Amazônia, fronteiras e diversidades | Escritas do Tempo | 2021

Quais ventos são esses que trazem esse dossiê sobre a Amazônia na Revista Escritas do Tempo? São ventos que sopram o vigor e o frescor da produção do conhecimento histórico produzido nos programas de pós-graduação em História espalhados pela região amazônica! Sem dúvida este número da revista que apresentamos amplia um processo iniciado há algumas décadas atrás com a criação de programas de mestrado e depois de doutorado na UFPA e UFAM.

Hoje os programas de pós-graduação em História estão em inúmeras universidades públicas do outrora chamado Vale Amazônico, como é o caso da UNIFAP, da UNIFESSPA e da UFMA (que integra a região de abrangência da Amazônia Legal). O processo em questão impacta, de maneira decisiva, num conhecimento histórico sobre o passado amazônico que está a todo o momento sendo debatido e revisto, conectando experiências dos diversos centros produtores do saber histórico. Por essa razão esse dossiê celebra exatamente esse momento vivido por todos nós. Leia Mais

Ensino de História na Amazônia: práticas pedagógicas como reflexão para a pesquisa | Mandurarisawa | 2020

O desafio de exercer a carreira de magistério no Brasil não tem sido das mais fáceis, principalmente depois da ascensão da extrema direita no país e no mundo. Este cenário político possibilitou o fortalecimento de ideias de cunho neofascista que trouxe no seu bojo o fortalecimento de racismo, xenofobia, machismo, assim como o negacionismo científico. Este último com intensa repercussão entre os professores de História do ensino básico à pós-graduação. No ensino básico, a disputa de narrativas tende a ser mais prejudicial devido a interferências mais direta no mercado editorial e subtração de temáticas importantes. Os representantes políticos adeptos deste ideário chegaram ao poder em 2018 pelo voto popular.

Com a sociedade convulsionada, temas consensuais nas pesquisas históricas como escravidão negra, golpe militar no Brasil, gênero, entre outros, passaram a ser contestados não a luz de novas pesquisas e sim por atos de vontade de adeptos do novo grupo de poder numa conjuntura política específica cujos acontecimentos e explicações ainda estão se desenrolando. Respostas simplistas a questões complexas fazem parte do rol de explicações por parte dos ideólogos: “a escravidão no Brasil era melhor, pois os negros já eram escravizados em seus antigos territórios”; “em 1964, no Brasil, assumiu o poder os militares através de um regime militar constitucional” e assim por diante. Leia Mais

Africanidades e Amazônia | Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará | 2020

 

[…] Contínuas a ser a mesma virgem de Loanda, Cantando e sapateando no batuque, correndo o frasco na macumba, quando chega o Ogum, no seu cavalo de vento, varando pelos quilombos

Quanto Sinhô e Sinhá-Moça Chupou teu sangue, Mãe Preta?!

Agora como ontem, és a festeira do Divino, a Maria Tereza dos quitutes com pimenta e com dendê. És, finalmente, a procreadora côr da noite, Que desde o nascimento do Brasil Te fizeste ‘Mãe de Leite’.

(BRUNO DE MENEZES 1,1956)

O Instituto Histórico e Geográfico do Pará desde a sua fundação em 1900 vem produzindo trabalhos e debates envolvendo a história e a cultura do Brasil e, de maneira mais efetiva da Amazônia, através de seus sócios. Reuniões, palestras, publicações, exposições e eventos são disponibilizados para a sociedade. Este ano, em comemoração ao mês da Consciência Negra e não podendo fugir dos debates correntes na sociedade acerca das questões relativas aos problemas raciais, lança um dossiê de trabalhos acadêmicos sobre a questão das africanidades. Leia Mais

Amazônia: palco de lutas e reflexões | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2020

Do início da colonização aos discursos de suposta internacionalização e perda de soberania até o entrelaçamento do seu tempo e espaço ao capitalismo global, as lutas que ocorrem na Amazônia refletem uma história que pode ser compreendida em termos de confronto entre modos de vida. Para as pessoas que residem na região, os indicadores são de maior vulnerabilidade e desigualdade social, violência na zona rural e urbana, dificuldade de acesso a serviços públicos e risco de morte aos defensores dos direitos humanos.

Nos noticiários recentes sobre a região amazônica brasileira percebemos a preocupação com a política governamental de exploração e devastação sem precedente da região. É a lógica de “passar a boiada” e das queimadas que colocam em risco as vidas amazônicas. A ideia do progresso a qualquer custo recupera a sua força, eliminando-se a capacidade de resistência, seja institucional, seja através de possibilidades de participação democrática dos movimentos sociais. Por mais chocantes que possam ser os acontecimentos atuais, estes podem ser lidos como uma consequência da visão geral que diferentes governos de diferentes países da América Latina tiveram, ao longo de séculos, sobre a Amazônia. Os projetos de desenvolvimento e integração não se dão a partir dos povos que ocupam a região nas fronteiras, mas a partir de projetos que buscam explorar o território e as riquezas disponíveis na região. É o que podemos ver nos diversos ciclos de exploração da Amazônia que se renovaram no início do século XXI com a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), em nível internacional, e com os Planos de Aceleração do Crescimento (PAC I e II), em nível nacional. Leia Mais

Práticas e processos socioculturais na Amazônia | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2020

O dossiê “Práticas e processos socioculturais na Amazônia” é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa em Estudos Interdisciplinares em Cultura e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá e do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Cidade da Universidade Federal de Mato Grosso.

O objetivo da proposta foi apresentar resultados de investigação, no âmbito de programas de pós-graduação stricto sensu e de grupos de pesquisa, no país e no exterior, que se propõem a descrever, analisar e refletir sobre fenômenos, práticas e processos sociais que atravessam ou são atravessados pelo campo cultural. A proposta considera a apropriação de dispositivos e artefatos tecnológicos/comunicacionais, artísticos e literários em suas mais diversas linguagens para produção, circulação e reconhecimento de sentidos sobre e a partir da Amazônia. Leia Mais

História da alimentação e do abastecimento na Amazônia | Revista do IHGPA | 2020

História da alimentação e do abastecimento na Amazônia: um presente ao IHGP

O Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP), desde sua fundação, no ano de 1900, mantém um compromisso indissociável com a defesa do patrimônio cultural do Pará e da Amazônia. Isso está no DNA da instituição. A preservação e a valorização do patrimônio material e imaterial são bandeiras permanentes da ação do Instituto junto a sociedade regional.

Essa conduta está refletida na linha editorial do periódico, tanto na versão antiga, de revista impressa, como nesta versão atual eletrônica. E, ao estabelecermos uma linha do tempo da publicação, é possível observar nos textos produzidos pelos sócios e pelos autores convidados, ao longo dos anos, olhares voltados para a questão do patrimônio sob as mais diversas perspectivas. Leia Mais

Amazônia global: espaços de circulação e representação da fronteira | Revista de História | 2019

Os textos que compõem esse dossiê foram gerados em grupos de pesquisa e programas de pós-graduação que têm, sistematicamente, se dedicado à historiografia da Amazônia. Esse exercício implica em alguns desafios intelectuais. Em primeiro lugar, compreender processos e transformações sociais ocorridos até o século XIX fora da chave interpretativa fornecida pela associação entre plantation, mineração e escravidão africana, que domina a historiografia brasileira e que já vem sendo questionada há algum tempo como inadequada para a região. Em seguida, dar visibilidade e protagonismo a sujeitos de máxima importância para a história da Amazônia, como os povos indígenas e os ribeirinhos, de diferentes culturas, línguas e estratégias de aproximação e negociação com a sociedade nacional; os numerosos e diversificados agentes coloniais e servidores do Estado, em geral de baixo escalão; os pequenos proprietários e os comerciantes que dominavam a economia regional, centrada no extrativismo e na agricultura e que se organizou a partir do controle de acesso às zonas de exploração e cultivo, localizadas nas várzeas dos grandes rios; os missionários e demais membros do clero, peças ativas na expansão europeia e no processo de urbanização da região; e mesmo os afro-brasileiros ali residentes, com suas culturas e identidades, não redutíveis a ‘escravos’. Vemos, nas fontes, todos eles circulando pelo território amazônico e colocando em movimento a fronteira que se estabelece desde o início do período colonial e que se amplia à medida que novos espaços e povos são incorporados no sistema global de intercâmbios políticos, econômicos e culturais. Leia Mais

Fronteiras Amazônicas / Revista Brasileira de História / 2019

A Amazônia e as fronteiras da História

Em audiência ocorrida no Senado brasileiro, no mês de junho de 1976, o paisagista e expoente do naturalismo Burle Marx denunciava que a Amazônia havia sido vítima do maior incêndio da história do planeta. Os satélites da Nasa tinham então registrado uma queimada florestal de 25 mil km2 no sudeste da região. A área atingida situava-se na intersecção de várias fazendas de gado. O fato foi amplamente comentado na imprensa internacional. Aquecia-se o debate em torno das estratégias desenvolvimentistas para se superar o chamado atraso regional (Acker, 2014, p. 22-23). No último quartel do século XX, a Amazônia tornou-se um capítulo importante da contestação da noção de progresso. Nela, o rápido avanço de novas frentes de exploração capitalista (protagonizado por grandes projetos agrominerais e por agências governamentais) era representado pelas classes dirigentes brasileiras como a aceleração do tempo histórico tendo em vista a antecipação do desenvolvimento. O otimismo em relação à alavancagem dos índices de bem-estar da população regional por meio de grandes projetos entrou em crise sobretudo nos anos 1980. Ao lado da denúncia dos negativos impactos sociais causados pela expansão das frentes de exploração, ganhava força a tese de que era necessária e urgente a criação de formas de produção econômica que não destruíssem a natureza e os modos de vida tradicionais.

