Cuando Moctezuma conoció a Cortés: la verdad del encuentro que cambió la historia | Matthew Restall

Mattew Restall Cortés

Mattew Restall | Imagem: Alchetron

Existem muitas formas de alguém interessado pela Conquista do México procurar informações sobre o tema. Uma das mais comuns é realizar uma busca através do Google. Ao fazermos isso, o primeiro resultado – em geral, o mais acessado – abre seu texto com a afirmação de que “a conquista dos astecas foi um feito atribuído ao espanhol Hernán Cortés” (Silva, 2020). Outro caminho muito utilizado é procurar por livros em sites de vendas. Na versão brasileira da Amazon, por exemplo, os primeiros resultados sugerem uma biografia de Cortés (Morais, 2011) e uma obra publicada há mais de 170 anos pelo historiador norte-americano William H. Prescott (1843).

As opções sugeridas em ambas as buscas revelam algumas das principais questões que levaram Matthew Restall a publicar seu Cuando Moctezuma conoció a Cortés: la verdad del encuentro que cambió la historia (2019)2. Nele, o professor da Penn State University questiona frontalmente a centralidade atribuída a Cortés durante séculos, o perene sucesso de determinadas abordagens e interpretações sobre os eventos, tendo Prescott como um nome central, e a própria noção de Conquista. Leia Mais

As cores do Novo Mundo: degeneração, ideias de raça e racismos nos séculos XVII e XVIII | Bruno Silva

Quando Diderot e d’Alembert concluíram a Encyclopédie, esse enorme empreendimento intelectual coletivo que buscava concentrar e ordenar o conhecimento possuía mais de 70.000 artigos. No entanto, nenhum deles era dedicado à América. A falta de um verbete sobre o continente americano no que foi descrito por Robert Darnton (1986, p. 247) como “o texto supremo do Iluminismo” é reveladora do espaço dedicado ao Novo Mundo nas reflexões de alguns membros da intelectualidade europeia do período das Luzes. A partir de lógicas hierarquizadoras, as terras americanas e seus habitantes foram, muitas vezes, relegados aos estágios inferiores de desenvolvimento ou de “civilização”.

Essa ausência viria a ser contornada apenas no Supplément à l’Encyclopédie, publicado entre 1776 e 1777, que não contou com a participação direta dos principais organizadores da obra original. Nele, o verbete Amérique2 é dividido entre dois autores. As questões geográficas entremeadas por debates acerca da fiabilidade das fontes sobre o Novo Mundo foram abordadas por Samuel Engel, cartógrafo ilustrado suíço que já havia dedicado uma obra ao continente americano, na qual buscava determinar como, quando e por quem essas terras teriam sido povoadas (ENGEL, 1767). Por sua vez, as discussões envolvendo os indígenas, a natureza e as influências deletérias do clima couberam a Cornelius de Pauw. Em sua parte do verbete, o intelectual prussiano descreve um continente, bem como seus habitantes, marcado pela inferioridade e pela falta em seus múltiplos aspectos: de animais de carga, de disposição e maturidade para o trabalho físico e intelectual por parte de seus moradores, de condições climáticas favoráveis à agricultura e ao desenvolvimento das sociedades, entre várias outras ausências. Leia Mais

A 500 años del hallazgo del Pacífico: la presencia novohispana en el Mar del Sur | Carmen Yuste López, Guadalupe Pizón Ríos

A despeito dos aspectos artificiais e anacrônicos, datas “redondas” de determinados eventos são marcadas pelo aumento do interesse por parte do grande público, dos meios de comunicação e do mercado editorial, gerando publicações, encontros acadêmicos e cerimônias oficiais. Tomando o México como exemplo, podemos citar as comemorações realizadas em 2010 pelo bicentenário do início do processo de independência e os cem anos da Revolução Mexicana, que geraram programas de televisão, a construção de monumentos, celebrações realizadas pelo Governo Federal em todo o País, além do envio de dezenas de milhares de livros de história e bandeiras nacionais para os lares mexicanos. Eventos da mesma magnitude estão previstos para ocorrer em 2021, envolvendo os 700 anos de fundação da cidade asteca de MéxicoTenochtitlán, os 500 anos de sua conquista pelas forças lideradas por Hernán Cortés e os 200 anos da independência mexicana.

Entre essas duas grandes celebrações nacionais, outra efeméride passou praticamente despercebida, mas gerou interessantes reflexões no âmbito acadêmico. Em 1513, uma expedição comandada por Vasco Núñez de Balboa pela região do atual Panamá alcançou o Mar del Sur. O contato europeu com os limites a oeste do Novo Mundo e com o Oceano Pacífico foi fundamental para a compreensão dos desdobramentos da presença espanhola não apenas no continente americano, mas também no seu estabelecimento na Ásia. Segundo Carmen Yuste López e Guadalupe Pinzón Ríos, esse feito teria reacendido na Coroa espanhola o sonho anteriormente perseguido por Colombo de obter acesso às míticas riquezas que se escondiam no Oriente em locais como Catay e Cipango. Leia Mais

Hacia otra historia de América: nuevas miradas sobre el cambio cultural y las relaciones interétnicas – FEDERICO (RBH)

FEDERICO, Navarrete Linares. Hacia otra historia de América: nuevas miradas sobre el cambio cultural y las relaciones interétnicas. México: Universidad Nacional Autónoma de México (Instituto de Investigaciones Históricas), 2015. 178p. Resenha de: KALIL, Luis Guilherme Assis. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.37, n.75, mai./ago. 2017.

