas anglófonas é denominado de ‘West Indies ou The Caribbean’, na zona francesa é apontado como ‘Les Antilles’ ou ‘La Caraíbes’ e na área holandesa é designado como ‘Dansk Vestindien’.

Estas diferentes denominações demonstram o caráter uno e diverso da região, combinados dialeticamente, que explicitam, de uma ou outra forma, toda sua diversidade e potencialidade.

Desta forma, apesar de partilharmos com o Caribe uma história comum, que antecede a colonização européia, e dos laços históricos, econômicos e culturais desenvolvidos há séculos tal região e, principalmente, o pensamento crítico caribenho seguem ignorados ou apontados (ainda) pelo exotismo, já que a centralidade intelectual dos países do norte, principalmente em sua vertente anglo-saxã, continua condicionando nosso olhar e nossa reflexão sobre uma região tão próxima e, ao mesmo tempo, tão distante.

Sendo assim, pode-se afirmar que, apesar de alguns avanços, a maior parte da produção intelectual caribenha, e de seu pensamento crítico, segue desconhecida, com raras exceções, e a elaboração, as temáticas e concepções desenvolvidas por intelectuais caribenhos ainda se constitui num vasto campo a ser explorado e divulgado.

Neste sentido, esta obra se constitui num trabalho fundamental, e muito instigante, para o (re) conhecimento do pensamento crítico caribenho e seus laços com a realidade brasileira, principalmente das populações originárias e dos afrodescendentes, e a construção de alternativas para uma sociedade mais justa e equitativa.

A obra é parte integrante da série ‘Países’ da coleção de Antologías del Pensamiento Social Latinoamericano y Caribeño, publicada pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO)2, na qual já foram divulgadas a produção crítica contemporânea de Uruguai, Panamá, El Salvador, Nicarágua, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, México, República Dominicana, Peru, Paraguai e Venezuela, sendo que, em breve, novos volumes sobre outros países devem ser lançados.

A coleção é composta por cinco séries: Trayectorias, Países, Pensamientos Silenciados, Miradas Lejanas e CLACSO/SIGLO XXI (publicação conjunta), cujos textos podem ser considerados essenciais para conhecer e compreender o pensamento social latino-americano e caribenho, clássico e contemporâneo.

Desde o seu surgimento, CLACSO se tornou um espaço de reflexão autônoma das questões latino-americanas, de desenvolvimento do pensamento social e crítico e do compromisso com a superação da pobreza e desigualdade, através da construção de um caminho alternativo próprio. Neste sentido, as coleções produzidas realçam a importância desta para a construção e difusão do pensamento latino-americano3, procurando incentivar a produção própria, a compreensão autônoma e a construção de um caminho latino-americano para o desenvolvimento das ciências e, principalmente, das sociedades latino-americanas.

Este trabalho foi organizado pelo professor cubano Félix Valdés Garcia, membro da Cátedra sobre o Caribe da Universidade de Havana, da Associação de Estudos do Caribe (AEC) e do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO).

Esta obra, como a região retratada, é marcada pela diversidade de temáticas e perspectivas e se insere na dinâmica da coleção, procurando retratar uma ampla gama de autores e abordagens que possuem como fio condutor um pensamento crítico, alicerçado nas condições e desafios que a região enfrenta desde a colonização, apresentando tanto autores clássicos do pensamento caribenho como Frantz Fannon, Aimé Césaire, Eric Willians, Cyril Lionel Robert James, Edward Kamau Brathwaite e Maurice Bishop, como autores contemporâneos como Sir William Arthur Lewis, Kari Polanyi Levitt y Lloyd A. Best, Sylvia Wynter, Jean Bernabé, Patrick Chamoiseau e Raphaël Confiant.

Desta forma, o livro adquire uma coerência e uma relativa unidade, mesmo na diversidade, pois os autores apresentados conseguem demonstrar a profunda relação entre suas análises e a dinâmica social, política e econômica de seus países e região, produzindo um pensamento que procura contribuir para a transformação social, em suas diversas formas e movimentos, superando os colonialismos, em todas as suas manifestações e atualizações.

Além disto, o trabalho está marcado por uma abordagem multidisciplinar e pelo diálogo frutífero de um conjunto de correntes, relacionadas ao pensamento crítico, no qual se destacam três tradições. Primeiro, o pensamento marxista, utilizado de forma criativa e distanciado de dogmatismo e esquematismo, associado ao marxismo ocidental e, principalmente, ao impulso renovador e originário intentado pela Revolução Cubana e pelas releituras marxistas desenvolvidas na África e na América Latina ao longo das últimas décadas. Além dele, se destaca o pensamento negro, originário da diáspora africana, e sua releitura da colonização e da escravidão, bem como da condição dos negros no mundo contemporâneo, procurando resgatar suas raízes, originalidade e relevância para a superação da condição subalterna e subdesenvolvida.