Enfocar as fronteiras amazônicas nos permite colocar em discussão balizas de grandes narrativas históricas. De um lado, noções como progresso e atraso têm aí se desdobrado em formação de latifúndios, degradação ambiental e trabalho escravo ou degradante, num flagrante contraste entre promessa e realização. Por outro lado, a história nacional pretensamente monocultural encontra na sua diversidade sócio-histórica uma via de deslegitimação. Como já apontara Certeau (2008, p. 89), os fenômenos de fronteira nos possibilitam colocar em xeque modelos totalizantes, pois o contato com o diferente abala a pretensão de universalidade daquilo que, na verdade, é apenas uma parte. Dentro mesmo do espaço amazônico tem ocorrido, nas últimas décadas, a institucionalização de territórios (terras indígenas e quilombolas, reservas extrativistas, unidades de conservação ambiental…) visando à preservação da natureza e dos chamados povos tradicionais. Trata-se do desdobramento de uma longa história de lutas que foram conformando fronteiras intrarregionais ainda hoje contestadas, ameaçadas e corajosamente defendidas (Wanderley, 2018). Amazônias indígena, quilombola, ribeirinha e urbana, entre outras, compõem um mosaico que nega noções generalizantes como inferno verde, espaço vazio, região-problema… Noções que mais ocultam do que elucidam.

Ao possibilitar a problematização de abordagens totalizantes a história das fronteiras faz avançar as fronteiras da História. Trata-se de um campo temático fronteiriço, de caráter interdisciplinar, pois se constrói num permanente diálogo com a Antropologia, a Sociologia e a Geografia. Desde o final do século XIX avolumou-se a massa de publicações de militares, diplomatas e geógrafos que viam no estudo dos limites um importante instrumento de fixação da imagem do Brasil-República como nação. Raja Gabaglia, Everardo Backheuser e Jorge Latour, para ficar em poucos exemplos de destaque, mediante a apropriação de postulados de teóricos como Friedrich Ratzel e Camille Vallaux, criaram influente tradição intelectual centrada no imperativo da vivificação das zonas limítrofes do território nacional. A partir de um diálogo com a obra de Frederick Turner, Leo Waibel e Pierre Monbeig inauguraram, na década de 1940, duradoura e prolífica corrente interpretativa, cuja compreensão de fronteira conduzia à noção de frente pioneira (Sprandel, 2005, p. 153-203).

Os estudos publicados no Dossiê “Fronteiras amazônicas” da Revista Brasileira de História se inscrevem num movimento de renovação das formas de se entender e abordar as experiências fronteiriças. Nos últimos anos, pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais passaram a elucidar múltiplas práticas de fronteirização, visíveis ou não, em distintas escalas e com uma infinidade de propósitos (Grimson, 2003Boccara, 2007Oliveira, 2016Benedetti, 2018). Os novos estudos nos lembram que os espaços não são desde sempre recortados, delimitados, enfim, diferenciados. O processo de constituição de fronteiras deve ser compreendido à luz de contextos e sujeitos históricos específicos. Conquistas, conflitos, negociações, alianças e outros meios têm ensejado, na Amazônia, assim como em outras partes do Brasil e do mundo, sobreposições territoriais, ou fronteiras dentro da fronteira. Além disso, os sujeitos que aí vivem estabelecem relações e constituem redes que por vezes nos obrigam a relativizar a definição de fronteira como margem e a compreender constructos geográficos policêntricos, assim como polissêmicos.

Ganham destaque nas páginas deste Dossiê os discursos sobre a fronteira. Científicos, literários, diplomáticos, cartográficos e outros, ao longo do tempo, tais discursos depositaram camadas de significados que foram se sedimentando e gerando formas de imaginação espacial. Esses regimes de representação orientaram intervenções estatais no mundo da vida e ainda hoje são usados como justificativa de ações autoritárias, colonialistas e, portanto, não abertas ao diálogo com os sujeitos que vivem na e da fronteira, sobretudo com os dominados ou subalternizados. A relação entre saber e poder é destacada nos quatro primeiros artigos. Rômulo de Paula Andrade nos apresenta uma Amazônia rasgada pela política de rodovialização da década de 1960. A floresta abre então seus arcanos, revelando novo ecossistema viral e, deste modo, ensejando o avanço da fronteira do saber acerca das doenças tropicais. Francisco Bento da Silva e Gerson Rodrigues de Albuquerque abordam a retórica colonialista estruturante do relato de Paul Walle, publicado em 1910. Os autores apontam que esse viajante francês, atento à competição comercial entre os países colonizadores europeus pelos mercados da periferia global, produziu uma narrativa que, ao mesmo tempo, hierarquiza povos e exalta o potencial econômico do bioma amazônico. O artigo de Márcia Regina Capelari Naxara aborda escritos literários do início do século XX cujas páginas desvelam lugares sombrios: florestas tropicais que escondem seus segredos e riquezas do olhar cobiçoso e curioso do ádvena. No contexto de franco avanço imperialista das potências econômicas sobre o Sul global, as narrativas de Joseph Conrad e Alberto Rangel representam como trágico o fim das incursões “civilizatórias” nos vales do Congo e do Amazonas. O texto de Carlo Maurizio Romani analisa o litígio anglo-brasileiro pela posse da área fronteiriça do Pirara (situada entre o que hoje são o estado de Roraima e a Guiana). O autor argumenta que a superioridade dos investimentos científicos ingleses foi algo decisivo no arbitramento internacional, que culminou em decisão desfavorável ao Brasil.

Os três artigos seguintes analisam as convergências, incongruências e divergências entre agentes estatais (portugueses, espanhóis e franceses), povos indígenas, negros que fugiam da escravidão e missionários que atuaram na Amazônia, durante os dois primeiros séculos de sua colonização. Abordando o processo de demarcação de limites realizado a partir do Tratado de Santo Ildefonso (1777), Adilson Junior Ishihara Brito aponta para a importância econômica e geopolítica dos rios nas disputas das Coroas de Portugal e Espanha por territórios americanos. Numa atmosfera de desconfianças, as autoridades portuguesas usaram de estratégias variadas para não perder o controle de vias fluviais, tais como: mapeamento científico, descimentos de indígenas e improvisação de povoamentos. O artigo de Rafael Ale Rocha destaca que a constituição da fronteira não se dá apenas por meio de tratados (como o de Utrecht), pois ela decorre, amiúde, da desobediência, da rebeldia e da mobilização de sujeitos, como indígenas, negros e desertores. O autor também elucida como, no Cabo Norte da primeira metade do século XVIII, os aruãs usaram a situação de fronteira em proveito próprio. As fugas, o estabelecimento de alianças e o trato do comércio são sendas por onde podemos entrever o protagonismo de povos indígenas que então viviam na região da foz do rio Amazonas. Por fim, Roberta Lobão Carvalho enfoca o desencaixe e as divergências entre as expectativas da Coroa portuguesa e os interesses de grande parte da elite do Grão-Pará nas primeiras décadas do século XVIII. A pesquisadora igualmente põe em relevo os atritos entre membros do governo local e jesuítas, ocorridos por causa da espinhosa questão do controle do trabalho indígena.

O amplo e variado espectro de questões abordadas neste Dossiê evidencia a complexidade da história das fronteiras amazônicas e o trabalho competente de historiadores, de diferentes gerações, no sentido de compreendê-la. Resta desejar a todos uma mui proveitosa leitura.