Pensemos em um membro de uma comunidade indígena do centro da Nova Espanha no século XVI. Ele poderia ter identidades culturais e de gênero, praticar determinado ofício, ser cristão e, no campo das identidades étnicas, estar associado a seu “barrio” e comunidade além de ser vassalo da Coroa espanhola. Esse exemplo hipotético analisado por Federico Navarrete Linares revela muitos dos temas abordados em sua obra, associados, principalmente, aos conceitos de alteridade e identidade.

Nos dois ensaios que compõem a obra,2 o professor da UNAM apresenta um amplo panorama das reflexões associadas a esses conceitos dentro da história do continente americano, bem como propõe caminhos de interpretação. Com esse intuito, Navarrete amplia os recortes temporal e geográfico em sua análise, adotando uma perspectiva continental ao longo de mais de cinco séculos, sob o argumento de que, a despeito das especificidades, existiriam muitas convergências entre as trajetórias históricas dos países americanos, como o pertencimento a um “sistema comum” centrado no mundo Atlântico.3 Da mesma forma, todos teriam se organizado após a independência dentro do marco das novas ideias liberais, o que o leva a defender a importância de uma perspectiva compartilhada – mais do que comparada – da história da América.

Em seu primeiro ensaio – “El cambio cultural en las sociedades amerindias: una nueva perspectiva” -, Navarrete analisa os diferentes tipos de relações culturais estabelecidas pelos ameríndios a partir dos primeiros contatos com o Velho Mundo, passando pelas múltiplas formas de resistência, alianças e lutas por direitos. O historiador inicia o texto analisando as formas em que os índios foram concebidos como objetos de conhecimento e dominação e os consequentes projetos de transformação cultural desenvolvidos. Entre os séculos XVI e XVII, a dimensão religiosa teria sido o foco principal de atenção dos europeus acerca das culturas ameríndias. Dessa forma, a transformação cultural dos considerados “bárbaros” e “pagãos” passaria, necessariamente, pela conversão. No século XVIII, com a ascensão das ideias ilustradas e do conceito de civilização, a religião teria perdido espaço para a educação como estratégia de incorporação dos indígenas. Uma nova mudança teria ocorrido a partir da segunda metade do século XIX, com a crescente hegemonia do pensamento científico associada ao evolucionismo biológico e cultural e a ideais positivistas. Nesse período de consolidação dos Estados nacionais, teriam surgido dois modelos de atuação diante da “raça” indígena: as políticas de mestiçagem, adotadas em países como Brasil e México, e de segregação estrita, presentes nos Estados Unidos e na Guatemala.

No século XX, Navarrete identifica o surgimento de outro projeto de interpretação e atuação sobre as culturas ameríndias: a teoria da aculturação, que reforça a pluralidade cultural e teria se institucionalizado mediante políticas que buscavam facilitar a integração final das culturas indígenas menos avançadas à cultura nacional. Nas últimas décadas, outras teorias teriam ganhado força, como as abordagens que destacam a resistência indígena diante dos europeus e as continuidades culturais com o período pré-hispânico, as interpretações multiculturais (associadas a diferentes formas de organização indígena que visam reforçar seu papel como atores políticos) e os projetos baseados em conceitos como o de hibridação e mestiçagem, que negam a existência de identidades ou culturas “puras”.4

Navarrete enfatiza que todas essas propostas não se limitaram ao campo intelectual, estabelecendo estreitas relações com as políticas de dominação e transformação cultural estabelecidas nos últimos cinco séculos. Além disso, seriam marcadas por forte conteúdo moral, baseado em concepções universalistas de verdade e sobre o curso da história. Mas o autor também ressalta que todas elas encontraram entraves e limitações, relacionados às divergências existentes entre os missionários, funcionários da Coroa ou dos Estados independentes e às formas de resistência, adaptação e criação por parte dos ameríndios.

Ao final, o autor substitui o caráter descritivo e analítico por uma abordagem propositiva, visando apresentar “un marco alternativo de comprensión de las transformaciones culturales de las sociedades amerindias” (p.15). Com base no conceito de rizoma proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari, Navarrete propõe uma abordagem das trocas culturais que prescinde de premissas como a unidade das culturas e a existência de fronteiras claras entre elas, além de colocar em xeque a ideia de que a “entrada de elementos exógenos debe provocar necesariamente una transformación en el conjunto de la cultura de un grupo y, sobre todo, en sus identidades culturales y étnicas y que el valor identitario de los rasgos externos está determinado por su origen” (p.47). Adotando essa perspectiva, o autor problematiza visões que abordam a conversão ao cristianismo ou a adoção do idioma espanhol como rupturas irreversíveis, apontando o conceito de etnogênese5 como importante ferramenta de interpretação para ressaltar a capacidade de invenção, renovação e redefinição cultural e étnica por parte dos indígenas, bem como superar perspectivas que veem as trocas culturais como um “jogo de soma zero”, onde a adoção de um elemento cultural ou identitário externo significaria necessariamente a perda de outro elemento indígena, gerando uma dissolução de sua identidade étnica (p.81-82).

