acetas do Império na História: conceitos e métodos – DORÉ et. al (H-Unesp)

DORÉ, A.; LIMA, L. F. S.; SILVA, L. G. Facetas do Império na História: conceitos e métodos. São Paulo: HUCITEC, 2008, 314 p. Resenha de: LUZ, Guilherme Amaral. Lugares do Império e o Império Portugues. História [Unesp] v.28 no.1 Franca  2009.

Quase não parecem fortuitas algumas das coincidências impressas nesta resenha: um professor de universidade do interior de Minas Gerais, com formação na UNICAMP, apresentando, em revista da UNESP, um livro de professores da Federal do Paraná sobre o tema do Império, que tem como foco inegável o caso português entre fins do século XV e início do XIX. A coincidência básica aqui expressa está na aparente ausência de lugares institucionais brasileiros que, ao longo das últimas décadas, assumiram centralidade na proposição do problema: USP, UFF e UFRJ. O acaso, aqui, parece sintoma de um fenômeno duplo: primeiro, da dimensão ampliada que a problemática do Império vem ganhando no interior das preocupações de historiadores da “colônia” ou da “América portuguesa” em todo Brasil; segundo, para não deixarmos de fora um pouco de pimenta (especiaria tão apreciada pelos “nossos” antigos navegadores), do próprio “imperialismo” que alguns programas de pós-graduação na área exercem sobre todo o país, espalhando seus “rebentos” para todo canto… O primeiro fenômeno é o que me importa comentar, o segundo é fabulação irônica, com vistas a atrair a atenção do leitor, ainda que a custo de não conquistar a sua benevolência.

Mas não é só brasileira a preocupação com os Impérios e, nem tampouco, é exclusivamente do Império português que trata o livro Facetas do Império na História. Seu próprio título indica a hipótese de que a história, nas mais diversas áreas espaciais e recortes temporais, apresentou várias formas de um fenômeno capaz de ser abarcado pela noção de Império. O subtítulo do livro – conceitos e métodos – sugere, por sua vez, o objetivo mais específico visado: pensar a própria conceituação deste fenômeno, propondo formas de lê-lo historicamente sem riscos de uniformizações sociologizantes ou, por outro lado, de atomizações nominalistas. É nesta perspectiva que se entende a escolha do texto de Maurice Douverger (“O Conceito de Império”) como abertura para o livro. Escrito na década de 1970, esse texto visava apresentar um outro livro que publicava conferências apresentadas em um colóquio na França sobre a temática e no qual o conceito de Império era buscado por meio do cruzamento de realidades históricas variadas e distantes entre si no espaço e no tempo, sem, contudo, reduzi-las a uma essência idêntica. Com esta proposta, o livro organizado por Doré, Lima e Silva identifica-se, buscando abranger espaços-tempos que começam na paradigmática experiência imperial romana, passando pela sua translatio medieval e moderna, chegam aos Estados Ibéricos do século XVI (com sua renovatio), detêm-se em Portugal entre os séculos XV e XIX e terminam nas definições mais contemporâneas de Imperialismo. O livro não se furta, ainda, de reservar espaços para a consideração de dimensões historiográficas do conceito, mapeando suas tradições nas historiografias alemã (com os casos de Ranke e de Burkhardt) e francesa (nas Ciências Humanas).

O evidente foco no Império português é praticamente confessado, entretanto, no livro. Um dos seus índices mais claros está na escolha do segundo texto “clássico” a abrir a obra: “A idéia imperial manuelina”, de Luís Filipe Thomaz. Neste texto, o historiador português praticamente oferece ocasião ou insights para análises da sociogênese (para usarmos um termo dos preferidos de Norbert Elias) do Império português. No seu texto, Thomaz realiza um belo ensaio de explicação histórica, articulando as estratégias da expansão ultramarina portuguesa no reinado de D. Manuel com noções explícitas ou implícitas relativas ao poder imperial que circulavam em fins da Idade Média. Para o autor, a articulação dessas noções, na política manuelina, gerou uma concepção própria de Império que, sendo medieval em sua base cultural e teológico-política, tornou-se moderna em sua estratégia, desdobrada “em escala quase planetária”. Na sua base, segundo Thomaz, articulam-se três componentes básicos: a aparência de guerra santa, o ecletismo cultural na tradição da Reconquista e o messianismo. No seu interior, os objetivos espirituais e materiais da expansão não se separariam. Pensando-se como providencialmente eleito por Deus para a recuperação de Jerusalém, o estabelecimento da paz perpétua e para a reforma da Igreja, o “imperador” português buscava realizar seus intuitos por meio da conquista dos mares e das rotas de comércio. Ou seja, pela via “de uma cruzada pela pimenta e não mais pelo Santo Sepulcro” (THOMAZ, 2008: 101-102).