Referências

ACKER, Antoine. “O maior incêndio do planeta”: como a Volkswagen e o regime militar brasileiro acidentalmente ajudaram a formar a Amazônia em uma arena política global. Revista Brasileira de História, São Paulo: Anpuh, v. 34, n. 68, p. 1333, 2014. [ Links ]

BOCCARA, Guillaume. Poder colonial e etnicidade no Chile: territorialização e reestruturação entre os Mapuche da época colonial. Tempo, Niterói: UFF, v. 12, n. 23, p. 56-72, 2007. [ Links ]

BENEDETTI, Alejandro. Claves para pensar las fronteras desde una perspectiva geográfica. Geousp – Espaço e Tempo, São Paulo: USP / Depto. de Geografia, v. 22, n. 2, p. 309-328, 2018. [ Links ]

CERTEAU, Michel. A escrita da História. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. [ Links ]

GRIMSON, Alejandro. La nación en sus limites: contrabandistas y exilados en la frontera Argentina-Brasil. Barcelona: Gedisa, 2003. [ Links ]

OLIVEIRA, João Pacheco de. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016. [ Links ]

SPRANDEL, Marcia Anita. Breve genealogia sobre os estudos de fronteiras e limites no Brasil. In: OLIVEIRA, Roberto C. de; BAINES, Stephen G. (org.). Nacionalidade e etnicidade em fronteiras. Brasília: Ed. UnB, 2005. p. 153-203. [ Links ]

WANDERLEY, Luiz Jardim de M. Repensando a noção de fronteira no contexto da reestruturação espacial da Amazônia no século XXI. Terra Livre, São Paulo: AGB, ano 31, v. 1, n. 46, p. 13-48, 2018. [ Links ]

Sidney Lobato – Universidade Federal do Amapá (Unifap), Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH), Macapá, AP, Brasil. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0002-2357-3667


LOBATO, Sidney. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.39, n.82, set / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Diversidade Cultural e Religiosa no Contexto da Amazônia / Revista Brasileira de História das Religiões / 2019

Falar da Região Norte é falar de um universo desconhecido para o restante do Brasil. Apesar da produção cientifica em expansão, ainda carecemos de literatura consistente para entender o universo religioso que o contexto amazônico possui – contexto este marcado pelo diversidade religiosa e cultural. Percebemos a presença expressiva de grupos evangélicos pentecostais e neopentecostais em crescimento, liderados pela Igreja Assembleia de Deus (AD), Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), percebemos um catolicismo em declínio do quantitativo de adeptos, mas ainda muito engajada em questões sociais (a presença da teologia da libertação entre os leigos e padres é significativa). Porém é a influência da cultura indígena e africana que podemos dizer ser algo singular da Amazonia. Ribeirinhos, quilombolas, povos tradicionais, população negra e a população como um todo recorre a práticas de cura vindas da pajelança, usos de ervas, bebidas, danças, águas, sacrifícios visando obter suas curas físicas ou emocionais. Enfim, falar desta região é falar de um mundo desconhecido. Cabe às universidade tentar interpretar este universo à parte.

Neste contexto, esta chamada temática tem por finalidade trazer textos que explorem este universo singular chamado Amazonia. Para tanto trazemos três trabalhos que dialogam entre si e tentam diagnosticar esta pluralidade cultural e religiosa. Temos o trabalho da Profa. Maria da Conceição Silva Cordeiro e do Prof. Marcos Vinicius de Freitas Reis intitulado “‘Oficio de Curar’: querências do destino, intervenção do sagrado”, que discute a questão da busca pela cura pelos povos da Amazonia nas mais variadas expressões religiosas. Temos os trabalhos intitulados “A comunidade de Santa Luzia no Arquipélago do Marajó: vivências e práticas religiosas”, de Sônia Maria Pereira do Amaral e Elivaldo Serrão Custódio, e “Um estudo das relações sociopolíticas e religiosa entre Ribeirinhos”, de autoria de Liliane Costa de Oliveira e Marilina Conceição Oliveira Bessa Serra Pinto. Ambos os textos buscam entender a identidade religiosa de suas localidades e como ocorrem as relações de poder.

O presente volume foi organizado pelos professores Sérgio Junqueira, um dos maiores especialistas no debate do tema Ensino religioso e incentivador e organizador de trabalhos que pensam a Amazonia na atualidade, e pelo Prof. Marcos Vinicius de Freitas Reis, atualmente vinculado a Universidade Federal do Amapá, coordenando o grupo de pesquisa CEPRES – Centro de Estudos Politicos, Religião e Sociedade.

O volume traz ainda artigos livres que versam sobre temas e contextos variados, aprofundando temáticas e indicando a proficuidade dos estudos sobres as religiões e as religiosidades.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Marcos Vinicius de Freitas Reis

Sérgio Junqueira


REIS, Marcos Vinicius de Freitas; JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.11, n.33, jan. / abr. 2019. Acessar publicação original [DR]

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África e Amazônia: experiências missionárias da “tutela” e da “promoção humana” / Canoa do Tempo / 2018

Este dossiê propõe-se problematizar a emergência do princípio da “Promoção Humana”, que se origina nos anos 60 do século XX com a orientação das missões AD GENTES (para todos os povos e culturas), como uma resposta à crítica ao colonialismo na África e na Ásia e do envolvimento das Igrejas cristãs com esse processo. A “Promoção Humana” seria a tradução cristã da ideia de autodeterminação dos povos e propiciou importantes diálogos no campo religioso sobre o que seria o fim da tutela colonial e o favorecimento das reivindicações e das singularidades dos povos não brancos que eram cristãos.

Neste processo de importantes experiências de interação com a sociedade civil e com espaços missionários africanos e da América Latina, se enriqueceram as práticas pastorais e a emergência de novos protagonistas na ação evangelizadora. Diálogos em torno da “Promoção Humana” surgiram em espaços religiosos propiciados por diferentes congregações missionárias, dentre as quais destacamos aqui a Congregação do Espírito Santo, que tem presença em Tefé e também em espaços missionários do Sul de Angola, entre outras áreas na África e no Brasil atendidas pela ação desta instituição. Investigar esses diálogos possíveis entre experiências missionárias em espaços amazônicos e africanos, pós Concilio Vaticano II, é o desafio lançado para os artigos que compõem este número da Revista.

O tema das experiências missionárias tornou-se muito importante para uma compreensão das trajetórias históricas do Brasil e da África, para além dos estudos da escravidão atlântica e do pós abolição no Brasil. Fazer missão e a atenção às chamadas populações nativas no século XX trouxe, para o estudo da história das Igrejas cristãs, todo um arcabouço conceitual e teórico que influenciou os processos de formação dos estados africanos nos anos 60 do século XX, e traçou novos rumos para a participação social civil no Brasil da democratização e da Nova República. Neste sentido, é fundamental apontarmos para as transformações que a ideia e a ação missionária sofreram ao longo do século XX, fundamentadas em dois importantes aspectos: o princípio da “Tutela” que durou até os anos 60, e o da “ Auto-determinação dos Povos”, que vem do universo político e que ganhou um equivalente religioso, denominado “Promoção Humana”.

A ação missionária cristã católica, até o fim da Primeira Guerra Mundial, estava profundamente imbricada no projeto de expansão da civilização europeia ocidental e pela perspectiva de negação ou de aceitação das estruturas sociais e religiosas indígenas da África e América. A Missão era, concretamente, o processo de mudança da paisagem e da estrutura social, da corporiedade das populações englobadas por esta ação, que visava construir uma estrutura material, económica e espiritual que marcasse a inserção do território e dos seus habitantes na esfera católica, tutelada por uma nação europeia apoiadora daquele projeto religioso.

As populações tuteladas nas relações religiosas e nos regimes de trabalhos forçados fariam uma necessária transição da barbárie para a civilização, que havia se tornado sinônimo de se tornar também cristão. Nas experiências missionárias africanas e na América, o Estado colonial incorporava os territórios missionários e coexistiam as estruturas religiosas com a administração colonial. Em alguns setores, como na área da educação e da saúde, as Igrejas Cristãs forneciam os hospitais e escolas que tornaram-se também instituições dos diferentes regimes coloniais. Na região que hoje corresponde à Amazônia brasileira, no século XVIII quase todas as localidades da sociedade colonial eram missões antes da expulsão dos jesuítas e a criação dos “diretórios” por Marquês de Pombal.

No entanto, o desenvolvimento desta ação de civilização, que pressupunha a inserção religiosa ao mesmo tempo na estrutura do controle do trabalho e da administração dos territórios, exigiu um sistema educacional que preparasse para o trabalho e que acabou por levar ao fim da herança escravista nas relações de trabalho, tornando-as “modernas”, “civilizadas” e “ocidentais”. O que se perceberá neste dossiê é que essas ações disciplinadoras dos trabalhadores africanos, por parte da pedagogia missionária do trabalho (com o desenvolvimento de escolas artesanais, de institutos de artes e ofícios, criação de escolas e universidades técnicas) se estendeu para além dos espaços missionários africanos, controlados por administrações estrangeiras, e também foram utilizadas em áreas missionárias do Brasil e da América Latina, notadamente entre as populações indígenas. Suas gentes e terras precisavam na lógica de Estados republicanos que os definiam como povos e territórios tutelados. O trabalho e a lógica da organização dos espaços precisavam ser orientados para essa nova organização política, que os colocava dentro de fronteiras nacionais e lhes atribuia um papel histórico subalterno que, no caso brasileiro, surgiu a partir de 1889.

