Por uma Revisão Crítica – Ditadura e Sociedade no Brasil | Denise Rollemberg e Janaína Cordeiro

Poucos temas têm ganhado tanto espaço na academia e na mídia quanto o negacionismo. As razões para isso são óbvias, é claro, bastando olharmos para a situação de calamidade nacional em que nos encontramos para entendermos a extensão dos males que o negacionismo pode acarretar à sociedade. Dentre os tantos negacionismos com que temos que lidar, o negacionismo histórico acerca da ditadura instaurada no país em 1964 se mostrou um dos mais fecundos e corriqueiros, tornando-se “senso comum” em sites e perfis em redes sociais que alimentam “certos” grupos no aplicativo WhatsApp.

O negacionismo da ditadura ressoou recentemente nas declarações de dois ministros de Estado que, chamados a depor no Congresso, externaram de forma indiferente suas crenças. O ministro da Defesa, general Braga Netto, afirmou que não considera ter havido ditadura e que, “Se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui” (MENDONÇA, [2021]). Já o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretária-geral, afirmou que o uso do termo ditadura é puramente de ordem semântica, preferindo a expressão “regime militar de exceção, muito forte” (GULLINO, [2021]). Em ambos os casos, não se contesta a “força” do regime, mas se argumenta que ela seria necessária diante do contexto da Guerra Fria, e que o Congresso operava “normalmente”, o que caracterizaria a democracia. Para além de um entendimento simplista de democracia, nega-se, dessa forma, fatos e eventos que estavam no centro da ruptura da ordem democrática e da legitimidade do regime quando do golpe de 1964. Nega-se, por exemplo, o respaldo democrático do governo Goulart,2 além de se negar a desfiguração do próprio Congresso, as cassações, perseguições e exílios, a violência e a repressão que impossibilitavam atuações políticas plenamente democráticas. Leia Mais

História pública e ensino de história | Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira

Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida História Pública
Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira (em primeiro plano) | Fotos: UFMG e UFF

ALMEIDA Historia publica e ensino de historia História PúblicaO estranhamento de todo dia para aqueles e aquelas que experimentam, seja na formação inicial ou continuada, seja no trabalho escolar ou na pesquisa acadêmica, o ensino de história como um campo de conhecimento, mas também de práticas profissionais, talvez seja muito seme­lhante à experiência de um estrangeiro olhando as suas fontes e os seus materiais, interagindo com os sujeitos do campo, buscando sempre autorizar a superação da dolorosa sensação de alheamento e exterioridade com a sua prática e a experiência que dela decorre. Quem sabe, eles não encontrem nesse belo trabalho organizado por Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira, com a contribuição de especialistas sempre (ou quase sempre) compartilhando a autoridade com professores de ofício da educação básica – via de regra experimentando percursos de formação continuada –, uma aliança generosa e solidária? Que esta resenha possa somar-se a essa alian­ça potente, em uma perspectiva de compreensão narrativa e empatia (RITIVOI, 2018), assumindo um lugar de professor entre professores de História.

Bons textos nos fazem pensar uma segunda vez sobre o que já sabemos, ou julgamos saber. E pensar ainda uma vez mais sobre o repensado, em uma espiral de sentidos que não se esgota entre paredes, nem do laboratório nem da sala de aula. E ainda que esses espaços sejam, às vezes, referências incontornáveis para o que pensamos e para o modo como pensamos, também eles não cabem definitivamente em si mesmos. Estão aí estes tempos de pandemia e de afastamento social a forçar a dilatação paradoxal das nossas referências e das nossas reflexões. O que sabe­mos sobre o ensino de história? O que sabemos sobre a história pública? O que sabemos sobre esse lugar para onde convergem nossos saberes sobre ambos? Se não trazem respostas prontas e definitivas a tantas perguntas, os textos reunidos em História pública e ensino de história parecem seguir o conhecido conselho de Clifford Geertz (2009), segundo o qual, quando não conhecemos bem a resposta, devemos discutir a pergunta: eles trazem, sem dúvida, uma excelente contribuição à continuidade do debate. Leia Mais

Que história pública queremos? What Public History do we want? | Ana Maria Mauad e Ricardo Santhiago

ANA MARIA MAUAD e RICARDO SANTHIAGO História Pública

Ana Maria Mauad e Ricardo Santhiago | Fotos: Bazar do Tempo e Hypotheses

MAUAD e SANTHIAGO Historia publica História PúblicaOs estudos históricos têm enfrentado, nas últimas décadas, desafios relacionados à sua legitimidade, credibilidade e autorização social em diferentes níveis. O maior deles é o caso do crescente negacionismo que atravessa o combate pela história de modo cada vez mais frequente.