Por fim, emergem os trabalhos que, mantendo um diálogo com as perspectivas anteriores, incorporam as contribuições do pensamento decolonial, anti-colonial ou póscolonial, procurando descontruir a modernidade eurocêntrica, suas lógicas e determinações, resgatando os diversos elementos (culturais, políticos, sociais, econômicos, religiosos, …) associados a negritude, as populações originárias e as mulheres, dentre outras, que nos permitem repensar a condição colonial e, principalmente, a dependência e o desenvolvimento (econômico e social) da região.

Neste sentido, podemos apontar que a obra pode ser analisada a partir de cinco eixos fundamentais, que se entrecruzam e se desdobram em inúmeras reflexões.

O primeiro eixo, que perpassa toda a obra, está associado a temática do colonialismo, tanto em sua dimensão temporal como nos efeitos políticos, econômicos e culturais, ao promover um quadro de dominação econômica, política e cultural, associado a colonialidade do saber e do poder nesta região e em toda a América Latina. Neste sentido, se destacam as análises, que podem ser consideradas clássicas, de Frantz Fanon (“Los condenados de la tierra”- fragmentos) e de Aimé Césaire (“Discurso sobre el colonialismo”) e o trabalho, mais recente, de Sylvia Winter (“1492: Una nueva visión del mundo”), embora os demais textos do livro possam ser considerados um desdobramento deste eixo primordial e continuem, a seu modo, discutindo tal temática.

O segundo eixo é caracterizado pelo debate sobre a dependência e a condição periférica dos estados caribenhos, além dos desafios para a criação de uma dinâmica efetiva de desenvolvimento econômico e social. Neste sentido, são apresentados os trabalhos de Eric Willians (“Capitalismo y esclavitud” y “El futuro del Caribe”), Kari Polanyi Levitt y Lloyd A.

Best (“Un enfoque histórico e institucional del desarrollo económico caribeño” y “Bosquejo de una teoría general de la economía del Caribe” e Sir William Arthur Lewis (“La agonía de las ocho”- Teoría para el desarrollo económico y social del Caribe), dentre outros.

O terceiro eixo, presente em boa parte dos trabalhos, é relacionado a questão da negritude e da condição ‘criolla’, discutidas em múltiplas dimensões, em que se destacam os elementos culturais e políticos. No primeiro caso, estão presentes trabalhos que revisam o tema da escravidão, em sua implicação social e cultural, analisam a emergência da noção de negritude, em sua relação com o pan-africanismo, e, mais recentemente, da noção de ‘creolidad’, destacando-se os trabalhos de Edward Kamau Brathwaite (“La criollización en las Antillas de lengua inglesa”), de George Lamming (“Los placeres del exilio”) e de Jean Bernabé, Patrick chamoiseau y Raphaël confiant (“Elogio de la creolidad”- fragmentos).

No plano político e social, destacam-se trabalhos que discutem a emergência do movimento negro e de uma consciência e mobilização social regional como os trabalhos de Édouard Glissant (“El discurso antillano”), de Walter Rodney (“El Black Power. Su relevancia en el Caribe”) ou de Brian Meeks (Radical Caribbean: From Black Power to Abu Baker/ Caribe radical. Del Black Power a Abu Bakr), dentre outros.

O quarto eixo relaciona-se ao impacto das Revoluções, passadas e presentes, na constituição e desenvolvimento de um pensamento revolucionário e libertário, que incorpora as tradições culturais, africanas e ameríndias presentes na região, e procura desenvolver um projeto político-cultural que combine justiça social e valorização destas tradições subalternizadas ao longo da história caribenha. Neste sentido, diversos trabalhos promovem um contato e um diálogo com o impulso libertário da Revolução Cubana e dos processos de descolonização e independência na África, a partir dos anos 60, dos quais podemos destacar os textos de Cyril Lionel Robert James (“De Toussaint L’Ouverture a Fidel Castro”, extraído de ‘Os jacobinos negros’), de Maurice Bishop (“¡Siempre adelante! Contra el imperialismo y hacia la independencia nacional legítima y el poder del pueblo”) e de Lloyd A. Best (“Pensamiento independiente y libertad caribeña”), dentre outros.

O último eixo se relaciona a temáticas emergentes, dentre as quais se destacam as questões culturais e de gênero, que procuram, a partir da condição caribenha, redefinir o papel e a organização destas sociedades e, no segundo caso, revisar a condição subalterna das mulheres no mundo ocidental e contribuir para a superação desta condição e do empoderamento feminino. Neste sentido, se destacam os trabalhos de Elsa Goveia (“Estudio de la historiografía de las Antillas inglesas hasta finales del siglo XIX”), de Terry Agerkop (“Las culturas tradicionales y la identidad cultural en Surinam”) e, principalmente, de Alissa Trotz (“Género, generación y memorias: tener presente un Caribe futuro”).