Os missionários que chegaram nas áreas amazônicas no início do século XX, trouxeram no horizonte mental e nas experiências de ação as formas de controle e de educação das chamadas populações indígenas africanas. Além disso, apostavam na educação artesanal, no desenvolvimento das artes e ofícios e na cristianização dos espaços e das relações, para que as missões pudessem produzir na experiência brasileira um espaço civilizado para a República do Brasil. Percebe-se nos artigos apresentados que, da década de 1910 até os anos de 1960, a tutela era a ação esperada para os povos considerados indígenas em suas próprias terras, e que tais estruturas de educação podiam circular em espaços considerados tão diversos porque tinham a perspectiva de conduzir seres diversos a uma estrutura de Estado que era considerada universal, homogeneizadora e civilizada.

No entanto, se no desenho da ação civilizadora missionária dos estatutos do indigenato em África estava prevista a negação da relação de pertença dos territórios indígenas, o que deveria garantir populações mais dóceis e passíveis de serem tuteladas, a realidade das estruturas missionárias era mais complexa. Estas se revelaram frágeis ante os sistemas sociais africanos, o que suscitou uma série de negociações, conflitos e acomodações entre os agentes religiosos e os sistemas de chefaturas locais. O cristianismo permaneceu em grande parte das sociedades africanas porque também se tornou africano, ou seja, houve um processo de reapropriação e reelaboração das experiências religiosas e cosmogônicas, no qual o cristianismo que persistiu foi o que necessariamente tornou-se também uma religião local, uma forma de compreensão do processo de ocidentalização do mundo, e um caminho de reatualização e de preservação dos cultos de ancestrais. Com relação a este aspecto, temos a contribuição de um importante artigo que analisa os processos de descrição missionária e de produção de sentidos dessa interação, através do estudo sobre os rituais e a celebração do Boi Sagrado no sul de Angola, de Josivaldo Pires de Oliveira.

É importante destacarmos aqui a grande importância da atuação do chamado catequista nativo. Se ao missionário branco cabia a fundação da missão, a benção da capela e a ação dos sacramentos, ao catequista cabia toda a comunicação e tradução possível de discursos e símbolos que circulavam entre os universos dos missionários estrangeiros e das populações locais. Se o missionário estrangeiro circula, é o catequista não branco que permanece, organiza, faz reuniões, mobiliza, prepara as populações para os sacramentos e que garante, portanto, a construção de um espaço missionário de fato, pelo qual transitam pessoas, línguas de contato, hierarquias e estruturas de poder.

As escolas artesanais e os institutos de artes e ofícios ganharam também importantes significados locais, que extrapolaram a educação tutelar missionária. Tornaram-se signos de distinção social, requalificação de antigas hierarquias locais e de um novo empoderamento que garantiu a autoridade para que agentes dos sistemas de chefaturas pudessem negociar com as autoridades missionárias e coloniais os termos dos processos de recrutamento e das hierarquias nos postos de trabalho. Os espaços africanos sofreram o impacto da presença missionária cristã, mas as Igrejas cristãs e suas sedes e hierarquias foram afetadas também por essas dinâmicas, o que torna complexo o seu complexifica os estudos sobre as dinâmicas coloniais africanas e quando observados e analisados, trazem mais informações do que foi o sistema de administração colonial indireta, que foi majoritário durante o colonialismo no continente africano no século XX.

As populações indígenas da área amazônica deram também contornos e expressões especiais para as estruturas de educação artesanal e agrícola trazidas pelos missionários, e também permitiram, com a sua ação, a construção de uma experiência católica local que não poderia ser reduzida à perspectiva homogeneizadora tanto do catolicismo quanto do Estado republicano brasileiro. Esse dinamismo próprio reconfigurou antigas hierarquias sociais, como por exemplo no caso da experiência missionária em Tefé, Amazonas, dos anos 1940, onde também investiu as antigas relações de poder, dando às mesmas um forte poder mobilizador e de negociação com o Estado brasileiro e as demais entidades sociais. Havia portanto o cristianismo africano, como também um brasileiro e, dentro desses universos, diversas outras formas de vivências sociais e políticas, nas quais as missões e demais espaços religiosos se tornaram, tanto para missionários quanto para missionados, importantes espaços e veículos de negociação, de formação de hierarquias e elites regionais, produzindo as vozes públicas que tiveram importantes papéis políticos de intervenção e reivindicação.

O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe um abalo a essas estruturas missionárias centradas nas ações de tutela e de controle de territórios. Nas experiências africanas, os estatutos de indigenato foram extintos e as guerras coloniais trouxeram novos horizontes de renegociação de poder, mas também a tensão de serem inseridas numa nova situação histórica desconhecida. Neste processo, diversas ordens e congregações missionárias católicas e igrejas protestantes foram expulsas da África. A partir da criação da ONU e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, a tutela foi denunciada como colonialismo, como ações de violação dos direitos humanos. Nos anos 60, a atuação de Claude Lévi-Strauss na UNESCO consolidou uma importante reflexão sobre as culturas do mundo que incluiu a crítica do colonialismo europeu enquanto violador do princípio do respeito às culturas e, com ela, da humanidade e dos antigos povos coloniais.

A crise do paradigma da missão foi profunda. Para as Igrejas cristãs denunciadas por intelectuais e políticos africanos como “agentes do colonialismo”, era preciso repensar tudo o que havia ocorrido. Os missionários retornados à Europa, às suas antigas dioceses e cidades, estavam deslocados. A Europa que deixaram para ir à África não era mais a mesma, e os territórios de missão não os queriam. Diante desta situação, eles se colocaram a seguinte pergunta: os cristianismos africanos morreram com a expulsão dos missionários? Esta questão foi fundamental por ocasião da convocação do Concilio Vaticano II em 1961 pelo Papa João XIII, e que teve prosseguimento com o Papa Paulo VI. Em face da crise missionária, o Concilio reconheceu que existia um catolicismo africano transformado e reorganizado de acordo com as dinâmicas locais. Além disso, os rituais católicos passaram a ser realizados nas línguas nacionais e a forma ‘africana’ de celebração da missa, chamada de “Rito Zairense” em homenagem ao antigo Reino do Congo e aos primeiros cristãos da África, passou a existir junto com o ritual romano da missa.

Tais transformações foram de grande importância para o reconhecimento das Igrejas africanas cristãs e para a formação do alto clero do continente, que passou a participar das decisões do catolicismo mundial em Roma e a ter a possibilidade de lançar candidatos ao papado. Essas mudanças contribuíram para o retorno dos missionários nos anos 1960, momento histórico das lutas anticoloniais, e com isso as Igrejas foram desafiadas a se incorporar nos projetos de construção das novas nações africanas. Para isto, um pressuposto do Concílio foi de fundamental importância: o reconhecimento do pluralismo religioso e o desafio de ser uma religião que coexistiria com as demais, desenvolvendo uma atitude de presença e de diálogo nas nações, não mais a colonização de territórios missionários. Neste dossiê temos uma importante contribuição de Nuno Falcão sobre as visões da Santa Sé sobre as missões, as transformações que ocorreram em torno da autodeterminação dos povos nos ano 60 e as mudanças no paradigma missionário, que aprofunda os temas colocados nesta apresentação.

Com o fim da visão da missão de tutela dos povos missionados e a colocação de que as mesmas se dirigem a povos livres e autodeterminados, os paradigmas da ação missionária em África e no Brasil foram transformados pela crítica colonial, e os missionários passaram a enfrentar o dilema de serem uma presença religiosa num universo político laico pós guerras de libertação nacional, e no caso da América Latina, pós ditaduras fascistas. Junto com as mudanças na ação pastoral, promoveu-se também a ação de salvaguardar a memória não só da missão, mas das Igrejas nos antigos locais missionados. Os registros das ações pastorais e dos  movimentos leigos são de inestimável valor de pesquisa, e temos neste dossiê a contribuição de Jubrael Mesquita de Oliveira e Tenner Inauhiny de Abreu a respeito dos documentos do arquivo da Prelazia de Tefé, no Amazonas, que se referem às primeiras décadas do século XX e que nos ajudam a refletir sobre outros contextos missionários do Brasil, da América Latina e da África.

