Século XVI: interfaces entre o Velho Continente e o Novo Mundo / História Revista / 2018

O século XVI foi um período efervescente para o Ocidente. No Velho Continente estavam em curso intensas revoluções no campo cultural e no religioso. Ao mesmo tempo, a expansão das Coroas ibéricas contribuía para o nascimento de novos olhares sobre o homem e o mundo e de políticas de intervenção em uma realidade tida como sendo de crise. O encontro com o mundo físico tal como ele é passava a exigir a busca de novas construções imaginárias para os europeus lidarem com uma nova realidade que se apresentava. Mais que isso, estimulava o emprego dos novos recursos técnicos e científicos que nasciam das revoluções em curso para que a Europa cristã conquistasse aquele novo e extraordinário mundo. Não obstante, esse foi o período da “desforra do imaginário” [1]

de que falou Bartolomé Bennassar, mas, sobretudo, foi o momento em que as histórias de inúmeras sociedades se conectaram em função das ações encabeçadas pelos poderes políticos e religiosos e pela massa de anônimos que se lançaram além‐mar para incorporar o orbe recém‐desvelado à cristandade.

Este dossiê tem como objetivo trazer reflexões sobre algumas temáticas que gravitam na órbita desses processos históricos que têm o século XVI como seu ponto de partida ou como o momento definidor de suas características essenciais. Por isso, reúne artigos que se debruçam sobre fontes históricas produzidas por agentes da religião e da empresa ultramarina europeia e que problematizam e discutem questões historiográficas pertinentes a esse amplo universo da história da expansão ibérica na Época Moderna.

Os dois primeiros artigos desbravam as conquistas; não as territoriais que originaram os impérios de Portugal e da Espanha, e sim as do plano das mentalidades e das ideias que, antes de permitir a chegada dos europeus a novos mundos, promoveram a inserção das novas terras e de sua gente no imaginário cristão. Tiago Bonato, por exemplo, discute as mudanças nas técnicas empregadas na produção de mapas e de cartas de navegação, aspecto essencial da empresa ultramarina que resultou na tessitura de um império‐rede para Portugal. Destaca, nesse exame, a influência mútua entre a cartografia e as revoluções culturais em curso na Europa que incidiram não só na leitura de um mundo físico que se apresentava, mas nas técnicas empregadas para representar esse orbe à cristandade.

Já Cleber Vinicius Amaral Felipe analisa os relatos de naufrágio elaborados pelos portugueses para deles extrair a matriz do pensamento lusitano quinhentista. Seu intuito? Nos oferecer as diretrizes para a sua análise como fontes históricas privilegiadas para a compreensão do projeto político‐religioso de construção do império português. Nesse exercício, demonstra como as análises que levam em consideração apenas os aspectos estéticos de sua literatura são insuficientes para nos dar a entender os exercícios de retórica que revelam que os objetivos desse gênero literário era conformar uma identidade ideológica do ser português e do Estado luso.

Outros dois artigos mergulham em temas estruturantes que nos permitem compreender as bases político‐religiosas que sedimentavam a monarquia portuguesa e que norteavam a construção do império: a atuação da Companhia de Jesus e a prática do degredo. Em artigo de minha autoria, analiso os aspectos gerais do empreendimento missionário da Companhia de Jesus no império português em um período em que a ordem religiosa teve privilégio para atuar nos domínios de Portugal. Fundamentado em uma farta documentação produzida por jesuítas que atuaram na América, Ásia e África, o texto analisa os elementos condicionantes da missionação jesuítica que promoveram convergências e divergências na atividade apostólica em espaços diferentes do império. Assim, além de refletir sobre aspectos específicos da história das missões jesuíticas, também destaca a importância que a evangelização teve na estruturação do império português no século XVI.

Geraldo Pieroni, por seu lado, nos apresenta um universo importante da formação e manutenção do império português e de suas colônias ultramarinas: a prática do degredo. Para analisar a trajetória de D. Francisco Manuel de Melo, filósofo e poeta lusitano degredado para o Brasil, o autor mergulha na legislação portuguesa da Época Moderna; nos explica o funcionamento das práticas punitivas portuguesas que alimentavam o desterro como política de normatização social em Portugal (e, ao mesmo tempo, de povoamento das colônias ultramarinas); e analisa, com profundidade, como essas políticas lusas se refletiram no Brasil Colonial. Nesse exercício, Pieroni chama a atenção para o olhar pejorativo da nobreza portuguesa sobre a Terra de Santa Cruz – local de desterro – mas, ao mesmo tempo, destaca o papel preponderante que os indesejados e excluídos de Portugal tiveram na construção do Brasil.

Por esta razão, espera‐se que esse dossiê permita o trânsito dos nosso leitores em diferentes universos da história da expansão ultramarina e das que se com ela se conectam através das temáticas aqui abordadas. O maior desejo da História Revista é que, com este dossiê, naveguemos por mares já navegados que, ao serem revistados, nos revelem novos pontos que a historiografia possa desbravar.

Nota

1. BENNASSAR, Bartolomé. Dos mundos fechados à abertura do mundo. In: NOVAES, Adauto (org.). A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Funarte / Companhia das Letras, 1998, pp. 83‐93.

Luiz Antonio Sabeh – UNIFAL‐MG. E-mail: [email protected]

Organizador


SABEH, Luiz Antonio. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 23, n. 3, set. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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