Cultura e barbárie: o mundo em tempos extremos | História Revista | 2021

“a seus olhos (isto é, aos olhos do historiador crítico) a obra do passado não é acabada” ‐ Walter Benjamin

“[…] De tudo ficou um pouco. E de tudo fica um pouco. […] o insuportável mau cheiro da memória. Mas de tudo, terrível, fica um pouco, e sob as ondas ritmadas e sob as nuvens e os ventos e sob as pontes e sob os túneis e sob as labaredas e sob o sarcasmo e sob a gosma e sob o vômito e sob o soluço, o cárcere, o esquecido e sob os espetáculos e sob a morte escarlate e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes e sob tu mesmo e sob teus pés já duros e sob os gonzos da família e da classe, fica sempre um pouco de tudo. Às vezes um botão. Às vezes um rato.”

‐ Resíduo, Carlos Drummond de Andrade

“Tudo o que era guardado a chave, permanecia novo por mais tempo… Mas meu propósito não era conservar o novo e sim renovar o velho. […] E se ilude, privando‐se do melhor, quem só faz o inventário dos achados e não sabe assinalar no terreno de hoje o lugar no qual é conservado o velho.”

‐ Walter Benjamin

Procuramos, neste dossiê, reunir trabalhos de abordagens teórico‐metodológicas históricas, historiográficas e/ou epistemológicas que tomam por objetos os tempos, os espaços, as memórias e as experiências culturais em sua posição testemunhal da barbárie, sobretudo, por seu movimento temporal, “como relação espiritual viva do presente ao passado, do passado ao presente” (GAGNEBIN, 2008, p. 80). Diante de um escopo mais amplo, os textos se apresentam com perspectivas interdisciplinares que dialogam com estas abordagens, especialmente, pensando a “contemporaneidade de tempos extremados”. São nestes termos que foram selecionados os 15 artigos que compõem o presente dossiê. Leia Mais

História das Construções em territórios ibéricos: do Românico ao Barroco | História Revista | 2021

Por meio da História das Construções, temos a possibilidade de conhecer os desafios e as soluções encontradas, testadas e colocadas em prática na busca empreendida pelos seres humanos em desenvolver a atividade construtiva e enfrentar problemas relativos ao processo de construção. Problemas que passam, entre outros, pelo encontro e pela escolha de materiais – pedra, argila, madeira, por exemplo –, de técnicas e ferramentas a serem utilizadas, de modelos a serem empregados e adaptados às situações locais, de executores para a obra e pela forma de remuneração dos trabalhadores. Assim, a análise das construções permite desvendar muitos dos caminhos percorridos para que elas pudessem ser realizadas. As construções dão testemunho sobre aspectos que se fizeram presentes no tempo em que foram levantadas. Constituem, portanto, documentos que devem ser mais explorados nas pesquisas e no ensino da História.

A percepção da importância da História das Construções motivou o presente dossiê, cuja ideia inicial surgiu no âmbito do Programa de Pós Graduação/Mestrado Profissional em História Ibérica da Universidade Federal de Alfenas (PPGHI/UNIFAL), cujo propósito é o ensino e a pesquisa em História Ibérica Medieval. No segundo semestre de 2019, demos início, no PPGHI, a um projeto sobre o tema, que resultou na em uma disciplina optativa, ofertada no curso de graduação, intitulada Construções medievais: instrumento de aprendizado e ensino de História e de Física, ministrada em conjunto pelos professores Adailson José Rui, docente de História e coordenador do PPGHI, Luiz Eduardo Silva, docente de Ciências da Computação e integrante do PPGHI, e Artur Justiniano, docente do curso de Física e coordenador do Programa de Pós Graduação em Física da UNIFAL‐MG. A partir do desenvolvimento da disciplina, surgiu o desejo de ampliar os estudos e as discussões de alguma maneira relacionadas à História das Construções, buscando, em específico, exemplos de construções erguidas em espaços ibéricos e em áreas dominadas por Portugal e Espanha. Nesta direção, propusemos à História Revista esse dossiê, visando receber contribuições que viessem a possibilitar novos conhecimentos acerca da História das Construções, do Românico ao Barroco. Leia Mais

História, Sujeitos Marginalizados e Alteridades | História Revista | 2020

O dossiê História, Sujeitos Marginalizados e Alteridades que apresentamos na História Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade Federal de Goiás traz para a reflexão, no campo das ciências humanas e sociais, a partir da relação dialógica entre a exclusão e a indiferença, a problemática da alteridade e da marginalização na história e na historiografia. Partindo da crítica às epistemologias das narrativas hegemônicas que privilegiaram a manutenção do status quo e a interpretação factual e determinista do contexto sócio‐histórico, os autores apoiam‐se nas contribuições críticas que remontam às contribuições dos Annales, dos estudos culturais e da decolonialidade.

A teoria da enunciação de Bakhtin nos ensinou que é a partir do dialogismo e da alteridade que nos relacionamos com o outro, nos constituindo e transformando, constantemente, nessa interação. Portanto, somente através das relações dialógicas com outros sujeitos, discursos, saberes, que podemos nos constituir. Existimos a partir do diálogo com o outro, como afirma o autor: “Eu só pode se realizar no discurso, apoiando‐se em nós” (BAKHTIN, 1926, p.192). Partindo dessas reflexões, reunimos nesse dossiê produções narrativas das ciências humanas que rompem com as perspectivas hegemônicas acadêmicas que obliteram as vozes e/ou narrativas dos interlocutores, quase sempre marginalizados, e os reconhecem como coautores da pesquisa numa relação dialógica entre os sujeitos pesquisador/interlocutor, possibilitando assim a produção de vozes polifônicas em suas escritas. Os textos trazem para o centro as visibilidades dos sujeitos e seus saberes em relação a suas regiões, espaços, lugares e não‐lugares, e trânsitos imersos nas práticas socioculturais das diferenças. Refletindo sobre os processos de marginalização dos sujeitos, dos marcadores da diferença que operam exclusões, das resistências, da produção/diluição de identidades, aspectos necessários para compreensão da sociedade local‐global contemporânea. Leia Mais

História e epistemologia da Educação Profissional | História Revista | 2020

O presente dossiê reúne contribuições de abordagens teórico‐metodológicas históricas, historiográficas e/ou epistemológicas cujos objetos são os tempos, os espaços, as memórias e as experiências da Educação Profissional e Tecnológica, no Brasil e alhures.

