Amazônia: fronteiras, espaços e imaginários | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2014

A Revista Eletrônica da ANPHLAC, com o Dossiê intitulado Amazônia: fronteiras, espaços e imaginários, brinda seus leitores e demais pesquisadores em História da América com uma coletânea de textos sobre a vasta região amazônica, propondo uma discussão sobre temas específicos sobre esta rica, polêmica e cobiçada região.

Eis aqui uma oportunidade ímpar de os historiadores que fazem de seu ofício um pesquisar constante sobre as temáticas americanas, aprofundarem seus horizontes de pesquisa e, ao mesmo tempo, refletirem sobre as especificidades regionais da hiléia, tão vasta e desafiadora, não só dos aventureiros, mas, também, dos cientistas que nela se embrenham na tão almejada busca do conhecimento, sempre com o olhar voltado às possibilidades de entendimento dos fenômenos históricos que estão à espera de um olhar inquieto.

Direcionando as análises sobre o que se fala com relação à Amazônia, considerando-a em seu contexto internacional, pode-se perceber um olhar do mundo sobre as riquezas do subsolo, sobre sua rica fauna e majestosa flora, além dos imensos potenciais energéticos e hidráulicos, incluindo aqui as reservas de água potável com que o Planeta conta para o futuro, sem desconsiderar o grande potencial humano que faz da selva seu habitat, especialmente o indígena e as populações ribeirinhas, ressaltando, ainda, o sujeito urbano das povoações que emergiram no longo processo de colonização da parte setentrional da América do Sul.

É sobre este horizonte de pesquisa que a Revista Eletrônica da ANPHLAC quer chamar a atenção, até mesmo como um estímulo aos investigadores que costumam aceitar grandes desafios, associando-se aos investigadores de ciências correlatas, já com importantes trabalhos de campo sobre os mais variados e provocantes fenômenos.

O artigo de Américo de Lira e Adriana Iop Bellintani intitulado Amazônia: defesa e segurança de região prioritária é uma abordagem de fenômeno bastante recente. Trata-se de uma análise sobre a defesa da fronteira Amazônica, em especial, durante a Operação Ágata 4 realizada em 2012 na Amazônia setentrional, estruturada pelas diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa e pelo Plano Estratégico de Fronteiras, fato este que ocorreu na fronteira entre o Brasil e países limítrofes: República Cooperativista da Guiana, Guiana Francesa, República do Suriname e República Bolivariana da Venezuela, área esta considerada prioritária para o Estado brasileiro.

Entre quarteirões, ribeiras e igarapés: resistência escrava, fronteiras e espacialidades afro-amazônicas (c.1850-c.1880), é um artigo em que Ygor Olinto Rocha Cavalcante analisa as relações entre a construção de espaços e territórios com base nas experiências de fugitivos escravos, mocambeiros e comunidades quilombolas, no processo de resistência à escravidão no Amazonas. Se por um lado este texto discute as estratégias desenvolvidas pelos fugitivos, no sentido de forjar outros limites para as fronteiras nacionais e para espaços urbanos, contrariando as limitações impostas pelo poder, por outro mostra os diversos enfrentamentos no cotidiano da escravidão, envolvendo diferentes sujeitos sociais. Contribui, ainda, para retirar o véu de invisibilidade social que ainda hoje atinge as comunidades remanescentes de quilombo no Amazonas.

Continuando a abordagem do período oitocentista, Ipojucan Campos apresenta o texto intitulado Religião, religiosidade e culturas em “O naturalista no Rio Amazonas”: Henry Walter Bates, Grão-Pará (1848 / 1859). Eis uma oportunidade de se conhecer um pouco mais sobre a presença de viajantes que percorreram a Amazônia com os mais variados objetivos. Neste caso, há referência ao trabalho de Henry Walter Bates, estudioso de História Natural. Esclarece Campos que o objetivo deste estudo é analisar, no primeiro volume da obra O naturalista no rio Amazonas, como o viajante interpretou, em meados do século XIX, domínios da religião e religiosidade na cidade de Belém a qual possuía, no seu dizer, “vida multicor”. Cabe ressaltar que o aspecto religiosidade em várias ocasiões esteve em evidência no contexto amazônico e as narrativas sobre tal aspecto em muito tem contribuído para a riqueza de leituras que tendem a contribuir para os estudos dos fenômenos históricos desta imensa região.

