A Erradicação do Aedes aegypti: Febre amarela, Fred Soper e saúde pública nas Américas (1918-1968) – MAGALHÃES (VH)

MAGALHÃES, Rodrigo César da Silva. A Erradicação do Aedes aegypti: Febre amarela, Fred Soper e saúde pública nas Américas (1918-1968). Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2016. 420 p. ANAYA, Gabriel Lopes. A Erradicação do Aedes aegypti: Febre amarela, Fred Soper e saúde pública nas Américas (1918-1968). Varia História. Belo Horizonte, v. 33, no. 62, Mai./ Ago. 2017.

O livro de Rodrigo Magalhães tem como foco a Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti promovida pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) entre 1947 e 1968. A narrativa historiciza de maneira bastante articulada como a Campanha Continental foi o resultado de um processo histórico dinâmico, com antecedentes na Campanha Mundial de Erradicação da Febre Amarela da Fundação Rockefeller (FR), iniciada em 1918. Nesse processo, Magalhães aborda uma multiplicidade de condicionantes políticos e científicos no desenvolvimento da Opas, e como um programa de erradicação internacional pioneiro, considerando suas continuidades e descontinuidades históricas, influenciou os rumos da saúde pública internacional ao longo de cinco décadas.

O trabalho é bem sucedido na sua análise de como a Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti se definiu como um dos grandes esforços de cooperação internacional pautando de maneira decisiva a “definição da agenda de saúde internacional do século XX” sendo responsável em grande medida por um estreitamento das relações internacionais que culminou na consolidação de “um processo de cooperação interamericana na área de saúde que perdura até hoje” (p.329). Expondo de maneira habilidosa a própria história do princípio de erradicação no âmbito das relações em saúde pública no contexto internacional, Fred Lowe Soper (diretor do Serviço Cooperativo de Febre Amarela no Brasil em 1930, e posteriormente diretor da Opas a partir de 1947) se destaca como fio condutor da narrativa de Magalhães, enfatizando a confiança desse personagem histórico na erradicação de espécies de mosquitos como solução para doenças como a febre amarela e a malária. O ápice narrativo guiado pela atuação de Soper se dá no capítulo 6: “A ‘Era Soper de Erradicação’ e o apogeu da Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti.”

No percurso de sua narrativa é notável a habilidade de Magalhães em apresentar de maneira clara a diversidade das relações estabelecidas entre pesquisadores e autoridades em saúde pública de uma comunidade internacional em crescimento. Ao longo de pelo menos cinco décadas, são analisados os processos políticos e científicos que favorecem retomada da proposta de erradicação (como o extermínio do mosquito Anopheles gambiae do Brasil em 1940 e o advento do DDT após a Segunda Guerra Mundial) e sua modulação a novos contextos e expansão, com o início da Campanha Continental e consolidação da Opas. Se Fred Soper é uma importante personalidade que sustenta a narrativa de Magalhães (participando dos principais eventos ao longo do recorte temporal desenvolvido), o mesmo está longe de ser retratado como um personagem plano, motivado cegamente por uma postura erradicacionista simplória com motivações imperialistas. Na conturbada década de 1960, quando há uma reinfestação do A. aegypti na América Central e do Sul, concomitantemente ao fracasso da campanha contra esse mosquito nos EUA, Magalhães aponta importantes controvérsias e condicionantes históricos que ajudaram a delinear o fim da Campanha Continental em 1968. É nesse instigante período de inflexão, que sua narrativa mostra o seu ponto alto, na medida em que apresenta Soper como crítico de seu próprio país ao pressionar “ativamente o governo norte-americano a aderir ao programa de erradicação continental, com o qual o país tinha assumido um compromisso formal” (p.289). O incremento na cooperação entre as repúblicas americanas e o papel fundamental da Opas ao final da década de 1950, coloca em evidência a delicada posição dos EUA na sua ausência em implementar as medidas contra o mosquito em seu próprio território – iniciativa tomada apenas em 1964.

A publicação é fruto da dissertação de doutorado chamada: A Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti da OPAS e a Cooperação Internacional em Saúde nas Américas (1918-1968), defendida por Magalhães em 2013 pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. O volume de documentos pesquisados fornecem a base para uma abordagem abrangente e sólida, que maneja com sucesso os desafios narrativos que se apresentam nas tensões das narrativas históricas transnacionais. Entre os arquivos situados no Brasil estão o arquivo da Casa de Oswaldo Cruz (COC) e do Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV) ambos no Rio de Janeiro, e o Centro de Memória da Saúde Pública da Universidade de São Paulo. A pesquisa internacional se deu nos EUA, principalmente no Rockefeller Archive Center (Sleepy Hollow – NY) e o National Library of Medicine (Bethesda – MD). De maneira geral, a análise focada na história dos programas de saúde pública e órgãos internacionais apresentados é equilibrada, se encaixando no que pode ser chamado de terceira onda dos estudos históricos relacionados à Fundação Rockefeller, pois considera as nuances de diversos contextos e complexidades situadas das relações transnacionais.

A perspectiva apresentada se coloca especialmente no questionamento da visão puramente imperialista, ou “via de mão única” e observa o forte intercâmbio interamericano proporcionado pelo caso em questão como um complexo entrelaçamento das relações político-científicas que integra o campo da história da saúde internacional. Destaca-se a importância dada às relações entre os países da América Latina para além da “questão da hegemonia de um suposto modelo sanitário norte-americano” (p.323), enriquecendo os sentidos das relações político-científicas no âmbito da saúde internacional. A qualidade da pesquisa e engenhosidade com o manejo das fontes na narrativa fornece uma grande contribuição historiográfica para o campo.

A evidência atual do Aedes aegypti nas políticas de saúde internacional e a necessidade por histórias que ressoem com inquietações do presente tornam tal publicação indispensável. A articulação do conteúdo, fontes e especialmente das questões colocadas acerca do entrelaçamento entre a história das doenças transmitidas por mosquitos e as políticas de saúde pública nas relações internacionais pode parecer demasiado densa para o leitor casual ou sem contato com o tema, porém, com a elucidativa introdução e inteligente divisão dos capítulos, essas dificuldades iniciais tendem a ser minimizadas, favorecendo o percurso do leitor não familiarizado.

Gabriel Lopes Anaya – Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. Casa de Oswaldo Cruz. Av. Brasil 4365, Rio de Janeiro, RJ, 21.045-900, Brasil. [email protected].

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