Também na perspectiva da produção da musealização e da memória das missões e dos povos missionados, temos neste dossiê o artigo de Janaína Cardoso de Mello, que analisa a trajetória dos Frades Capuchinhos da Umbria no Amazonas e as interfaces com o processo de musealização dessa experiência no Museo Missionario Indios (MUMA) da Umbria, Italia.

Sobre os acervos documentais e patrimônios artísticos produzidos pelos missionários, Santos aponta:

Temos a compreensão de que a ação missionária produziu um espectro bastante amplo de artefatos, textos, edificações e diferentes tipos de fontes escritas e audiovisuais que nos levam a aprofundar a perspectiva da análise do processo de mediação também como uma ação de produção de patrimônios materiais do Cristianismo, que precisam ser abordados de forma diferenciada e que merecem projetos específicios de trato documental, análise e contribuição para o estudo da ação dos missionários na África e a constituição das cristandades locais do final do século XVIII ao XX. (SANTOS, Patricia Teixeira, FALCÃO, Nuno e SILVA, Lucia Helena, 2015, p.19)

Os anos 60 do século XX foram marcados pela emergência de um catolicismo social que dialogava com a vida e as experiências de populações antes vistas como tuteladas, mas que passaram a ser consideradas como partes da Igreja, como protagonistas no desenvolvimento da vida eclesial e comunitária. Em tais espaços produziram-se importantes vozes públicas que tiveram expressão na transformação das condições materiais da vida social. Em Tefé, Amazonas, foi fundada em 1963 a Rádio Educação Rural de Tefé que, seguindo o exemplo da Rádio Sutatenza, da Colômbia, levou a evangelização e a educação popular para lugares distantes da selva, reunindo povos indígenas e seringueiros, antes dispersos pela economia da borracha, em novas comunidades ribeirinhas mais próximas dos centros urbanos. Tendo como referência a pedagogia de Paulo Freire, o Movimento de Educação de Base em Tefé durou 40 anos ajudando a formar cidadãos, movimento sociais e instituições a partir de um viés de diálogo e valorização das tradições e identidades regionais. Essa dimensão do catolicismo social também pode ser vista num artigo deste dossiê que analisa o reconhecimento do Quilombo da comunidade de Boa Vista, no Pará, de Karl Heinz Arenz.

Com este dossiê propomos, então, percorrermos os desafios da compreensão das experiências missionárias no contexto contemporâneo, as aproximações que são possíveis de serem realizadas através dos paradigmas da “Tutela” e após anos 60, do princípio da “Promoção Humana”. Tais análises nos fazem repensar as relações entre Estados e Instituições  Missionárias, e a continuidade das ações missionárias e da produção de vozes públicas são fatos que suscitam a seguinte pergunta: porque as missões persistem? Um dos caminhos interpretativos pode passar pela importância que os Estados contemporâneos atribuem à mediação dos missionários para se chegar a populações periféricas, não incluídas na vida e participação cidadã plena. Outra possibilidade pode ser a importância da produção e salvaguarda de vozes públicas que questionam os Estados e suas políticas de exclusão. O fato é que esse fenômeno ainda é muito forte na experiência contemporânea das sociedades originárias dos antigos sistemas coloniais nas Américas e em África (SANTOS, Patrícia Teixeira, 2015, pp. 71-74). Esperamos poder contribuir com essas problematizações.

Referências

SANTOS, Patricia Teixeira, FALCÃO, Nuno, SILVA, Lucia Helena Oliveira. Fontes e pesquisas da História das missões cristãs na África: arquivos e acervos, in: Africania Studia 23. Experiências Missionárias: Trajetórias coloniais e pós coloniais em África. Porto: CEAUPHumus Editorial, 2015. PP. 15-23

Patrícia Teixeira Santos (UNIFESP) – Professora de História da África do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo. Pesquisadora colaboradora do Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória” (CITCEM-Universidade do Porto).

Guilherme Gitahy de Figueiredo (UEA – Tefé) – Professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH), do PARFOR e do curso de Pedagogia do Centro de Estudos Superiores de Tefé da Universidade do Estado do Amazonas.

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Amazônia, modernidade e desenvolvimento / Territórios & Fronteiras / 2018

A floresta e o bioma amazônico têm sido alvo de atenção por diferentes motivos desde o século XVI. As razões pelas quais ela desperta o fascínio e interesse entre aqueles que compreendem suas dimensões variam nesse tempo largo, mas não diminuem de intensidade. Desde o fato de a floresta vir a ser batizada em referência às Amazonas, mulheres guerreiras da mitologia grega, passando pelo Mapinguari, até o El Dorado, relacionado às inesgotáveis riquezas de que essa floresta seria portadora, chegamos ao começo do século XXI ainda buscando um entendimento mais apurado sobre essa região tão complexa. Cabe lembrar que desde o século XVI, em relação à Amazônia temos buscado anexar, dominar, unificar e não aproximar, cooperar e unir (SANTOS, 1997, p19). O Estado Brasileiro, nos últimos 40 anos, investiu cerca de 6 bilhões de dólares / ano na Amazônia Legal (COY, 2005), mantendo as propostas similares àquelas lançadas por Golbery do Couto e Silva nos anos 1950, ainda embasadas no espírito da Guerra Fria, que consideravam a Amazônia como área vulnerável, vazia, incivilizada. O Estado Brasileiro criou uma malha tecno-política com o propósito de facilitar a apropriação física e político-econômica do território: redes de circulação rodoviária, de telecomunicações, urbana e agro-industrial. Incentivos fiscais e créditos a juros baixos visaram subsidiar o capital, incentivos a migração para o povoamento da região e formação de um mercado de trabalho. Projetos de colonização e superposição do território federal sobre os estaduais, alimentados por investimentos púbicos, priorizaram o grande empresário, a grande propriedade, o grande capital, desconsiderando as comunidades locais, os saberes e culturas locais. Não é preciso dizer que isso levou a enormes injustiças e violências contra indígenas, garimpeiros, posseiros, seringueiros, com resultados que se manifestam ainda hoje, após décadas de avanços sobre a floresta. A Amazônia contém 61% do território nacional, com 12% da população do Brasil e 6,5% do PIB e a segunda pior concentração de renda do país em 2017 (ficando à frente apenas do Nordeste), com um índice Gini de 0,544 (a média nacional foi de 0,549. Os dados são do IBGE). Entre 1970 e 1996 a taxa de urbanização na região, foi a maior do país (BECKER in COY, 2005). A questão do avanço da fronteira econômica não apenas social e política, mas também profundamente sociocultural e ecológica. Quanto ao desmatamento, a área total da floresta devastada aumentou para 650 mil km2 em 2003, ou 15,9% da área coberta pela floresta tropical (6.947 km2 de corte raso somente em 2017, de acordo com INPE). A taxa média de desmatamento bruto entre 1978 e 1988 foi de 21 mil km2. Entre 1988 e 1998, 16 mil km2. Entre agosto de 2002 e agosto de 2003, 23.750 km2, sendo 40% no MT e 30% no PA. Entre agosto de 2003 e agosto de 2004 entre 23.100 e 24.000 km2 (KOHLHEP in COY 2005).

Feitas essas breves considerações iniciais, que sevem de contexto e justificativa para o presente dossiê, temos a satisfação de mencionar a iniciativa de reunir no Seminário Internacional sobre Identidades, Relacionamentos e Linguagens Emergentes na Amazônia, que aconteceu na Assembleia Legislativa de Mato Grosso em agosto de 2018 – parte das atividades da rede internacional de pesquisa Agroculturas coordenada pela Universidade Federal de Mato Grosso e Cardiff University (mais informações em: www.agrocultures.org) – membros da comunidade científica e sociedade civil, incluindo representantes dos movimentos sociais e dos grupos sociais que vivem na e da floresta. O objetivo básico foi romper com a visão modernista e positivista de que nosso conhecimento é capaz de dar conta da complexidade desse lugar, como algo estático e quantitativamente mensurável, visou também uma aproximação entre os pressupostos racionalistas que embasam a epistemologia acadêmica e que tem marcado de forma indelével nossos olhares sobre os caminhos para o desenvolvimento e a modernização, e outras formas de saber e conhecer vigentes entre os pequenos proprietários, ou posseiros, que vivem do auto sustento, entre os povos indígenas que, nas palavras de Martins (2018), detém um saber essencial: “As populações indígenas são nossa Biblioteca Nacional, dessa parte da informação etnológica e cultural. A informação está aqui. Porque o que ainda há para descobrir, na área de humanas, está no Brasil, eventualmente em algum outro país, mas aqui em abundância.”

