Slave Trade and Abolition: Gender/Commerce and Economic Transition in Luanda | Vanessa Oliveira

Slave Trade and Abolition, publicado em 2021, é a mais recente obra de Vanessa Oliveira. O livro analisa as estratégias adotadas pelos comerciantes sediados em Luanda face ao processo de transição do tráfico transatlântico de escravos para o comércio “lícito” de produtos tropicais. A obra presta particular atenção às interações sociais entre estrangeiros e a população local nas esferas do comércio, casamento e da exploração da mão de obra africana. Trata-se do estudo social e económico mais aprofundado e abrangente sobre Luanda no período do tráfico de escravos e após a abolição. No livro, a autora procura, com base na micro-história conectada à história global, desvendar as vivências cotidianas experimentadas pelos comerciantes de escravos em Luanda, sem perder de vista as conexões atlânticas dos seus residentes. Semelhante metodologia pode ser observada na obra Crosscultural Exchange in the Atlantic World, de Roquinaldo Ferreira, na qual o autor evidencia os fortes laços culturais e outros que interligavam Brasil e Angola na época do tráfico de escravos.1 Leia Mais

Guerras de papel: comunicação escrita, política e comércio na monarquia ultramarina portuguesa | Romulo Valle Salvino

O livro de Romulo Valle Salvino, adaptação de sua tese de doutorado (SALVINO, 2018), se propõe a analisar a história de um projeto fracassado: a tentativa de atuação de representantes do Correio-mor na América portuguesa entre os séculos XVII e XVIII. As guerras de papel, aludidas no título, se referem aos dissensos e disputas, políticas e judiciais, travadas em diferentes instâncias da monarquia portuguesa pelos grupos e indivíduos envolvidos nesse processo que se estendeu entre meados de 1650 até, aproximadamente, 1750.

A abordagem se estrutura ao redor de três eixos principais, com envergaduras cronológicas distintas e naturezas específicas. Primeiro, o deslocamento de uma concepção jurisdicionalista do poder e da administração da economia para uma economia política. Em segundo lugar, o ofício de Correio-mor é tomado como um indício da lógica patrimonial de gestão administrativa da monarquia que passa a receber profundas críticas. Por fim, o terceiro eixo consiste nas estratégias específicas das coletividades e agentes engajados na instalação, ou oposição, do Correio-mor nos domínios portugueses na América completando, assim, a unidade de análise esboçada pelo autor. Leia Mais

Eslabones del mundo andino. Comercio, mercados y circuitos pecuarios en el Nuevo Reino de Granada y la Audiencia de Quito 1580-1715 | Yoer Javier Castaño Pareja

Eslabones del mundo andino es una obra dedicada a demostrar los intensos intercambios que, en el siglo XVII, se presentaban al interior y entre territorios andinos del Nuevo Reino de Granada y la Audiencia de Quito, áreas que, comparadas con Nueva España o Perú, parecían no importar a la Corona española. Para tal fin, Yoer Castaño se vale del estudio de las actividades relacionadas con la producción, distribución y consumo de ganado y sus derivados. Se trata de una investigación innovadora en cuanto a sus temáticas, escalas, fuentes, explicaciones y, sobre todo, por su ruptura con supuestos historiográficos tradicionalmente aceptados. Sus aportes han sido reconocidos con anterioridad a la publicación de este libro y desde su defensa en 2015 de su tesis de doctorado en Historia en El Colegio de México. La misma institución le otorgó el premio Adrián Lajous Martínez a la mejor tesis y, en 2016, la Fundación Alejandro Ángel Escobar le concedió Mención de Honor en la categoría de Ciencias Sociales y Humanas. Por las discusiones historiográficas que puede motivar esta publicación, cabe resaltar algunas de sus contribuciones puntuales.