No segundo ensaio, “Estados-nación y grupos étnicos en la América independiente, una historia compartida”, Navarrete concentra suas atenções no período pós-independência com base nas questões que envolvem a construção de identidades dentro dos Estados nacionais. Com a proposta de ressaltar que as definições das diferenças entre grupos humanos são produto de circunstâncias históricas e sociais de cada sociedade (não o reflexo de uma realidade biológica, racial ou cultural), o autor apresenta um panorama da dinâmica dos “regimes das relações interétnicas”, ressaltando os aspectos comuns a todo o continente bem como algumas especificidades nacionais.

O primeiro regime abordado é o “estamentário”, presente em países que conservaram durante parte de sua história independente a categorização étnica e a exploração do trabalho forçado, como a escravidão africana nos Estados Unidos e no Brasil e a tributação de indígenas bolivianos, peruanos e guatemaltecos. Em seguida, viriam os “regimes liberais discriminatórios”, implantados em quase todo o continente durante o século XIX e caracterizados por assumir a concepção liberal de cidadania universal e igualitária ao mesmo tempo que excluía amplos setores da população, formando o que Navarrete denomina como uma “cidadania étnica”. Os regimes “integradores” teriam surgido no século XX em países como México, Argentina e Brasil com uma perspectiva da nação como unidade racial, muitas vezes baseada na mestiçagem. Por fim, o historiador analisa os “regimes multiculturais”, surgidos na América do Norte a partir da década de 1960 e que teriam se espalhado pelo continente com a premissa da nação como um conjunto de grupos distintos cujos direitos deveriam ser reconhecidos e protegidos. Para o autor, esse novo modelo mantém e institucionaliza as diferenças entre uma maioria hegemônica e as minorias definidas como diferentes, além de conceber as identidades culturais e étnicas dos grupos minoritários como uma realidade quase inamovível.

Em ambos os ensaios, podemos observar que Navarrete se preocupa em ressaltar o caráter fluido, múltiplo e histórico das culturas e identidades, em de­trimento das abordagens que as imobilizam e essencializam. Outro aspecto comum é a busca por definir e sistematizar conceitos, projetos de transformação cultural e regimes de relações interétnicas tendo como premissa um recorte continental (ainda que dedique atenção às especificidades nacionais). Dessa forma, o autor aproxima a proibição do consumo de chicha na Colômbia, a perseguição à capoeira no Brasil e as leis Jim Crow nos Estados Unidos como práticas discriminatórias associadas a regimes liberais (p.134-135). Como apontado por Berenice Alcántar Rojas na introdução do livro, essa característica se revela como uma das principais virtudes, mas, simultaneamente, uma limitação da obra (p.12). Nesse mesmo sentido, a identificação de grandes movimentos, projetos ou regimes ao longo dos séculos sugere uma linearidade combatida pelo próprio autor.

Contudo, ao final, esta obra se apresenta como importante contribuição que aprofunda conceitos e questões fundamentais não só às pesquisas acerca da História das Américas, mas também a debates que ocupam espaços centrais na política e na cultura brasileira e de outros países americanos, como as políticas de ações afirmativas e as demarcações de terras para grupos indígenas e comunidade quilombolas, que ganham novos contornos quando analisadas sob uma abordagem continental.

Notas

2 Disponível gratuitamente em: http://www.historicas.unam.mx/publicaciones/catalogo/ficha?id=633.

3 Navarrete faz referência nesse trecho à abordagem de “sistema-mundo” trabalhada por Immanuel Wallerstein, apontando seu caráter “eurocêntrico”, que impediria maior compreensão das complexidades dos espaços “periféricos” (p.70 e 101).

4 O autor identifica duas vertentes associadas a essa perspectiva. A seguida por autores como Serge Gruzinski e Néstor García Canclini, em que a expansão ocidental é vista como marco do início do processo de hibridização e mestiçagem; e outra, apontada por Navarrete como mais interessante, a qual assume que as culturas têm sido híbridas e mestiças desde sempre (p.37-38).

5 Navarrete remete a origem desse conceito à antropologia russa e afirma que estudiosos como Cynthia Radding e Jonathan Hill o utilizaram para analisar o continente americano: “Aunque estos autores lo utilizan exclusivamente para explicar la adaptación de pueblos indígenas a la dominación europea, me parece que puede ser empleado de manera más amplia para todos los procesos de conformación de identidades étnicas” (p.97).

Luis Guilherme Assis Kalil – 1 Professor adjunto A-1 de História da América Colonial e América Independente no século XIX da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ-IM). Doutor em História cultural pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ-IM). Nova Iguaçu, RJ, Brasil. E-mail: [email protected].

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Kakupacal e Kukulcán: iconografia e contexto espacial de dois reis-guerreiros maias em Chichén Itzá – NAVARRO (RAP)

NAVARRO, Alexandre Guida. Kakupacal e Kukulcán: iconografia e contexto espacial de dois reis-guerreiros maias em Chichén Itzá. São Luís: Café & Lápis; EDUFMA, 2012, 96 p. Resenha de: FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira; KALIL, Luis Guilherme Assis. Revista de Arqueologia Pública, Campinas, n.7, julho 2013.

