Comércio e canhoneiras: Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios (1889-97) | Steven Topik

Em Trade and Gunboats: the United States and Brazil in the Age of Empire – publicado originalmente em 1996 – o brasilianista Steven Topik recupera as negociações comerciais entre Brasil e Estados Unidos e suas inflexões no campo da política, especificamente no contexto da Revolta da Armada. A obra contribui para o entendimento de dois elementos essenciais do período e da Revolta da Armada, mais especificamente: O acordo Blaine-Mendonça e a Esquadra Flint.

O acordo firmado em 30 de janeiro de 1891 entre James G. Blaine, Secretário de Estado norte-americano, e Salvador de Mendonça, Ministro Plenipotenciário do Brasil nos Estados Unidos, está inserido em um contexto de expansão de novos impérios coloniais e comerciais. As grandes potências europeias estavam “repartindo o mundo” entre si, e os Estados Unidos discutia os meios necessários para efetivar a Doutrina Monroe e tornar a América verdadeiramente dos (norte) americanos, procurando afastar a influência comercial europeia da região.

Para Topik, a interpretação mais pertinente para compreender as relações entre Brasil e Estados Unidos estaria nos estudos de Ronald Robinson e John Gallegher, os quais sustentam a ideia de que não é necessário uma colônia formal para conseguir privilégios comerciais. Por isso, “(…) o ‘imperialismo de livre-comércio’ que lograva acesso aos mercados sem controle político era preferível, sob vários aspectos, ao governo direto” (TOPIK, 2009, p. 18). O Brasil, e o acordo Blaine-Mendonça, se enquadrariam nesta interpretação.

Para historiar o estabelecimento desse importante acordo comercial, o autor procura contextualizar político-economicamente os Estados Unidos na primeira década de 1890. Nesse período, a política norte-americana estava debatendo a pertinência, ou não, do estabelecimento de tarifas alfandegárias para proteger o mercado interno, já que a economia passava por um período de instabilidade. Os republicanos defendiam arduamente o estabelecimento de taxas protecionistas e lançaram como candidato Benjamin Harrison, do estado de Indiana, para as eleições presidenciais de 1888. Os democratas, por sua vez, se uniram para a reeleição de Grover Cleveland, no poder desde 1884. Entretanto, Cleveland causou surpresa ao também defender o estabelecimento de tarifas protecionistas, bandeira até então republicana. A partir dessa disputa eleitoral, Steven Topik aponta como o republicano James G. Blaine (1830-93) soube lançar uma proposta econômica condizente com o momento político vivido pelos Estados Unidos.

A proposta era a criação de acordos bilaterais, baseados na reciprocidade de vantagens alfandegárias para determinados produtos. Essa proposta proporcionou a eleição do republicano Benjamin Harrison, e a nomeação de Blaine para o importante cargo de Secretário de Estado. De acordo com Topik, foi na primeira Conferência Pan-Americana, realizada em Washington entre outubro de 1888 e maio de 1890, que o governo republicano procurou estabelecer acordos bilaterais com os países participantes. Entretanto, o governo estadunidense só conseguiu firmar um acordo com o Brasil através de Salvador de Mendonça, que assumiu a reponsabilidade de representar o Brasil na Conferência após a Proclamação da República em 1889 1.

Em seguida, o autor mapeia os dez representantes norte-americanos no Congresso Pan-Americano de Washington. Entre esses dez, apenas três haviam atuado como políticos e somente um era diplomata. Os demais eram homens de negócios, e entre eles se destacava um: Charles R. Flint.

Ele personificava a convergência do comércio exterior com o nacional, a inter-relação entre transporte, mercado e produção, e a aliança entre negócio e governo. Como partidário e diretor de trustes, apoiava o protecionismo, mas, como proprietário de uma das principais empresas de comércio e navegação, também desejava expansão comercial (TOPIK, 2009, p. 89-90).

