A Emergência da Escola | José Gonçalves Gondra

Na apresentação escrita por Diana Gonçalves Vidal, a autora descreve de uma maneira muito bonita qual o objetivo do livro, em suas palavras: “(…) Os temas se interpenetram e a leitura do conjunto se beneficia da mútua inteligibilidade que os estudos produzem, ao lançarem uns sobre os outros, centelhas de entendimento, circunscritas sempre ao período gerado pela intervenção de Couto Ferraz no Município da Corte” (VIDAL, 2018, p. 9). A obra sobre a qual a autora se refere intitula-se “A Emergência da Escola”, escrita e organizada por José G. Gondra, professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e, atualmente, bolsista 1B de produtividade em pesquisa CNPq. Além desta obra, José Gondra escreveu pela mesma editora produções como: Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro, em parceria com Alessandra Schueler e, pela editora EDUERJ, publicou Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial.

Gondra organizou este livro em cinco capítulos, os quais foram escritos em parceria com seus orientandos. As análises desenvolvidas para a escrita do livro foram praticamente todas baseadas na noção de governo de Michel Foucault, como é possível perceber no título de cada capítulo da obra.

Ao escrever o primeiro capítulo, intitulado O Governo da Multidões, o autor tem por objetivo introduzir o leitor aos temas e questões que transcorrem nos capítulos seguintes. “Como foi articulada? Em que termos foi redigida? Como for percebida? Em que grau pode ser considerada expressão de uma razão do Estado? ” (GONDRA, 2018, p. 15). Essas quatro indagações sobre a escola balizarão em grande parte o livro em questão, que tem como hipótese o entendimento da “instrução como estratégia civilizatória e a escola como máquina de civilizar” (GONDRA, 2018, p. 12). Este capítulo pode ser considerado uma introdução do livro, pois nele o autor, em conjunto com seus coautores, constrói um panorama dos temas por eles pesquisados e como procuram abordar cada um deles.

O segundo capítulo, A Instrução Reformada, constitui-se de um texto escrito em parceria com Pedro Paulo Hausmann Tavares. Nele, aborda o Regulamento das Escolas de Primeiras Letras da Província do Espírito Santo, do ano de 1848; o Regulamento da Instrução Primária na Província do Rio de Janeiro, do ano de 1849 e o Regulamento do Município da Corte, do ano de 1854; é importante frisar que todas essas reformas e documentos foram feitos e promulgados na gestão de Luiz Pedreira de Couto Ferraz. Ao analisar essas reformas os autores procuraram entender quais as prescrições de escola moderna que se queria montar. Dentre as prescrições, alguns pontos são trabalhados com maior ênfase pelos autores, como por exemplo, o governo das escolas, que na perspectiva de Gondra e Tavares é o “modelo escolar presumido nas reformas supõe de mecanismos de autorregulação, com a criação de uma estrutura administrativo-policial” (GONDRA; TAVARES, 2018, p. 21). Quanto ao ponto sujeitos-governáveis, os pesquisadores trazem um pequeno quadro que mostra o tipo de sujeito que era considerado governável em cada uma das reformas. Um dado interessante, foi a unanimidade nas três reformas que consideravam sujeitos não governáveis os escravos ou com algum tipo de doença contagiosa.

Quanto aos saberes disseminados tratados nas reformas, os autores também fazem um pequeno quadro, e mostram o que cada regulamento trazia com os conteúdos que deveriam ser lecionados nas escolas das províncias. O item mais explorado neste capítulo é sobre os professores habilitados; aqui os autores mostram como esse assunto é uma questão delicada e que merece uma atenção mais do que especial, “(…), o professor deve ser, antes, um modelo de virtude, com um domínio de saberes equivalentes aos que efetivamente iria professar” (GONDRA; TAVARES, 2018, p. 27). Neste item, os autores querem enfatizar que não é de hoje que se exige que os sujeitos que ocupam a profissão docente precisam ser um exemplo de cidadão. Os autores ainda exploram os pontos quanto ao poder estendido e as casas de educação; o tempo escolar e a escola imposta, que tem relação com a questão da interferência “saudável” do Estado no que tange a educação, pois é por meio desta que se pretende fazer um projeto de sociedade.

O capítulo três, O Governo dos Professores, é dividido em três subitens que vão tratar desde a formação de docentes, passando pela questão do ingresso dos professores para trabalharem nas instituições escolares públicas e como eram realizados esses processos de seleção, até a análise de como os docentes eram controlados por meio de forças que os constrangiam, em pleno exercício. O primeiro subitem intitulado Formação Científica, escrito em parceria com Marina Natsume Uekane, vai tratar sobre como era a formação dos professores primários no século XIX, em qual instituição era preciso estudar e o conteúdo que se estudava para consolidar ainda mais o modelo de escola e educação que se queria para a época.