Os artigos estão vinculados a dois eixos. No primeiro, dedicado a uma reflexão sobre a Epistemologia da Educação Profissional, os textos abordam os processos epistemológicos da constituição do campo, bem como o engendramento histórico das relações trabalho‐educação. No segundo eixo, voltado à História e Memória da Educação Profissional e Tecnológica, estão presentes contribuições acerca da história de instituições educativas  ‐ sobretudo na esfera do mundo do trabalho  ‐, dos agentes e dos sujeitos da Educação Profissional (gestores, docentes, técnico‐administrativos e discentes). Leia Mais

Religião, cultura e relações sociais na Península Ibérica / História Revista / 2020

A disciplina História Ibérica ficou por muito tempo relegada a um plano secundário, praticamente inexistente, tanto no ensino básico brasileiro quanto no superior. Poucas universidades brasileiras apresentam essa disciplina nos currículos de seus cursos, e sua presença nos livros didáticos consegue ser ainda menor.

Diante desse quadro, e na tentativa de contribuir para a superação dessa lacuna existente no ensino brasileiro, foi criado e instituído o Programa de Pós Graduação em História Ibérica (PPGHI) na Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG). Trata-se de um Programa de Mestrado Profissional que tem o objetivo de integrar professores de História do ensino fundamental e do ensino médio no processo de formação continuada, qualificando-os para o desenvolvimento de práticas de ensino e de pesquisas que venham a contribuir para o avanço do processo de conhecimento, ensino e aprendizado da História Ibérica. Neste Programa foi criada a linha de pesquisa Cultura, Poder e Religião, de forma a agregar especialistas das áreas de História e afins (https: / / www.unifalmg.edu.br / ppghi / node / 56 , visualizado em 20 jun. 2020).

Buscando ampliar o debate que mantemos no âmbito do PPGHI / Unifal, e em parceria com História Revista da Universidade Federal de Goiás, propusemos o presente dossiê, convidando especialistas e estudiosos a submeterem artigos, contribuindo assim para a valorização dos estudos ibéricos no meio educacional de nosso país. Para a nossa alegria, recebemos artigos de reconhecidos especialistas, a quem agradecemos de antemão tanto pelas submissões como pela receptividade e atenção às observações realizadas durante o processo de revisão cega por pares.

Dessa forma, iniciamos o dossiê com o artigo de Sérgio Feldman, professor da Universidade Federal do Espírito Santo, que há muitos anos atua nas pesquisas sobre judaísmo na Hispânia Romana e Visigótica e que vem dedicando muito dos seus estudos aos textos de Isidoro de Sevilha (560 – 636). No artigo intitulado O cerco em torno a uma minoria. As legislações antijudaicas na Hispânia Romana e visigótica, Feldman apresenta, de forma clara e aprofundada, as legislações antijudaicas, fortalecidas na Península Ibérica com a dominação visigoda.

Dentro dessa mesma linha de pesquisa se encontra o artigo da professora Roberta Alexandrina da Silva, da Universidade Federal do Pará. O artigo intitulado Do oppidum à capital de província: algumas considerações sobre a especificidade de Bracara Augusta e sua integração ao mundo romano (séculos I-IV) destaca a importância econômica, religiosa e política, tanto para os romanos quanto para os suevos e visigodos, de Bracara Augusta, atual Braga, em Portugal. O artigo da autora reflete parte das pesquisas por ela realizada durante estágio pós-doutoral na Universidade Federal do Espírito Santo, supervisionado pelo professor Gilvan Ventura, quando estagiou na Universidade do Minho, atuando com a professora Maria Manuela Martins na análise e pesquisa de materiais arqueológicos sobre Bracara romana.

O artigo Por que estudar a antiguidade da Península Ibérica no Brasil? apresenta as reflexões e o diálogo mantido entre dois especialistas em antiguidade: o renomado arqueólogo e Professor Titular de História Antiga da Unicamp, Pedro Paulo Abreu Funari, e o doutorando em História pela Unicamp, Filipe Silva, que realizou estágio de doutorado no Centro para El Estudio de la Interdependencia Provincial en la Antigüedad Clásica (CEIPAC), dirigido pelo professor José Remesal, Universidade de Barcelona / Espanha. O artigo demonstra, de forma clara e profunda, a importância dos estudos sobre a antiguidade ibérica no Brasil.

Por último, mas não mesmo importante, o artigo produzido pelo professor de História Medieval, idealizador e coordenador do Programa de Pós-Graduação em História Ibérica da Universidade Federal de Alfenas, Adailson José Rui. No artigo intitulado Abd al Rahman III: a implantação do califado e a construção de Medinat-al-Zahra como centro de poder em al Andalus, o professor apresenta uma discussão atualizada sobre a vida política na Andaluzia do século X, analisando tanto os motivos que levaram à auto proclamação do califa Abd al Rahman III como os que induziram esse califa a mandar construir Medina al Zahra.

Esperamos que esse dossiê seja mais um estímulo para pesquisas e estudos sobre a História Ibérica.

Desejamos a todas e todos uma ótima leitura!

Referências

Site do Programa de Pós Graduação em História Ibérica, da Unifal-MG, https: / / www.unifalmg.edu.br / ppghi / node / 56 , visualizado em 20 jun. 2020.

CARLAN, Cláudio Umpierre (org,). A renovação do ensino de história ibérica, contribuições do mestrado profissional da Unifal-MG. Alfenas: editora da Unifal-MG, 2020.

