A descolonizar las metodologías: investigación y pueblos indígena | Linda Tuhiwai Smith

Professora de educação da Universidade de Waikato (Nova Zelândia), Linda Tuhiwai Smith dedica-se especialmente ao estudo das comunidades indígenas, em particular dos maoris, povos nativos da Nova Zelândia. Seu estudo sobre o papel da pesquisa ocidental voltada às comunidades indígenas no contexto da colonização e da neocolonização, aqui resenhado, foi traduzido para diversas línguas, tendo recebido o prêmio New Year Honours (2013), em seu país de origem. Publicado pela primeira vez, em inglês, em 1999, foi traduzido para o espanhol, nesta edição chilena, por Kathryn Lehman.

Sem se preocupar exatamente com o método, mas com o contexto em que os problemas de investigação são pensados e projetados, bem como com as implicações da pesquisa para o investigador e o investigado (em especial os indígenas), a autora propõe tratar das relações entre um conhecimento colonizador e povos colonizados. Daí entender, de início, a investigação como “um conjunto de ideias, práticas e privilégios que está embutido no expansionismo imperial e na colonização, e institucionalizado nas disciplinas acadêmicas, escolas, currículos, universidades e poder” (SMITH, 2016, p. 13). Desse modo, não se trata de ir contra a investigação ou o conhecimento, mas de propor novas maneiras de conhecer e descobrir, novas maneiras de pensar a investigação com povos indígenas.

Segundo a autora, do ponto de vista do colonizado, a investigação científica está intrinsecamente ligada ao imperialismo e ao colonialismo europeus, compactuando com seus excessos e sugerindo, equivocadamente, um conhecimento do universo indígena (prático e imaginário), a partir de limitados encontros com alguns indivíduos das comunidades. Contraditoriamente, o Ocidente busca conhecer esse mesmo universo, mas nega seus agentes, não os reconhecendo como criadores de suas próprias culturas e nações. Assim, busca-se recolher, classificar e representar o conhecimento dos povos indígenas, avaliando-os sob a perspectiva ocidental, o que revela, entre outras coisas, a investigação como um espaço de luta entre os interesses do Ocidente, de um lado, e os interesses e modos de resistência das comunidades investigadas, de outro. E, além disso, apesar de muitos investigadores acadêmicos crerem que seu trabalho esteja imbuído de um ideal humanitário, inclusive auxiliando na emancipação das comunidades oprimidas, o fato é que os povos indígenas têm outras histórias para contar, as quais não apenas questionam esses ideais, como também se afirmam como histórias alternativas, como contra histórias: “a história da investigação ocidental através dos olhos dos colonizados” (SMITH, 2016, p. 21).

Desse modo, tais investigações se revelam úteis apenas para os próprios investigadores, sem que se privilegie o mais importante, a presença indígena. As investigações ocidentais, científicas e acadêmicas, insiste a autora, não estão isentas de uma disciplinarização e de outras práticas visceralmente vinculadas com práticas imperialistas, buscando, não raras vezes, deslegitimar percepções acerca dos povos indígenas e grupos étnicos minoritários, desconsiderando formas fundamentalmente éticas e respeitosas de investigação desses mesmos grupos, como os princípios de reciprocidade (“devolver informações”) e retroalimentação (“compartilhar saberes”).

Para a autora, portanto, o imperialismo − e sua expressão mais específica, o colonialismo − molda a experiência indígena, sendo parte de sua história. O imperialismo, nessa acepção, manifesta-se sob quatro formas distintas: como expansão econômica, fazendo parte da expansão europeia; como subjugação e exploração dos povos indígenas; como uma ideologia que caracterizava as atividades globais da Europa; como um campo discursivo de conhecimento. É sob o impacto do imperialismo, mais especificamente do colonialismo, que a comunidade indígena busca pensar sua história no mundo atual, buscando novas formas de resistência, inclusive em relação a uma metodologia investigativa que desconsidera o olhar do próprio indígena e sua maneira de pensar sobre si mesmo.

Considerados como selvagens, subdesenvolvidos, ignorantes e primitivos, os povos indígenas foram sistematicamente perseguidos, exterminados ou domesticados, levando-os, contemporaneamente, a uma luta pela autodeterminação e, mais do que isso, a uma crítica quanto a como eles são representados ou excluídos dos relatos, o que resulta, fatalmente, num esforço pela reescritura de sua história: “os povos indígenas querem contar nossas próprias histórias, escrever nossas próprias versões, à nossa maneira, para nossos próprios fins” (SMITH, 2016, p. 55). Trata-se de uma história que tem sido sistematicamente silenciada, em especial pelo fato de a investigação ocidental estar baseada na escrita (não na oralidade) e fundamentada numa perspectiva ocidental (não indígena).

Assim, os indígenas têm lutado contra a “perspectiva ocidental da história” (SMITH, 2016, p. 61), processo no qual o sistema escolar está completamente implicado, num esforço conjunto para entender o passado, não apenas como estratégia de luta pela descolonização, mas também como forma de oferecer histórias e saberes alternativos.