No segundo subitem, Seleção Eficaz, escrito com Inára de Almeida Garcia Pinho, os autores começam descrevendo os dois primeiros artigos do Regulamento de 17 de fevereiro de 1854, que contêm explicações sobre como seria realizada a seleção para a entrada dos professores públicos nas instituições escolares. Outro dado importante que merece destaque são os quadros feitos pelos pesquisadores com atestados apresentados para a seleção de professores primários. As “autoridades”, ditas pessoas dignas, autorizadas a atestar o comprovante de moralidade são desde sacerdotes, juízes de paz, até os maridos das professoras, como é possível perceber no quadro feito por Gondra e Pinho. No último subitem do capítulo em questão, intitulado Ofício Regulado, texto redigido em parceria com Angélica Borges, pretende mostrar como o governo controlava os professores, por meio de regulamentos e a maneira que se utilizava esse controle.

No penúltimo capítulo, O Governo das aulas, há dois subitens, o primeiro Leituras censuradas, escrito com Giselle Baptista Teixeira, vai descrever como acontecia a circulação dos livros escolares, como eles eram escolhidos e depois oficializados, entre os períodos de 1854 e 1877. Os autores verificaram em suas pesquisas que “o livro foi depositário de uma das principais funções, a de estabelecer a ordem em uma sociedade heterogênea e muito desigual” (GONDRA; PINHO, 2018, p. 104). O subitem Saberes prescritos, escrito em conjunto com Pollyanna Gomes Pinho, mostra como havia uma influência muito forte dos franceses no ensino para a Corte e a maneira que o Regulamento de 1854 interviu para melhorar a organização do ensino público primário, e de toda a sua engrenagem, desde as instituições, passando pelas aulas que os professores lecionavam.

O último capítulo, Um Governo para Si, texto escrito em parceria com Daniel Cavalcanti de Albuquerque Lemos, vai tratar a insatisfação dos professores com o cenário político e educacional que estava instalado na época estudada, e que encontram nos manifestos impressos um jeito de se expressarem e pressionarem quem estava no poder, para que houvesse melhores condições de trabalho e salário, além do reconhecimento social dos docentes. Há figuras de jornais da época, com os dizeres dos professores que relatavam como o movimento foi importante, pois “manifestar-se, criando condições para exercerem uma espécie de autogoverno. Um governo de si” (GONDRA; LEMOS, 2018, p. 138).

Em suas anotações finais, José G. Gondra traz muitos conceitos de Michel Foucault para explicar os diversos assuntos do cenário educacional tratado no livro. Ele enfatiza a noção do tempo escolar e como esta questão influencia setores políticos, educacionais e sociais, inclusive sendo convertido em objeto de debate nas Conferências Pedagógicas da Corte no século XIX.

Os anexos ao final do livro são de uma generosidade muito grande do autor, pois todos os documentos que foram pesquisados e analisados para a escrita dos textos, foram digitalizados e estas fontes são: Regulamento da Província do Espírito Santo de 1848, Regulamento da Província do Rio de Janeiro de 1849, Regulamento da Corte 1854, Cartas do Professor da Roça 1864 e Manifesto dos Professores Públicos da Instrução Primária da Corte de 1871.

Ao optar por colocar esses documentos no livro, Gondra demonstra o cuidado que tem com o leitor, como o fez durante toda a obra. A leitura é muito fluida e prazerosa de se fazer; em todos os capítulos há trechos ou figuras dos documentos que sobre os quais os autores estão escrevendo, fazendo com que o leitor se sinta contemplado ao ler os textos escritos pelos autores. Para quem se interessa em estudar e entender um pouco mais sobre as maneiras pelas quais emergiu a educação escolar no Império Brasileiro, a leitura desta obra é necessária e obrigatória.

O fato de o Brasil ser um país que possui uma cultura de reformas, principalmente no que diz respeito à educação, faz com que esse livro tenha uma relevância ainda maior, pois mostra como a classe dos professores já se movimentava contra as injustiças relacionadas ao seu ofício desde o Império; saber e entender este movimento é fundamental para valorizar essa cultura e as batalhas pelas melhorias das condições de trabalho dos docentes, especialmente, daqueles que trabalham em instituições escolares públicas.

Referência

GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Cortez, 2018.


Resenhista

Luiza Pinheiro Ferber – Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC – Florianópolis/SC – Brasil. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Cortez, 2018. Resenha de: FERBER, Luiza Pinheiro. Linhas. Florianópolis, v. 22, n. 50, p. 358-363, set./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

 

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