Ambiorix. La résistance des Belges face aux Romains. Racontée aux enfants… et aux grands qui l’ont oublié | Dominique Bockstael

Dominique Bockstael é professor e tradutor de latim em Bruxelas, e assíduo leitor da obra de Júlio César; baseado nela publicou em 1960 um livro sobre Ambiorix, intitulado O javali das Ardenas (cognome do personagem), e refez agora esse texto para inseri-lo numa coleção de vários títulos sobre a História da Bélgica contada às crianças. O caráter didático transparece não só no estilo romanceado, mas também nas notas explicativas, nos mapas de povos gauleses, nas imagens, completadas por uma cronologia e um breve dossiê sobre o modo de vida dos gauleses; no final são ainda listados, com endereços, os museus históricos da Bélgica, particularmente os galoromanos.

A narrativa segue fielmente o texto de César no De Bello Gallico (livro 5, cap. 24 a 41; livro 6: 2 a 43; livro 8: 24 e 25), sem uso aparente de outras fontes. Vejamos a história. Júlio César submeteu os celtas das Gálias, porém a conquista e ocupação do território não se processou facilmente: a resistência à invasão foi seguida em toda a parte de revoltas contra Roma. Ou como diriam as aventuras de Astérix e Obélix: “Toda a Gália está ocupada pelos romanos… Toda? Não! Uma aldeia habitada por irredutíveis gauleses resiste ainda e sempre ao invasor.” De fato depois da vitória decisiva contra Bogduognat e os nérvios em 57 a.C. César estabeleceu na Gália Belga sete legiões reforçadas por cinco coortes; elas impuseram o domínio romano sobre a confederação dos povos belgas, que se estendia entre os rios Reno e Sena. Mas o próprio Júlio César dizia: “De todos os povos da Gália os belgas são os mais fortes” e a revolta eclodiu em 54 a.C. liderada pelo rei dos eburões, Ambiorix.

A coligação gaulesa, reunindo guerreiros de diversos povos, infligiu aos romanos uma derrota esmagadora em Aduatuca (atual Tongeren ou Tongres, um pouco ao norte de Liège). Mas Cícero – o irmão do orador e político – que comandava a legião acampada entre os nérvios, apelou a Júlio César, então a caminho da Itália; César retrocedeu e derrotou os belgas, perseguindo e massacrando os fugitivos. Apenas Ambiorix e uns poucos fiéis companheiros de armas conseguiram se refugiar na floresta, onde nunca foram encontrados. E por alguns anos Ambiorix permaneceu na esperança e na lenda como aquele rei que um dia voltará das brumas para, qual Dom Sebastião, libertar seu povo – até ser esquecido por muitos séculos.

O livro de Bockstael relata essa rebelião transpondo para uma linguagem romanceada a Guerra da Gália na explícita intenção, presente no subtítulo, de tornar acessível às crianças belgas um dos fatos fundadores da sua identidade nacional. Mas o texto não se limita a expor campanhas militares e batalhas, e aproveita as narrações fictícias para descrever a vida quotidiana dos belgas: como eram as casas, quais os trabalhos domésticos, o papel das mulheres na guerra, as relações de família, as virtudes admiradas, o que se comia e bebia, onde e como se dormia, os trabalhos do campo.

O fio condutor da ação é o pequeno grupo que se forma em torno de Ambiorix e que ao final vai compor a escolta que se esconde com ele na floresta; esta é a trama de ficção com diálogos e detalhes que dão vivência ao desenrolar do romance. Mas a didática e a imaginação literária têm uma direção doutrinária e ideológica: defender a unidade e a identidade da Bélgica atual; o teor da empolgação da narrativa e dos adjetivos é não apenas patriótico e épico, mas ufanista: os belgas são (caps. II a IV) intrépidos e dispostos a todos os riscos na revolta contra o opressor; seus valorosos guerreiros são heróicos, seus chefes indomáveis, e na luta morrem como bravos. Em contrapartida (ibidem) os romanos são cruéis, brutais, ladrões gananciosos que pilham tudo o que encontram; a vergonhosa rapina dos legionários não poupa sequer os tesouros sagrados; foi com assassinatos e incêndios que eles sujeitaram, humilharam e ultrajaram um povo altivo e livre, atacado sem motivo; e os gauleses que se aliam aos romanos são traidores detestados e infames. Daí a sede de vingança dos que escaparam dos ataques das legiões, vingança que acorda as virtudes ancestrais, desperta a raiva e acende a coragem.