Primero, superando el énfasis que tradicionalmente los colonialistas han hecho en la minería y, en ocasiones, la agricultura, Castaño resalta el papel vertebral de la ganadería en la economía neogranadina, su temprana expansión por los altiplanos y valles interandinos y sus vínculos (con frecuencia no dependientes) con otras actividades económicas. En el lapso 1580-1730, aunque la conexión y flujos entre las áreas productoras y consumidoras fue dinámica, según condiciones como los auges mineros, la fluctuación de la población, las sequías y las plagas de langosta, son claros los puntos principales de origen y destino. Como áreas productoras y abastecedoras de Quito y el Nuevo Reino de Granada se destacaron el valle geográfico del río Cauca (jurisdicciones de Cali, Buga, Caloto, Cartago y Roldanillo) y el alto Magdalena (jurisdicciones de Neiva, Timaná y La Plata). Como principales ejes articuladores del intercambio y el consumo figuraron, primero, los mercados permanentes en las dos ciudades capitales, Quito y Santafé; segundo, las áreas captadoras-redistribuidoras que eran centros de acopio para abastecer a otras zonas o lugares intermedios en el tránsito pecuario, como fueron Cartago, Cali, Popayán, Pasto e Ibarra; tercero, los mercados fluctuantes, con frecuencia zonas mineras que, mientras estaban en auge, atraían comerciantes de reses y productos pecuarios. Leia Mais

Jinga de Angola/a rainha guerreira da África | Linda Heywood || Além do visível: poder/catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII) | Marina de Mello e Souza

É extremamente oportuno quando duas excelentes obras afins e complementares vêm a lume no mercado editorial brasileiro, quase no mesmo ano, o que revela um momento ímpar de historiografia internacionalizada e conectada. Ganha-se nos detalhes e em visão de conjunto. Uma obra de cada vez, porém. Leia Mais

Staying Afloat: Risk and Uncertainty in Spanish Atlantic World Trade, 1760-1820 | Jeremy Baskes

Risco e incerteza são os tópicos centrais da investigação de Jeremy Baskes, doutor pela University of Chicago e Professor na Ohio Wesleyan University. Em Staying Afloat (algo como mantendo-se flutuando numa tradução livre), Baskes se debruça sobre o comércio entre Espanha e algumas de suas colônias na América, analisando como os mercadores conseguiram manter suas atividades em ambientes, por vezes, hostis. De acordo com ele, o comportamento dos mercadores espanhóis “deve” ser entendido “como sua resposta ao onipresente risco comercial”. Ou, em outras palavras mais enfáticas, “gerir o risco foi a principal preocupação dos mercadores e muitos aspectos do comércio imperial espanhol só podem ser plenamente compreendidos quando examinados pelas lentes do risco e da incerteza.” De modo a contornar esses percalços, os mercadores “se engajaram em estratégias de redução de risco, desenvolveram instituições atenuantes de risco, e procuravam qualquer meio possível para reduzir a incerteza e a ambiguidade” (p. 2 e 4). Leia Mais

Homens de caminho: trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América Portuguesa. Século XVIII | Isnara Pereira Ivo

Homens de Caminho: trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América Portuguesa. Século XVIII: este livro da autora Isnara Pereira Ivo é decorrente de sua tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2009.

O livro tem como objetivo focalizar as conexões e as ações comerciais entre o sertão da Bahia e o norte de Minas Gerais no século XVIII, destacando as trocas culturais e comerciais no Império português. Para isso, a obra se divide em quatro capítulos, com início na análise da trajetória de indivíduos e da maneira pela qual eles contribuíram para a conquista dos sertões, tomando como exemplo o estudo das perspectivas das histórias conectadas. Estas conexões, que abrangeram os quatro cantos do mundo, não somente ocasionaram trânsitos culturais como também levaram a trocas de experiências, práticas, costumes, valores, sentimentos, identidades, crenças entre diferentes elementos e distantes localizações. Leia Mais

Lisboa, Rio de Janeiro, comércio e mosquitos – MORENO (HCS-M)

MORENO, Patrícia. Lisboa, Rio de Janeiro, comércio e mosquitos: as consequências comerciais da epidemia de febre-amarela em Lisboa. Lisboa: Chiado, 2013. 214 p.Resenha de: PROTÁSIO, Daniel Estudante. Epidemias, comércio e emigração Portugal-Brasil na segunda metade do Oitocentos. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 22  supl. Dec. 2015.

Num mundo e num início de século como o nosso, em que o ébola, o HIV/Aids e a gripe N1H1 constituem sérias ameaças à segurança e saúde públicas internacionais, nem sempre é fácil entender como num passado relativamente recente outras epidemias podiam interromper os fluxos de circulação de pessoas, bens e serviços entre continentes e nações. Sobretudo para os não iniciados na medicina ou na respetiva história, que não se deleitem com densos estudos técnicos sobre questões epidemiológicas e sanitárias (como é o meu caso), encontrar uma obra como a que aqui me proponho recensar constitui uma verdadeira lufada de ar fresco e um magnífico momento de aprendizagem, sobre áreas e aspetos científicos afins daqueles a que me dedico a estudar nos últimos 20 anos de investigação.