Pretendeu-se, nas atividades do seminário, explorar um entendimento diferenciado do que chamamos fronteira agro-cultural e isso não será possível sem romper com o que Santos (1998), chamou de “territórios verticais”, em outras palavras, com o olhar de fora, portador de um entendimento estreito de ciência. Os resultados do evento apontaram para a necessidade do desenvolvimento de novas solidariedades, aproximando o global do local, o argumento acadêmico-reducionista do conhecimento empírico, vivido e criativo, propondo e defendendo um sistema de relações que atue em benefício do maior número de envolvidos, baseado nas possibilidades reais desse momento histórico e da diversidade geográfica. Por fim, pretendeu-se encontrar caminhos para outras modalidades de desenvolvimento e relacionamento social que, em lugar de traçar fronteiras separando uns dos outros, produza os efeitos acima mencionados, seja uma proposta de solidariedade orgânica, de aproximação dos diferentes saberes, que nos leve ao entendimento uns dos outros, caminho necessário para a construção de uma nação, esse fenômeno obscuro (MORIN, 1965, p.73), mas ainda necessário.

Como forma de registro desses resultados alcançados no Seminário Internacional, foi proposto pelos participantes a organização desse dossiê que ora se apresenta. Dentre os artigos, abrindo as discussões, temos o texto “O lugar dos historiadores no século XXI ou reflexões sobre o fim da historiografia”, uma reflexão teórica acerca do papel e das funções da História e dos historiadores nas sociedades ocidentais contemporâneas, que nessas primeiras décadas do século XXI, atravessam momentos de grande transformação. O autor afirma ser esse processo o resultado de um conjunto de mudanças que marcam o que se configura como a superação da Modernidade e afirma ainda que os historiadores estão perdendo a batalha pela construção da consciência histórica. Qual o lugar da História nesse processo (político) de construção de uma nova consciência ambiental? Como os historiadores podem contribuir para a aproximação (cultural) entre os povos da floresta e os habitantes dos grandes centros urbanos nacionais, para quem esse universo é desconhecido? No artigo intitulado “Centralidade da Fronteira: Ensaio sobre a Origem e Evolução de Fronteiras Socioespaciais” o autor trata acerca da produção de fronteiras como fundamentais para a circulação e acumulação de capital. Aborda a perenidade da emergência de novas fronteiras não apenas como demanda por minerais, terras ou outros recursos, ou porque as fronteiras representam novas oportunidades de mercado, mas crucialmente porque a fronteira opera como compensação pela saturação das relações capitalistas existentes nas áreas centrais. Ainda segundo o autor, na fronteira, a sequência convencional de tempo e espaço é suspensa e reconfigurada, permitindo a descompressão de tensões e contradições. Consequentemente, as fronteiras espaciais funcionam como um espelho, onde as características mais básicas e explícitas do capitalismo estão vivamente expostas e esse poderia ser um caminho viável para compreendermos a incorporação econômica e territorial da região Amazônica e às perspectivas de resistência política. Dirigindo nossas atenções para os primeiros séculos de ocupação europeia nessa região, temos o artigo “Política e administração na Amazônia colonial: regimentos e instruções para o governo das capitanias do Pará e do Maranhão (séculos XVII e XVIII)” que analisa três documentos importantes sobre a Amazônia: Regimento dos Capitães-mores do Pará (1669), no Regimento entregue ao capitão-mor Baltazar Fernandes (1682) e no Registro da instrução que ficou ao Governador do Maranhão (1751). Em todos, é possível entrever a organização político-administrativa e da governação nas capitanias do Pará e do Maranhão e algumas das suas dinâmicas administrativas internas, nos séculos XVII e XVIII. Saltando para o início do século XX, temos “Quando os seringueiros falam: o trabalho nos seringais e convocações para os combates pela posse do Acre no início do século XX.”. Nesse artigo o autor discute as falas dos seringueiros sobre como chegaram ao vale do rio Acre e de que maneira tomaram parte nas lutas pela posse dessas terras elaborando uma análise narrativa cujo fim é explorar um experimento da micro História. O autor fez uso das fichas historiográficas elaboradas pelo Instituto Histórico e Geográfico do Acre, que foram confrontadas com fontes complementares tais como relatórios governamentais, séries estatísticas e jornais. Segundo o autor, pretendeu-se ampliar os campos de investigações historiográficas sobre uma parte significativa da Amazônia brasileira. Avançando para meados do século XX, temos “Políticas públicas do governo federal no estado do Pará no tempo presente: da SPVEA à Nova República”, nesse trabalho o autor, fazendo uso de fontes oficiais, historiográficas e hemerográficas, traçou uma linha de análise que atravessou, praticamente, a segunda metade do século. Os estudos daquilo que o autor denomina de História regional, análise dos discursos e fontes orais, pretendem contribuir nos estudos sobre os impactos das políticas públicas do governo federal e empresas públicas e privadas no estado do Pará, desde a criação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), passando pelos governos militares (1964-1985) e chegando até a Nova República. As análises dos chamados projetos de colonização aparecem no artigo: “Terra da Promissão: recolonização e natureza na história amazônica.”. nele, o autor busca analisar os projetos de colonização que aconteceram durante o século XIX, em especial na região Bragantina do Pará e, mais recentemente, os projetos de infraestrutura do governo Médici (1969-74). Nessa abordagem comparativa foca-se a construção dos discursos usados nos projetos oficiais de colonização, nos relatos de cronistas, nas propagandas migratórias e em textos jornalísticos, com ênfase na ideia de desenvolvimento e pioneirismo. O artigo “Combates Cosmológicos pelo Direito do Rio na Amazônia Oriental”. Fazendo uso da História Oral, o autor colhe relatos dos moradores da Vila de Umarizal, município de Baião banhado pelo Rio Tocantins, e de moradores da Vila de Santa Isabel, no baixo Araguaia, município de Palestina do Pará, analisando as memórias desses camponeses, ribeirinhos e comunidades quilombolas, elaborando uma crítica cosmológica dos grandes projetos, bem como da produção de quadros compreensivos sobre os processos de ocupação e conformação territorial do Pará. Fechando o dossiê temos o artigo: Amazônia Meridional: Relações Sociedade e Meio ambiente. Impactos Econômicos, Sociais e Ambientais. Nele o autor dirige seu foco para uma análise que busca pontos possíveis de convergência entre aspectos desse complexo processo de reocupação da Amazônia que envolvem, por exemplo, as relações entre os migrantes e a floresta, a busca por uma forma de crescer economicamente e os conflitos entre essas atividades (agropecuárias), a floresta e seus moradores.

Nossa expectativa é a de que as reflexões aqui apresentadas proporcionem novas pesquisa, apontem caminhos para pensar a Amazônia e seu papel no desenvolvimento nacional, sem que isso venha a implicar em prejuízos aos seus moradores, destruição dos recursos naturais ali presentes e integração, entendida como relação horizontal e plural, entre os diferentes grupos de interesse envolvidos nesses processos. O debate sobre desenvolvimento, conservação ambiental, igualdade socioeconômica e política, entre outros temas, tem relevância universal e é certamente necessário em todos os cantos do mundo. Ainda mais que nesse começo de século vemos com inquietação a perda acelerada de diversas conquistas que pareciam consolidadas há décadas, tal como o respeito interpessoal, a diversidade sociocultural, bases mais sustentáveis de produção e consumo, e justiça social e ambiental. A violência crescente e as tendências eleitorais recentes suscitam profundas e desconfortáveis dúvidas sobre a direção do progresso e do jogo democrático. Nesse sentido, dadas suas particularidades e demandas específicas, mas também sua riqueza sociocultural e sócio ecológica, os processos em curso na Amazônia representam um capítulo muito importante da história e geografia contemporâneas. As populações da região percebem e articulam tal complexidade de modo muito agudo e perspicaz, fazendo uso de uma maravilhosa pluralidade linguística e narrativa. Portanto, cabe também aos pesquisadores abrirem olhos e ouvidos, conversar com todos ao redor, interrogar passado, presente e futuro, e fazer aquilo que deve ser sua tarefa primordial: repensar crítica e responsavelmente o mundo de forma a colaborar na sua transformação, buscando justiça e prosperidade plenas.

Referências

COY, M. e KLINGLER, M. Frentes pioneiras em transformação: o eixo da BR-163 e os desafios socioambientais. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol.7, n.1, abril 2014. Disponível em: http: / / www.ppghis.com / territorios&fronteiras / index.php / v03n02 / issue / view / 14 / showToc [Data de consulta em 21 jun 2014].

COY, Martin e KOHLHEPP, Gerd (Coord). Amazônia Sustentável. Desenvolvimento sustentável entre políticas públicas, estratégias inovadoras e experiências locais. Rio de Janeiro / Tübinger: Garamond / Geographischen Instituts der Universität Tübinger, 2005.

FREITAS, M., FREITAS, M.C.S., IORIS, A.A.R. e CASTRO Jr., W.E. Amazônia. Chiado Editora: Lisboa, 2017.

