City of beasts: how animals shaped Georgian London | Thomas Almeroth-Williams

Durante a Era Georgiana (1714-1830), Londres consolidou sua posição como centro financeiro mundial. A cidade se expandia com a construção de edifícios, de ruas e avenidas e a criação de parques e jardins. No porto, as grandes docas fervilhavam com embarcações nacionais e estrangeiras, trazendo produtos e mercadorias vindos de diferentes partes do globo. A cidade se tornara uma metrópole, com mais de 700 mil pessoas, mas a população de viventes era ainda maior. Invisíveis à primeira vista, os animais possuíam importante papel na conformação social, econômica e urbana, como assevera Thomas Almeroth-Williams (2019), pesquisador associado do Centre for Eighteenth Century Studies da Universidade de York, em seu livro City of beasts: how animals shaped Georgian London.

Fruto de uma pesquisa de 10 anos, Almeroth-Williams expõe a contribuição dos animais no cenário londrino e os desafios enfrentados por esses e por seus senhores. Londres, no começo do século XVIII, consumia semanalmente cerca de três mil ovelhas e bois, em conjunto com toneladas de outros gêneros alimentícios. Na época, era considerada uma cidade que a tudo e a todos devorava. Além do trânsito desses animais para abate, mais de 31 mil cavalos e milhares de cães e gatos circulavam em seus parques, ruas e avenidas. Números impressionantes, mas que não obtiveram a atenção por parte da historiografia britânica, como observado no Cambridge urban history of Britain e em outras biografias da cidade. A preocupação dessas e das demais pesquisas sobre o tema, segundo o autor, residia nas questões associadas à crueldade animal e ao surgimento do apelo humanitarista.

Embora o intuito seja acrescentar novas possibilidades de pesquisa da história urbana de Londres, o objeto de estudo não é inédito. Historiadores ambientais urbanos estadunidenses abordaram o tema desde o início do século XIX, e, em seu livro, Almeroth-Williams não se furta em mencionar e tecer reflexões a partir do trabalho de nomes como William Cronnon, Joel Arthur Tarr, Martin Melosi. Se, para Clay McShane e Joel Arthur Tarr (2007, p.1), foi no século XIX que os “humanos não conseguiriam construir nem viver em grandes metrópoles geradoras de riquezas que emergiram naquele século sem os cavalos”,1 o livro consegue estabelecer dinâmica similar ainda no século XVIII. Todavia, o ponto de partida para a construção da ideia central do livro parece ser as inquietações provocadas por Keith Thomas. Se, para Thomas (2010), a sociedade urbana britânica, no início do século XIX, já se encontrava completamente alienada dos animais, economicamente marginalizados durante o intenso processo de industrialização das cidades e substituídos gradualmente pelas máquinas, Almeroth-Williams demonstra justamente o contrário: os animais eram agentes ativos na transformação econômica e espacial de Londres.

Os sete capítulos foram organizados de forma temática, abordando o papel dos animais dentro das atividades econômicas envolvidas na conformação urbana de Londres. Os cavalos receberam especial atenção, em quatro momentos que retratam aspectos diversos de sua atuação, seja como bestas de trabalho ou como símbolos de status e de sociabilidade no cenário londrino. O manejo e os cuidados dispensados aos equinos e a outros animais de valor são discutidos em outros dois capítulos, desvelando uma Londres muito mais próxima da ideia de “agrópolis” do que uma metrópole propriamente dita. O autor persiste em tal ideia ao enfatizar, no “Meet on the hoof”, a convivência tumultuosa entre os moradores e os animais levados aos matadouros e aos estábulos localizados nas áreas centrais de uma cidade ávida em se alimentar. Por fim, o livro aborda como os londrinos recorriam aos cães para proteger suas propriedades, cujos latidos não apenas frustravam tentativas de roubo, como igualmente se mesclavam aos barulhos inerentes à vida urbana da época.

A base documental utilizada no livro consegue fundamentar os argumentos do autor e expor questões atuais e pertinentes no trato historiográfico. O uso extensivo de acervos on-line, em especial o Old Bailey Proceedings,2 e a Burney Collection,3 ratifica a mudança paradigmática no uso das fontes, cuja digitalização e disponibilidade via tecnologias de informação resultam em novas formas de acesso e análise do material primário. Nesse cenário, o pesquisador se torna um “leitor-navegador”, o qual “escolhe e constrói sua própria maneira de dialogar com o autor e manusear o documento, seguindo caminhos epistemológicos pessoais”4 (Gallini, Noiret, 2011, p.18). Apesar de os acervos supracitados serem extensivamente conhecidos, Almeroth-Williams oferece nova perspectiva desse material em sua busca pelo protagonismo dos animais, que concebe como “invisíveis em plena vista”. Isso permite oportunas possibilidades de estudos aos interessados em temas relacionados ao meio ambiente e ao urbano, sem necessariamente terem que recorrer a fontes documentais inéditas.

De fato, o uso consistente das fontes documentais e iconográficas não deixa dúvidas quanto ao protagonismo dos animais dentro da dinâmica londrina, sua ocupação nos espaços urbanos e seu papel em prol das atividades econômicas humanas. City of beasts se insere em um debate iniciado em finais do século XX, e ainda atual e relevante, sobre a relação, não raro conflituosa, entre seres humanos e não humanos, com perspectiva apartada da centralidade antropocêntrica, tão comum nos estudos sobre o meio urbano. Embora restrito a Londres, o livro atende, de forma clara, os objetivos alvitrados, sendo uma leitura proveitosa tanto para pesquisadores interessados em história ambiental e urbana quanto para o leitor leigo.

Notas

1 No original: “Humans could not have built nor lived in the giant, wealth-generating metropoles that emerged in that century without horses”. Nessa e nas demais citações de textos publicados em outros idiomas, a tradução é livre.

2 Disponível em: https://www.oldbaileyonline.org/. Acesso em: 10 set. 2021.

3 Disponível em: https://www.bl.uk/collection-guides/burney-collection.  Acesso em: 10 set. 2021.

4 No original: “escoge y construye su propia manera de dialogar con el autor y manejar el documento, siguiendo personales caminos epistemológicos”.

Referências

ALMEROTH-WILLIAMS, Thomas. City of beasts: how animals shaped Georgian London Manchester: Manchester University Press, 2019.

GALLINI, Stefania; NOIRET, Serge. La historia digital en la era del Web 2.0: introducción al dossier Historia Digital. Historia Critica, n.43, p.16-37, 2011. Disponível em: http://historiacritica.uniandes.edu.co/view.php/691/view.php Acesso em: 20 dez. 2020.
» http://historiacritica.uniandes.edu.co/view.php/691/view.php

MCSHANE, Clay; TARR, Joel A.The horse in the city: living machines in the nineteenth century Baltimore: John Hopkins University Press, 2007.

THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais, 1500-1800 São Paulo: Companhia de Bolso, 2010.


Resenhista

Yuri Simonini – Centro Universitário do Rio Grande do Norte. Natal – RN – Brasil orcid.org/0000-0002-2025-082X E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

ALMEROTH-WILLIAMS, Thomas. City of beasts: how animals shaped Georgian London. Manchester: Manchester University Press, 2019. Resenha de: SIMONINI, Yuri. Urbe animalia: os animais e seu papel na configuração espacial da Londres georgiana. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro. v.28, supl., dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

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