Há, por isso mesmo, uma opressão dos povos indígenas pela teoria, motivo pelo qual tem se formado um conjunto de acadêmicos indígenas que propõe novas maneiras de teorizar o que significa ser uma pessoa indígena. Nesse sentido, metodologia e teoria devem ser descolonizadas, o que implica, antes de tudo, “centrar nossas [dos indígenas] preocupações e nossa visão do mundo e conhecer e compreender a teoria e a investigação a partir de nossas perspectivas e para nossos propósitos” (SMITH, 2016, p. 69).

Segundo a autora, tratando a investigação científica e acadêmica sob uma perspectiva que considera imperialista, as concepções de corpo, alma, razão, virtude etc. são construções culturais, muitas vezes ligadas a um saber ocidental que se impõe como dominante, já que está conformado por relações de poder. Trata-se de um conhecimento (o conhecimento ocidental) que estrutura suas próprias formas de saber por meio das disciplinas acadêmicas e da educação das elites coloniais. Desse modo, a produção de conhecimento, a natureza do conhecimento e a validação de formas específicas de conhecimento tornaram-se, assim, artigos de exploração colonial, como outros recursos naturais. Em suma: “enquanto em nível econômico o colonialismo – com sua máxima expressão na escravidão – habilitou novos materiais para a exploração e novos mercados, em nível cultural, as ideias, as imagens e experiências acerca do Outro ajudaram a determinar e delinear as diferenças essenciais entre Europa e o resto” (SMITH, 2016, p. 94).

Esse é um conhecimento que se reafirma constantemente como civilizado e universal, além de se organizar como conhecimento acadêmico, em torno da noção de disciplina e de campos de conhecimento, sem estabelecer um diálogo com outros sistemas de conhecimento e se compartimentando a partir de fronteiras disciplinares. Promove-se, desse modo, uma colonização do Outro por meio da disciplinarização do saber.

Tratando especificamente do imperialismo na atualidade, a autora destaca a fragmentação da cultura e da identidade indígenas, sempre lembrando que “a linguagem do imperialismo pode ter mudado, os objetivos específicos da colonização podem ter se modificado e os grupos indígenas podem estar mais bem informados, mas o imperialismo ainda existe” (SMITH, 2016, p. 141). Dessa realidade advém o que a autora chama de Projeto dos Povos Indígenas, voltado para o estabelecimento de uma nova agência. Nesse sentido, percebe-se que há um grande desenvolvimento do interesse dos povos indígenas pela investigação e pesquisa, formando-se, assim, pela primeira vez, “um campo de investigação propriamente indígena” (SMITH, 2016, p. 151), que privilegia as preocupações indígenas, bem como suas práticas e participação como investigadores e investigados. Tal estratégia insere-se, de modo geral, num amplo movimento social indígena, que abrange uma enorme diversidade de interesses, objetivos, enfoques e métodos de trabalho: movimento dinâmico e complexo, ele ainda incorpora múltiplas dimensões, implicando tanto a revitalização e reformulação da cultura e da tradição indígenas, quanto estratégias de alianças entre diferentes grupos.

Essa agenda de investigação indígena baseia-se, entre outras coisas, no princípio da autodeterminação dos povos indígenas, indo, para além de seu propósito político, em direção à justiça social, que implica, necessariamente, “processos de transformação, descolonização, recuperação e mobilização de povos” (SMITH, 2016, p. 163). Assim sendo, pode-se afirmar que a investigação indígena é pensada e nomeada de modo diferente da investigação ocidental não indígena, baseando-se, por exemplo, numa cosmologia indígena e na ação comunitária. Negando o princípio positivista da objetividade e da neutralidade na investigação científica, a comunidade indígena defende a observação de dentro, isto é, realizada por aqueles que atuam, a um só tempo, como investigadores e investigados, o que requer uma série de mudanças na metodologia de pesquisa.

Finalmente, após elencar uma série de projetos indígenas, numa acepção mais generalista, a autora apresenta, numa perspectiva mais específica, um estudo de caso maori, grupo indígena da Nova Zelândia, apontando para uma série de procedimentos investigativos neste preciso contexto.

Tanto para quem se interessa pela temática indígena, quanto para quem quer aprender um pouco mais sobre metodologia de pesquisa, numa perspectiva contra hegemônica, este é um livro imprescindível.


Resenhista

Maurício Silva – Doutor em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo – USP. Professor da Univ. Nove de Julho – Uninove. E-mail:  [email protected]


Referências desta Resenha

SMITH, Linda Tuhiwai. A descolonizar las metodologías: investigación y pueblos indígenas. Santiago: Lom Ediciones, 2016. Resenha de: SILVA, Maurício. PerCursos. Florianópolis, v. 21, n. 46, p. 326 – 331, maio/ago. 2020. Acessar publicação original [DR]

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