IORIS, A. A.R. Agribusiness and the Neoliberal Food System in Brazil: Frontiers and Fissures of Agro-neoliberalism. Routledge: London, 2017.

MARTINS, J.S. Entrevista. UOL Notícias. Disponível em: https: / / noticias.uol.com.br / politica / ultimas-noticias / 2018 / 02 / 10 / foi-o-poder-quedesviou-lula-diz-o-sociologo-jose-de-souza-martins.htm Acesso em 15 fev. 2018.

MORIN, E. L’introduction à la politique de l’homme. Seuil: Paris, 1965.

SANTOS, M.; SOUZA, M.A.; SCARLATO, F.C.; ARROYO, M. Fim de século e globalização. São Paulo: HUCITEC, 1997.

SANTOS, M.; SOUZA, M.A.; SILVEIRA, M.L. Território, globalização e fragmentação. São Paulo: HUCITEC, 1998.

Vitale Joanoni Neto – Professor do Departamento de História, coordenador do Programa de Pós-Graduação em História e coordenador do Núcleo de Pesquisa em História.

Antonio A. R. Ioris – Professor (senior lecturer) na Escola de Geografia e Planejamento e diretor do programa de pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade de Cardiff, Reino Unido.


IORIS, Antonio A. R.; JOANONI NETO, Vitale. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.11, n.2, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Amazônia e História Global / Tempo / 2017

Desde o final do século XVIII, o que o hoje conhecemos como a região amazônica da América do Sul passou principalmente a ser identificada a partir de vários conceitos relativos ao mundo natural: Floresta Amazônica, Selva Amazônica, Floresta Equatorial da Amazônia, Floresta Pluvial ou Hileia Amazônica. Foi precisamente o cientista prussiano Friedrich Alexander von Humboldt (1769-1659) quem usaria o termo hileia (Hyleae) para denominar e centralizar essa região no planeta. A marca do território, porém, é muito mais antiga. Desde 1540, quando Francisco de Orellana (1490-1550) desceu o imenso paraná-assu dos tupis, o batismo do rio Amazonas correu mundo, evocando imagens da mitologia grega e das narrativas indígenas. Da natureza à história, a ideia de Amazônia começava a ser construída. Em 1833, Ignacio Accioli Cerqueira e Silva (1808-1865) utilizaria a expressão “País das Amazonas” para denominar a extensa área do antigo estado do Grão-Pará e Maranhão, nos tempos da América colonial portuguesa. Essa noção faria percurso de mão dupla no campo científico oitocentista, entre a ilustração e o Romantismo, tanto que, em 1835, Friedrich Moritz Rugendas (1802-1858) utilizaria “região do Amazonas” para nomear a região Norte do Brasil, enquanto o barão Frederico José de Santa Anna Nery (1848-1901) retomaria a ideia de “País das Amazonas” em uma publicação em Paris, em 1885. Nery foi o ponto de partida de uma vasta intelectualidade “nativa” que utilizaria um conceito de Amazônia com forte acento histórico, geográfico e cultural, no qual se sobressairiam José Veríssimo, José Coelho da Gama Abreu, Ignacio Moura, Euclides da Cunha, Henrique Santa Rosa, Alfredo Ladislau e Eidorfe Moreira.

Está claro, portanto, que o conceito de Amazônia pode variar dependendo do ponto de vista fisiográfico, geomorfológico, biogeográfico, político e histórico. Por isso mesmo, a proposta deste dossiê temático foi a de reunir estudos sobre a Amazônia brasileira e as fronteiras amazônicas da América do Sul, do Atlântico e do Caribe, e seus diálogos com o campo historiográfico internacional da chamada global history. Tomando como premissa que, em si, a Amazônia sempre foi um espaço de fronteiras, de políticas transnacionais e de relações sociais, intelectuais e econômicas em escala mundial, apresentamos aqui cinco trabalhos que manejam diferentes histórias conectadas e cruzadas em distintas escalas de leitura temporal e espacial com passagem pelo locus amazônico, real ou imaginário, histórico, literário ou artístico, passado ou presente. Ancorados em importante e múltiplo debate historiográfico, desde a economia-mundo, de Braudel, Wallerstein e Tomich, passando pelas connected histories, de Sanjay Subrahmanyam, Serge Gruzinski e François Hartog, seguindo pela histoire cruzée, de Michael Werner e Bénédicte Zimmermann, até distinções pontuais entre a global history, a world history e a transnational history, nas obras de Hugo Vengoa e Sandra Ficker, os vários artigos compartilham da necessidade de ampliar os objetos de análise para além das fronteiras nacionais. Assim também, revelam esforço em romper com a tradicional unidade do Estado-nação e oferecer uma interpretação alternativa aos “modelos” centrados a partir de “casos” europeus.

Mark Harris apresenta uma releitura dos primeiros relatos sobre a Amazônia, de finais do século XV e primeira metade do século XVI, buscando compreendê-los como elementos importantes para a compreensão das sociedades ameríndias e suas dinâmicas históricas no momento da conquista. Com isso, aprofunda uma reflexão consagrada a partir da pesquisa arqueológica que vê o momento da conquista como a irrupção dos europeus em um mundo em plena ebulição, revelando também as múltiplas conexões entre as diversas partes da Amazônia no momento da chegada dos ibéricos.

Em seu texto sobre contrabando nas fronteiras luso-hispânicas da Amazônia, Sebastián Gómez González revela os inúmeros interesses envolvidos e as complexas relações estabelecidas nas zonas de fronteira, para além dos interesses das Coroas ibéricas. Ao estudar o contrabando entre as Amazônias hispânica e portuguesa, o autor não só lança luz sobre as relações entre esses mundos considerados quase que excludentes pelas historiografias nacionais, como também permite conectar duas outras regiões, também apartadas historiograficamente uma da outra: as terras baixas e as terras altas, ou a selva e os Andes e sua zona de transição, o pé de monte.

O artigo de Rafael Ale Rocha também está voltado para o problema da fronteira, questão central na região amazônica ao longo de todo o período colonial e depois das independências das nações sul-americanas. Ao analisar os conflitos em torno do Cabo do Norte e das pretensões portuguesas e francesas sobre essa região, o autor reinsere a Amazônia em uma reflexão mais global e a conecta com a compreensão de seu lugar nos respectivos impérios a partir dos contextos mais globais nos quais se insere o problema das fronteiras. Faz isso, principalmente, a partir da correspondência trocada por um governador do estado do Maranhão e autoridades francesas e do Reino português.

Daniel Souza Barroso e Luiz Carlos Laurindo Junior buscam analisar as dinâmicas da escravidão no vale amazônico nos quadros da economia-mundo capitalista, revisitando um clássico debate historiográfico sobre a importância e a efetividade econômica e demográfica da escravidão negra no Norte do Brasil. Demonstrando, de modo inovador, o papel da reprodução endógena na manutenção do escravismo na Amazônia e atualizando o diálogo com Wallerstein e Tomich, os autores propõem uma reflexão sobre a economia escravista amazônica, cotejada com a chamada segunda escravidão, faceta mais conhecida da história global das relações de trabalho compulsório no século XIX.

Aldrin Moura de Figueiredo e Silvio Ferreira Rodrigues investem sobre a questão do “centro” e da “periferia” no contexto da arte global, tomando como parâmetro analítico a circulação de cópias de pintura europeia em Belém do Pará, na segunda metade do século XIX, em diálogo com outros centros e periferias de arte, como Roma, Lisboa, Istambul e Santiago. O contexto mais amplo é o do movimento internacional de renovação do catolicismo, conhecido como ultramontanismo, romanização ou reforma católica, no qual se destacou a atuação do bispo do Pará d. Antônio de Macedo Costa (1830-1891), durante o pontificado de Pio IX. Para os autores, esse movimento testemunha a pedagogia e os debates políticos na história do catolicismo romano e brasileiro do século XIX, evidenciando conexões artísticas, intelectuais e religiosas entre o Vaticano e a América do Sul como parte do movimento internacional de renovação do catolicismo.

Esperamos que a leitura dos artigos do dossiê permita a compreensão de uma Amazônia (ou de várias Amazônias, no tempo e no espaço) que tem de ser entendida a partir de sua complexidade e, principalmente, das múltiplas conexões que dão sentido à sua história, superando uma historiografia tradicional que ainda insiste em pensá-la e explicá-la a partir dos quadros dos Estados nacionais.

