As Alegrias da Maternidade | Buchi Emecheta

O livro “As Alegrias da Maternidade”, de Buchi Emecheta, foi publicado pela primeira vez em 1979 na Inglaterra. No entanto, recebeu a sua primeira tradução para o português brasileiro pela editora Tag Livros em 2017, através do clube de assinatura “Tag Curadoria” que tem a intenção de publicar obras inéditas no Brasil. Contudo, como a editora em questão possui circulação restrita aos assinantes, a editora Dublinense lançou outra versão da obra em 2018, ambas as publicações são frutos da tradução de Heloísa Jahn. As notas aqui apontadas, resultam da leitura dessa edição.

Florence Onyebuchi “Buchi” Emecheta foi uma autora e intelectual nigeriana, nascida em 1944 em Lagos. Ao longo da sua infância estudou em colégios cristãos sendo que, aos 11 anos de idade, se tornou órfã, tendo que ir morar em sua comunidade ancestral com parentes. Em 1962, já casada desde os 16 anos, mudou-se com esposo e filhos para a Inglaterra em busca de trabalho. O casamento perduraria até 1966, quando se separou de seu marido abusivo e violento, e criando sozinha seus cinco filhos, em um país estrangeiro. Mesmo com tantas responsabilidades e dificuldades, Emecheta conseguiu se graduar em Sociologia em 1974, realizar o mestrado em 1976 e em 1991, concluir seu doutorado em Educação, na Universidade de Londres. Ao ganhar reconhecimento pela sua obra, a autora foi convidada para lecionar em várias universidades estadunidenses. Aos 72 anos, Buchi Emecheta faleceu vítima de uma demência.

Os livros da autora tratam — majoritariamente — da experiência de vida das mulheres africanas; e em suas obras “No fundo do Poço” (1972) e “Cidadã de Segunda Classe” (1974), pode-se observar alguns aspectos autobiográficos. Entretanto, o livro “As Alegrias da Maternidade” foi escrito, segundo a autora, quando sua filha mais velha resolveu ir morar com o pai, algo muito doloroso para Emecheta que, com isso, decidiu expor, de forma irônica, as alegrias de maternar, tendo como base a Nigéria colonial e os conflitos de identidade entre os costumes tradicionais africanos e os ocidentais britânicos do colonizador.

O livro “As Alegrias da Maternidade” de Buchi Emecheta é ambientado na Nigéria colonial das décadas de 1930 e 1940. O romance narra, em 18 capítulos, a história de Nnu Ego, uma jovem mulher e filha favorita de um líder africano da etnia Igbo em Ibuza. A narrativa começa com a tentativa de suicídio por parte de Nnu Ego ao perder o seu primeiro filho, quando a personagem sai desolada pelas ruas de Lagos e tenta se jogar no porto da cidade, ação impedida por seus amigos e vizinhos.

O segundo capítulo, intitulado “A mãe da mãe”, conta a história do nascimento de Nnu Ego, e como ela se tornou a filha do amor dos seus pais. Nascida em uma comunidade originária igbo em Ibuza, Nnu Ego foi ensinada que os filhos são o que fazem uma mulher ser “completa”, conforme os moldes paternalistas de sua etnia. Logo, seu pai arranjou um casamento para ela com um futuro-líder de sua região, mas, após meses de união, sem que Nnu Ego conseguisse engravidar, seu marido toma outra moça como segunda esposa. A personagem se torna uma mulher sem filhos e desprezada pelo cônjuge, o que faz com que Nnu Ego se enrede em uma espiral de depressão.

Após essa experiência, considerada um fracasso pela sua aldeia, ela retorna para a casa do pai, que devolve o dote recebido no noivado. Meses depois outro arranjo propicia um segundo casamento para Nnu Ego, mas desta vez, em Lagos, uma cidade colonizada, e bem longe das fofocas sobre a sua suposta “infertilidade”. Após uma longa viagem, ela se muda para a nova cidade, e conhece seu marido, Naife, um lavador de roupas dos colonizadores. A jovem então começa a estranhar o modo de vida de seu cônjuge, que trabalhava lavando roupas e morava em uma casa que não foi construída por ele. O desprezo por Nnaife é imediato, visto que ele não era como seu antigo marido, este era colonizado.

O choque cultural que Nnu Ego teve ao chegar à sede da colônia da Nigéria foi instantâneo, fazendo com que ela descobrisse que precisaria falar e assimilar um novo idioma, — o inglês pidgin —, e ir à igreja todos os domingos, adorando um deus branco e europeu. No entanto, ela conquistou o que queria, o seu tão sonhado e desejado filho, que morreu em seus primeiros meses de vida. Assim se inicia essa narrativa, com uma jovem Nnu Ego, ex-mãe, vista como uma mulher incompleta e sem filhos, em uma cidade estranha e sem o aconchego de seu pai.

No decorrer do romance, Nnu Ego engravida mais duas vezes – dois meninos -, porém seu marido fica desempregado, em meio a um conflito mundial que eles não conhecem, de um mundo que não lhes diz respeito. Nnaife, para sustentar a família, decide se alistar no exército em plena Segunda Guerra Mundial. Com o alistamento do marido e com o dinheiro escasso, a família sente fome, sendo Nnu Ego e seus filhos obrigados a mudar de casa, e a vender fumo no mercado.