O México tem mais de 32 mil sítios arqueológicos catalogados. Dentre eles, Chichén Itzá é um dos três mais visitados. Patrimônio Cultural da Humanidade, foi eleita em 2007 uma das novas Sete Maravilhas do Mundo. A antiga cidade maia, por situar-se a meros 200 km de Cancún, principal destino turístico do país, recebe milhares de turistas por ano, que, por sua vez, atraem algumas centenas de “guias locais”, vendedores de artesanato “maia” e toda sorte de pessoas tentando ganhar a vida à custa dos visitantes, quase sempre boquiabertos diante da magnificência do local.

O interesse dos turistas, inclusive brasileiros (cerca de 130 mil visitaram o país em média anual, desde 2010), entretanto, não encontra equivalente entre os nossos pesquisadores.

Chichén Itzá permanece ainda pouco estudada em nosso país. Por isso, a obra de Alexandre Guida Navarro já seria de suma importância. Uma publicação acadêmica escrita em português por um especialista que passou anos estudando in loco a grande cidade maia já representaria um avanço pelo simples motivo de chamar a atenção para o tema e o período.

Prefaciado pelo arqueólogo e historiador Pedro Paulo Funari, Kakupacal e Kukulcán é um desdobramento das reflexões apresentadas no doutorado de Navarro, defendido na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). No livro, o especialista apresenta sua hipótese de trabalho logo nas primeiras páginas. A partir da constatação de que os dois personagens-guerreiros do título estão representados apenas na iconografia do conjunto arquitetônico conhecido como “Grande Nivelação”, e não em toda a cidade de Chichén Itzá, o autor busca demonstrar como as representações de Kakupacal e Kukulcán fazem referência, na realidade, não apenas a deuses do panteão maia, mas a dois indivíduos reais, os Capitães Serpente e Disco Solar, dois guerreiros que teriam governado a cidade durante algum momento do Clássico Terminal (800-1000 d.C.): “nossa hipótese é que a construção da Grande Nivelação está estritamente relacionada com as realizações políticas destes guerreirosgovernantes como um espaço de legitimação de poder através da construção de arquitetura monumental” (p. 14).

Nesse sentido, Navarro expõe o conceito central de seu trabalho, o de humanização do espaço: “partimos do pressuposto de que os espaços arquitetônicos representam uma visão simbólica da composição social dos grupos humanos em relação com sua própria identidade, do meio que o rodeia e seu esforço para humanizá-la” (p. 14). Partindo de tal premissa, demonstra como a região da Grande Nivelação tem uma arquitetura com símbolos e representações em formas de imagens bastante distintas da do restante do sítio arqueológico.

Em um estudo essencialmente de distribuição espacial e de análise iconográfica, o autor argumenta que a construção deste complexo arquitetônico foi feita dentro de um complexo programa de estratégia política que envolvia propaganda proselitista dos governantes, direcionada aos habitantes da cidade e àqueles que a visitavam (p. 31).

Nos capítulos do livro, à maneira de um cuidadoso relatório de campo, o estudioso expõe-nos seus objetivos, a bibliografia existente sobre o tema, a metodologia que embasou seu trabalho, os dados obtidos e sua interpretação. Por meio do texto, ficamos sabendo de pelo menos três mensagens simbólicas expressas através da cultura material estudada: um esquema cognitivo de códigos e regras culturais, para demonstrar a ideia de transição de poder; que estas regras envolviam certo grau de controle pelos indivíduos ou grupos que aludiam a um controle do comportamento (por parte dos governantes da cidade); e que o espaço é uma forma de comunicação de diferentes naturezas e serve para a manifestação de aspectos específicos, como o culto a Kukulcán.

Tais associações, entre arquitetura e poder, são pensadas a partir de Michel Foucault e Gilles Deleuze. Sendo assim, Navarro conclui que as mudanças políticas ocorridas em Chichén Itzá estão relacionadas com os complexos arquitetônicos construídos no período bem como com o calendário maia: “Pensamos que Kakupacal foi um importante governante de Chichén Itzá quando a cidade alcançou seu poder construindo o setor sul do centro urbano. O seu governo coincide com um fim de ciclo maia ou Katún Ahau (período de 20 anos), que é quando o grupo no poder é substituído por outro […] Esta evidência calendárica demonstra que houve uma mudança de governo na cidade, que culmina com o controle da cidade por parte de um novo grupo social, que parece ser o Capitão Serpente”. Além disso, o arqueólogo insinua que estas mudanças representam transformações ainda mais profundas dentro de Chichén Itzá. Abrindo caminho para novas pesquisas, afirma que as imagens dos capitães captaria o momento de transformação social entre uma sociedade de cacicado (o setor sul do sítio) em direção à formação de um Estado (a Grande Nivelação) e da própria sociedade maia (p. 76).