No artigo intitulado Racialização e mundos do trabalho na Província do Amazonas: o padre Pardo Daniel Pedro Marques de Oliveira, de Tenner Inauhiny de Abreu, o autor apresenta a trajetória do padre pardo Daniel Pedro Marques de Oliveira e sua atuação política, o que permite descortinar certo processo de racialização na Província do Amazonas, durante a segunda metade do século XIX. A riqueza deste texto se consagra pela utilização não só de jornais, mas, de fontes oficiais, tais como, relatórios, falas e exposições de presidentes provinciais, o que em muito contribui para um maior rigor na análise do fenômeno histórico aqui considerado.

Dando continuidade às análises plurais da região amazônica em seu aspecto macro, Nery Jocasta Denis Asconavieta, em artigo intitulado Em busca do fortalecimento da soberania: uma análise do Tratado de Cooperação Amazônia (TCA), analisa o conceito de soberania como vetor a ser considerado no contexto dos países membros, sem desconsiderar o cenário político internacional da década de 70 do século XX, ressaltando as peculiaridades regionais em tempos da chamada Guerra Fria. A análise desta pesquisadora não prescinde do olhar sobre os objetivos do TCA, entre os quais a promoção e o desenvolvimento da região amazônica com um foco na integração dos países partícipes, na utilização consciente dos recursos naturais, tendo na busca da preservação de tais recursos, a garantia da própria soberania sobre seus respectivos territórios.

Em Esperanças rio a baixo: resistência e luta na história de JacinthoAntonio e Chrespiana entre seringais e regatões, Caio Giulliano de Souza Paião, embasado nos relatos oriundos da pesquisa em documentos referentes à inserção da atividade de navegações a vapor e regatões na Amazônia, analisa experiências e relações sociais, articuladas dentro do mundo do trabalho, observando o movimento de formação do social. Ressalta as estratégias de resistência por parte de trabalhadores no seu cotidiano, pequenos movimentos do dia-a-dia que configuram articulações políticas dentro do seu espaço de vivência, visando resistir a violência, a exploração econômica e a dominação política, vetores estes que sugerem a emergência das mais variadas formas de repressão, tutela e clientelismo.

Thiago Broni de Mesquita e Edilza Joana Oliveira Fontes, em artigo intitulado Na fronteira amazônica: Abel Figueiredo e as memórias de uma “ditadura na floresta” também abordam a chamada “integração nacional”, segundo estes um processo já em execução desde os tempos do governo Juscelino Kubitscheck, pela construção de rodovias e migrações espontâneas. O foco de Mesquita e Fontes é o surgimento de um Pará “não paraense” no sudeste deste Estado, o que ocasionou o surgimento de novas cidades, entre estas, Abel Figueiredo. O contexto de tal fenômeno histórico é o regime militar brasileiro e os autores analisam discursos sobre a nova fronteira na Amazônia, memórias da fronteira deixada e essas novas cidades amazônicas, que homenageiam o pioneirismo da chegada em tempos de autoritarismo.

O texto de Vitale Joanoni Neto intitulado Amazônia na década de 1970. A fronteira sob o olhar do migrante aborda a reocupação da Amazônia Legal, enfatizando o contexto da Amazônia e em especial o Estado brasileiro do Mato Grosso, durante o período chamado regime militar. Trata-se aqui de uma oportunidade de se refletir sobre parte da chamada “ocupação das últimas fronteiras agrícolas”. Sim, parte, pois, ao que parece, pela leitura que se tem feito no contexto brasileiro, a última das últimas seria a fronteira setentrional do Brasil. Pode-se, ainda, denominar tal processo como “integração nacional”, pois, à época se falou muito nesta expressão ao se fazer referência a tal ocupação. Analisa o autor o drama vivido por famílias migrantes que, acreditando nas propostas governamentais, se deslocaram do sul do país, aventurando-se em terras desconhecidas, desafiando o clima hostil e a falta de estrutura suficiente para se manterem na terra, o que provocou conflitos regionais.