Cláudio Umpierre Carlan – Unifal-MG / PPGHI. E-mail: [email protected]


CARLAN, Cláudio Umpierre. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 25, n. 1, jan. / abr., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Machado de Assis – abordagens históricas da literatura / História Revista / 2019

Neste seu terceiro número de 2019, publicado, contudo, em meio à pandemia do novo Coronavírus, a História Revista acolhe, pela primeira vez, um dossiê dedicado a um escritor. Os 180 anos de Machado de Assis e a própria figura do escritor contribuem para que essa novidade não suscite grandes reparos. Mas o(a) leitor(a) há certamente de se surpreender – esperamos que positivamente – com os artigos que compõem o dossiê Machado de Assis – abordagens históricas da literatura.

Contando com a participação de pesquisadores da área de letras, nele não se encontram as figuras habituais de uma história literária familiar: nenhuma história desencarnada das grandes obras de um gênio nacional, nenhuma sucessão de escolas ou estilos literários, nenhum privilégio aos romances e contos mais consagrados de Machado de Assis. Em seu lugar, surge aqui a figura inesperada do historiador literário que investiga papéis velhos, que adentra o espaço por excelência do historiador tout court, na busca por respostas para um questionário novo, mais complexo, mais atento à historicidade das condições de produção, circulação e recepção das obras literárias. Para o século XIX, para Machado de Assis, isso significa, entre outras coisas, levar em consideração as relações estreitas entre literatura e imprensa, em suas mais diferentes articulações. Contra o desprezo em relação aos gêneros ditos “menores”, encontramos aqui a investigação de parte da volumosa e variada produção machadiana publicada em periódicos do Rio de Janeiro. Contra a imagem do gênio incomparável, encontramos aquela, histórica, do Machado de Assis escritor em formação (na certeira descrição de Lúcia Granja), para quem os jornais ofereceram laboratórios de práticas de escrita. Contra a ideia de meras influências inglesas, encontramos a consideração do impacto do suporte na elaboração e na transformação da poética machadiana.

Assim, em um diálogo explícito com nossa própria realidade desoladora, Lúcia Granja apresenta-nos, em “Jornalismo e atualidade em Machado de Assis: das crônicas ao Quincas Borba”, um escritor perturbadoramente atual, em suas crônicas do terceiro quartel do século XIX e em seu romance de 1891. Explorando de maneira inesperada as relações entre literatura e imprensa, Granja demonstra que Machado de Assis não apenas buscou nos jornais do dia os temas de suas crônicas; ele se debruçou cotidianamente sobre o discurso jornalístico, empenhando-se em desmontar suas falsas aparências, em evidenciar sua manipulação para fins políticos ou individuais, em assinalar seu pouco compromisso com os interesses públicos. Desse modo – e em um contraponto revelador, que a autora enfatiza de bom grado – a abordagem dessa faceta da produção machadiana não pode deixar de iluminar o fechamento do nosso presente: no século XIX, as vozes dissonantes eram acolhidas no interior mesmo do sistema midiático, ao passo que, atualmente, elas precisam se submeter a “esquemas alternativos de sobrevivência, principalmente nos meios digitais”.

Espaço aberto para o exercício da fina crítica social, inclusive aquela dirigida contra si mesma, a imprensa foi mais do que um suporte para a produção literária do autor de “O alienista”. Em “O Cruzeiro e a reinvenção de Machado de Assis”, Jaison Crestani demonstra que o jornal, para o qual o escritor colaborou ao longo do ano de 1878, atuou também como mediador de exercícios experimentalistas decisivos para a transformação da prática criativa. Enfrentando um tema clássico da fortuna crítica machadiana – a explicação para a passagem de uma primeira para uma segunda fase -, Crestani rejeita os termos habituais em que ela foi discutida, porque rejeita, mais fundamentalmente, os próprios pressupostos da história literária mais tradicional. Machado de Assis não se fez sozinho, nem de um dia para o outro. Sua incontestável grandeza é inexplicável se não se levar em consideração este dado, que fomos acostumados a negligenciar: fazer literatura, no século XIX, é produzir para os jornais, é habitar o solo coletivo da publicação periódica. Uma inscrição plena de ricas potencialidades criativas – e não, como também fomos acostumados a pensar, de simples e penosa sujeição ao ritmo frenético do entretenimento de massa.

Mas não se esgotam aí as surpresas deste dossiê. Nos artigos dos historiadores, não encontrará o leitor mais uma defesa da utilização da literatura como fonte. E isto não somente porque se trata de uma questão sobejamente resolvida – já há bastante tempo gozam as obras literárias de inquestionável legitimidade enquanto documento para o historiador (lembremonos de Lucien Febvre, em 1933: “Os textos, sem dúvida; mas todos os textos. E não somente os documentos de arquivo […]. Mas um poema, um quadro, um drama: documentos para nós, testemunhos de uma história viva e humana”.). Tampouco faz aqui sua aparição a figura clássica do “Machado de Assis, romancista do Segundo Império”, forjada por Astrojildo Pereira em 1939 e normalmente evocada quando se trata de ler a literatura machadiana de um ponto de vista histórico. Não é questão, para os historiadores que colaboram com este dossiê, de evidenciar o esforço do escritor de retratar a estrutura social ou a história do Brasil da segunda metade do século XIX. Não se espere, assim, que estes artigos suscitem as velhas diatribes sobre a relação entre texto e contexto ou que seus autores sejam acusados de negligenciar a complexidade da literatura, de perder de vista o essencial – a capacidade, que as obras literárias têm, de escapar à história – e de insistir no acessório, isto é, sua vinculação ao seu momento de produção.