O bardo canta louvores aos valorosos filhos dos nobres, “de um povo orgulhoso e forte cujas vitórias ressoarão por toda a Gália”. É neste estilo encomiástico que prossegue toda a primeira parte do livro (até ao capítulo VII); mas já aqui se assinala o ponto fraco dos gauleses: estão divididos na oposição ao dominador, não têm disciplina, não têm um plano de ataque, suas ações são isoladas e sem envergadura. O texto abre assim o caminho para uma segunda parte (caps. VIII a XIV e epílogo) em que aparece o ponto de vista do adversário e dominante: a inteligência e tática de comando, e o valor dos legionários; os soldados extenuados e feridos são, perante Júlio César que lhes passa revista, heróicos e firmes combatentes, e o comandante se emociona com os “belos legionários” estropiados mas de pé no seu posto, e lhes diz que o Senado e o povo romanos lhes devem “ a mais bela conquista da sua história” (95). A partir do cap. X a derrota total é inevitável, e começam a ser acusados aqueles que compactuam com os romanos: eles são pérfidos, traidores, usurpadores; Júlio César conseguiu até que certos gauleses menos escrupulosos ajudassem as legiões a pilhar os bens dos vencidos. Os legionários, quase sem oposição, destroem tudo, arrasam as povoações, e para os sobreviventes só existe a servidão ou a morte: “é o fim do mundo” (cap.XII, 113, e 117).

O patriotismo desta narrativa, que pode parecer um tanto ingênuo e excessivo, tem seu sentido numa Europa que aboliu as fronteiras e onde a identidade nacional precisa ser reforçada (aos olhos de muitos); como a Bélgica vive há um século a fratura de sua unidade nacional, devido à luta dos flamengos contra o poder dos valões, a identidade começa pela unidade. Por isso o autor insiste em usar os nomes que assinalam a existência secular de uma entidade que antecipa a nação, referindo-se ao povo em geral ora como gauleses, ora como belgas, e lembra, sempre que vem a propósito, que o território onde se desenrola a ação se chamava Gália Belga; marca a cada página a diluição das diferenças entre os povos que compõem a coligação belga: nérvios, aduatas, eburões, trevinos… todos se uniram contra o invasor, todos são “filhos de brenn” isto é nobres guerreiros gauleses. Na trama da história, eles são belgas e, longinquamente, lançaram as raízes da Bélgica moderna. Assinale-se ainda que o fato de a Bélgica ser um país novo (sua independência data de 1831) obriga a um certo esforço, perante as nações milenares da Europa, de procurar antepassados e origens tão antigas quanto as dos outros.

O recuo até aos belgas é estratégico, pois quando no século IV a.C. eles entraram na região depois chamada Flandres já traziam uma importante miscigenação germânica – curiosamente o autor não o assinala – sinalizando assim, na convivência atual entre valões e flamengos, um objetivo de unidade nacional, se não étnica. É importante destacar que foi só depois da independência que os belgas “descobriram” o seu herói Ambiorix, através do poema de Joannes Nolet de Brauwere van Steeland, datado de 1841; e a primeira estátua ao herói nacional foi erigida em Tongeren (Atuatuca Tongorum) em 1866 (inaugurada em 5 de setembro). Aliás, os eburões eram etnicamente mais germânicos do que celtas, e numa pesquisa de 2005 Ambiorix o gaulês goza de mais popularidade entre flamengos (germânicos) do que entre valões (de língua e cultura francesa). Como disse João Ameal: cada povo escolhe os antepassados que quer e lhe convêm. Ambiorix foi convocado, a posteriori, a unificar a Bélgica – à custa dos romanos; ele não imaginava, quando se refugiou na floresta, que sua ação ia ser tão importante e de tão longo prazo.

João Lupi – Departamento de Filosofia UFSC. E-mail: [email protected]


BOCKSTAEL, Dominique. Ambiorix. La résistance des Belges face aux Romains. Racontée aux enfants… et aux grands qui l’ont oubliée. Fléron: Éditions Jourdain Le Clercq, 2005. Resenha de: LUPI, João. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.7, n.2, p. 169-171, 2007. Acessar publicação original [DR]

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