Nesse cenário, as atividades de história pública vem sendo conduzidas no sentido de desestabilizar essas críticas, uma vez que têm como característica a participação do público nos debates que envolvem a construção das próprias pesquisas e/ou do seu produto final. Leia Mais

História pública e ensino de história | Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira

O estranhamento de todo dia para aqueles e aquelas que experimentam, seja na formação inicial ou continuada, seja no trabalho escolar ou na pesquisa acadêmica, o ensino de história como um campo de conhecimento, mas também de práticas profissionais, talvez seja muito semelhante à experiência de um estrangeiro olhando as suas fontes e os seus materiais, interagindo com os sujeitos do campo, buscando sempre autorizar a superação da dolorosa sensação de alheamento e exterioridade com a sua prática e a experiência que dela decorre. Quem sabe, eles não encontrem nesse belo trabalho organizado por Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira, com a contribuição de especialistas sempre (ou quase sempre) compartilhando a autoridade com professores de ofício da educação básica – via de regra experimentando percursos de formação continuada –, uma aliança generosa e solidária?

Que esta resenha possa somar-se a essa aliança potente, em uma perspectiva de compreensão narrativa e empatia (RITIVOI, 2018), assumindo um lugar de professor entre professores de História. Leia Mais

Globalists: the end of empire and the birth of neoliberalismo

Quinn Slobodian, professor na Wellesley College, é historiador com foco em história internacional, política norte-sul, movimentos sociais e história intelectual do neoliberalismo. É ligado a esse último tema que escreveu sua nova obra, “Globalists: the end of empire and the birth of neoliberalism”.

O objetivo inicial de Slobodian é quebrar com o senso comum de que os neoliberais acreditariam em um laissez-faire global, ou seja, em mercados que se autorregulem, em um Estado mínimo e na redução das motivações humanas ao interesse pessoal do homo economicus. Esses neoliberais imaginados confluiriam para um capitalismo de mercado livre conjugado com democracia e teriam fantasias de um mundo sem fronteiras. Leia Mais

Skyscrapers hide the heavens: a history of Indian-White relations in Canada | James Rodger Miller

É relativamente fácil encontrar livros que apresentam de forma compreensiva a história das relações entre povos indígenas brasileiros e colonizadores europeus. Dentre esses, podem-se destacar os fundamentais livros de Melatti (2014) e Almeida (2010). Com a obrigatoriedade legal do ensino da história africana e indígena nas escolas, houve um aumento de publicações sobre o tema voltadas para os ciclos iniciais de escolarização. No entanto, o mesmo não pode ser dito sobre livros que abordem a história de povos indígenas em outros países, tais como a Argentina e o Chile, ou mesmo os Estados Unidos da América.

A presente resenha almeja contribuir para diminuir esta escassez de referências ao apresentar para antropólogos, cientistas sociais, historiadores e cientistas políticos brasileiros a principal obra historiográfica sobre as relações entre povos indígenas e colonizadores europeus no Canadá. Trata-se de Skyscrapers hide the heavens: a history of IndianWhite relations in Canada (2017)3, de autoria do professor de história da Universidade de Saskatchewan, James Rodger Miller. O texto, publicado originalmente em 1989, encontra-se em sua terceira edição e foi um dos trabalhos reeditados pela University of Toronto Press por ocasião da celebração dos 150 anos do ato que estabeleceu o Canadá como estado-nação contemporâneo. Leia Mais

A 500 años del hallazgo del Pacífico: la presencia novohispana en el Mar del Sur | Carmen Yuste López, Guadalupe Pizón Ríos