Por outro lado e apesar de uma intensa e frutuosa colaboração e intercâmbio científicos e académicos entre o Brasil e Portugal, no que concerne a historiografia e a história académica dos séculos XIX e XX, nem sempre é fácil encontrar quem consiga transpor, em termos de texto, as naturais barreiras e distâncias entre duas realidades irmãs e similares, mas naturalmente específicas e idiossincráticas, como a portuguesa e brasileira.

Com a presente obra, Patrícia Moreno, investigadora e doutoranda portuguesa em história no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, de Lisboa, membro da Sociedade de Geografia de Lisboa e estudiosa dos temas da história da medicina, da emigração e dos descobrimentos portugueses, consegue contribuir com um texto de leitura agradável, informação pertinente e narrativa organizada, sobretudo fruto de uma utilização inteligente de fontes da época e com uma intervenção mínima enquanto narradora dos acontecimentos descritos.

Ora tal não é fácil, num mundo editorial português em que as obras de divulgação científica e histórica abundam e num universo como o da Sociedade de Geografia de Lisboa, instituição fundada em 1875 e na qual Patrícia Moreno participa do trabalho de algumas secções e comissões há mais de duas décadas. Pode mesmo afirmar-se que, de uma maneira geral, a profusão de livros publicados em Portugal e a quantidade de comunicações proferidas na dita agremiação lisboeta são de tal magnitude que é difícil encontrar títulos sugestivos e pedagógicos, recreativos e científicos, cativantes e ligeiros na leitura, mas ao mesmo tempo estimulantes de outras pesquisas e que deixem no leitor a sensação de que uma porta intelectual se abriu no cenário dos seus interesses bibliográficos e intelectuais; ou seja, de que saiu enriquecido das horas a que dedicou sua atenção a um trabalho específico. Tal sensação é com frequência mais conotada com outro género de leituras, como a de livros de ficção policial ou de espionagem, de textos de blogues, de revistas, de jornais e newsletters on-line do que obras dedicadas a temáticas históricas. Por contraste, basta folhear as páginas do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, que já ultrapassou sua 131ª série (referente a 2013), para encontrar textos sobre temas e títulos históricos, geográficos ou etnográficos escritos em estilo por vezes pesado e de circunstância, nem sempre destinados ao interesse de um público não especializado nem particularmente inclinado a esse tipo de assuntos.

Em termos de estrutura, a obra de Patrícia Moreno divide-se em nove pontos, incluindo introdução, conclusão e bibliografia. De uma forma geral, a autora não abusa das notas infrapaginais, que alcançam o número de 190 em 206 páginas de texto, entre algumas dedicadas a fornecer informações biográficas das figuras de médicos e estadistas referidos, mas sobretudo a consubstanciar as fontes e bibliografia a que recorreu.

Na contracapa do livro, são deixadas as seguintes palavras e interrogações: “Como e quando chegou a febre amarela a Lisboa vinda do Brasil? E quais foram as medidas adotadas pelas autoridades portuguesas? A essas questões procurará esse livro lançar pistas e oferecer algumas respostas”. Essa é a mensagem essencial do primeiro ponto do livro, que se intitula “A razão deste livro, perguntas e dúvidas” e começa com uma citação de Rui Barbosa, proferida numa conferência de maio de 1917: “O mundo vê no Brasil um país de febre amarela. O Governo brasileiro o confessa. A medicina brasileira não o pode negar” (p.11). Numa outra citação, na mesma página, Barbosa informa-nos que em 1857-1858, 1860, 1864 e 1869 tal doença chega do Brasil a Portugal. Mas esse não será o âmbito cronológico da obra, mais alargado.

Num segundo ponto ou capítulo do livro, intitulado “Resenha histórica da febre amarela”, Patrícia Moreno resume, em cerca de uma dúzia de páginas, o que a literatura seiscentista e setecentista afirmava sobre a epidemia; suas principais características e alterações fisiológicas no indivíduo acometido dessa patologia; e a abrangência geográfica da mesma, num triângulo atlântico Américas-África-Europa. A autora recorre a tratados médicos, mas também a breves referências em literatura popular do século XIX, como Alexandre Dumas e Júlio Verne, e menciona terríveis momentos de dizimação coletiva, como aquando da invasão francesa da ilha de São Domingo (atuais Haiti e República Dominicana) em 1801, de Barcelona em 1821 e do surto do vale do Mississípi em 1878, tendo morrido, nestes dois últimos casos, cerca de vinte mil catalães e outros tantos norte-americanos (p.17, 20). Introduz a questão do debate médico sobre a forma de combater essa praga e como ela se propaga, matérias que dividirão opiniões científicas e a opinião pública mundiais durante várias décadas do século XIX.

