LOPES, Gabriel. O Feroz Mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940)

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Gabriel Lopes | Foto: Johns Hopkins School of Medicine

LOPES O feroz mosquito O Feroz Mosquito africano no Brasil O livro de Gabriel Lopes, O Feroz Mosquito africano no Brasil, faz um trabalho de investigação histórica minucioso sobre eventos da década de 1930 que marcam a construção de um problema de saúde pública em torno do Anopheles gambiae. Por meio de uma acurada e diversificada investigação arquivística, o autor se dedica a reconstituir e a analisar dois momentos em torno do vetor transmissor da malária: o primeiro deles corresponde ao primeiro surto, entre 1930-1932, no Rio Grande do Norte; o segundo, entre 1938-1940, de impactos maiores e que atinge também o estado do Ceará, exigindo mobilizações em vários campos. Dois pontos chamam atenção no percurso da análise. O primeiro deles é a particularidade da obra em olhar com lentes ampliadas a trajetória do vetor, o Anopheles gambiae. Este recorte não é trivial e tem importância nas escolhas do livro, empíricas e teóricas, e uma “inversão” que está em afinidade e comprometida com a própria historicidade da malária. O segundo se refere ao hiato que acontece do primeiro ao segundo surto. Período que é cuidadosamente abordado, evidenciando um movimento de prospecção dos sujeitos e da própria história que está sendo tecida. O silêncio é redimensionado em termos materiais e simbólicos, pois nele reside a gênese de diversas ações postas em prática a partir de 1938. Leia Mais

Gênese da Saúde Global: a Fundação Rockefeller no Caribe e na América Latina | Steven Palmer

PALMER Steven O Feroz Mosquito africano no Brasil
Steven Palmer | Foto: University of Windsor/DailyNews

PALMER Gense da Saude O Feroz Mosquito africano no BrasilIntrodução

Em 1927, Roquette-Pinto, o antropólogo e então Diretor do Museu Nacional, dedicou um capítulo de seu livro Seixos rolados: estudos brasileiros a Carl Friedrich Philipp von Martius, o pesquisador e taxonomista alemão que, no século XIX, se debruçou sobre a região da Amazônia no Brasil e publicou, na Revista do IHGB, diversos artigos e monografias acerca da natureza, doenças e raças encontradas em suas etnografias. Roquette-Pinto destaca alguns desses títulos encontrados na Revista do Instituto entre 1828-1844, tais como “Contribuições para a Ethnographia”, “A Natureza, as Doenças, a Medicina e os Remédios dos Primitivos Habitantes do Brasil”, guias sobre história, hábitos, usos e costumes regionais, e “um programma rigorosamente scientifico para quem desejasse escrever a historia desta nacionalidade [4]”. Celebrando as contribuições e a simpatia de von Martius pelo Brasil, o antropólogo brasileiro ressalta que “Falando aos descendentes de portuguezes escravocratas do meiado do seculo XIX, [von Martius] ousou dizer aos senhores que a historia patria havia de levar em conta o esforço dos seus captivos como elemento civilizador do paiz [5]”. Leia Mais

Infectious change: reinventing Chinese public health after an epidemic | Katherine A. Mason

Between 2002 and 2003, a coronavirus epidemic broke out in China and spread across the world, infecting more than 8,000 people and causing approximately 10% of this contingent to die. In the months when the Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS) was active in China, severe sanitary measures were adopted, such as quarantines, isolation, the closing of public places, the use of large-scale diagnostic tests, and the construction of isolated health units in record time. The world has witnessed very similar protocols in China’s current fight against the SARS-Cov-2 epidemic in 2020.

The 2002-2003 epidemic drastically changed the structure of China’s health services. And the book Infectious change: reinventing Chinese public health after an epidemic , by Katherine A. Mason, published in 2016 by Stanford University Press, was written to bring to light and analyze these transformations and their impacts on public health in that country. Leia Mais

A Erradicação do Aedes aegypti: Febre amarela, Fred Soper e saúde pública nas Américas (1918-1968) – MAGALHÃES (VH)

MAGALHÃES, Rodrigo César da Silva. A Erradicação do Aedes aegypti: Febre amarela, Fred Soper e saúde pública nas Américas (1918-1968). Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2016. 420 p. ANAYA, Gabriel Lopes. A Erradicação do Aedes aegypti: Febre amarela, Fred Soper e saúde pública nas Américas (1918-1968). Varia História. Belo Horizonte, v. 33, no. 62, Mai./ Ago. 2017.

