A trajetória da cidade na história / Dimensões / 2018

A invenção da cidade encontra-se em tempos imemoriais, mas a sua trajetória pelos tempos históricos deixou evidências que muito tem a nos contar sobre os espaços urbanos e a vida em seus domínios, na longa duração. Elas estão presentes nos vestígios arqueológicos, nas representações artísticas, nas obras literárias, na fotografia, nos estudos, planos e projetos, nos documentos oficiais, entre tantas outras formas de registro sobre os quais debruçam-se pensadores de múltiplas áreas do conhecimento, com seus métodos e procedimentos específicos, na tentativa de desvendar o fenômeno urbano. Esses elementos formam as utensilagens que irão contribuir para a análise historiográfica das cidades.

Polissêmica, a cidade possibilita diversas formas de leitura. Para interpretá-la podemos observá-la por diferentes ângulos, ora privilegiando aspectos físicos e morfológicos, ora os aspectos da paisagem e da evolução urbana, ou ainda da sua rede de infraestrutura, materiais e técnicas de construção. Também podemos fazê-lo pelo viés das estruturas e relações sociais, dos processos identitários ou das sociabilidades urbanas; por meio dos movimentos sociais, ou pelo viés da política, da economia, da cultura, entre tantos outros aspectos possíveis.

Sempre buscando o equilíbrio entre a análise espacial e os aspectos sociais da vida urbana, considerando a cidade como fruto da ação inventiva do homem e inserida na ordem social do seu tempo histórico, o leitor poderá identificar, no decorrer desta edição, que a relação estabelecida entre a cidade fisicamente edificada e aquela socialmente construída sempre foi de permanente diálogo, o qe fortalece nossa opção de leitura da cidade, articulando a relação espaço / sociedade como fator fundamental na captura e na interpretação da sua história social.

Abrindo o Dossiê “A Trajetória da Cidade na História”, temos o artigo da professora do Departamento de História, Maria do Carmo Franco Ribeiro e da professora catedrática Manuela Martins, ambas do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho (UMinho / Portugal). Em A Cidade nas Encruzilhadas da História: evolução urbana de uma cidade com 2.000 anos – Braga, noroeste de Portugal – analisam o percurso histórico daquela cidade através da caraterização das grandes etapas de consolidação urbana que conheceu desde a sua gênese, no período romano, até à atualidade. As autoras colocam em perspectiva os mecanismos históricos responsáveis pelas continuidades e / ou descontinuidades urbanas registadas na evolução diacrônica da paisagem urbana bracarense, bem como as condições particulares que têm permitido os resultados alcançados com o seu estudo, potencializados pela variedade de fontes disponíveis que permitem documentar as sucessivas transformações urbanísticas e arquitetônicas, bem como pelo fato da cidade ter se desenvolvido ao longo das suas grandes etapas ocupando / reutilizando, de forma parcial ou integral, áreas anteriormente urbanizadas.

No segundo artigo, As Cidades na História: percursos críticos, a pesquisadora Lucia Elena Pereira Franco Brito recupera experiências urbanas significativas na história ocidental, tomando como referências autores clássicos como Lewis Mumford, Jean Pierre Vernant, Jacques Le Goff, Georg Simmel e Walter Benjamin, bem como estudiosos contemporâneos. No centro das atenções estão as relações entre as formas de poder e a constituição das formas urbanas. São consideradas as características móveis, transitórias, fugidias a que estão submetidas as experiências individuais e coletivas nas cidades.

Em As Cidades Contemporâneas e Suas Transformações, os professores pesquisadores Gerson Constância Duarte, Maria da Penha Smarzaro Siqueira e Maurizete Pimentel Loureiro Duarte afirmam que o estudo sobre a cidade possibilitou ao homem um conhecimento maior sobre as diferenças e os conflitos que nela e dela emergem, assim como permitiu que a historiografia demonstrasse, através da evolução da economia, da política, da sociedade e de sua cultura, as transformações que impulsionaram o desenvolvimento urbano. Revisitando conceitos e categorias de análise, refletem sobre as origens e as principais transformações do espaço urbano e de suas sociedades. Na complexa trama socioespacial, abordam a questão da violência como um fenômeno social tradicionalmente enraizado no ambiente urbano.

Os dois últimos artigos lançam olhares interpretativos sobre a cidade de Vitória, capital do estado do Espírito Santo. Gilton Luís Ferreira, professor do mestrado profissional em Engenharia e Desenvolvimento Sustentável da UFES, Leandro do Carmo Quintão, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES) e a pesquisadora Tânia Maria de Araújo, em Cidades e Oligarquias: o caso de Vitória / ES na Primeira República, confrontam dois conceitos distintos com origem em realidades semelhantes. “Antiurbanismo oligárquico”, de Renato Lessa (2003), que relaciona a modernização urbana do Rio de Janeiro, do início do século XX, ao ódio que as oligarquias tinham à desordem intrínseca da cidade, o que lhes motiva a adotarem uma postura antiurbana em sua reforma. E o conceito de “urbanismo oligárquico”, defendido pelos autores, por meio da análise do caso da modernização da cidade de Vitória / ES, no mesmo período, onde as oligarquias trabalharam com a lógica de afirmação regional da cidade, reinventaram o espaço público, a forma de sua apropriação e os hábitos da vida coletiva. Tudo isso amparado por uma poderosa teia jurídica que reforçava e legitimava as contradições sociais. Fechando o Dossiê, no artigo Vitória do Futuro (1996-2010): marco e difusor do planejamento estratégico de cidades no estado do Espírito Santo, Brasil, os arquitetos e professores Giovanilton André Carretta Ferreira – da Universidade de Vila Velha (UVV), Glauco Bienenstein – da Universidade Federal Fluminense e o pesquisador do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) Pablo Lira fazem uma reflexão sobre as transformações geradas ou intensificadas pelo processo de globalização na organização do território e nas formas de planejamento e gestão de cidades. Discutindo em que medida este “novo” ideário – advindo da intensificação das políticas neoliberais no Brasil – foi incorporado ao planejamento e a gestão da cidade de Vitória, na década de 1990, procuram demonstrar algumas das transformações ocorridas no planejamento urbano brasileiro, por meio da análise da pioneira experiência de planejamento estratégico de Vitória, na última década do século XX.

Assim, o Dossiê “A Trajetória da Cidade na História”, segue a tradição da Revista Dimensões promovendo a articulação regional e as parcerias internacionais no intuito de consolidar o periódico como um espaço plural de divulgação do conhecimento científico. Aos colegas e autores, agradecemos a distinta colaboração. Aos leitores, ofertamos uma pequena, porém importante contribuição ao entendimento daquela que se constituiu, senão a principal, a mais complexa criação do homem: a cidade! Desejamos uma boa viagem a tempos e escalas distintas do universo urbano ao qual se lançaram deferentes pesquisadores. Obrigado e boa leitura!

Gilton Luis Ferreira

 Giovanilton André Carretta Ferreira

Leandro do Carmo Quintão

Organizadores.


FERREIRA, Gilton Luis; FERREIRA, Giovanilton André Carretta; QUINTÃO, Leandro do Carmo. Apresentação. Dimensões. Vitória, n.40, 2018. Acessar publicação original [DR]

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