Subitamente, num terceiro capítulo, “Portugal e o Brasil ou o Brasil e Portugal”, a autora aligeira o tom, alarga o âmbito do seu estudo, não agora meramente geográfico, cronológico, estatístico e médico, mas contextualiza a situação geral portuguesa e brasileira, de forma rigorosa, mas necessariamente breve, de modo a impedir que o leitor se perca em demasiados pormenores e perca literalmente o fio à meada, esquecendo o propósito primeiro desse trabalho – a febre amarela e seu impacto sanitário, comercial e político nos dois países. Vai, assim, elencando as várias formas de relações luso-brasileiras – familiares/dinásticas, comerciais, sociais – e os diferentes métodos de contacto transnacional: o transporte marítimo de emigrantes portugueses em busca de trabalho, legal e ilegalmente; as políticas lisboetas para travar tal fluxo demográfico, bem como o surgimento da figura do “brasileiro” em Portugal, na sociedade e na literatura portuguesas. Está então dado o mote para uma apaixonante reflexão sobre questões de história das mentalidades, social e política: as condições insalubres nos “cortiços” brasileiros aos quais chegavam os emigrantes portugueses, mas também nos bairros pobres de Lisboa e Porto, onde a febre amarela se propagará; o constante ambiente de guerra civil e de revolução em Portugal até à Regeneração de 1851 e a dificuldade que diferentes governos sentiram para inverter uma política de emigração maciça, devido à pobreza, desemprego e analfabetismo que grassavam deste lado do Atlântico. A intervenção de figuras gradas da política e das letras portuguesas como Alexandre Herculano e Ramalho Ortigão, o conde de Tomar (Costa Cabral), Fontes Pereira de Melo e José Luciano de Castro, tentando alertar a opinião pública e legislar para que a falta de condições de salubridade e de habitação não servissem de rastilho à propagação da febre amarela, como ainda sucedeu no Rio de Janeiro, de forma intervalada, nas décadas de 1870 a 1890. Em Lisboa, a Sociedade de Geografia, cujos estatutos foram reformados em 1895, contou imediatamente com uma Comissão de Emigração, tal a preponderância política, económica e social da saída de emigrantes e consequente perda de força de trabalho e destruição do tecido social nacional.

Nos pontos – ou capítulos, como lhes poderíamos chamar – 4 e 5, o primeiro com cerca de trinta páginas e o segundo com cerca de quarenta, a autora congrega o essencial da sua análise, dedicada primeiro ao “Rio de Janeiro e a epidemia de 1850” e depois a “Lisboa e a febre amarela – a terrível década de 1850”. Com inteligente e rigoroso recurso a fontes de ambas as nacionalidades, Patrícia Moreno estuda os casos brasileiro e português socorrendo-se de pontos de vista contemporâneos e divergentes, alguns cientificamente fundamentados, outros meramente propagandísticos e eleitoralistas. Em causa estava perceber a verdadeira origem do surgimento e transmissão da doença e quais as formas corretas de a tratar e prevenir. Numa época em que o comércio luso-brasileiro e as remessas financeiras de emigrantes portugueses bem-sucedidos no Brasil pesavam fortemente na balança comercial de Portugal, o vetor de transmissão da doença, o mosquito, estava fora da equação. O mosquito, ou pernilongo, que faz parte do título desse livro e cuja imagem figura na respetiva capa, não era ainda entendido como elemento preponderante e transmissor da patologia. As autoridades portuguesas e brasileiras insistiram, durante décadas, em políticas de quarentena (à imagem, aliás, das demais nações) e na criação e manutenção do lazareto de Porto Brandão, na margem sul do Tejo, defronte de Lisboa e no lazareto da ilha do Bom Jesus dos Frades, no Rio. Os higienistas, reunidos pela primeira vez em congresso internacional em 1852, dividiam-se entre os que defendiam a existência de contágio e a necessidade de isolamento dos doentes e de quem viajava em navios onde grassava a doença (os contagionistas) e os que defendiam in stricto sensu que “A higiene e a desinfestação são as únicas armas de que dispõem os médicos” (p.80), sendo necessário combater a infeção onde ela ocorria (os infeccionistas).