Além da demonstração de sua tese principal, o livro também fornece um panorama sobre a civilização maia e qual o papel de Chichén Itzá no emaranhado de cidades-estados da época (cf. Capítulo 1). Dessa forma, ficamos sabendo que, entre os anos 800 e 900 d.C., a cidade controlava a rota de sal em toda a área maia, além das rotas marinhas e impostos, bem como servia de centro de peregrinação, “cujos vários edifícios foram usados para o culto de divindades como Kukulcán, a serpente emplumada, e Chaac, o deus da chuva” (p. 16).

Também encontramos no livro uma ampla revisão bibliográfica sobre os maias (cf.

Capitulo 2) além de várias fotografias, mapas, desenhos e um glossário de termos arquitetônicos que se tornam fundamentais para a compreensão da obra por parte dos leitores não especializados que procuram uma primeira leitura sobre os maias.

Como ressalva a esta importante publicação, apontamos o fato do autor não explicar mais detidamente quais foram os critérios adotados por ele para selecionar as representações das ruínas de Chichén Itzá que seriam utilizadas em sua pesquisa. Navarro afirma que, devido à deterioração de algumas edificações, optou por utilizar desenhos feitos por estudiosos que visitaram a cidade no século XIX: “Utilizamos, portanto, aquelas que acreditamos serem mais fieis à pintura mural original” (p. 38). Porém, não ficam claros para o leitor que elementos levaram o autor a fazer afirmações como a de que alguns desenhos “são muito importantes pois estão livres de todo o excesso artístico e fantasioso que prevalecia nessa época” (p. 18).

Processo semelhante ocorre em outro momento da obra. Ao descrever seu trabalho de campo, Navarro afirma que ignorou representações que poderiam ser consideradas como alusões ao Capitão Disco Solar por não estarem com os símbolos recorrentes (capa de jaguar, toucados elaborados, associação com Chaac) (p. 38). Contudo, páginas depois, analisa nova imagem do Capitão sem um de seus símbolos, mas cuja ligação com a divindade não é questionada: “O Capitão Disco Solar está desprovido de seu disco e parece estar representado, metaforicamente, pelos raios de sol” (p. 47). Seria interessante que houvesse, especialmente para o leitor leigo, uma explicação mais detalhada dos papeis exercidos por estes símbolos dentro das imagens e os possíveis significados de suas ausências ou substituições.

Há, também, pouca análise da relação entre relatos coloniais sobre os maias (citados, em vários momentos, como base de sua interpretação de etno-história) e a cultura material estudada. O autor chega a citar passagens de autores como Diego de Landa e outros, mas numa sequência que reforça seu caráter ilustrativo.

Para além disso, o livro torna-se uma bem vinda literatura sobre uma cidade tão visitada e, ao mesmo tempo, tão pouco conhecida.

Luiz Estevam de Oliveira Fernandes – Professor Adjunto do departamento de História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), pesquisador do Núcleo de Estudos de História da Historiografia e Modernidade, e líder do Grupo de Estudos “História das Américas: fontes e historiografia”, ambos do CNPq.

Luis Guilherme Assis Kalil – Doutorando do programa de História Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Grupo de Estudos “História das Américas: fontes e historiografia”, do CNPq.

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Cabeza de Vaca – MARKUN (HU)

MARKUN, P. Cabeza de Vaca. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 283 p. Resenha de: KALIL, Luis Guilherme Assis. Comentários sobre Cabeza de Vaca. História Unisinos 15(3):468-471, Setembro/Dezembro 2011.

Cabeza de Vaca não descobriu novas terras, não colonizou territórios, não encontrou as riquezas da Serra de Prata, não manteve o controle sobre seus subordinados e não conseguiu ser absolvido nos tribunais espanhóis. Apesar da sequência de negativas acima, seu biógrafo afirma que este personagem foi um dos grandes “heróis” do século XVI.

A decisão de escrever sobre um personagem pouco estudado pela historiografia brasileira coube a Paulo Markun, escritor e jornalista que já havia publicado outras biografias, como a dedicada a Anita Garibaldi. Fruto de uma extensa pesquisa (cujo resultado pode ser consultado no site criado pelo biógrafo, onde foram disponibilizadas centenas de documentos relativos ao personagem), a obra acompanha a vida deste navegador que, ao longo do século XVI, realizou duas viagens ao Novo Mundo.

Descendente de nobres espanhóis nascido no final do século XV, Álvar Núñez Cabeza de Vaca (cujo sobrenome remete à guerra contra os mouros, quando um de seus ancestrais indicou a melhor rota para os cristãos através do crânio de uma vaca) viajou pela primeira vez à América, em 1527, como tesoureiro real da esquadra comandada por Pánfilo de Narváez à região da Flórida. As tempestades e furacões, aliados a uma série de decisões equivocadas, resultaram em uma sequência de naufrágios que, acompanhados pelo desconhecimento sobre a região e os embates contra grupos indígenas, dizimaram os espanhóis.

Da fracassada expedição restaram apenas quatro tripulantes. A fome extrema e a insegurança acabaram levando esses homens a atuarem como curandeiros dos indígenas, realizando rituais descritos pelo viajante em um de seus relatos:

Vimo-nos, pois, numa situação de tanta necessidade, que tivemos que fazer algo, na certeza de que não seríamos punidos por isso […] A forma como procedíamos em nossas curas era fazendo o sinal da cruz, soprando sobre os doentes, rezando um pai-nosso, uma ave-maria e rogando a Deus nosso senhor que lhes desse saúde e fizesse com que nos tratassem bem. Quis Deus Nosso Senhor, em sua divina misericórdia, que todos por quem pedimos e que abençoamos dissessem aos outros que estavam curados. Por causa disso nos tratavam bem e deixavam de comer para nos alimentar; nos davam peles e outras coisas (Markun, 2009, p. 56-57).