A despeito dos aspectos artificiais e anacrônicos, datas “redondas” de determinados eventos são marcadas pelo aumento do interesse por parte do grande público, dos meios de comunicação e do mercado editorial, gerando publicações, encontros acadêmicos e cerimônias oficiais. Tomando o México como exemplo, podemos citar as comemorações realizadas em 2010 pelo bicentenário do início do processo de independência e os cem anos da Revolução Mexicana, que geraram programas de televisão, a construção de monumentos, celebrações realizadas pelo Governo Federal em todo o País, além do envio de dezenas de milhares de livros de história e bandeiras nacionais para os lares mexicanos. Eventos da mesma magnitude estão previstos para ocorrer em 2021, envolvendo os 700 anos de fundação da cidade asteca de MéxicoTenochtitlán, os 500 anos de sua conquista pelas forças lideradas por Hernán Cortés e os 200 anos da independência mexicana.

Entre essas duas grandes celebrações nacionais, outra efeméride passou praticamente despercebida, mas gerou interessantes reflexões no âmbito acadêmico. Em 1513, uma expedição comandada por Vasco Núñez de Balboa pela região do atual Panamá alcançou o Mar del Sur. O contato europeu com os limites a oeste do Novo Mundo e com o Oceano Pacífico foi fundamental para a compreensão dos desdobramentos da presença espanhola não apenas no continente americano, mas também no seu estabelecimento na Ásia. Segundo Carmen Yuste López e Guadalupe Pinzón Ríos, esse feito teria reacendido na Coroa espanhola o sonho anteriormente perseguido por Colombo de obter acesso às míticas riquezas que se escondiam no Oriente em locais como Catay e Cipango. Leia Mais

Gritos de papel: las cartas de súplica del exilio español (1936-1945) | Guardalupe Adámez Castro

A obra é resultado da tese de doutorado defendida na Universidade de Alcalá de Henares/Espanha, sendo a autora, Guadalupe Adámez Castro, integrante do Seminario Interdisciplinar de estudos sobre Cultura Escrita (SIECE) e, do Grupo de Investigação Lectura, Escritura, Alfabetización (LEA)1. Orientado com um enfoque interdisciplinar, que parte da metodologia da História Social da Cultura Escrita, o material analisa as cartas de súplicas durante o período do exílio espanhol como um documento vivo, baseando-se na dimensão social e cultural desta prática. Organizada em cinco capítulos, prólogo e epílogo, a publicação objetiva dar visibilidade a uma parte da história particular dos refugiados, assim como compreender as relações que esses mantiveram com a escrita durante a experiência de retirada forçada para outro país.

Inicialmente, a autora aborda as diferentes fases do exílio espanhol, sendo a primeira ocorrida entre os meses de agosto e setembro de 1936, resultante da derrota do exército republicano na campanha de Guipúzcoa. Já o ano de 1939 marca o momento de maior êxodo, onde cerca de quinhentos mil espanhóis se deslocam para a França e para o norte de África. Outras levas de refugiados, nas décadas de 1940 e 1950, assim como as dificuldades de regresso, configuram o período longa duração do exílio, sendo que, em muitos casos, o retorno ocorreu somente com o decreto-lei 10/1969 2. Outros, voltaram ao País somente após a morte de Franco em 1975 e, alguns, jamais retornaram à sua terra natal. Leia Mais

Desarrollismo, franquismo y neohispanidad: historias conectadas entre España, América Latina y Argentina

El libro recientemente editado por Beatriz Figallo, integra resultados de investigación de una quincena de autores de diversos países, en un encomiable esfuerzo por aportar a la presentación de una mirada de conjunto sobre las vinculaciones entre desarrollismo, franquismo, hispanidad (y neohispanidad). Lo hace en una clave comparativa transnacional que conecta las historias de España, Portugal, Chile, Brasil y Argentina, sin dejar de tener en todo momento el marco global como referencial concreto.