O livro de Rodrigo Magalhães tem como foco a Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti promovida pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) entre 1947 e 1968. A narrativa historiciza de maneira bastante articulada como a Campanha Continental foi o resultado de um processo histórico dinâmico, com antecedentes na Campanha Mundial de Erradicação da Febre Amarela da Fundação Rockefeller (FR), iniciada em 1918. Nesse processo, Magalhães aborda uma multiplicidade de condicionantes políticos e científicos no desenvolvimento da Opas, e como um programa de erradicação internacional pioneiro, considerando suas continuidades e descontinuidades históricas, influenciou os rumos da saúde pública internacional ao longo de cinco décadas.

O trabalho é bem sucedido na sua análise de como a Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti se definiu como um dos grandes esforços de cooperação internacional pautando de maneira decisiva a “definição da agenda de saúde internacional do século XX” sendo responsável em grande medida por um estreitamento das relações internacionais que culminou na consolidação de “um processo de cooperação interamericana na área de saúde que perdura até hoje” (p.329). Expondo de maneira habilidosa a própria história do princípio de erradicação no âmbito das relações em saúde pública no contexto internacional, Fred Lowe Soper (diretor do Serviço Cooperativo de Febre Amarela no Brasil em 1930, e posteriormente diretor da Opas a partir de 1947) se destaca como fio condutor da narrativa de Magalhães, enfatizando a confiança desse personagem histórico na erradicação de espécies de mosquitos como solução para doenças como a febre amarela e a malária. O ápice narrativo guiado pela atuação de Soper se dá no capítulo 6: “A ‘Era Soper de Erradicação’ e o apogeu da Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti.”

No percurso de sua narrativa é notável a habilidade de Magalhães em apresentar de maneira clara a diversidade das relações estabelecidas entre pesquisadores e autoridades em saúde pública de uma comunidade internacional em crescimento. Ao longo de pelo menos cinco décadas, são analisados os processos políticos e científicos que favorecem retomada da proposta de erradicação (como o extermínio do mosquito Anopheles gambiae do Brasil em 1940 e o advento do DDT após a Segunda Guerra Mundial) e sua modulação a novos contextos e expansão, com o início da Campanha Continental e consolidação da Opas. Se Fred Soper é uma importante personalidade que sustenta a narrativa de Magalhães (participando dos principais eventos ao longo do recorte temporal desenvolvido), o mesmo está longe de ser retratado como um personagem plano, motivado cegamente por uma postura erradicacionista simplória com motivações imperialistas. Na conturbada década de 1960, quando há uma reinfestação do A. aegypti na América Central e do Sul, concomitantemente ao fracasso da campanha contra esse mosquito nos EUA, Magalhães aponta importantes controvérsias e condicionantes históricos que ajudaram a delinear o fim da Campanha Continental em 1968. É nesse instigante período de inflexão, que sua narrativa mostra o seu ponto alto, na medida em que apresenta Soper como crítico de seu próprio país ao pressionar “ativamente o governo norte-americano a aderir ao programa de erradicação continental, com o qual o país tinha assumido um compromisso formal” (p.289). O incremento na cooperação entre as repúblicas americanas e o papel fundamental da Opas ao final da década de 1950, coloca em evidência a delicada posição dos EUA na sua ausência em implementar as medidas contra o mosquito em seu próprio território – iniciativa tomada apenas em 1964.

A publicação é fruto da dissertação de doutorado chamada: A Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti da OPAS e a Cooperação Internacional em Saúde nas Américas (1918-1968), defendida por Magalhães em 2013 pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. O volume de documentos pesquisados fornecem a base para uma abordagem abrangente e sólida, que maneja com sucesso os desafios narrativos que se apresentam nas tensões das narrativas históricas transnacionais. Entre os arquivos situados no Brasil estão o arquivo da Casa de Oswaldo Cruz (COC) e do Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV) ambos no Rio de Janeiro, e o Centro de Memória da Saúde Pública da Universidade de São Paulo. A pesquisa internacional se deu nos EUA, principalmente no Rockefeller Archive Center (Sleepy Hollow – NY) e o National Library of Medicine (Bethesda – MD). De maneira geral, a análise focada na história dos programas de saúde pública e órgãos internacionais apresentados é equilibrada, se encaixando no que pode ser chamado de terceira onda dos estudos históricos relacionados à Fundação Rockefeller, pois considera as nuances de diversos contextos e complexidades situadas das relações transnacionais.

A perspectiva apresentada se coloca especialmente no questionamento da visão puramente imperialista, ou “via de mão única” e observa o forte intercâmbio interamericano proporcionado pelo caso em questão como um complexo entrelaçamento das relações político-científicas que integra o campo da história da saúde internacional. Destaca-se a importância dada às relações entre os países da América Latina para além da “questão da hegemonia de um suposto modelo sanitário norte-americano” (p.323), enriquecendo os sentidos das relações político-científicas no âmbito da saúde internacional. A qualidade da pesquisa e engenhosidade com o manejo das fontes na narrativa fornece uma grande contribuição historiográfica para o campo.