Em Portugal, foi apurado que morreram quase seis mil pessoas durante as epidemias de 1856-1858, o que constituiu um número dramático de vítimas. Duas das mais célebres vítimas mortais foram o cardeal patriarca de Lisboa e o renomado médico e membro da Academia das Ciências de Lisboa António da Fonseca Benevides. O casal régio, dom Pedro V e dona Estefânia, interviriam corajosamente no socorro e apoio moral aos doentes, mas ambos morreriam muito novos de outras doenças frequentes na época, respetivamente febre tifoide e difteria. “Lisboa, cidade insalubre” era uma das imagens transmitidas durante décadas, fosse pelo académico Oliveira Pimentel, pelo afamado Eça de Queiroz ou pela polémica princesa Ratazzi, com o primeiro a afirmar, em 1857, as seguintes palavras arrepiantes: “O estado das praias lodosas em frente da cidade [de Lisboa] é o mais deplorável que se pode imaginar; e, se as comparássemos com o delta do Ganges, onde se gera o cólera-morbo, não ficaríamos longe da verdade” (p.126). O congresso sanitário reunido sob os auspícios régios naquele ano, na Academia das Ciências, pouco ou nada conseguiu resolver e não só “Os lisboetas fogem da epidemia” como “Lisboa sofria e morria!”, como sugerem dois subtítulos utilizados pela autora neste seu quinto capítulo (p.127, 130). Chegando-se à conclusão de que a doença não era “nativa” de Portugal, embora prosperasse com as condições de insalubridade e no tempo quente (e que, portanto, provinha por via marítima, sobretudo do Brasil), persistiram as políticas de quarentena e de utilização do lazareto.

É a esses dois temas – quarentena e lazareto – que Patrícia Moreno vai dedicar o sexto ponto ou capítulo do seu livro, o último com uma extensão considerável na obra agora em análise. Enquanto de França não surgiram as notícias das descobertas de Pasteur e do Brasil os resultados práticos da obra salvífica de Oswaldo Cruz, esta já no início do século XX, Portugal teve de recorrer aos anacrónicos mecanismos de contenção de uma doença que nunca mais se tornou tão devastadora como em 1856-1858, mas cuja ameaça constante, durante décadas, foi alvo da chacota, da incompreensão e da raiva de parlamentares, de jornalistas e de viajantes que, em face do número reduzido de mortes devidas à epidemia, se revoltavam quanto à preponderância de medidas sanitárias ditas “incivilizadas”. Numa segunda metade do século XIX, sobretudo marcada pelo ritmo cada vez mais frenético da circulação livre de pessoas, ideias e mercadorias, em nível europeu e mundial, as restrições de entrada no porto de Lisboa eram incompreensíveis para comerciantes e para os setores da sociedade, da política e da economia mais interessados em que Portugal prosperasse pela via da circulação comercial do que em escutar as posições cautelosas de médicos e de académicos que defendiam a necessidade da quarentena de pessoas e bens e sua permanência no lazareto na margem sul do Tejo. Medidas públicas de aprofundamento do saber técnico sobre a demografia, como o primeiro recenseamento geral da população em 1864, a utilização internacional do telégrafo elétrico e a aprovação de um regulamento geral de sanidade marítima em Portugal, já influenciada pelas ideias de Pasteur, terão contribuído para manter baixos os números de mortalidade epidémica, mas tal não impediu que, por exemplo, ocorresse uma “gravíssima epidemia de peste na cidade do Porto em 1897 que tinha demonstrado que os regulamentos sanitários observados desde há várias décadas não protegiam totalmente as populações” (p.157-158). Ora o que em hoje em dia é um lugar-comum, que o isolamento dos potenciais doentes e das pessoas afetadas por doenças não evita totalmente sua proliferação sem que a causa e os fatores de desenvolvimento e de propagação da mesma sejam conhecidos e anulados na sua ação nefasta, não era consensual nessa época – longe disso. Tal como no início da introdução da inoculação vacínica em Portugal, nos anos de 1800 e 1810, pela Academia das Ciências, aquela medida experimental fora motivo de polémica e de espanto por parte da maioria da população e das elites, quase cem anos depois a sobrevivência da quarentena e do lazareto eram também altamente contestados e incompreendidos, porque “residualmente” – se assim se poderá dizer – os casos de febre amarela e de outras epidemias, por vezes muito mais mortíferas, continuavam a manter-se: seria um caso de “matar o mensageiro”, até certo ponto; nesse caso, os médicos favoráveis a tais medidas e os decisores políticos sobre saúde pública em Portugal.

