Espaços fechados e cidades: insegurança urbana e fragmentação social / Maria Encarnação B. Sposito

O livro, “Espaços fechado e cidades: insegurança urbana e fragmentação socioespacial”, lançado no ano de 2013 é resultado de um trabalho interdisciplinar desenvolvido pelas professoras da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP/Presidente Prudente – SP, Maria Encarnação Beltrão Sposito (Geografia) e a Eda Maria Góes (História), em parceria com outras ciências como a Sociologia e a Antropologia. A partir da perspectiva de que o “espaço não é mero coadjuvante”, mas faz parte das construções sociais, as autoras buscaram analisar a segregação socioespacial por meio do estudo dos espaços residenciais fechados, ou seja, os condomínios particulares. Sob essa baliza, Sposito e Goés procuram compreender as matizes nas fragmentações estruturais do espaço urbano e as implicações enquanto segregação social.

Antes de adentrarmos nas abordagens metodológicas da obra, é importante frisar que o livro em questão no ano de 2015 recebeu o prêmio, “Ana Clara Torres Ribeiro”, laureado pela Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR, o que colocou em destaque acerca das mais recentes discussões sobre as problemáticas do espaço urbano. A obra foi resultado de um trabalho intenso e de fôlego que vem sendo desenvolvido através do conjunto de analises desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAs-PEERR), o qual reúne amplo leque de perspectivas do olhar sobre o objeto urbano.

As autoras analisaram três cidades médias do interior paulista, Marília, Presidente Prudente e São Carlos. A escolha foi parte da metodologia, pois, assume a ideia de sair da seara das metrópoles como objetos centrais dos estudos do urbano no Brasil. Entretanto, a pesquisa se preocupou em compreender o contexto urbano brasileiro das grandes cidades e compor associações de contrastes e pontos em comum entre as escalas urbanas. Para o desenvolvimento da pesquisa, as autoras fizeram uso de entrevistas, tanto com moradores dos espaços residenciais fechados, meticulosamente escolhidos, em cada das três cidades abordadas, bem como realizaram entrevistas com os habitantes de diferentes localidades dos referidos municípios. Desse modo, as autoras enfatizam que por meio dessa lógica, puderam compreender a visão de dentro e de fora dos espaços privados.

O livro está organizado em três partes que se distribuindo em onze capítulos. Cada parte possui um tema central que se desmembra em capítulos, onde a pesquisa se aprofunda. Nessa resenha procuramos organizar as ideias do livro a partir de cada parte que se organiza a obra, para que possamos compreender um aspecto geral do trabalho das autoras e ao mesmo tempo apresenta-lo de modo mais dinâmico.

A parte inicial do livro recebe o título de “O tema e a pesquisa” e abrange os três primeiros capítulos. No capítulo 1 as autoras procuraram de modo enfático, apresentar os referencias teóricos que embasaram as abordagens que serão contempladas ao longo do trabalho, sobretudo, apontando alguns conceitos essências que deram forma à pesquisa.

Primeiramente, as autoras compreendem o espaço urbano como um elemento ativo nas relações de sociabilidades. Assim, o espaço não se resume a um “palco”, pelo contrário, a partir dos fundamentos de Ana Fani Alessandri Carlos, as relações sociais são entendidas como relações espaciais. Outro aspecto que cerca o em torno da pesquisa foi o fator violência e cidade. De acordo com autores como Zygmund Bauman e Yves Pedrazzini, a obra mergulha nessa estreita relação compreendida entre o espaço urbano e o medo/violência.

A partir de Pedrazzini, as autoras se fundamentam no termo da “estética do medo” e/ou “urbanismo do medo”, concepções elaboradas para análise de uma política urbana social para explicar as demarcações do espaço urbano de acordo com as valorizações e desvalorizações desses a partir de uma caracterização da violência. Desse modo, contrapontos como “periferia x centralidade”, são analisados no livro, levando o leitor a rever as naturalizações de tais conceitos de clivagens e compreender as novas concepções estruturais das cidades contemporâneas.

Com base nas análises de perfil de cidades internacionais, metrópoles nacionais, bem como, as cidades médias trabalhadas no livro, as autoras puderam traçar uma constante relacionada ao crescimento de espaços residenciais fechados. A partir da metodologia de compreender a visão dos moradores desses espaços, assim como o lugar desses espaços dentro do contexto social de cada cidade abordada, foi possível traçar considerável número de semelhanças, mesmo considerando, as particularidades de cada espaço residencial fechado e os municípios de Presidente Prudente, Marília e São Carlos.

Assim, as autoras compreenderam que esses espaços residenciais foram legitimados na concepção da oferta de segurança, por meio do fomento do discurso da violência urbana e a partir desse constructo, a construção de muros, sistemas de controle de acesso dos de fora para dentro, bem como monitoramento do espaço com câmeras e vigilância permanente, formulam empreendimentos imobiliários, que vendem a ideia de segurança, ao mesmo tempo em que alimentam um mercado de habitações particulares de luxo “longe” dos problemas urbanos. Ao se fundamentarem em autores como Guénola Capron, pode-se compreender os espaços fechados como formadores e legitimadores de clivagens, aonde as fronteiras vão sendo construídas e fragmentando os espaços dos ricos e dos pobres.

Na segunda parte, o livro se desdobra para questões relacionadas às diferentes estruturas urbanas, intitulada “O que é central, o que é periférico e suas múltiplas escalas”. Nesse sentido, o leitor passa a compreender o processo de desenvolvimento da malha urbana de cada município analisado, o modo com que as cidades foram tomando forma dentro dos enquadramentos de espaços residenciais para as diferentes classes, bem como, a construção – sob as particularidades dos residenciais e seus municípios – dos condomínios particulares.

