A Geografia e os geógrafos do IBGE no período 1938-1998 | Roberto Schmidt de Almeida

No âmbito desta edição especial dedicada aos saberes e práticas geográficas desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, cabe registar o alentado trabalho de 634 páginas, dividido em dois volumes, do geógrafo Roberto Schmidt de Almeida. Intitulado A Geografia e os geógrafos do IBGE no período 1938-1998, o trabalho consiste em sua tese de doutoramento defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia no ano de 2000, sob a orientação da Profa. Dra. Lia Osório Machado. Com o intuito de reconstituir a memória de sessenta anos da história da instituição, em especial das atividades desenvolvidas pela sua comunidade de pesquisadores geógrafos, Almeida desenvolveu um copioso trabalho de pesquisa documental e pesquisa bibliográfica. Em termos de organização do texto, a tese é dividida em seis partes, cada uma com três capítulos, além da introdução e da conclusão. Contempla ainda um Anexo, que corresponde ao segundo volume tese, com a reprodução de documentos institucionais, relatórios, tabelas, mapas, uma galeria de fotos e, inclusive, o hino do IBGE.

Ao considerar o período de sessenta anos da trajetória do IBGE, Almeida constatou as diferentes matrizes metodológicas e técnicas, em especial as escolas francesa, alemã e anglo-saxônica, que influenciaram os trabalhos da comunidade ibgeana. Observou que o desenvolvimento da disciplina na década de 1930 associou-se a necessidade de conhecimento e de integração territorial, inserido no programa de governo varguista no Estado Novo (1937-1945). Neste sentido, a institucionalização do planejamento territorial brasileiro e o papel da nova burocracia estatal, bem como a estruturação das áreas de geografia, geodésia e cartografia e o surgimento da comunidade de profissionais geógrafos e cartógrafos correspondem à primeira parte da sua tese de doutorado.

Em seguida, na segunda parte, examinou a importância das escolas de pensamento internacionais para as instituições brasileiras existentes, a exemplo das sociedades geográficas, das universidades e do IBGE. O período compreendido pelo estudo, que abarcou diferentes regimes políticos, correspondeu à participação atuante de renomados mestres estrangeiros e à implementação de diversas técnicas inovadoras na área de mapeamento, regionalização e de estudos sistemáticos nas áreas como climatologia, geografia urbana e geografia agrária, mobilizadas no desvelamento de diferentes regiões e paisagens do país. O IBGE assumiu ainda uma posição de vanguarda no estudo dos municípios brasileiros por meio da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros e no mapeamento do território nacional, de acordo com as determinações da União Geográfica Internacional.

Na terceira parte, Almeida analisou o processo de formação profissional do geógrafo do IBGE a partir do registro de depoimentos, um riquíssimo material sob a guarda da seção da Memória Institucional do IBGE. Trata-se de uma série de entrevistas realizadas pela instituição, com nomes do porte de Christovam Leite de Castro, Orlando Valverde e Aluísio Capdeville Duarte. Almeida enriqueceu a lista com depoimentos de outros importantes geógrafos, tais como Gelson Rangel de Lima, Speridião Faissol, Pedro Geiger, Roberto Lobato Corrêa e Miguel Alves de Lima, entre outros. Outro conjunto de fontes corresponde ao levantamento de uma ampla legislação, de relatórios, bem como a produção intelectual daqueles geógrafos, a exemplo de atlas, livros e artigos. O autor ressaltou ainda o papel da Associação dos Geógrafos do Brasil como espaço de consagração dos primeiros ritos de iniciação profissional.

Na parte seguinte, enfocou as atividades desenvolvidas pelos profissionais do IBGE, a partir de uma seleção de temas que marcaram a imagem da entidade e a importância de tais temais na política de planejamento territorial. Na quinta parte, investigou os processos de qualificação profissional por meio dos cursos de aperfeiçoamento, especialização e pós-graduação no Brasil e no exterior. Na sexta, correspondente à década de 1990, Almeida investigou como a grave crise política e econômica daquele período afetou os trabalhos da comunidade ibgeana. Ponderou sobre a crise no serviço público e sobre uma crise da geografia, visto que, no alvorecer daquela década, ocorreu ainda uma mudança na atuação da geografia nos programas governamentais. Além disso, somavam-se a tais problemas as querelas metodológicas entre as lideranças das geografias física e humana. De todo modo, a chamada “grande diáspora ibgeana” ocorrida durante os governos Fernando Collor e Itamar Franco acarretou a aposentadoria maciça de inúmeros profissionais da instituição e, em consequência, seu esvaziamento. Apesar do reduzido número de técnicos, sem a renovação de quadros através dos poucos concursos públicos realizados, a instituição dedicou-se à incorporação de novas tecnologias visando aumentar sua produção técnica, como a instalação de programas de mapeamento automático, estatísticos e banco de dados georreferenciados, entre outros. Neste cenário, Almeida vislumbrou um caminho viável para o IBGE como uma agência executiva do governo federal administrada por contratos de gestão. O caráter heterogêneo da entidade, marcada pela diversidade de funções nas áreas de geociências, estatística e economia, reduziria, assim, as dificuldades orçamentárias de cada área.

Para finalizar, o autor realizou um diagnóstico sobre as atividades desempenhadas pelo setor da Memória Institucional do IBGE e o seu projeto de História Oral, cujo objetivo concentrava-se no registro de depoimentos de antigos funcionários, que se destacaram na instituição. Em sua opinião, o IBGE constituía um campo de atuação ainda pouco explorado por estudiosos em diversas áreas. Podemos destacar que o trabalho de Roberto Schmidt de Almeida é um dos estudos pioneiros na história da institucionalização da geografia no Brasil, em especial sobre o IBGE, bem como sobre o desenvolvimento da disciplina no país entre 1938 e 1998. Ressalte-se, ainda, o resgaste original da memória oral da comunidade de geógrafos ibgeanos e a pesquisa histórica de documentos selecionados pelo autor. De todo modo, há que se destacar que o estudo da história do IBGE e de sua comunidade de geógrafos é uma área aberta para novas pesquisas, os quais podem elucidar e trazer novos dados à história do pensamento geográfico no Brasil.


Resenhista

Luciene Pereira Carris Cardoso – Pesquisadora Associada do Laboratório de Geografia Política da USP


Referências desta resenha

ALMEIDA, Roberto Schmidt de. A Geografia e os geógrafos do IBGE no período 1938-1998. Tese de doutoramento. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000. Resenha de: CARDOSO, Luciene Pereira Carris. O IBGE através de seus geógrafos. Terra Brasilis (Nova Série), 3, 2014. Acessar publicação original

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