Patrícia Moreno contextualiza e problematiza esses dois temas, o da quarentena de passageiros em navios e o das condições – também elas insalubres! – do lazareto de Lisboa, que o governo tratou de estudar no sentido de melhorar. Os conhecidos escritores humorísticos e satíricos portugueses, Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, referiram-se ao lazareto, e o imperador dom Pedro II, na sua visita de 1871, fez questão de demonstrar o caráter privado da sua viagem sujeitando-se, como os demais, às condições de isolamento no lazareto. Mas para além dos incómodos dessas e de outras figuras ilustres, como a de Sarah Bernhardt, que infelizmente a autora não nos explica como contornou – se o conseguiu – a proibição de pisar Lisboa sem passar pelo lazareto (p.171-72), a questão era também de natureza comercial: os produtos que não pudessem passar pelo porto de Lisboa ou por qualquer outro porto português que estivesse vigiado pelas autoridades sanitárias eram desviados para as Canárias, para o Mediterrâneo ou para qualquer porto onde a política pública de saúde não fosse tão apertada. Refere especificamente o caso da barca Imogene, que em 1879 é caricaturado pela imprensa política e humorística nacional e no qual o diagnóstico do distinto médico Sousa Martins é colocado em causa, vendo-se o mesmo obrigado a escrever um livro – cujo título a autora não cita – para defender sua reputação e sua honra como médico (p.180 e s.). Apenas com a abertura do posto marítimo de desinfeção de Lisboa, a 1 de janeiro de 1906, já iniciado o século XX, a velocidade de entrada de passageiros e de mercadorias no porto lisboeta atinge o ritmo e a desburocratização que os tempos exigiam. A imprensa julga, naturalmente, com bons olhos tal inovação, mas aparentemente esquece-se de que ela não poderia existir se a ciência não tivesse já conhecido e debelado, no Brasil, as causas da mortandade que a febre amarela provocara durante décadas.

É nos dois últimos pontos ou capítulos, o sétimo e o oitavo, do livro que Patrícia Moreno explica-nos o que verdadeiramente mudou e obstou a que a febre amarela deixasse de matar aos milhares em Portugal. Se o médico português Ricardo Jorge escrevia que em 1860-1880 “só 20 navios entrados na barra de Lisboa foram considerados infeccionados” e se se sabe que isso ocorreu em apenas outros quatro até 1900 (p.192), não parecem restar dúvidas de que “O Brasil liberta-se… e Portugal respira”: isto é, só com a ação de Oswaldo Cruz (1872-1917), médico brasileiro, foi possível “estancar a mortandade devida à febre amarela no Rio de Janeiro” (p.195-196). A luta contra o mosquito, entre 1903 e 1909, permite senão erradicar, pelo menos diminuir drasticamente a incidência da doença em Portugal e no Brasil: “Não é a cura, mas sim a profilaxia da propagação da doença que irá trazer a glória a este médico brasileiro” (p.203). E nas conclusões, Patrícia Moreno deixa-nos duas afirmações, talvez um pouco longas para serem transcritas na íntegra, mas que são decisivas para compreender o essencial da mensagem transmitida: “As autoridades sanitárias e o governo de Portugal souberam resistir às incursões de febre amarela e de cólera-morbo. Souberam também resistir a todos aqueles que propuseram, na maioria dos casos com intuitos meramente comerciais e de lucro fácil, um aligeiramento ou mesmo a eliminação da legislação rigorosa em vigor”. E termina seu texto relembrando como “página quase esquecida da nossa história recente” a temática abordada: a do “perigo da importação” de febre amarela e as medidas adotadas pelas autoridades políticas e sanitárias portuguesas, com consequências danosas no desenvolvimento das relações comerciais entre Portugal e Brasil” (p.205-206). É este seu papel, assumido, como autora: fornecer as pistas, as fontes e os factos para que consensualmente se possa chegar a tais conclusões, deixando ao leitor a liberdade de concordar ou não com tais assunções, que são apenas afirmadas no final do livro.