Além disso, Sposito e Góes procuram justificar a escolha de cidades médias e o leitor é convidado a problematizar as questões de escalas pouco visitadas, considerando que as cidades metropolitanas acabam por tomar considerável espaço nas análises do urbano e pouco se estuda acerca de estruturas de cidades médias ou pequenas. Sob esse aspecto é que as autoras tomam esses enclaves como “habitats urbanos”. É por meio da aproximação das realidades de Presidente Prudente, Marília e São Carlos que as autoras puderam realizar um detalhamento criterioso sobre as novas redefinições espaciais, sobretudo, no que toca a dicotomia “centro x periferia”.

Em busca da ideia de segurança e exclusividade, as construtoras implantaram seus projetos em localidades mais afastadas do que as autoras entendem como centro, ou seja, regiões com espaços urbanos mais estruturados1. Assim, percebe-se o deslocamento de famílias com poderes aquisitivos mais elevados às residenciais fechados, localizados nas fimbrias dos perímetros urbanos dos municípios. Por meio de entrevistas com moradores desses locais, foi possível compreender mais do que as construções, no que compete às composições físicas desses espaços, há um engendramento de sociabilidades particulares, onde o discurso se alinha com base na busca pela segurança.

Para Sposito e Góes, tais empreendimentos extrapolam os muros desses espaços fechados, pois, fomentam a estruturação de uma realidade urbana de segregação, atingindo a população externa, colocando assim uma ordem, dos de dentro e os de fora. Especificamente no capítulo 5 as autoras destinam um espaço para as particularidades de implantação desses espaços residenciais fechados, considerando o quadro urbano de cada município. Posteriormente, o leitor é convidado a acompanhar o desenvolvimento de problematizações acerca das reconfigurações das espacialidades urbanas, a partir de novas perspectivas sobre as “periferizações seletivas”, ou seja, esses espaços residenciais fechados promovem o surgimento de “novos habitats” resultando em novas concepções de segregação espacial.

O capítulo 6 revela o cerne da pesquisa, sob o título “Novos habitats, novas formas de separação social”. Por meio de entrevistas com corretores imobiliários, foi possível perceber que os condomínios residenciais fechados, ao se instalarem nas regiões periférico-fronteiriças da cidade, acabam por se aproximar das periferias tradicionais, ou seja, daquelas regiões desestruturadas, como favelas e bairros com condições precárias.

Entretanto, é na estruturação física que esses espaços fechados, munidos de muros altos, portões de alta segurança, entre outros fatores já citados, reforçam as fronteiras socioespaciais, determinando o lugar de cada classe e sua posição urbana e social. No mesmo capítulo são aprofundadas questões como interesses privados de geração de capital proveniente às especulações imobiliárias, as implicações de distância desses espaços fechados de redes de serviços, bem como as especificidades de cada cidade média em relação aos empreendimentos residenciais fechados. É interessante destacar que houve um forte investimento, por parte das autoras em representar os espaços das cidades estudadas com uso de mapas, tabelas e fotos, o que deixa a leitura mais compreensiva e próxima à realidade do objeto estudado.

A terceira e última parte do livro, se concentra na temática da violência e insegurança na cidade, conceitos que foram ressaltados como importantes condutores nas reorganizações espaciais no meio urbano. Sposito e Góes buscaram com base nas entrevistas um viés da violência a partir do “olhar do outro”. Nesse sentido, as autoras compreendem a violência como um conceito polissêmico. Ao se fundamentarem em Michel Misse, para estudar a violência urbana, entendem que nesse contexto a “realidade, envolve uma pluralidade de eventos, circunstâncias e fatores que têm sido, por um lado, imaginariamente unificados num único conceito e, por outro, representados como um sujeito difuso que está em todas as partes” (SPOSITO & GÓES, 2013: 164).

Outro ponto abordado pelas atoras foi à representação da violência, assim como a violência da representação. Nesse ponto, a pesquisa procura analisar a fundo o modo com que a violência passa a adquirir um aspecto simbólico forte de modo a sustentar o discurso pela busca de segurança, sobretudo, por parte dos moradores dos espaços fechados, questão fomentada pela mídia e manipulações de interesses políticos balizam esse imaginário da violência.

Sposito e Góes, ao trazerem abordagens com diferentes olhares da ciência proporcionam compreender como cada vez mais os interesses particulares passaram a modificar as paisagens urbanas, sobretudo, no que tange ao fomento da fragmentação socioespacial. Os espaços residenciais fechados ao buscarem homogeneizar padrões de convívio, dinamizam as práticas de interesses econômicos no âmbito imobiliário, mas legitimam cada vez mais as heterogeneidades para os que estão do lado de fora dos muros.

A leitura dessa obra é importante porque nela as autoras revisitaram conceitos clássicos, como centralidade e periferia, criminalidade, violência e segurança urbana, espaços residenciais fechados, elementos muitos pautados em pesquisas, bem como fenômenos de moradia – como os residenciais habitacionais fechados – que nos leva a revisitar e refletir sobre as constantes mudanças no espaço da cidade. Além, da valiosa contribuição metodológica, utilizando entrevistas, respeitando os diferentes pontos de perspectiva e mapeando as novas formulações do espaço urbano enquanto um meio ativo é vívido na construção das sociabilidades.

Daniela Reis Moraes – Mestranda junto ao programa de História e Sociedades, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Campus Assis-SP. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].


SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; GÓES, Eda Maria. Espaços fechados e cidades: insegurança urbana e fragmentação social. São Paulo: Editora da Unesp, 2013. Resenha de: MORAES, Daniela Reis. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.27, p.160-164, ago./dez., 2015. Acessar publicação original. [IF].

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