Com o “sucesso” das curas, os denominados “filhos do sol” passaram a ser acompanhados por milhares de indígenas, que lhes forneciam abrigo, alimento e proteção. Cerca de oito anos depois de desembarcarem na América, os quatro sobreviventes alcançaram a Nova Espanha, sendo Cabeza de Vaca o único que decidiu retornar à Europa. De volta à Espanha, publicou os Naufrágios, obra que, como o próprio título aponta, descreve os infortúnios enfrentados em sua viagem. O fracasso, contudo, não o impediu de continuar a investir suas posses na busca pelas riquezas que acreditava estarem ocultas no interior do Novo Mundo. Diante da negativa da Coroa para que chefiasse uma nova expedição à Flórida, o navegador aceitou o cargo de governador e adelantado da região do rio da Prata.

Neste trecho da biografia, Markun deixa de lado, por alguns momentos, a trajetória de Cabeza de Vaca para analisar as disputas entre Portugal e Espanha pelo controle da região onde estaria localizada a mítica Serra de Prata, com suas riquezas incalculáveis2. Como apontado por Sérgio Buarque de Holanda (1969), em seu clássico Visão do Paraíso, os contatos iniciais com esta parte da América ocorreram após a chegada à Europa dos primeiros carregamentos de metais preciosos do Peru e da Nova Espanha, o que reforçava a crença na existência desses minerais.

Quando as primeiras expedições chegaram à região, muito do “esperado” pelos europeus foi “confirmado” pelas próprias características das novas terras3 e também através das informações dadas pelos grupos indígenas – que, segundo os relatos, faziam recorrentes indicações sobre a existência de metais preciosos nas terras do interior –, o que fez com que o início da presença europeia na região fosse marcado por inúmeras expedições em direção às riquezas existentes em locais como a Serra de Prata, o reino do Rey Blanco, a cidade dos Césares, o reino dourado das Amazonas, entre outros.

O autor passa, então, a centrar suas atenções na segunda viagem de Cabeza de Vaca ao Novo Mundo, marcada pelas frustradas expedições em busca de metais preciosos e pelas constantes disputas de poder com Domingos Martinez de Irala, organizador de um motim que conseguiu aprisionar o governador e enviá-lo de volta à Espanha. Seus últimos anos de vida são descritos como um período marcado por longas disputas judiciais, onde o navegador tentou, sem sucesso, comprovar sua inocência. Ao mesmo tempo, Cabeza de Vaca publicou, em conjunto com seu escrivão, Pero Hernández, sua segunda obra: Comentários.

Imprescindíveis para um estudo sobre a trajetória do navegador, os dois textos publicados por Cabeza de Vaca são amplamente utilizados por Paulo Markun como fontes de informações. Ao longo do livro, entretanto, o biógrafo acaba tomando para si a tarefa de determinar em quais trechos das obras o viajante se aproximava ou se afastava da narrativa “real” dos fatos. Dessa forma, enquanto Markun elogia alguns trechos dos Naufrágios, por permitirem ao leitor observar como eram os hábitos dos indígenas da região do atual Texas, através de descrições “dignas de um antropólogo aplicado” (Markun, 2009, p. 59), o conteúdo dos Comentários é criticado, por se tratar de “um oba-oba sobre o tumultuado governo de Cabeza de Vaca, em que, no mais das vezes, Pero Hernández aproveitava cada lance para ressaltar a coragem, o altruísmo, o espírito cristão e o bom senso de seu chefe” (Markun, 2009, p. 256).

Acreditamos, entretanto, que a análise dos relatos coloniais ganha em relevância quando são abandonadas as pretensões em buscar o que haveria de “verdadeiro” em seu conteúdo para analisar o processo de construção das representações sobre o Novo Mundo. Dessa forma, seguimos as premissas apontadas pelo historiador francês Roger Chartier: “O real assume assim um novo sentido: o que é real, de fato, não é somente a realidade visada pelo texto, mas a própria maneira como ele a visa, na historicidade de sua produção e na estratégia de sua escritura” (Chartier, 2002, p. 56).

Essa postura é adotada por Paulo Markun em alguns momentos de sua obra. Como exemplo, podemos citar a análise das passagens dos Naufrágios em que o viajante descreve sua atuação como curandeiro, chegando a indicar a ressurreição de um indígena4. Segundo o biógrafo, havia uma preocupação do conquistador em exaltar sua atuação entre os nativos sem, contudo, sugerir poderes que pudessem ser interpretados como heresia pelo Santo Ofício. O mesmo ocorre quando o biógrafo identifica aproximações entre o conteúdo das narrativas de Cabeza de Vaca com o de passagens bíblicas, como o trecho onde o navegador afirma que teria morrido se não tivesse encontrado uma árvore em chamas (semelhante à sarça ardente vista por Moisés). Para Markun, essas aproximações fariam parte de um processo de “autoglorificação” de seu personagem, que se descreve como um líder diferente dos outros espanhóis por ter conseguido manter um contato pacífico com os indígenas, o que explicaria as revoltas contra seu governo e sua expulsão do Novo Mundo.