Além dos aspectos já mencionados, outros elementos emergem da leitura desta obra. Como demonstram os textos, os diversos autores conseguem captar, com acerto, a dicotomia entre a unidade e a diversidade que caracterizam o Caribe, principalmente, ao destacar suas diversas tradições, mas que convergem para uma história e destinos comuns, além de revelar a dinâmica política e social das pequenas nações. Além disto, demonstram que tais autores procuram associar compromisso e sensibilidade social com rigor intelectual, tornando-se relevantes para o desenvolvimento de um pensamento próprio, caribenho e latino-americano, fundamentado tanto na realidade particular de cada ilha como nos desafios comuns que marcam a região e, de certa forma, toda a América Latina.

Neste sentido, também pode ser destacado que os textos são marcados pela convergência frutífera entre uma abordagem multidisciplinar, com destaque para história, economia, as ciências sociais e os estudos culturais e a utilização de múltiplos enfoques metodológicos e culturais, enriquecendo e ampliando o escopo analítico. Finalmente, vale mencionar que a obra contribui para o desenvolvimento de estudos comparados, produzindo um panorama (político, cultural, social e econômico) que consegue combinar o global e o regional, o regional e o local e uma análise multidimensional da conjuntura para compreender as sociedades caribenhas, seu passado e presente, com suas heranças estruturais e desafios atuais.

Entretanto, como toda coletânea, resultado de opções do organizador e dos limites da publicação, embora possua inúmeros méritos e tratar-se de um trabalho muito importante, possui limitações relacionadas, principalmente, a ausência de alguns pensadores e de algumas temáticas, como a análise das instituições e da dinâmica contemporânea da Integração Regional caribenha, as relações recentes com a herança e o continente africano, o agravamento de problemas sociais e ambientais, a emergência de novas formas de organização cultural e política e o papel das novas gerações na construção de um pensamento crítico caribenho, dentre outras.

Apesar disto, é possível apontar que a obra, assim como toda a coleção de CLACSO, ao apresentar as trajetórias fundamentais do pensamento latino-americano contemporâneo, é fundamental para o conhecimento da América Latina e do Caribe, em sua unidade e diversidade, dos problemas recorrentes e seculares que afetam a região (desigualdade, dominação, submissão, silenciamentos,…) e das possibilidades de construção de alternativas, alicerçadas na construção de direitos efetivos, de respeito as culturas e povos originários, de desenvolvimento económico e social, de democracia participativa e inclusiva e justiça social.

Neste sentido, conforme aponta o organizador Félix Valdés Garcia: Así, más allá de la obra de Jamaica, Trinidad y Tobago, Martinica o Barbados, los textos reunidos expresan el cuestionamiento de una totalidad mayor, dada con mayor frecuencia en las lenguas de Próspero que en creole, papiamento o sranang tongo, pero tan agudo como la plaga roja que Caliban pronunciara a Próspero. Ella expresa la unidad de lo diverso, de lo individual y lo universal de una experiencia, de islas que se repiten una y otra vez, sin ser iguales ni siquiera consigo mismas, más allá de la proximidad física, la fragilidad, la continuidad fáctica que la historia puso a merced de antojos imperiales y de experimentos sociales y culturales más impensados de la civilización occidental. Sirva la presente selección para rebasar las divisiones, el desconocimiento de pueblos que comparten una misma suerte, semejantes herencias y un mismo sol insular y de Nuestra América (GARCIA, 2017, p. 34).

À todos, boa leitura!!!

Notas

2. O Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) é uma instituição não-governamental, criada em 1967 e associada a UNESCO, que reúne cerca de 394 centros de pesquisa, programas de pós-graduação ou instituições em ciências humanas e sociais de 26 países da América Latina. Além deste, também são filiadas diversas instituições de EUA, Europa, África e Ásia que se dedicam ao estudo de temas latino-americanos. Para conhecer a entidade pode-se acessar: http://www.clacso.org.ar 3 O Brasil possui, até o momento, cerca de 51 instituições, programas de pós-graduação ou centros de pesquisa filiados.

Marcos Antonio da Silva – Universidade Federal da Grande Dourados, Brasil.

 

VALDÉS GARCIA, Félix (org.). “Antologia del Pensamiento Crítico Caribeño Contemporáneo (West Indies, Antillas Francesas y Antillas Holandesas)”. Buenos Aires: CLACSO, 2017. Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20170707025855/AntologiaDePensamientoCriticoCaribeno.pdf. Resenha de: SILVA, Marcos Antonio da. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.19, n.37, p.149-153, jul./dez., 2018. Acessar publicação original. [IF].