O nono e último ponto ou capítulo é o da bibliografia, talvez o mais frágil de todos. Poderia ser mais rigorosamente dividido em fontes, bibliografia e webgrafia. A “Bibliografia: Séculos XVII a XIX” poderia ser designada por fontes e a referente aos séculos XX e XXI, essa sim, listada como bibliografia, excetuando a que diz respeito às décadas de 1900 a 1920 ou 1930, dado que são de 1926 e 1938 dois títulos de Ricardo Jorge que podem ser considerados fontes. Também as caixas dos arquivos citados do Ministério português dos Negócios Estrangeiros e do Arquivo Nacional da Torre do Tombo deveriam ser mencionadas e as páginas de internet conter as datas de consulta. Mas essas são questões secundárias, mais do foro editorial do que autoral. Faria ainda falta um índice remissivo, pelo menos onomástico, para mais fácil localização de figuras referidas da medicina, literatura, política e jornalismo portugueses e brasileiros em duzentas páginas de uma obra que se lê com grande facilidade e proveito. Numa segunda edição, Patrícia Moreno poderá eventualmente acrescentar alguma bibliografia especializada brasileira, como artigos da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos a propósito de temáticas similares, consultáveis, também eles on-line, se eventuais acrescentos e aprofundamentos o justificarem, naturalmente.

Daniel Estudante Protásio – Pós-doutorando, Centro de Estudos Interdisciplinares do século XX/Universidade de Coimbra. Portugal. E-mail: [email protected]

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Casas importadoras de Santos e seus agentes. Comércio e cultura material (1870-1900) | Carina Marcondes Ferreira Pedro

Madame Pommery, personagem controversa de Hilário Tácito, começa no mundo dos negócios ilícitos da prostituição com sua chegada ao porto de Santos, nos primeiros anos do século XX.[1] O autor faz dela uma negociante esperta, de nacionalidade duvidosa, filha de um domador circense e de uma noviça espanhola. Como muitos outros imigrantes do período, inspiradores dessa personagem da literatura paulista, ela veio “fazer a América”, tentar a sorte numa nova terra cheia de oportunidades de negócios. A cidade de Santos era então a porta de entrada para um mundo rico, que vivia das exportações de café e das importações de mercadorias de luxo, que abasteciam São Paulo. É justamente a formação e consolidação de Santos como o local de negócios relacionados ao café, durante a Belle Époque, o tema da pesquisa, agora transformada em livro, da historiadora, Carina Marcondes Ferreira Pedro Casas importadoras de Santos e seus agentes. Comércio e cultura material (1870-1900).

Carina Marcondes Ferreira Pedro busca compreender a transformação de Santos no principal local de negócios de São Paulo no fim do século XIX, porto que exportava café e importava uma série de mercadorias, de objetos de consumo doméstico a materiais para construção. A chave para a análise dessas transformações passou pela construção da ferrovia que ligava o porto à cidade no alto da Serra. Inaugurada em 16 de fevereiro de 1867, a São Paulo Railway Company dinamizou as relações comerciais da província. A tão aguardada ligação da cidade de São Paulo com o mar não apenas possibilitou o escoamento das safras de café dos fazendeiros paulistas, e seu consequente enriquecimento, mas transformou a vida cotidiana e a sociabilidade de ambas as cidades. Além do dinheiro decorrente das exportações de café, novos hábitos também vinham no rastro da ferrovia e ligavam a então capital da província, vista como atrasada e caipira, ao resto do mundo.

A construção da ferrovia dinamizou o comércio de Santos, que já era um porto importante, mas se tornou fundamental com o trem, e ainda criou uma demanda por uma série de modificações urbanas tanto nas docas, como na própria cidade. A autora mostra em sua pesquisa como uma série de casas comerciais abriram as portas para negócios que envolviam somas consideráveis ao redor do mundo, eram os “agentes importadores” ou também chamados de “casas de importação”, que compravam mercadorias de outros países e exportavam principalmente café vindo do Oeste Paulista.

Outra chave essencial para o trabalho de Carina é entender o mundo do consumo no século XIX. Pouco estudado pela historiografia, o consumo de mercadorias importadas esteve sempre ligado à dinâmica do mundo capitalista no oitocentos. Para a antropóloga americana Mary Douglas, em seu livro clássico O mundo dos bens, a produção de mercadorias foi o que se estabeleceu como parâmetro para os estudos de economia.[2] O consumo seria relegado a uma segunda categoria de estudos, algo menor ou sem importância. Para antropóloga americana, tanto consumo como produção fariam parte de um todo, seriam dois lados de uma mesma moeda – o estabelecimento da revolução industrial e a expansão do capitalismo.