Com o ensaio de Thomaz, dialoga de maneira interessante o capítulo de Ana Paula Vosne Martins, sobre o tema imperial em Carlos V. Vejamos como conclui a autora sobre o herdeiro espanhol dos Habsburgos:

Como um cavaleiro de Cristo ele procurou por meio da ação política renovar o império e fundar a República Cristã, ideário cavalheiresco, medieval e também humanista. Por outro lado, não podemos esquecer que para atingir estes objetivos nobres e cristãos Carlos foi um príncipe moderno, sustentando suas ações no racionalismo político (MARTINS, 2008: 223).

Percebe-se, tanto no D. Manuel, de Thomaz, quanto no Carlos V, de Martins, que a questão central relativa aos impérios ibéricos está colocada na combinação de objetivos fundados na tradição teológico-política cristã “medieval” com meios “modernos” de buscar sua consecução. Colocado desta maneira, o problema revela-se bem mais opaco do que se poderia supor. Isso porque, ao se tratar de império, o que se combina aqui são conteúdos por vezes bastante opostos tais como o universalismo cristão de uma imperatoria potestas e a soberania absoluta de uma monarquia moderna. Nisso não deixa de tocar o texto de Luís Filipe Silvério Lima que lembra que, no século XVII português, as formulações de Vieira sobre o Quinto Império se davam no interior de

monarquias definidas (e não de uma idéia geral de império), de um espaço de conquistas e expansão (e não de uma noção hipotética de orbe como espaço da comunidade cristã ou de reconquista de uma Jerusalém perdida), e mais importante, se afirmavam como execução (consumação) completa da soberania, ou seja, o ideal imperial (e o ‘horizonte de perspectiva’ que tinham a partir de suas esperanças) estava ligado ao exercício absoluto e soberano do poder” (LIMA, 2008: 254-255).

Ora, se é verdade, como já fora postulado, que a chave do império permitiria uma abordagem menos insuficiente do que a bipolaridade metrópole/colônia na consideração da história da América portuguesa, a partir da complexidade que o conceito de império assume na “modernidade ibérica”, torna-se necessário refinar conceitualmente o que se entendia naquela época pelo termo império e o que podemos disso tomar, por extensão. A ele, não se pode simplesmente associar concepções romanas, tardo-antigas e carolíngias como necessariamente válidas em longa duração, bem como não se pode projetar pré-concepções derivadas do imperialismo de épocas mais recentes do capitalismo industrial. Há que se reconhecer, nele, as particularidades e as transformações que passa a assumir em cada espaço datado. Assim, mesmo ao longo da história da América portuguesa, o conceito de império pode não significar a mesma coisa do início ao fim, como de certo não significou.

É bem esse tipo de alerta que Facetas do Império na História traz ao público. Conceitos e métodos, mobilizados no plural, supõem exatamente a necessidade de reflexão sobre a diversidade de fenômenos que se recobrem pela noção aparente e enganosamente auto-explicativa de “império”. O livro não busca cercar todo o campo que a noção abrange e confessa sua própria limitação neste sentido. O que faz é ensaiar maneiras de olhar para impérios, sejam aqueles que assim se autodenominaram ou que foram denominados por outros. No caso português, entre os séculos XV e XVIII, a autodenominação e a conceituação a posteriori de “império” nem sempre coincidem em sentidos. Talvez aqui, muito sutilmente, resida o sabor especial do livro, instigando novas abordagens menos viciadas sobre a questão.

Referências

THOMAZ, L. F. A idéia imperial manuelina. In: DORÉ, A.; LIMA, L. F. S. & SILVA, L. G. Facetas do Império na História: conceitos e métodos. São Paulo: Editora HUCITEC, 2008, pp. 39-104.         [ Links ]

MARTINS, A. P. V. Milles Christianus: Carlos V e o tema imperial. In: DORÉ, A.; LIMA, L. F. S. & SILVA, L. G. Facetas do Império na História: conceitos e métodos. São Paulo: Editora HUCITEC, 2008, pp. 212-223.         [ Links ]

LIMA, L. F. S. Os nomes do império no século XVII: reflexão historiográfica e aproximações para uma história do conceito. In: DORÉ, A.; LIMA, L. F. S. & SILVA, L. G. Facetas do Império na História: conceitos e métodos. São Paulo: Editora HUCITEC, 2008, pp. 244-256.         [ Links ]

Guilherme Amaral Luz – Professor Doutor – Instituto de História – Universidade Federal de Uberlândia – UFU – 38.400-902 – Uberlândia – MG – Brasil. E-mail: [email protected].

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