A 500 años del hallazgo del Pacífico: la presencia novohispana en el Mar del Sur | Carmen Yuste López, Guadalupe Pizón Ríos

A despeito dos aspectos artificiais e anacrônicos, datas “redondas” de determinados eventos são marcadas pelo aumento do interesse por parte do grande público, dos meios de comunicação e do mercado editorial, gerando publicações, encontros acadêmicos e cerimônias oficiais. Tomando o México como exemplo, podemos citar as comemorações realizadas em 2010 pelo bicentenário do início do processo de independência e os cem anos da Revolução Mexicana, que geraram programas de televisão, a construção de monumentos, celebrações realizadas pelo Governo Federal em todo o País, além do envio de dezenas de milhares de livros de história e bandeiras nacionais para os lares mexicanos. Eventos da mesma magnitude estão previstos para ocorrer em 2021, envolvendo os 700 anos de fundação da cidade asteca de MéxicoTenochtitlán, os 500 anos de sua conquista pelas forças lideradas por Hernán Cortés e os 200 anos da independência mexicana.

Entre essas duas grandes celebrações nacionais, outra efeméride passou praticamente despercebida, mas gerou interessantes reflexões no âmbito acadêmico. Em 1513, uma expedição comandada por Vasco Núñez de Balboa pela região do atual Panamá alcançou o Mar del Sur. O contato europeu com os limites a oeste do Novo Mundo e com o Oceano Pacífico foi fundamental para a compreensão dos desdobramentos da presença espanhola não apenas no continente americano, mas também no seu estabelecimento na Ásia. Segundo Carmen Yuste López e Guadalupe Pinzón Ríos, esse feito teria reacendido na Coroa espanhola o sonho anteriormente perseguido por Colombo de obter acesso às míticas riquezas que se escondiam no Oriente em locais como Catay e Cipango.

Ambas as autoras coordenaram a publicação em 2016, da obra A 500 años del hallazgo del Pacífico: la presencia novohispana en el Mar del Sur1. O livro é um desdobramento do congresso internacional organizado em 2013 pelo Instituto de Investigaciones Históricas da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), onde foram apresentadas versões preliminares de vários dos artigos presentes nessa obra (que também inclui textos de autores que não participaram do evento).

Característica comum a muitas obras coletivas, A 500 años del hallazgo del Pacífico é marcada pela multiplicidade de abordagens, recortes, premissas e objetivos. Dessa forma, o livro contempla desde reflexões associadas a uma determinada personagem até análises minuciosas a respeito do soldo pago aos intérpretes que acompanhavam as expedições, passando por debates sobre como deveria ser a atuação da Coroa espanhola em suas colônias orientais assim como os contatos dessas com o continente americano. Essa variedade, que poderia ser interpretada como um aspecto negativo da obra, permite ao leitor o acesso a uma ampla gama de fontes, interpretações e debates historiográficos, sugerindo novas conexões e caminhos de pesquisa.

Na tentativa de sistematizar as reflexões e aproximar algumas temáticas e abordagens, a obra foi dividida em quatro partes. Na primeira delas (El reconocimiento de un nuevo mar), os artigos dedicam atenção aos pioneiros da exploração espanhola no Mar del Sur (em especial, Fernão de Magalhães e Hernán Cortés) e a longa busca por uma nova rota marítima até o continente asiático e, posteriormente, por outra que permitisse o retorno ao continente americano através do Oceano Pacífico.

Na unidade seguinte (La expansión a China, ¿real o imaginaria?), os trabalhos focam nas expedições e nos debates realizados pelos espanhóis a respeito da expansão imperial pelo território asiático. José Antonio Cervera, por exemplo, mapeia as mudanças de postura adotadas pelos espanhóis a respeito da China, que chegou a incluir propostas de conquista militar por parte de funcionários da Coroa e religiosos. Por sua vez, Francisco Roque de Oliveira analisa relatos sobre o continente asiático produzidos por autores europeus durante a União Ibérica, destacando a centralidade da China para as ambições hispânicas na região e o surgimento de “uma nova tipologia de organização das informações”. Já Paulina Machuca aborda a expedição realizada em 1596 à região do Camboja, definida pela autora como a última grande tentativa espanhola de conquistar um novo reino.

Os textos da terceira parte (Preciadas mercancías y reciprocidades culturales) concentram as suas atenções nos intercâmbios culturais e comerciais estabelecidos entre os continentes asiático e americano. Dessa forma, Gustavo Curiel tenta determinar que produtos orientais teriam sido comercializados na América através do Galeão de Manila, frota de embarcações com produtos asiáticos que cruzavam anualmente o Oceano Pacífico até o porto de Acapulco, na Nova Espanha. Objetivo semelhante é perseguido por Alberto Baena Zapatero, que aborda o surgimento de produtos “achinados”, objetos como móveis ou biombos produzidos na América com fortes influências das técnicas e temas orientais. Por fim, Andrés del Castillo Sánchez defende em seu trabalho que o paliacate, tecido comumente associado à identidade nacional mexicana e aos grupos indígenas locais pré-colombianos, teria como origem a região do atual estado indiano de Tamil Nadu.