Em uma de suas visitas em casa, Nnaife descobre que seu irmão mais velho morreu e, que, então, herdará seus filhos e suas esposas — conforme a sua cultura tradicional. Assim, Nnu Ego torna-se novamente a “esposa mais velha” e precisa receber em sua casa — de apenas um cômodo — outra mulher e sua filha. Nesse momento, a narrativa dá um salto, em que as esposas de Nnaife engravidam sucessivas vezes.

Com o fim da guerra, Nnaife volta para a casa e descobre que a sua nova esposa, foi embora; ela preferiu se prostituir e dar um futuro melhor para suas filhas, no qual elas mesmas pudessem traçar seu novo caminho. A expectativa agora, é quanto a família irá receber pelos dotes das filhas nascidas meninas de Nnu Ego, que ainda são crianças.

Os anos passam e Nnu Ego, se transforma em uma mulher cansada e mãe de muitas crianças — foram nove gestações no total. Seu filho mais velho se formou na escola e não quer cumprir com as expectativas da família, negando-se trabalhar para pagar a escola dos outros irmãos; este muda-se para o exterior com a intenção de cursar o ensino superior, o que a sua mãe não entende muito bem.

Os outros filhos de Nnu Ego trabalham no mercado para pagarem os estudos, e seu marido corre atrás de arranjar noivos para suas filhas. No entanto, uma das meninas se apaixona por um rapaz de outra etnia e foge de casa; Nnaife revoltado com a situação parte para cima da família de seu novo genro e fere um dos familiares com um alfange. Todos vão parar na delegacia, e Nnaife é avisado que não estava em sua “cidade” ou sua “aldeia”, mas em Lagos e, assim, sujeito às leis.

Após toda essa confusão, Nnu Ego decide voltar para a sua aldeia em Ibuza, onde nasceu, para passar o resto de seus dias. Ela morreu sem que seus filhos segurassem a sua mão, mas seu enterro, pago por eles, foi o mais caro que a sua comunidade já vira. Após a sua morte, “(…) circularam histórias dizendo que Nnu Ego era uma mulher má até na morte porque, embora muitas pessoas lhe suplicassem por fertilidade, ela nunca atendia aos pedidos” (Emecheta, 2018, p. 314).

Buchi Emecheta, é uma das principais representantes da literatura pós-colonial nigeriana, e, recorrentemente, traz em seus livros a questão do colonialismo britânico na Nigéria. Mesmo que “As Alegrias da Maternidade” seja uma obra de ficção — ou justamente por isso —, podemos observar aspectos da colonização britânica, e como ela afetou a vida das mulheres colonizadas.

Nesse sentido, as narrativas ficcionais não são construídas fora da realidade, ou seja, a literatura pode trazer aspectos da vida cotidiana, como um registro histórico, através das representações e do resgate das razões e sensibilidades de um período (Pesavento, 2003). Assim, Buchi Emecheta, traz isso de forma brilhante no livro aqui resenhado, ao escrever sobre o hibridismo cultural promovido pela colonização nigeriana, e como essa problemática se desenvolve no corpo da mulher colonizada.

Outro aspecto interessante ressaltado por esse livro, principalmente na personagem Nnu Ego, é a falta de oportunidades ofertadas às mulheres no mundo colonial. Na narrativa, enquanto seu marido estava na Guerra, ela precisou sustentar seus filhos vendendo fumo no mercado, de forma quase que clandestina. Isso relaciona-se diretamente com a interpretação de Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (2020), que entende que o homem colonizado foi educado e criado para ser o “herdeiro” do mundo colonial, ao passo que, as mulheres foram excluídas dos espaços educacionais e empregatícios, ou melhor, relegadas ao ambiente doméstico.

Por fim, para responder à questão do título desta resenha: “Existe alegria ao maternar no colonialismo?” a resposta é não. Como foi mostrado, a personagem Nnu Ego, mãe, fez de tudo para sua prole, mas morreu sozinha e, segundo a crença, não atendeu as preces de outras mulheres que buscavam por filhos, pois para ela a maternidade não foi alegre, mas sim ingrata. Buchi Emecheta já sabia da ingratidão da maternidade ao escrever essa obra, e ao combinar a maternidade no colonialismo, lugar em que as mulheres colonizadas não tinham vez e nem voz, a autora mostrou o motivo de ser uma das maiores representantes da literatura pós-colonial nigeriana.

Referências

BUCHI EMECHETA. Biografia de Mulheres Africanas, 2021. Disponível em: https://www.ufrgs.br/africanas/buchi-emecheta-1944/. Acesso: 25 de jan. de 2022.

EMECHETA, Buchi. As Alegrias da Maternidade. Tradução de Heloísa Jahn. Porto Alegre: Dublinense, 2018.

OYĚWÙMÍ, Oyérónké.̣ A Invenção das Mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Tradução de wanderson flor do nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

PESAVENTO, Sandra. Jatahy. O mundo como texto: leituras da História e da Literatura. História da Educação, Pelotas, v. 7, n. 14, p. 31-47, set.2003.


Resenhista

Bruna Gonçalves Ferreira – Graduanda em História na Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

EMECHETA, Buchi. As Alegrias da Maternidade. Trad. Heloísa Jahn. Porto Alegre: Dublinense, 2018. Resenha de: FERREIRA, Bruna Gonçalves. Existe alegria ao maternar no colonialismo?: Notas de leitura sobre “As alegrias da maternidade” de Buchi Emecheta. Kwanissa- Revista de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros. São Luís, v. 05, n. 12, p. 461-465, jan./jun. 2022. Acessar publicação original [DR]

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