Devido à inexperiência e falta de diretrizes comuns, os representantes dos Estados Unidos mais representaram os seus próprios interesses do que uma política de Estado.

O livro rompe bruscamente sua narrativa para contextualizar o conturbado momento político-econômico vivido pelo Brasil desde a Proclamação da República em 1889. Esse cenário ficou marcado pela transição do Governo Provisório para o governo constitucional de Deodoro e as negociações para o reconhecimento internacional da República. Sobre o reconhecimento, o papel desempenhado por Salvador de Mendonça foi essencial, sobretudo pela amizade que ele possuía junto à Blaine e Flint.

Apenas no quarto capítulo é retomada a discussão sobre o tratado de reciprocidade no Brasil. O tratado prometia a entrada de produtos brasileiros como o café, açúcar e borracha com taxas reduzidas nos Estados Unidos, o que, em tese, aumentava a competitividade desses produtos naquele país. Contudo, não havia nenhuma cláusula que garantisse o monopólio brasileiro no fornecimento de tais produtos. Essa brecha contratual possibilitou que os Estados Unidos fechassem acordos similares com outros países logo após a assinatura do contrato com o Brasil, o que prejudicou, sobretudo, os produtores de açúcar brasileiro. Dessa forma, Salvador de Mendonça sofreu pesadas críticas no Brasil (PEREIRA, 2009). Entretanto, Steven Topik mostra que não houve enganação alguma por parte dos norte-americanos. O autor sustenta a ideia de que Mendonça estivesse buscando apenas melhores relações do Brasil com os Estados Unidos e, assim, aumentar seu prestígio em Washington (TOPIK, 2009, p. 159).

O acordo Blaine-Mendonça, assinado durante a administração de Deodoro, em tese, seria rejeitado pelo novo governo. Entretanto, Floriano não só manteve o acordo como tentou aproximar-se ainda mais dos Estados Unidos, naquilo que Amado Cervo e Clodoaldo Bueno (2002) chamaram de “americanização” da política externa. Em uma época marcada pelo jacobinismo e perseguições aos monarquistas (QUEIROZ, 1986; JANOTTI, 1986; PENNA, 1997; MUZZI, 2006, 2008), os Estados Unidos eram vistos como a única potência estrangeira que não tentaria restaurar a monarquia brasileira.

A narrativa retoma sua origem e aborda as eleições americanas para o Congresso em 1890. Nessa ocasião houve uma ampla vitória democrata, o que fez com que a administração de Harrison se voltasse para uma política externa mais agressiva, já que internamente enfrentava forte oposição. Nas eleições de 1892, o democrata Cleveland retorna para a Casa Branca com apoio maciço do Congresso e, paradoxalmente, nomeia Walter Gresham – ex-membro do gabinete republicano e candidato presidencial para o cargo de Secretário de Estado. Cleveland e Gresham carregaram juntos a bandeira da expansão comercial, separando-a da expansão política.

Com efeito, a administração Cleveland passou a exercer um papel mais ativo para consolidar a hegemonia dos Estados Unidos no continente americano. O autor mostra como esse objetivo passou pela participação estadunidense na Revolta da Armada, sobretudo no episódio em que o almirante Benham rompeu o bloqueio dos rebeldes no porto do Rio de Janeiro. Este episódio, que na opinião de Joaquim Nabuco (1896) definiu os rumos da revolta, é extensamente narrado por Topik e mostra que foi amplamente festejado na imprensa norte-americana enquanto uma afirmação da Doutrina Monroe (TOPIK, 2009, p. 276-280).

Em seguida, o autor aborda a “quixotesca” Esquadra Flint. Esta foi a esquadra adquirida pelo governo brasileiro junto a Charles Flint, o qual possuía uma vasta experiência em financiar conflitos e contrabandear armamentos. O autor reconstitui a formação dessa esquadra de doze navios, composta tanto de navios de guerra quanto de navios mercantes adaptados para combate, assim como também aborda o recrutamento dos marinheiros em Nova York.