Distante desse universo de questões habitual e, deve-se reconhecer, legitimamente esperado, os historiadores deste dossiê tampouco comparecem, por outro lado, com análises sobre o que se poderia chamar, com Judith Lyon-Caen em La griffe du temps (2019), de “o entorno” do texto literário. Não se dedicaram a estudar as condições de exercício da atividade literária ao tempo de Machado de Assis, não tomaram por objeto as instituições ou os meios literários – o nascimento da Academia Brasileira de Letras, no final da década de 1890, ou o grupo da Petalógica, reunido em torno da livraria de Paula Brito, na Praça da Constituição, no Rio de Janeiro da década de 1850. O público leitor – esse carapicu, tão raro e tão difícil de pescar, na bela imagem de Machado, muito bem evocada por Hélio Guimarães em seu Os leitores de Machado de Assis (2004), também se encontra ausente. Não se trata aqui da recepção e dos usos das obras, da história social ou política de seu autor ou das condições de publicação e leitura. Em seus artigos sobre a literatura de Machado de Assis, os historiadores deste dossiê escolheram ultrapassar limites tradicionalmente auto-impostos e adentraram o texto machadiano, arriscaram-se no exercício da interpretação e propuseram análises de procedimentos propriamente literários.

Nesse sentido, as estratégias de disfarce da natureza ficcional do texto literário são o tema de Lainister Esteves, em “A dissimulação da ficção nos contos de horror de Machado de Assis”. Esteves descortina, em seu artigo, esta dimensão interessantíssima e pouco estudada tanto da literatura do século XIX em geral quanto da obra machadiana em particular: a literatura de terror. Abordando a produção machadiana nesse gênero, o autor analisa o manejo muito bem-sucedido de um procedimento literário chave para a circulação de textos de terror, desde o século XVIII. Foi a dissimulação, segundo demonstra Esteves, o que tornou possível a participação dos contos de terror no movimento mais amplo de popularização e de redefinição, no século XIX, da própria literatura – indissociável, então, da publicação periódica e de sua recepção como entretenimento.

E é também um procedimento literário o meu tema em “O problema do nome próprio e o projeto literário machadiano”. Em meu artigo, detenho-me neste elemento aparentemente banal, mas que jamais deixa de chamar a atenção dos leitores de Machado de Assis: os nomes de suas personagens. Procuro defender que, analisados à luz de uma história da onomástica literária, os modos de nomeação das personagens são reveladores, de um lado, da própria historicidade do regime literário e de sua poética da indistinção entre ficção e realidade. Por outro, eles iluminam a singularidade e as transformações do projeto literário machadiano: se, ao longo da década de 1870, Machado de Assis procurou ser simultaneamente fiel e infiel ao legado do Romantismo, como uma espécie de “inimigo de dentro”, as Memórias póstumas de Brás Cubas significaram o abandono sem volta desse projeto.

E last, but not least, este dossiê conta ainda com a contribuição de um sociólogo, em mais um sinal da vitalidade da obra machadiana e de sua capacidade sempre renovada de suscitar o interesse de pesquisadores das mais diversas áreas das ciências humanas. Mas tampouco aqui se esperem termos habituais. Pois, ao invés de tomar a literatura de Machado de Assis como representação da estrutura social do Brasil oitocentista, na esteira da influente e seminal interpretação de Roberto Schwarz, Marcelo Brice o que faz é se debruçar sobre a análise e, sobretudo, as críticas que essa interpretação recebeu da parte de seu mais importante adversário, Abel Barros Baptista. Em “O verdadeiro Machado de Assis? O confronto crítico de Abel Barros Baptista”, Brice recupera os termos da discussão do estudioso português, em sua densa obra Autobibliografias: solicitação do livro na ficção de Machado de Assis (1998; ed. bras. 2003), com sua perspectiva francamente derridiana e anti-intencionalista da literatura machadiana.

Com este diverso e rico elenco de textos, a História Revista busca trazer para seus leitores e leitoras parte da intensa produção acadêmica sobre Machado de Assis, em uma celebração – esperamos – à altura de seu aniversário de 180 anos. Que este dossiê possa também convidar a uma (re)leitura da literatura do “Bruxo do Cosme Velho”, nestes tempos tenebrosos de peste e desesperança. Afinal, como escreveu Carlos Drummond de Andrade, nesta outra homenagem, inigualada:

“Uma presença, o clarineta, vai pé ante pé procurar o remédio, mas haverá remédio para existir senão existir? E, para os dias mais ásperos, além da cocaína moral dos bons livros?”

Os dias não poderiam ser mais ásperos. Boas leituras a todos e a todas!

Raquel Campos – Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]


CAMPOS, Raquel. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 24, n. 3, set. / dez., 2019. Acessar publicação original [DR]

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El pensamiento político medieval / História Revista / 2019

El pensamiento político medieval es un argumento definido desde la historia medieval por autores como Ullmann, Kantorowicz, Nederman, Weckmann, Burns, Guinot o Nieto Soria. En los últimos años las reflexiones se han enriquecido con algunos proyectos muy completos. Uno encabezado por Janet Coleman y con título A History of political thought: from the Middle Ages to the Renaissance (Oxford : Blackwell, 2000), otro es el libro Aspects de la pensée médiévale dans la philosophie politique moderne (Paris: Presses Universitaires de France, 1999), y por último nos encontramos con el volumen coordinado por Pedro Roeche Arnas, El Pensamiento político en la Edad Media (Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces, 2010). Más allá de estas novedades, debemos de precisar que aunque parezca extraño el pensamiento político medieval no existe como tal, puesto que el pensamiento en la edad media está diseminado dentro de lo que podemos denominar como “macrocosmos” cristiano, que impregna de forma viscosa todos los elementos prácticos, ideológicos, políticos, religiosos y escriturales de la Edad Media. Es por ello que podemos encontrar elementos de pensamiento político en las gestualidades (coronaciones, ceremonias, etc.), en el ejercicio mismo del poder del rey o de los nobles, en diferentes autores (Eguinardo, Salisbury, Padua, Cusa, LLul, Ockam o Scoto entre otros), en los distintos manuales o espejos de príncipes, en el estudio de las diferentes leyes, en los diversos renacimientos medievales, o en las propuestas universitarias a partir de la escolástica o los debates teológicos de cada momento. Pero no solo ahí, muchas obras encargadas desde ámbitos cortesanos o por el mismo rey o en el recurso a narraciones ficcionales. Con lo que tenemos extractos de poder en libros de viajes, libros dialogados o en poemas y textos apocalípticos.