Los capítulos construyen una historia en permanente dialogo entre las diversas experiencias nacionales, en las intersecciones entre la historia económica, la historia de las ideas, la historia cultural, las biografías intelectuales, la historia de las relaciones internacionales, etc. Leia Mais

Contra o vento: Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)

Investigador jubilado do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa (Portugal), Valentim Alexandre é autor de um conjunto de livros e artigos fundamentais sobre o fim do Império luso-brasileiro, a viagem de Portugal para África ao longo de oitocentos e o colonialismo português nos séculos XIX e XX nas suas vertentes política, ideológica e econômica. Depois de se aposentar, dedicou vários anos à pesquisa e elaboração deste livro sobre a evolução do sistema colonial português entre o fim da Segunda Guerra Mundial e 1960 (e de outro, em preparação, centrado no período da Guerra Colonial). A obra é monumental a vários títulos. Não me refiro à dimensão que se traduz em número de páginas, mas à investigação histórica que lhe subjaz e ao contributo decisivo que traz à compreensão da durabilidade do Império, fenômeno que andou a par da durabilidade do Estado Novo português (1933-1974).

É sabido que a escrita da história requer a consulta, mais exaustiva e sistemática possível, de fontes primárias e secundárias. Ciente da quantidade e diversidade de fontes disponíveis para o estudo da questão colonial no pós-Guerra, Alexandre escolheu privilegiar o arquivo Oliveira Salazar, “que reúne uma amplíssima documentação com interesse” para o tema e serve de “filtro, concentrando os materiais que subiam à Presidência do Conselho pela especial relevância que […] lhes era reconhecida” (ALEXANDRE, 2017, p.24). Tendo como principal ponto de observação esse fundo documental, não deixou de recorrer a outras fontes primárias (documentos oficiais impressos, periódicos e publicações da época) e de confrontar a bibliografia que vem sendo publicada em Portugal e noutros países. Cumpre assim enfatizar que um dos grandes méritos deste livro reside precisamente no trabalho com as fontes, um trabalho minucioso, exigente, rigoroso e necessariamente demorado, resultado de uma postura livre e ética, na contramão da exigência académica de pesquisa e publicação rápidas sob o jugo dos fatores de impacto. Leia Mais

Las raíces del antiperonismo. Orígenes históricos e ideológicos | Jorge Nállim

Complexo, heterogêneo e ambíguo. Tais adjetivos podem ser usados para definir o peronismo, fenômeno político de difícil definição e que até hoje desperta profundas paixões e polariza a Argentina. Desde a primeira presidência do coronel Juan Domingo Perón (1946-1955), muitas têm sido as tentativas de compreender esse movimento político. O que nem sempre se nota é que seu oposto, o antiperonismo, também foi profundamente fluído, variando ao longo do tempo e sendo composto, em cada época, por grupos ideologicamente muito diversos, como liberais, comunistas, socialistas, radicais2 e outros.

Nas últimas décadas, o antiperonismo foi objeto de estudo de historiadores, sociólogos e cientistas políticos na Argentina e fora dela. Na maioria desses casos, os acadêmicos propuseram análises específicas, restritas a diferentes instituições ou grupos sociais3 , buscando compreender as particularidades das críticas de cada um. Por isso, é tão bem-vinda a obra do historiador argentino Jorge Nállim, que se propõe a fazer uma análise socialmente e temporalmente bem mais dilatada. Nela, o autor busca compreender como “confluíram [nas ideias antiperonistas] uma série de visões, conceitos, preconceitos, ideologias e setores sociais e políticos que tinham se forjado ao longo das décadas anteriores”4 (NÁLLIM, 2014, p. 258, tradução nossa). Para isso, ele investiga uma ampla variedade de fontes documentais, com privilégio para revistas e jornais argentinos. Leia Mais

Estudos Ibero-Americanos | PUC-RS | 1975

Estudos Ibero Americanos 2 História Pública

Fundada e idealizada pelo professor Braz Augusto Aquino Brancato, a Revista Estudos Ibero-Americanos (Porto Alegre, 1975-) integra-se ao projeto do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em História, organizado em 1973 e em funcionamento desde 1974 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

É um periódico destinado ao público acadêmico tanto da área de História como das Ciências Humanas em geral.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 0101-4064 (Impresso)

ISSN 1980-864X (Online)

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