Aldrin Moura de Figueiredo – Faculdade de História, Universidade Federal do Pará – Belém – Brasil. E-mail: [email protected]

Rafael Chambouleyron – Faculdade de História, Universidade Federal do Pará – Belém – Brasil. E-mail: [email protected]

José Luis Ruiz-Peinado Alonso – Departamento de História e Arqueologia, Universidade de Barcelona – Barcelona – Espanha. E-mail: [email protected]


FIGUEIREDO, Aldrin Moura de; CHAMBOULEYRON, Rafael; ALONSO, José Luis Ruiz-Peinado. Apresentação. Tempo. Niterói, v.23, n.3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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História Social do Trabalho na Amazônia | Mundos do Trabalho | 2017

Até́ o início dos anos 1970, a teḿtica do trabalho ocupou, de modo geral, uma posição ambígua nas análises sobre história da Amazônia.1 Embora considerado um aspecto fundamental no processo de conquista socioeconômica e cultural da região, sua importância esteve frequentemente reduzida a um mero instrumento das ações políticas e alegados interesses civilizatórios dos colonizadores.2 Tal como em outras narrativas semelhantes, índios, negros e a maioria da população pobre livre e liberta figuravam como coadjuvantes de uma história que parecia ocorrer alheia às suas presenças, não obstante os constantes esforços para torná-los mão de obra disponível a quem pudesse reivindicá-la.

Desde entã̃o, muito se avançou nos estudos sobre história e historiograia da Amazônia, cujo escopo se ampliou significativamente, rumo aos mais diferentes temas. Num primeiro momento, entre o fim da dé́cada de 1960 e meados dos anos 1980, algumas pesquisas realizaram densas análises sobre as estruturas e relações econômicas da região, enfatizando os principais projetos políticos e atividades produtivas ali realizadas, desde a Colônia at́é o início da fase republicana.3 Já naquele mesmo período, surgiram estudos preocupados em interpretar as diferentes formas de exploração de trabalhadores indígenas, migrantes (principalmente cearenses) e os chamados “caboclos”, em recortes temporais que abrangiam desde o sé́culo XVIII at́é o final do XIX.4 Leia Mais

Amazônia: fronteiras, espaços e imaginários | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2014

A Revista Eletrônica da ANPHLAC, com o Dossiê intitulado Amazônia: fronteiras, espaços e imaginários, brinda seus leitores e demais pesquisadores em História da América com uma coletânea de textos sobre a vasta região amazônica, propondo uma discussão sobre temas específicos sobre esta rica, polêmica e cobiçada região.

Eis aqui uma oportunidade ímpar de os historiadores que fazem de seu ofício um pesquisar constante sobre as temáticas americanas, aprofundarem seus horizontes de pesquisa e, ao mesmo tempo, refletirem sobre as especificidades regionais da hiléia, tão vasta e desafiadora, não só dos aventureiros, mas, também, dos cientistas que nela se embrenham na tão almejada busca do conhecimento, sempre com o olhar voltado às possibilidades de entendimento dos fenômenos históricos que estão à espera de um olhar inquieto. Leia Mais

Amazônia ou Amazônias? / Examãpaku / 2009

Amazônia ou Amazônias? A questão apresentada pode parecer simples ou sem muitas implicações para um debate acadêmico de maior fôlego. Mas, considerando que a palavra Amazônia expressa diversas perspectivas que, ao longo do tempo se complementam ou contradizem, faz-se necessário o enfrentamento da questão em pauta. Não o negligenciamos na disciplina História Andina e Pan-Amazônia que ministrei, pela primeira vez, no segundo semestre letivo de 2008. Na ocasião, algumas conclusões foram inferidas, dentre as quais a existência de Amazônias, as quais representam objetos plurais, com assuntos que variam de águas aos diversos tipos de relações humanas e de poder.

A disciplina foi salutar, pois gerou discussões que se materializaram em artigos de alunos de graduação. Alguns presentes neste Dossiê. Além do que, salientamos a contribuição da disciplina para a autonomia intelectual discente, posto que, devidamente orientados por leituras e debates, foram capazes de produzir reflexões sobre o tema principal das aulas: Amazônia.

Contudo, a estratégia utilizada no Dossiê visou contemplar o tema História Andina, Pan-Amazônia e América do Sul para compreender as mais diversas perspectivas que permitam pensar mais globalmente a região. Os artigos, assim, são plurais quanto a perspectivas e temas.

O artigo dos professores Nelvio Paulo Dutra Santos, Reginaldo Gomes de Oliveira e Elói Martins Senhoras contempla o contencioso entre Brasil-Guiana acerca da ponte do rio Tacutu. O artigo de Edileuza Wischansky reflete relações entre projetos de integração da infrainstrutura regional sul-americana com a pan-amazônia, considerando as dificuldades postas a esses projetos pela floresta. Em uma perspectiva andina, as autoras Débora Silva Brito da Luz e Janaína Rosa Lira tratam da história do Chile a partir dos impactos políticos e sociais da Guerra do Pacífico à Grande Depressão.

Débora e Júlia Faria Camargo desenvolvem o tema da liderança brasileira e identidade no contexto do novo regionalismo, compreendendo a dinâmica dos blocos regionais a partir da hipótese de uma possível liderança do Brasil na América do Sul.

Helio José Souza Araujo e Pilar Figueiredo Brasil discutem questões étnicas relacionadas à política na Bolívia. Érica Wayla Oliveira Araújo e Lia Saraiva Silveira discutem acerca da história colombiana, com vista a discutir questões de segurança.

As duas resenhas apresentadas seguem a perspectiva da pluralidade metodológica e temática dos artigos. Na primeira, Jeniffer Natalie Silva dos Anjos, Luis Gustavo Batista Risse e Elói Martins Senhoras apresentam o livro Defesa, Segurança Internacional e Forças Armadas.

Na segunda resenha, Américo Alves de Lyra Junior, Francisco Carlos Carneiro da Silva e Rafael Chirone tratam do livro Amazônia. O extrativismo vegetal no sul de Roraima: 1943-1988.

Desejamos, a todos, boa leitura.

Américo Alves de Lyra Junior – Coordenador do Núcleo Amazônico de Pesquisa em Relações Internacionais.


LYRA JR. Américo Alves de. Amazônia ou Amazônias? Examãpaku – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais. Boa Vista, v.2, n.2, 2009. Acessar publicação original. [DR].

Amazônia / História Oral / 2006

Este novo número da Revista História Oral dá continuidade à orientação seguida ao longo de sua trajetória de construir um espaço plural que incorpore a diversidade e procure estimular o diálogo entre os diferentes usos da História Oral. Dentro dessas linhas que norteiam as preocupações da Associação Brasileira de História Oral, reafirma-se a necessidade de incorporação de novos espaços de debate e temas, bem como o compromisso de reforçar a idéia da História Oral como um instrumento a mais para aprimorar a qualidade acadêmica e a interpretação científica. Assim, a utilização da História Oral pressupõe pesquisa, método, análise crítica e reflexão sobre o material obtido através das entrevistas orais.

De acordo com estas perspectivas, o número – de responsabilidade do novo comitê editorial escolhido no VIII Encontro Nacional de História Oral, realizado no Acre em 2006 – foi dividido em três eixos temáticos.

O primeiro eixo é composto pelo dossiê “Amazônia” que contém três artigos. Raymundo Maués discute lendas e mitos sobre o boto na Amazônia enfatizando seus aspectos simbólicos. Regina Beatriz Guimarães Neto reflete sobre a História das cidades no noroeste de Mato Grosso, dando especial atenção aos trabalhadores rurais e suas lutas pela posse da terra. Carla Monteiro de Souza discute os processos de imigração e povoamento do estado de Roraima estabelecendo como foco as estratégias e relações de identidade entre diferentes grupos diante de uma nova realidade.

O segundo eixo apresenta um artigo de Alessandro Portelli, que trata das ambigüidades das memórias sobre o pós-guerra em Roma, e o texto de Marco Aurélio Santana, que analisa as formas pelas quais militantes dos movimentos sindicais constroem suas memórias acerca das mobilizações experimentadas em Volta Redonda.

O terceiro eixo temático privilegia o uso de História Oral como instrumento para recuperação de memórias sobre práticas de ensino e saberes. O artigo de Isabel Cristina Martins Guillen apresenta a trajetória de um “mestre” cantador de Pernambuco e seu papel como transmissor de uma cultura popular. O artigo de Selva Guimarães explora o uso da História Oral como instrumento pedagógico para o ensino de História enquanto disciplina escolar.

Este número traz ainda as contribuições de Paulo Knauss e Ana Mauad sobre as experiências de pesquisa e constituição de acervo do Laboratório de História Oral e Iconografia (LABHOI) da Universidade Federal Fluminense e uma resenha de Alice Lang sobre o livro Augusto e Léa de autoria de José Carlos Sebe bom Meihy.

Marieta de Moraes Ferreira

Julho de 2007


FERREIRA, Marieta de Moraes. Palavras da editora. História Oral, v.9, n.1, p.9-10, 2006. Acessar publicação original  [DR]

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