Tomando este marco como referencia, nos proponemos en este dossier reflexionar sobre el pensamiento político en todas las vertientes arriba indicadas y concretadas en líneas de trabajo como la reflexión sobre el ejercicio de poder en sus diferentes geografías y personaje, el estudio de las imágenes y los imaginarios vinculados al pensamiento político, el abordaje de autores o textos que tengan vinculación con el pensamiento político medieval, las investigaciones historiográficas sobre pensamiento político medieval o las cuestiones teóricas sobre algún concepto o debate medieval.

El artículo vértice del dossier es el de Israel Sanmartín (Universidad de Santiago de Compostela) de título “Los elementos del pensamiento político medieval como un sistema cristiano”. En él, se establecen las reflexiones sobre el pensamiento político temporal y eclesiástico, la creación del espacio público en el pensamiento político medieval, y la importancia del humanismo y el individualismo. Además de abordar la cuestión de la configuración de la soberanía en el pensamiento medieval, es decir, los poderes ascendente y descendente. Todo desde el siglo XI a XIII pero con un carácter global y desde un posicionamiento periférico.

También de aproximación holística y periférica es el trabajo de Claudio Canaparo de la Universidad de Quilmes, quien en “El pensamiento politico medieval y el pensamiento del presente” discute la noción de idiota de uno de los grandes pensadores medievales, que es Nicolás de Cusa. Se reflexiona sobre el “idiotismo” medieval y su ayuda a la construcción de la idea hoy en día. El concepto de experiencia le sirve al autor para mostrar su dimensión tecnológica. Entre la tecnología y el pensamiento también está el artículo “La Representación del Poder en los Videojuegos sobre la Edad Media en los años 80”, escrito por Brenda Rodríguez Seoane (Universidad de Santiago de Compostela). La autora, desde una perspectiva “neomedieval” aborda el poder, las relaciones sociales y sus símbolos a partir de tres juegos de los años ochenta españoles. Son Nonamed, Defender of the Crown e Iron Lord. El análisis trata de discernir la forma en la que se entrelazan los elementos actuales con otros propiamente medievales. La representación que se nos presenta en cada uno de los juegos viene marcada por una visión distorsionada del período histórico medieval. Ofrece un desconocimiento de la época misma para el consumidor medio y produce una desinformación y manipulación en la narración de la historia medieval.

En otro sentido, nos encontramos con la investigación de Terezinha Oliveira de la Universidade Estadual de Maringá (UEM) profundiza en tres cartas contenidas en el Chartularium Universitatis Parisiensis (siglo XIII) y que fue motivo de conflicto. El trabajo analiza el posicionamiento del rey a través de los historiadores François Guizot y Jacques Le Goff. El título de la investigación es “Luís XI e o embate entre os mestres universitários: diálogos com a fonte e a historiografía”. A continuación podemos leer “El rey molinista pensado por don Juan Manuel en El libro de los estados” es el texto que aporta Ángel Salgado Loureiro (Universidad de Santiago de Compostela) a este dossier. El artículo parte del estudio de El libro de los estados de Don Juan Manuel, texto que fue escrito entre 1327 y 1330. El investigador nos muestra a un Don Juan Manuel imbuido de referencias culturales molinistas y como un actor político intrigante y de posición ambigua entre los diferentes banderías de nobles y los reyes Fernando IV y Alfonso XI. En la misma tenemos el trabajo de Felipe Augusto Ribeiro (Universidade Federal de Minas Gerais ‐ UFMG) aporta a este dossier el artículo “Da virtude à política: a moral do governante no pensamento do Franciscano Paulino de Veneza (c. 1314)”. En él, explora el pensamiento del siglo XIV a través del tratado De regimine rectoris del franciscano Paulino de Veneza. El autor utiliza un análisis conceptual para reflexionar sobre el buen gobernante y las relaciones entre moral y política.

Roque Sampedro López (Universidad de Santiago de Compostela) nos ofrece un ejercicio muy parecido al anterior en “El Libro de Gracián como discurso político en la Castilla de Juan II (1405‐1454)”. Sampedro toma como referencia el llamado Libro de Gracián para entresacar el discurso político de la primera mitad del siglo XV castellano y mostrar la idea de príncipe y gobernante en un envoltorio de historia intelectual tejido a partir de autores como Quentin Skinner y John G.A. Pocock. Misma estructura pero diferente temática presenta André González Mayo (Universidad de Santiago de Compostela) en “El pensamiento político en la narrativa historiográfica medieval. El caso de la Crónica Najerense”. En base a determinados autores postmodernos como Spietel o White analiza bajo los preceptos del “nuevo medievalismo” la Crónica Najerense, una narración compuesta a finales del siglo XII, entre los años 1185 y 1194, en el reino de Castilla. La idea nuclear del análisis de González Mayo es que el texto habría surgido de la necesidad de prestigiar la monarquía castellana y de la preeminencia política del rey frente a sus principales adversarios políticos, tomando como eje central el neogoticismo. Entre los dos textos anteriores está el del Héctor Alaminos (Universidad de Santiago de Compostela), quien aporta al volumen “El viaje al Purgatorio de Ramon de Perellós. Análisis de la resignificación del pensamiento político medieval a la luz de la estética de la recepción”. El viaje de Perellós es de la baja edad media y en él se estudiará el pensamiento a partir de los diferentes manuscritos, influencias y textos a parir de la teoría de la recepción.

