A história da historiografia e os estudos clássicos / História da Historiografia / 2010

O dossiê intitulado “A história da historiografia e os estudos clássicos” congrega seis artigos de pesquisadores que têm se debruçado sobre a escrita da História na Antiguidade Clássica, em seus mais diversos temas e formas. Em todos, é perceptível como nossos paradigmas atuais de investigação têm orientado nossos olhares em direção a um passado que, por vezes, parece tão distante no tempo e no espaço, mas que de nós se aproxima pelas temáticas abordadas, pelos conceitos utilizados e pelo modo como os documentos, com as mais variadas naturezas e apresentados nos mais diversos suportes, têm sido relidos de forma crítica.

No artigo dos professores Pedro Paulo Abreu Funari e José Geraldo Costa Grillo (Unicamp), tem-se um painel de como a historiografia acerca das atividades bélicas na Grécia Antiga se alterou ao longo do tempo, por meio da passagem de um modelo narrativo baseado nos relatos de batalhas para uma abordagem histórico-cultural. A guerra deixou de ser vista apenas como negócio de Estados e passou a ser encarada como uma prática cultural, plena de símbolos e insígnias, pela análise de documentos textuais e arqueológicos, resgatados da cultura material do povo grego antigo.

Já no artigo do professor Alex Degan (PUCCAMP), apresentam-se as particularidades da produção historiográfica de Flávio Josefo, historiador judeu, autor da célebre obra intitulada Guerra Judaica, que dedica seus escritos aos imperadores romanos do período flaviano. Percebe-se no texto como Josefo mesclou, na construção de sua narrativa, cânones advindos da cultura literária greco-romana com aspectos oriundos do judaísmo rabínico, repensando a própria honra dos combatentes e os discursos proferidos sobre as atividades bélicas.

No artigo que se segue, de minha autoria (UFG), busca-se aplicar o conceito de representação nos estudos latinos, a partir de uma análise das obras dos Filostratos e de Calistrato, autores do segundo e do terceiro séculos de nossa Era. Nessas obras, produzidas em forma de diálogos, os autores fazem a ekphrasis, i. e., a descrição literária de obras de arte visuais, sejam estas estátuas ou pinturas. A partir da análise desses relatos, é possível repensar as noções de imitação, imaginação, fantasia, utilidade, verossimilhança, tradução, entre outras, que se vinculam diretamente aos estudos atuais a respeito da produção de uma história do imaginário e das representações, no passado e no presente.

No artigo da professora Juliana Bastos Marques (UNIRIO), por sua vez, entra-se em contato com as estruturas narrativas dispostas na obra de Tácito, os Anais, produzida entre os governos de Trajano e Adriano. Partindo de questões vinculadas à forma da narrativa, a autora revê o próprio gênero historiográfico tacidideano e as principais características que este assumiu na escrita latina como um todo. O relato das ações imperiais permite que se reflita sobre os artifícios retóricos que são dispostos por Tácito, no sentido de propor uma visão evolutiva da História do Império Romano em pleno período alto imperial.

No que se refere ao artigo do professor Gilvan Ventura da Silva (UFES), verifica-se como a aplicação do paradigma culturalista tem modificado a análise das relações entre o judaísmo e o cristianismo no Império Romano. A exploração de outros documentos e a utilização de novos conceitos permitem a elaboração de novas hipóteses, que têm sido frutíferas na construção de inferências a respeito da dimensão religiosa como prática cultural na Antiguidade. Ao repensar a aplicação de conceitos, como identidade, hibridismo, sincretismo e transculturalismo, retoma-se o nexo entre as crenças judaicas e as cristãs, no intuito de discernir as relações, ora de cooperação ora de concorrência, dispostas entre judeus e cristãos no âmbito do Império Romano.

No que concerne ao artigo do professor Renan Frighetto (UFPR), estabelecese o valor da narração histórica para os autores hispânicos Isidoro de Sevilha e Valério de Bierzo. A importância do historiador, como um ordenador de fatos e um gerador de sentidos para os acontecimentos, é retomada na busca de um conceito de verdade. Conceito este revisto como preceito metodológico, na operação historiográfica empreendida por esses dois autores antigos, e como garantidor de utilidade para o que se propõe relatar. Novos suportes materiais, que permitiam o registro das informações escritas, possibilitaram novas formas de preservação do conhecimento histórico. Assim, retomam-se no artigo as relações entre o poder, como encadeador da escrita, e a arte de se recordar, como fundamental para a produção de uma memória capaz de se tornar um veículo de fortalecimento do poder dos grupos nobiliárquicos, que governavam a sociedade hispano-visigoda na Antiguidade Tardia.

Desse modo, acreditamos apresentar aos leitores um pequeno conjunto de artigos que permitem visualizar como as novas tendências teóricas e metodológicas têm afetado diretamente os estudos vinculados a temas advindos das análises dos documentos antigos. Novos paradigmas e novas abordagens têm possibilitado a produção de novos olhares sobre as sociedades clássicas, o que ampliou a gama da documentação abarcada por meio destes trabalhos. Portanto, a revisão de conceitos e a retomada de estudos sobre a prática de se produzir relatos históricos no passado e no presente, com todas as suas diferenças e semelhanças, têm gerado vários estudos, como os que compõem este dossiê, capazes de demonstrar como o saber histórico tem sido construído e reconstruído ao longo do tempo, a partir das mais diversas matrizes e matizes.

Uma boa leitura a todos.

Ana Teresa Marques Gonçalves – Universidade Federal de Góias (UFG)

GONÇALVES, Ana Teresa Marques. Apresentação. História da Historiografia, Ouro Preto, v.3, n.5, set., 2010. Acessar publicação original [DR]

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