Steven Topik abordou a longa viagem de três meses que a Esquadra Flint fez até chegar ao porto do Rio de Janeiro. A demora ocorreu em função de problemas técnicos, de rebeliões da marinhagem que alegava maus tratos, além de bebedeiras entre a tripulação. Em função desses episódios, Joquim Nabuco definiu essa esquadra como “Navios e embarcações improprios para acção, torpedos que não funccionavam, equipagens desordeiras e ebrias, tudo isso a immenso custo, é o que tinha vindo dos Estados Unidos” (NABUCO, 1896, p. 87). Contudo, Topik salienta o poderio de algumas dessas embarcações, sobretudo o canhão-dinamite do Nichteroy, que causava medo aos revolucionários que ouviam falar muito a seu respeito e evitavam o combate direto com a Esquadra Flint.

A análise do autor sobre os possíveis ganhos econômicos, tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos, do acordo Blaine-Mendonça, mostra que por mais que tenha ocorrido um pequeno acréscimo nas relações comerciais, o instável clima político e as dificuldades estruturais do Brasil, somadas à crise financeira dos Estados Unidos, fiz com que os ganhos não fossem tudo aquilo que se esperava. Com efeito, as negociações pelo acordo BlaineMendonça, assim como a formação da Esquadra Flint, foram peças fundamentais para efetivação da Doutrina Moroe, que articulou a “Diplomacia das Canhoneiras” com a “Diplomacia do Dólar”.

Apesar de alguns “equívocos”, como dizer que a cidade brasileira chamada Cleveland fica em Santa Catariana – na realidade se localiza no Paraná – e dizer que o Almirante Custódio de Mello entregou seus navios revoltosos no Uruguai – quando na verdade foi na Argentina – o livro é uma excelente obra que ajuda a reconstruir um panorama daquele período, sobretudo da Revolta da Armada.

Nota

1 Esse primeiro acordo não foi aprovado pelo Congresso norte-americano em função da reciprocidade. Após uma campanha organizada por Charles Flint, a favor da reciprocidade, ela foi aprovada a partir da “tarifa McKinley”, que dava poderes para o Executivo limitar os alcances da reciprocidade e findar os acordos quando achasse necessário. Pela primeira vez era reconhecido o poder do Executivo em criar políticas externas.

Referências

BUENO, Clodoaldo; CERVO, Amado. Historia da Política Exterior do Brasil. 2ed. Brasília: Editora da UnB, 2002.

GOMES, Amanda Muzzi. “Monarquistas restauradores e jacobinos: ativismo político”. IN: Estudos Históricos. v. 21, n. 42, jul-dez 2008. p. 284-302.

JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os Subversivos da República. São Paulo: Brasiliense, 1986.

MUZZI, Amanda da Silva. Os jacobinos e a oposição a Prudente de Moraes na transição entre as presidências militar e civil 1893-1897. PUC-Rio, 2006. [dissertação de mestrado].

NABUCO, Joaquim. A intervenção estrangeira na Revolta de 1893. Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1896.

PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso da Ordem: O florianismo e a construção da República. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997.

PEREIRA, Gabriel Terra. A diplomacia da americanização de Salvador de Mendonça (1889- 1898). UNESP-Franca, 2009. [dissertação de mestrado].

QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Os Radicais da República. São Paulo: Brasiliense, 1986.

TOPIK, Steven C. Comércio e canhoneiras: Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios (1889-97). Tradução de Ângela Pessoa. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 508p.


Resenhista

João Júlio Gomes dos Santos Júnior – Doutorando em História – PUCRS. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

TOPIK, Steven C. Comércio e canhoneiras: Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios (1889-97). Trad. Ângela Pessoa. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Resenha de: SANTOS JÚNIOR, João Júlio Gomes dos. Comércio e canhoneiras: Estados Unidos e Brasil na Revolta da Armada. Oficina do Historiador. Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 149-153, jan./jun. 2013. Acessar publicação original [DR]

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