Por último, ofrecemos dos textos de la Inglaterra bajomedieval. Por un lado tenemos el texto de “La relación entre pecado original y dominio político en un tratado de John Wyclif” escrito por Cecilia Devia de la Universidad de Buenos Aires. En él se estudia la relación entre entre pecado original y dominio político en el Tractatus de statu innocencie (1376) de John Wyclif. Con una metodología comparativa y contrafáctica se abordarán los diferentes tipos de dominio, pecado original, propiedad y uso en el tratado estudiado. En cronologías y espacios similares se mueve el texto de Pablo Fernández Pérez de la Universidad de Santiago de Compostela en la investigación “Del “mundo del texto” al “mundo del lector”: piers plowman en las cartas de John Ball”. El texto toma como referencia el contexto del levantamiento inglés de 1381 para estudiar imágenes y textos reflejados en el poema de Piers Plowman. El autor toma como clave explicativa el imaginario apocalíptico para, mediante la historia intelectual analizar el texto en base a las ideas ricoeuianas de “mundo del texto” y el “mundo del lector”.

Como vemos, tenemos un ramillete de trabajos conectados por la preocupación política y bajo el prisma de la historia intelectual. Acontecimientos, ideas e historiografía pivotan alrededor de gran parte de estos artículos con la idea de ofrecer una matriz explicativa útil para su estudio. El dossier necesita un posicionamiento en el tiempo y en el espacio. La temporalidad de los textos es el mundo pleno y bajomedieval castellano e inglés. En cuanto a la tipología de los materiales utilizados, también es variada. Son libros, capítulos de libro, artículos de revistas científicas, así como artículos de internet o videojuegos. Para manejar esta variedad de años y documentación muchos de los trabajos han optado por la llamada “nueva historia intelectual”. Desde ella estudiaremos y ordenaremos los contextos en los que se desarrollan estos trabajos. El objetivo de este particular es ofrecer el estudio de ideas y conceptos insertados en la sociedad y en el momento en el que suceden, para alcanzar su descripción, explicación y análisis.

La gran tarea que nos proponemos es estudiar la evolución del pensamiento político pleno y bajomedieval, reconstruir parte de su debate internacional y reflejar la opinión que emana de algunos de sus textos. En definitiva, se tratará de realizar, como resultado de la propuesta metodológica y del propio desarrollo de la investigación una tarea de historiografía teniendo en cuenta a la vez los presupuestos historiográficos y los contextos, los acontecimientos y el pensamiento. Aparte de todos estos objetivos, nos planteamos también en inicio otras metas menores:

a) Demostrar que el pensamiento político medieval no tiene una construicción unívoca ni un sentido predeterminado

b) Mostrar que el pensamiento político medieval no es necesariamente compatible con el concepto actual de ideología.

c) Argumentar que se puede realizar estudios de pensamiento político desde el punto de vista del historiador, teniendo en cuenta ideas acontecimientos y la investigación de la historia.

d) Afirmar que el pensamiento político medieval ha influido en los historiadores y que éstos han estado presentes en el debate.

e) Reflejar la importancia de la historia en la política y viceversa.

f) Indagar el pensamiento político en sus textos, sus influencias y sus resignificaciones.

Israel Sanmartín – Universidad de Santiago de Compostela. E-mail: [email protected]


SANMARTÍN, Israel. Presentación. História Revista. Goiânia, v. 24, n. 2, maio / ago., 2019. Acessar publicação original [DR]

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As dinâmicas entre sagrado e o profano: Uma perspectiva de longa duração (Século V ao XVI) / História Revista / 2019

As discussões sobre sagrado e profano perpassam um amplo campo de análise. Estes dois “campos conceituais” se definem, muitas vezes, um pelo outro, em uma relação intrínseca. O dossiê As dinâmicas entre sagrado e o profano: Uma perspectiva de longa duração (Século V ao XVI) tem por objetivo fomentar as discussões sobre estes universos interpretativos, tendo por problema suas aproximações. Os dez textos que o compõem oferecem um balanço sobre as mudanças ocorridas nas referências teóricas e no campo das metodologias de pesquisa, bem como apresentam um panorama das investigações que se ocupam de uma cronologia alargada dos séculos V ao XVI.

O texto que abre o dossiê tem por título “Crise e hierarquias: as interações entre o sagrado e o profano na Antiguidade e na Idade Média”. Partindo das imbricações entre o sagrado, o profano e a História (presentes tanto no mundo helenístico quanto na Antiguidade Tardia e na Idade Média), Fátima Regina Fernandes e Renan Frighetto apresentam uma discussão conceitual e filosófica, que tem por base a civilitas. Neste âmbito, os indivíduos foram redimensionando as relações sagrado / profano ao longo dos tempos. As resistências / aproximações culturais entre vários povos e perspectivas religiosas, especialmente após o advento do cristianismo, contribuíram para novas percepções e readequações que delimitaram esta complexa relação. O modelo trifuncional, presente nas concepções de mundo da Baixa Idade Média, reviveu ao nível teórico estas concepções, reconfigurando, de modo especial, a perspectiva do sagrado.

Bruno Tadeu Salles, no texto “Anticlericalismo e intercessão aristocrática na Provença dos séculos XII e XIII: o aforismo da relação opositiva entre Estado e família como ponto de partida”, busca discutir o processo de constituição da Ecclesia provençal, particularmente na diocese de Frejús, durante os séculos XII e XIII. São destacadas em seu texto as complexas relações entre os aristocratas, as ordens militares e o poder episcopal. Logo, a ideia da existência de uma Igreja una, sob a liderança do papado no século XIII, não dá conta das imbricações no âmbito regional. Da mesma forma, o autor busca relacionar as críticas anticlericais aos conflitos existentes entre os aristocratas leigos e os príncipes da Igreja da região.

Em “Los Dos Alfonsos: Reyes, obispos y el Arca Santa de las relíquias de San Salvador de Oviedo”, de Raquel Alonso Álvarez, temos um estudo da influência de Pelayo de Oviedo na formulação de um corpus literário, na primeira metade do século XII. Estes textos tinham o claro objetivo de promover a Sé Ovetenses e seu sacro conjunto de relíquias. Este conjunto, antes restrito, foi exposto aos fiéis, destacando também a elaboração de relatos com interpolações posteriores sobre a ação da monarquia asturiana, especialmente de Afonso II, na transferência da Arca Santa para a Igreja de São Salvador.