É interessante observarmos que esta imagem construída por Cabeza de Vaca em suas obras acabou sendo reiterada por vários autores ao longo dos séculos. Um deles é Henry Miller. O célebre escritor norte-americano descreve o navegador espanhol como um dos poucos seres humanos que “viram a luz”:

Qualquer análise mais profunda deste livro [Naufrágios] eleva seu drama a um plano que pode ser comparado a outros eventos espirituais na cadeia dos esforços incessantes do homem em busca da autolibertação. Para mim, a importância deste registro histórico não está no fato de que de Vaca e seus homens foram os primeiros europeus a atravessar o continente americano […] mas sim porque, em meio a suas provações, depois de anos de infrutíferas e amargas peregrinações, um homem que já havia sido um guerreiro e um conquistador, fosse capaz de dizer: “Ensinarei o mundo a conquistar pela bondade, não pela matança”. […] a experiência deste espanhol solitário e deserdado no sertão da América anula toda a experiência democrática dos tempos modernos. Creio que, se vivesse hoje e lhe mostrassem as maravilhas e horrores de nosso tempo, ele voltaria instantaneamente ao modo de vida simples e eficaz de quatro séculos atrás. Acredito que São Francisco faria o mesmo, assim como Jesus, Buda e todos aqueles que viram a luz (Núñez Cabeza de Vaca, 1987, p. 10-13).

Ponto de vista semelhante é adotado na introdução da única tradução – parcial – para o português dos Naufrágios e Comentários5, onde o viajante é descrito como alguém que, com sua “utopia plausível”, poderia ter alterado os rumos da conquista do Novo Mundo: “Mesmo que tenha permanecido apenas alguns meses em terras hoje brasileiras, sua experiência poderia ter significado uma radical mudança de curso no trágico relacionamento entre brancos e índios neste país – e em todo o continente.

Caso suas estratégias de ação tivessem encontrado eco entre os demais conquistadores, o genocídio dos povos indígenas, as dificuldades pelas quais passaram os próprios colonizadores e talvez até a destruição dos ambientes selvagens – tudo poderia ter sido evitado” (Núñez Cabeza de Vaca, 1987, p. 18)6.

Postura diferente é adotada por Paulo Markun em sua biografia: “O mítico conquistador fracassado e sonhador – cujos planos para outro modelo de conquista, mais humano, teriam sido destruídos pela ganância dos subordinados – revelou-se um homem de seu tempo, repleto de contradições. A vivência entre os índios norteamericanos afetou sua visão de mundo, mas foi incapaz de produzir uma alternativa eficiente e humana para a conquista – pelo simples fato de que tal hipótese não se sustenta, sejam quais forem os protagonistas desse tipo de intervenção” (Markun, 2009, p. 261).

Ao concluir sua obra problematizando a imagem de Cabeza de Vaca como um injustiçado defensor do contato pacífico e harmônico com os indígenas, Markun tenta escapar da postura adotada por muitos escritores, que tentam “absolvê-lo” ou “condená-lo”, para enfatizar a força da narrativa deste “soldado, alcoviteiro, conquistador, náufrago, escravo, comerciante, curandeiro, governador, prisioneiro e escritor”.

Por fim, julgamos ser necessário deixar claro que a premiada7 obra de Paulo Markun não tem o propósito de ser uma análise aprofundada da trajetória de Cabeza de Vaca e/ou de suas narrativas sobre o período em que esteve no Novo Mundo. Destinada ao público leitor não especializado, este livro segue uma estrutura diferente da presente nos trabalhos acadêmicos, o que exige uma análise diferenciada. Como apontado pelo professor da Universidade de São Paulo Elias Th omé Saliba, esse tipo de produção do conhecimento histórico é tão válido quanto os outros, mas responde a lógicas próprias8. Dessa forma, acreditamos que, apesar de, em certos momentos, apresentarem uma visão reducionista do processo histórico (como a tentativa de equiparar a atuação de Cabeza de Vaca com as de Hernán Cortés e Francisco Pizarro), obras como a analisada nesta resenha têm o mérito de aproximar algumas questões históricas a um grupo não especializado de leitores que vêm crescendo nos últimos anos.

Referências

AGUIAR, R. [s.d.]. Cronistas europeus e a etno-história carijó na ilha de Santa Catarina”. In: A. ESPINA BARRIO (ed.), Antropología en Castilla y León e Iberoamérica – IV Cronistas de Indias. Salamanca, Ediciones Universidad Salamanca, p. 324-335.

CHARTIER, R. 2002. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietude.

Porto Alegre, Editora Universidade/UFRGS, 277 p.

HOLANDA, S. 1969. Visão do Paraíso – motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo, Edusp, 380 p.

NUNES CABEÇA DE VACA, A. 1893. Comentários. Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, s.n., tomo LVI (pt. 1), p. 193-344.

NÚÑEZ CABEZA DE VACA, A. 2000. Naufragios y comentarios.

Madrid, Editora Dastín, 356 p.