A parte final (Negociando a través del Pacífico), mais extensa, dedica espaço a aspectos econômicos relacionados às trocas comerciais transpacíficas. Assim como em todo o restante da obra, ainda que alguns artigos tenham abordado outras partes da Ásia e da América, o foco principal recai na atuação espanhola nas Filipinas e as suas ligações com o vice-reino da Nova Espanha. Como exceções, podemos retomar a menção à invasão espanhola do Camboja, citada acima, além dos textos de Guadalupe Pinzón Ríos, sobre os contatos marítimos entre os portos mexicanos e a Guatemala e, de Dení Trejo Barajas, a respeito do papel ocupado pela região da Califórnia nos debates sobre a política do porto único, ocorridas nos estertores do período colonial. Em relação às Filipinas, podemos citar as análises feitas por Carmen Yuste López sobre os impactos da visita do oidor Francisco Henríquez de Villacorta à irmandade da Santa Misericordia de Manila, em meados do século XVIII, e por Benito Legarda y Fernández a respeito da presença de produtos filipinos – e não apenas chineses ou indianos – na composição das cargas transportadas pelo Galeão de Manila até a América.

É evidente que a divisão em partes do livro não significa uma separação estrita entre os temas, as fontes e as perspectivas adotadas. Como exemplo, destacamos a questão do contrabando, tema de difícil abordagem e que surge de forma recorrente ao longo de toda a obra, sendo fundamental para a compreensão da complexidade das relações entre as terras espanholas na Ásia e na América. Em teoria, os produtos orientais que desembarcavam em Acapulco deveriam se restringir ao vice-reino da Nova Espanha, contudo, circularam ilegalmente por praticamente todas as possessões espanholas do Novo Mundo, em especial no Peru. Da mesma forma, mas em sentido contrário, parte significativa da prata potosina foi desviada para a China a despeito das recorrentes tentativas por parte da Coroa de controlar a sua circulação.

Outro elemento comum a muitos artigos é o questionamento à adoção de recortes “nacionais” ou continentais nas pesquisas, assim como as limitações do poder central diante das distâncias, das diferenças e das especificidades locais. Reiteradas vezes ao longo do livro, fica evidente a importância de se ampliar e variar a escala de observação para além de uma região específica do Império Espanhol ou da relação dessas terras com a Coroa. Análises sobre a elite criolla mexicana durante o período colonial, por exemplo, ganham muito quando são levadas em consideração as mudanças trazidas pelo contato permanente com pessoas, produtos e ideias provenientes do continente asiático assim como a subordinação da estrutura administrativa destas terras ao vice-reino da Nova Espanha. Por outro lado, os estudos sobre a atuação espanhola no Oriente devem levar em consideração aspectos como a derrota da Invencível Armada para as forças inglesas, em 1588, assim como a experiência ibérica em terras americanas no contato com os grupos nativos, os esforços missionários ou os conflitos armados.

Para além da efeméride que a motivou, A 500 años del hallazgo del Pacífico integra um movimento crescente nas últimas décadas de interesse pelo Oriente, reforçando a imagem sugerida pelo historiador Felipe Fernández-Armesto de um lento deslocamento para o oeste do palco principal das mudanças em escala global (do Mar Mediterrâneo para o Oceano Atlântico durante a Primeira Modernidade e, nos últimos tempos, desse para o Pacífico). Abordagens como Histórias Conectadas, História Global, subaltern studies, entre outras, associadas a questionamentos em relação aos limites do poder imperial vêm contribuindo para análises inovadoras sobre as relações dos diferentes territórios espanhóis na Ásia e na América. Mudanças essas que, por exemplo, transformam a primeira circum-navegação comandada por Fernão de Magalhães e Juan Sebastián Elcano – iniciada há exatos 500 anos – de um símbolo da expansão do absolutismo espanhol para algo mais amplo e complexo, que desencadeou inúmeros desdobramentos não apenas dos centros para as periferias, mas em múltiplas direções entre as quatro partes do mundo conhecidas até então.

Dessa forma, em um período de pesquisas cada vez mais específicas, a leitura dos artigos que integram esta coletânea permite uma ampliação dos diálogos que transcendem as divisões tradicionais das disciplinas dos cursos universitários brasileiros de História. Diante de informações como a de que os debates sobre a viabilidade de uma declaração de guerra contra a China por parte dos espanhóis se deu através de trocas de correspondências entre funcionários da Coroa e religiosos nas Filipinas, México e Espanha, torna-se muito mais problemática a divisão entre História da América, História Moderna e – ainda muito incipiente no País – História da Ásia.

Nota

1 Disponível integralmente em: www.historicas.unam.mx/publica ciones/publicadigital/libros/hallazgo_pacifico/novohispana.html. Acesso em: 26 fev. 2019.


Resenhista

Luís Guilherme Assis Kalil – Doutor em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor de História da América e membro do Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) https://orcid.org/0000-0002-4332-6735 E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

YUSTE LÓPEZ, Carmen; PINZÓN RÍOS, Guadalupe (Coord.). A 500 años del hallazgo del Pacífico: la presencia novohispana en el Mar del Sur. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2016. Resenha de: KALIL, Luís Guilherme Assis. De Mar del Sur a oceano: reflexões sobre o Pacífico nos 500 anos de sua descoberta pelos europeus. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 45, n. 3, p. 183-185, set./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

 

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