Fabiano Fernandes, no artigo “As disputas eclesiásticas entre a Ordem do Templo e o Cabido da Sé de Coimbra (1290‐1308). Poder religioso e Poder eclesiástico nas comendas de Ega, Soure, Redinha e Pombal”, discute os conflitos eclesiásticos entre o cabido da Sé de Coimbra e Ordem do Templo, em uma região específica, na virada do século XIII para o século XIV. É enfatizado no texto que as cobranças eclesiásticas, que na contemporaneidade julgaríamos imersas na mera e pura ambição, refletiam, principalmente, a luta pela honra e pelo prestígio de homens que se julgavam íntimos do sagrado, tais como os freires do Templo e os homens do cabido.

“Comunidad cristiana, comunidad política. Identidad y discurso histórico en la cronística de la baja Edad Media castellana” é o tema do artigo de Martín Federico Ríos Saloma. No âmbito das relações sagrado / profano, o autor busca discutir como uma comunidade cristã, legitimada por pertencer à Eclesia, começou a definir‐se a partir do século XIII também como uma comunidade política, ligada à coroa castelhana. A ação dos cronistas régios teria sido fundamental neste processo de afirmação do poder monárquico, e de sua importância, na luta contra os muçulmanos. De uma identidade originalmente religiosa, esta teria sido convertida gradualmente em uma identidade de cunho político.

Juliana Salgado Raffaelli, no texto intitulado “A atividade cristianizadora na auto‐ hagiografia de Valério de Bierzo”, aborda as estratégias de cristianização atribuídas a eremitas do século VII. Ao descrever sua própria trajetória religiosa nos moldes das Vitae, Valério de Bierzo teria agido de forma consciente e deliberada para defender o modo de vida ascético em uma época de conflitos religiosos. A autora enfatiza particularmente a ideia de que, no século VII, a Hispania já havia eleito o cenobitismo como a forma ideal de vida monástica. Logo, a vida comunitária apresentava vantagens para o fortalecimento da Igreja. A Vita Valerii estava inserida, portanto, no contexto de expansão e organização da Igreja visigoda, com particular ênfase na educação dos jovens aristocratas.

A separação perceptível na atualidade entre as esferas divina e humana não era verificável no contexto medieval, em que a vida terrena era entendida como uma fase transitória, em direção a um projeto de salvação. Tendo por base esta constatação, o artigo de Maria Filomena Coelho, intitulado “Narrativas de milagres: a sacralização da justiça profana (Portugal, séc. XIV)”, confere o sentido de justiça divina relativa a um conjunto de narrativas do Flos Sanctorum, manuscrito do século XIV existente na Biblioteca da Universidade de Brasília. Conforme a autora, as lógicas pelas quais essa justiça se realiza são oriundas da experiência política e social, o que terminou por sacralizar o poder profano.

Lukas Gabriel Grzybowski, no artigo intitulado “O paganismo escandinavo entre a percepção e a imaginação: A Vita Anskarii de Rimbert e as Gesta Hammaburgensis de Adam de Bremen”, busca apresentar uma reflexão ao mesmo tempo teórica e metodológica sobre o uso de fontes cristãs para o estudo dos povos escandinavos na época viking. Concomitantemente, o autor, a partir das referidas reflexões e de uma análise rigorosa de parte da Gesta Hammaburgensis, de Adam de Bremen, e da Vita Anskarii, de Rimbert, considera que ambos não estavam preocupados em um diálogo com os pagãos. Segundo o autor, Adam de Bremen e Rimbert também não buscavam propriamente compreender a religião dita pagã, nem possuíam aspirações etnográficas, mas criavam, sobretudo, imagens mentais de acordo com o interesse de seus interlocutores.

Em “Santidades Ibéricas: Entre o Sagrado e o Profano”, a autora Renata Cristina de Sousa Nascimento tem por premissa a sacralização territorial oriunda da posse dos vestígios sagrados, que conferiu a reinos e cidades status especial. Na Península Ibérica, coleções de relíquias supostamente de Cristo e dos santos contribuíram na construção da polêmica ideia de Ibéria sagrada. Na guerra constante entre o bem e o mal era necessário estar ao lado de elementos concretos, que garantiam proteção contra as doenças, as intempéries climáticas, as guerras e toda sorte de malefícios. Portanto, um local que possuísse estes objetos era santificado, abençoado e seguro.

Finalizando o dossiê, Renato Rodrigues da Silva, no texto “As relações entre as esferas laicas e eclesiásticas na aristocracia da Nortúmbria no século VIII”, propõe valorizar a categoria “classe social” para o estudo das inter‐relações entre aristocratas leigos e eclesiásticos. O autor apresenta uma crítica ao que considera uma ênfase excessiva nas dinâmicas internas das instituições religiosas, identificando nessa perspectiva, ainda recorrente, laços intrínsecos com a historiografia institucional do século XIX. Logo, na Nortúmbria anglo‐saxã do século VIII, a fundação, difusão e regência de mosteiros estavam intimamente ligadas aos membros da alta aristocracia leiga.

Boa leitura!