A evidência atual do Aedes aegypti nas políticas de saúde internacional e a necessidade por histórias que ressoem com inquietações do presente tornam tal publicação indispensável. A articulação do conteúdo, fontes e especialmente das questões colocadas acerca do entrelaçamento entre a história das doenças transmitidas por mosquitos e as políticas de saúde pública nas relações internacionais pode parecer demasiado densa para o leitor casual ou sem contato com o tema, porém, com a elucidativa introdução e inteligente divisão dos capítulos, essas dificuldades iniciais tendem a ser minimizadas, favorecendo o percurso do leitor não familiarizado.

Gabriel Lopes Anaya – Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. Casa de Oswaldo Cruz. Av. Brasil 4365, Rio de Janeiro, RJ, 21.045-900, Brasil. [email protected].

Medicina e saúde pública na América Latina | Marcos Cueto e Steven Palmer

CUETO Marcos O Feroz Mosquito africano no Brasil
Marcos Cueto | Foto: José Jesus Oscar

CUETO M Medicina e saaúde pública na AL O Feroz Mosquito africano no BrasilA doença pertence não só à história superficial dos progressos científicos e tecnológicos como também à história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às instituições, às representações, às mentalidades.

Jacques Le Goff

A necessidade de se pautarem estudos do campo da saúde numa perspectiva histórica originou, nas últimas décadas, novos horizontes analíticos para as condições de emergência de saberes voltados à explicação do social na determinação de processos patológicos, bem como de práticas médicas e de saúde. Nesse quadro, a história estaria apta a compreender contextual e temporalmente as políticas de saúde e suas práticas confrontando novos temas, metodologias, problemas e alternativas que requalifiquem suas interpretações. Partindo, então, dessa necessidade da documentação mais ampla possível de vários tipos e origens (documentos institucionais, didático-pedagógicos ou iconográficos, registros de viajantes, religiosos, naturalistas e cronistas etc.) -, essa concepção de história da medicina e da saúde implicou a ampliação de métodos e quadros de análise, repercutindo os saberes e as práticas no campo da medicina e da saúde pública, assim como seus espaços institucionais de ensino, pesquisa e trabalho. Com a mesma força, ampliou as práticas e representações do homem comum e os espaços de associações profissionais, sociedades científicas e periódicos, sem perder de vista o universo popular, suas formas de organização e sua leitura do mundo que o cerca. Leia Mais

Arautos do progresso: o ideário médico sobre a saúde pública no Brasil na época do Império | Alisson Eugênio

O século XIX no Brasil é marcado, dentre outros fatores, por ser o período em que finalmente a saúde é colocada na agenda dos interesses públicos. Nesse contexto, começa a se consolidar uma literatura médica progressivamente distanciada da visão hipocrática da doença como fenômeno individual, estabelecendo-se a ideia de que as doenças são fatos sociais e dando, por sua vez, um tom cada vez mais normativo à medicina. Trata-se de uma ambiência de ampla utilização do conhecimento científico por parte do Estado em que se destaca no presente trabalho a ciência médica. Desta forma, a resenha que se segue tem como objetivo apresentar as principais discussões e temáticas da História da Medicina no Brasil Imperial, tomando como base a obra Arautos do Progresso: o ideário médico sobre a saúde pública no Brasil na época do Império, de Alisson Eugênio.

Em Arautos do Progresso, Alisson Eugênio realiza um cuidadoso exame dos principais fatores que permeavam o cotidiano do Brasil oitocentista no que diz respeito à saúde da população. O autor expõe um completo estudo dos esforços da elite médica do período em tentar orientar as legislações e fiscalizações do governo, bem como instruir os povos sobre as principais doenças e insalubridades que se manifestavam nas vastidões territoriais do país. Leia Mais

Caminhos da saúde pública no Brasil | Jacobo Finkelman

Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo

(Gabriel Garcia Marques, Cem anos de solidão).

Bem se poderia introduzir o livro Caminhos da saúde pública no Brasil pelo título talvez mais conhecido do escritor colombiano Garcia Marques, Cem anos de solidão. Este livro dá, em alguma medida, um termo de comparação às histórias das doenças públicas que coabitam o território brasileiro junto com suas diversas populações. Seja porque se pode dizer que Garcia Marques trazia em suas raízes uma relação cotidiana com diferentes processos de saúde e doença que fica aparente no livro — seu pai era proprietário de uma farmácia homeopática —, seja porque a América Latina, região não-imaginária de que fala o livro, também estabeleceu muito das suas relações internas e de vizinhança como um espaço de experimentação sobre a doença e a saúde, por exemplo como sede de um dos primeiros organismos internacionais de cooperação a atuarem no mundo, especialmente nessa área, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), criada em 19021. Leia Mais