O presente número da revista além do dossiê traz mais dois artigos. O primeiro que tem nas ideias de Bartolomé de Las Casas o ponto de partida para uma análise da obra de Vasco Quiroga, à luz do texto intitulado Carta ao Conselho, de 1531, Geraldo Witeze Júnior e Elias Nazareno mostram, no artigo intitulado América, lugar da utopia: de Bartolomé de Las Casas a Vasco de Quiroga, as várias faces destes dois pensadores, descortinando aspectos plurais da colonização, bem como suas ambiguidades.

E o artigo de Bruno Pereira de Lima Aranha, cujo título é Rumo à fronteira de Misiones: O “Destino Manifesto” Argentino (1882-1898). Trata-se de um trabalho que chama a atenção sobre relatos de viajantes argentinos com um ponto de partida em comum: Buenos Aires, com destino à Missiones, província no nordeste argentino. Se por um lado é um artigo importante para os historiadores que buscam subsídios para pesquisas sobre as últimas duas décadas do século XIX, por outro é importante pelo fato de trazer como argumento norteador o chamado Destino Manifesto que, apesar de ser uma ideologia originária dos Estados Unidos da América, é reinterpretada no contexto intelectual do país platino.

O volume se encerra com a resenha intitulada O Haiti e suas possibilidades: visões sobre uma realidade (in)acabada, escrita por Romulo Thiago Oliveira de Sousa, que analisa a obra organizada por Adriana Santiago, denominada O Haiti por Si.

Certamente que alguns temas aqui apresentados, a primeira vista, podem levar o leitor brasileiro, que espera um Dossiê sobre História da América, a se perguntar o porquê da inclusão de alguns artigos específicos sobre o contexto brasileiro.

Bem, digamos que os pesquisadores, associados ou não a ANPHLAC, os quais terão acesso ao conteúdo aqui apresentado, nem sempre serão brasileiros, para os quais este é específico sobre a História da América, ou seja, o que para um historiador brasileiro pode ser simplesmente História do Brasil, para os demais historiadores americanos é Historia americana. Sem classificar, portanto, o conteúdo como brasileiro ou americano, o ponto mais importante é que se trata de uma História da Amazônia, esta em seu sentido mais amplo, ou seja, em sua perspectiva internacional, afinal, se em algum contexto nacional se costuma dizer “a Amazônia é nossa”, este número da Revista da ANPHLAC pode servir para uma reflexão: a região Amazônica é de quem? Se considerarmos que tal área geográfica, se internacionalizou desde que o primeiro europeu a pisou e que, os processos de independência das Colônias europeias a fragmentou em diversos Estados-nações, a tendência pode ser uma continuidade de tal processo. O grande desafio que se coloca para os países amazônicos, portanto, é escolher a melhor forma de internacionalização que lhes assegure a soberania e a identidade nacional. Os textos aqui apresentados podem ajudar no esclarecimento de possíveis inquietudes. Boa leitura!


Organizadores

Kátia Couto –  Professora de História da América – Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Email: [email protected]

Victor Hugo Veppo Burghart – Professor de Teoria Política e Moderna – Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Email: [email protected]

Américo de Lira – Professor de Relações Internacionais – Universidade Federal de Roraima. Emai: [email protected]


Referências desta apresentação

COUTO, Kátia; BURGHART, Victor Hugo Veppo; LIRA, Américo de. Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 16, p. 1-5, jan./jun. 2014. Acessar publicação original [DR]

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