Fabiano Fernandes – (UNIFESP). E-mail: [email protected]

Renata Cristina de Sousa Nascimento – (UEG, UFG, PUC‐GO). E-mail: [email protected]

Organizadores


FERNANDES, Fabiano; NASCIMENTO, Renata Cristina de Sousa. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, v. 24, n. 1, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Século XVI: interfaces entre o Velho Continente e o Novo Mundo / História Revista / 2018

O século XVI foi um período efervescente para o Ocidente. No Velho Continente estavam em curso intensas revoluções no campo cultural e no religioso. Ao mesmo tempo, a expansão das Coroas ibéricas contribuía para o nascimento de novos olhares sobre o homem e o mundo e de políticas de intervenção em uma realidade tida como sendo de crise. O encontro com o mundo físico tal como ele é passava a exigir a busca de novas construções imaginárias para os europeus lidarem com uma nova realidade que se apresentava. Mais que isso, estimulava o emprego dos novos recursos técnicos e científicos que nasciam das revoluções em curso para que a Europa cristã conquistasse aquele novo e extraordinário mundo. Não obstante, esse foi o período da “desforra do imaginário” [1]

de que falou Bartolomé Bennassar, mas, sobretudo, foi o momento em que as histórias de inúmeras sociedades se conectaram em função das ações encabeçadas pelos poderes políticos e religiosos e pela massa de anônimos que se lançaram além‐mar para incorporar o orbe recém‐desvelado à cristandade.

Este dossiê tem como objetivo trazer reflexões sobre algumas temáticas que gravitam na órbita desses processos históricos que têm o século XVI como seu ponto de partida ou como o momento definidor de suas características essenciais. Por isso, reúne artigos que se debruçam sobre fontes históricas produzidas por agentes da religião e da empresa ultramarina europeia e que problematizam e discutem questões historiográficas pertinentes a esse amplo universo da história da expansão ibérica na Época Moderna.

Os dois primeiros artigos desbravam as conquistas; não as territoriais que originaram os impérios de Portugal e da Espanha, e sim as do plano das mentalidades e das ideias que, antes de permitir a chegada dos europeus a novos mundos, promoveram a inserção das novas terras e de sua gente no imaginário cristão. Tiago Bonato, por exemplo, discute as mudanças nas técnicas empregadas na produção de mapas e de cartas de navegação, aspecto essencial da empresa ultramarina que resultou na tessitura de um império‐rede para Portugal. Destaca, nesse exame, a influência mútua entre a cartografia e as revoluções culturais em curso na Europa que incidiram não só na leitura de um mundo físico que se apresentava, mas nas técnicas empregadas para representar esse orbe à cristandade.

Já Cleber Vinicius Amaral Felipe analisa os relatos de naufrágio elaborados pelos portugueses para deles extrair a matriz do pensamento lusitano quinhentista. Seu intuito? Nos oferecer as diretrizes para a sua análise como fontes históricas privilegiadas para a compreensão do projeto político‐religioso de construção do império português. Nesse exercício, demonstra como as análises que levam em consideração apenas os aspectos estéticos de sua literatura são insuficientes para nos dar a entender os exercícios de retórica que revelam que os objetivos desse gênero literário era conformar uma identidade ideológica do ser português e do Estado luso.

Outros dois artigos mergulham em temas estruturantes que nos permitem compreender as bases político‐religiosas que sedimentavam a monarquia portuguesa e que norteavam a construção do império: a atuação da Companhia de Jesus e a prática do degredo. Em artigo de minha autoria, analiso os aspectos gerais do empreendimento missionário da Companhia de Jesus no império português em um período em que a ordem religiosa teve privilégio para atuar nos domínios de Portugal. Fundamentado em uma farta documentação produzida por jesuítas que atuaram na América, Ásia e África, o texto analisa os elementos condicionantes da missionação jesuítica que promoveram convergências e divergências na atividade apostólica em espaços diferentes do império. Assim, além de refletir sobre aspectos específicos da história das missões jesuíticas, também destaca a importância que a evangelização teve na estruturação do império português no século XVI.

Geraldo Pieroni, por seu lado, nos apresenta um universo importante da formação e manutenção do império português e de suas colônias ultramarinas: a prática do degredo. Para analisar a trajetória de D. Francisco Manuel de Melo, filósofo e poeta lusitano degredado para o Brasil, o autor mergulha na legislação portuguesa da Época Moderna; nos explica o funcionamento das práticas punitivas portuguesas que alimentavam o desterro como política de normatização social em Portugal (e, ao mesmo tempo, de povoamento das colônias ultramarinas); e analisa, com profundidade, como essas políticas lusas se refletiram no Brasil Colonial. Nesse exercício, Pieroni chama a atenção para o olhar pejorativo da nobreza portuguesa sobre a Terra de Santa Cruz – local de desterro – mas, ao mesmo tempo, destaca o papel preponderante que os indesejados e excluídos de Portugal tiveram na construção do Brasil.

Por esta razão, espera‐se que esse dossiê permita o trânsito dos nosso leitores em diferentes universos da história da expansão ultramarina e das que se com ela se conectam através das temáticas aqui abordadas. O maior desejo da História Revista é que, com este dossiê, naveguemos por mares já navegados que, ao serem revistados, nos revelem novos pontos que a historiografia possa desbravar.

Nota

1. BENNASSAR, Bartolomé. Dos mundos fechados à abertura do mundo. In: NOVAES, Adauto (org.). A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Funarte / Companhia das Letras, 1998, pp. 83‐93.

Luiz Antonio Sabeh – UNIFAL‐MG. E-mail: [email protected]

Organizador


SABEH, Luiz Antonio. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 23, n. 3, set. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Política e cultura na Antiguidade Tardia e / ou Primeira Idade Média / História Revista / 2006

GONÇALVES, Ana Teresa Marques; CARVALHO, Margarida Maria de. Apresentação. História Revista, Goiânia- GO, v.11, n.1, 2006. Acesso apenas pelo link original [DR]

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História Revista | UFG | 1996

HIstoria Revista 2 História Revista

A História Revista (Goiânia, 1996-) pretende ser um espaço amplo de discussão acadêmica de temas históricos. Tem como objetivo a publicação de artigos originais resultantes de pesquisa científica e outros tipos de textos como Resenhas, Conferências, Depoimentos, Homenagens, In memoriam e Traduções.

A História Revista tem por finalidade publicar e divulgar, preferencialmente, artigos inéditos na área de história.

A História Revista é uma publicação quadrimestral da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás.

Periodicidade anual.

Acesso livre.

ISSN 2316 9141

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