NÚÑEZ CABEZA DE VACA, A. 1987. Naufrágios e comentários. Porto Alegre/São Paulo, L&PM Editores, 180 p.

SALIBA, E.T. 2011. Conhecimento não é monopólio acadêmico. História Viva, 8(90):16-18.

Notas

2 A crença na existência de um monte composto de prata foi impulsionada pela New zeutung ausz presillandt (conhecida em português com o título de “Nova Gazeta da Terra do Brasil”). Inspirado nos escritos de Américo Vespúcio, esse folheto anônimo foi editado em 1515, na cidade de Augsburg, e obteve uma ampla repercussão, sendo republicado diversas vezes nos anos seguintes. Seu conteúdo descreve uma expedição realizada à região sul da América, local este que, além de cruzes e marcas dos passos de São Tomé, possuiria grandes reservas de metais preciosos.

3 Cabeza de Vaca afirmou que, durante uma de suas expedições, avistou uma região cuja “falta de árvores e ervas” indicaria a presença de metais preciosos. Entretanto, tais metais não teriam sido extraídos devido à grande quantidade de doentes e à falta de aparelhos de fundição (Núñez Cabeza de Vaca, 2000, p. 252).

4 “O que estava morto e fora tratado diante deles havia se levantado, redivivo, andado, comido e falado com eles; e todos os outros que haviam sido tratados estavam sãos e muito alegres” (Markun, 2009, p. 80).

5 Alguns trechos dos Comentários também foram publicados na Revista trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1893. Contudo, Tristão de Alencar Araripe, tradutor desta versão, afirma ter se dedicado apenas às partes que “interessavam a nossa história pátria” (Nunes Cabeça de Vaca, 1893, p. 193-344).

6 Em artigo sobre os índios Carijós, Rodrigo L.S. de Aguiar também chega a uma conclusão similar. O autor apontou que, certamente, foi Cabeza de Vaca quem estabeleceu o contato mais pacífico com os indígenas, fruto do período que passou entre os nativos da América do Norte durante sua primeira viagem ao Novo Mundo, que “mudou seu conceito de mundo” e sua compreensão de que “aqueles povos da América eram humanos livres, com costumes próprios, e não bárbaros, servos por natureza. Tal visão, ao contrário à da maioria dos conquistadores, veio a lhe custar o exílio, anos mais tarde” (Aguiar, s.d., p. 334-335).

7 Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) de melhor biografia de 2009.

8 “As obras de difusão mais popular da história operam segundo uma lógica reducionista: um princípio organizador simples é usado para explicar acontecimentos que a história acadêmica considera infl uenciados por princípios múltiplos. Isso produz uma nitidez argumentativa e narrativa que falta aos trabalhos universitários e parece responder plenamente às perguntas sobre o passado. Ao contrário da boa história acadêmica, essas obras não partem de um problema específico, não oferecem um sistema de hipóteses, mas certezas, ainda que circunstanciais. Esse é o seu principal defeito. Por outro lado, como se trata de uma história fundamentalmente narrativa, ela pode produzir conhecimento novo ao redescobrir significados inéditos. Contar a história de outra maneira também pode mudar o foco e estimular novas pesquisas. Essa é a grande virtude desses livros. Obras desse tipo cumprem também o papel de trabalhar com estudos monográficos e dar a visão geral para o público. Isso deveria ser papel do historiador. Se ele não faz isso, ele fracassou. Mas esses livros desempenham uma função de divulgação que eu acho extremamente importante” (Saliba, 2011, p. 17).

Luis Guilherme Assis Kalil – Universidade Estadual de Campinas Rua Cora Coralina, s/n 13083-896, Campinas, SP, Brasil . E-mail: [email protected].

Los Indios Medievales de Fray Pedro de Aguado: construcción del idólatra y escritura de la historia en una crónica del siglo XVI | Jaime Humberto Borj Gómez

Por que os indígenas seriam “medievais”? Logo no título de sua obra Borja Gómez introduz a noção de que a descrição do indígena realizada por europeus correspondia a critérios retóricos e a conceitos medievais. Baseando-se na Recopilación Historial do franciscano Pedro de Aguado, o autor critica a “tradição histórica contemporânea” que consolidou o estereótipo da conquista da América inserida na alvorada dos tempos modernos. Para Borja Gómez a idade moderna é uma “convenção” que pertence à experiência medieval: não se pode esquecer o sentido de continuidade que a cultura ocidental tem desde o século XII.

Essa noção de continuidade é ressaltada na análise das crônicas. Os relatos a respeito do Novo Mundo são comparados com expedições de franciscanos e comerciantes à Ásia e África nos séculos XII e XIII: “existe una línea que une las crónicas de las cruzadas, las narraciones de los comerciantes en Ásia y las crónicas de la conquista de América” (p. 5). O fato de Aguado ser um franciscano (Ordem estreitamente ligada aos descobrimentos) indicaria um dos “lugares” de onde o cronista escreve: “por ser franciscano llevaba sobre sí una tradición de tres siglos que relacionaba espiritualidad, viaje y escritura, lo que sitúa la crónica en una línea de continuidad con las narraciones que hicieron los franciscanos que viajaron a Mongolia” (p. 7). Leia Mais