Ligado a esse novo mundo do consumo, Carina mostra como esses agentes estabeleciam contato com as casas exportadores de países produtores de mercadorias, como a Inglaterra, a Alemanha ou a França. Diz a autora: “A própria formação de um modo de vida burguês relacionado ao intenso consumo de produtos industrializados estrangeiros que foram introduzidos no país no século XIX e início do XX tem sido problemática tratada por poucos autores. No caso da região paulista, a lacuna se torna mais pronunciada em vista da própria importância que ela adquire nos processos de comércio internacional nesse período” (p. 13).

Tentar entender e fazer uma história do consumo não é fácil, já que a utilização de fontes ditas como estritamente econômicas não dá conta da complexidade do tema. Assim, o trabalho utiliza várias outras fontes para o embasamento da pesquisa. Foram analisados almanaques do período, jornais, anúncios, memórias de viajantes, legislação, correspondência diplomática, manuais de comércio e obras de propaganda governamental.

Os Almanaques são tratados de maneira especial pela autora e aparecem em quase todos os três capítulos do livro. Para a história do consumo, a utilização de almanaques como fontes de pesquisa é preciosa. Com eles, principalmente a partir das três últimas décadas do século XIX, vêm as primeiras propagandas de produtos e os primeiros anúncios. É possível assim, ver as casas importadoras, as chegadas e partidas dos navios, quem eram os negociantes de importação e exportação. Eles funcionam também como uma espécie de guia para a cidade, relevando endereços de médicos, empresários, pessoas importantes ou mesmo de lojas, escolas, hospitais.

O livro está dividido em três capítulos. O primeiro, “Santos e o comércio de importação”, dá conta das transformações urbanas pelas quais passou a cidade de Santos no período. O crescimento da cidade é visto dentro do contexto das mudanças econômicas no mundo nas três últimas décadas do século XIX. A historiadora mostra como a região do Valongo foi se valorizando com a construção da ferrovia e atraindo negociantes, alterando significativamente o tecido urbano. Assim, na mesma época, muitas ruas se dessacralizaram, ou seja, mudaram seus nomes relacionados a santidades e ao catolicismo para nomes de personalidades brasileiras ou da região.

O segundo capítulo, “As casas importadoras e suas trajetórias empresariais”, aborda as casas de importação inglesas, como a Edward Johnston & C, considerada a segunda maior firma de exportação britânica do período – ela era também a representante da companhia hamburguesa de navegação Hamburg-Süd, que tem uma extensa atividade até os dias de hoje. São analisadas casas comerciais alemãs, francesas e portuguesas. As empresas se caracterizavam pela diversidade de artigos. Assim, as firmas alemãs, como a Zerrenner, Bulow & C., traziam para o Brasil um amplo leque de bens, como ferro, aço, lubrificantes, dinamite, carbureto de cálcio, bicicletas, vinhos, biscoitos finos, queijos. A francesa Karl Valis & C. acabou por se especializar em artigos alimentares de luxo e também no comércio atacado de materiais vidrados usados para obras de água e esgoto – evidenciado a necessidade de urbanização de São Paulo na época. Já as portuguesas, como a Ferreira & C., traziam ferro e outros materiais para construção e contavam com a facilidade da língua nos seus vendedores caixeiros-ambulantes.

Finalmente, o terceiro e último capítulo trata da infinidade dos objetos importados no período. Carina Pedro retoma a ideia do historiador francês Daniel Roche, autor de História das coisas banais, para mostrar que a cidade no século XIX pode ser entendida como o centro de uma organização econômica cujo comerciante é um dos principais agentes.[3] Para Daniel Roche, “A história das atitudes em relação ao objeto e à mercadoria em nossa sociedade é aqui capital; ela postula que uma história do consumo é uma maneira de reconciliar o sujeito com o objeto, a interioridade com a exterioridade”.[4] Assim, a introdução e distribuição das mais variadas mercadorias foi uma das marcas das transformações que ocorrem a partir da década de 1870 no país e que Florestan Fernandes vai chamar de Revolução Burguesa.[5]

Para o sociólogo um dos principais agentes transformadores da sociedade no período seria o negociante. Assim, o burguês teria surgido no Brasil como uma “entidade especializada, seja na figura do agente artesanal inserido na rede de mercantilização da produção interna, seja como negociante (não importando muito seu gênero de negócios: se vendia mercadorias importadas, especulava com valores ou com seu próprio dinheiro; as gradações possuíam significação apenas para o código de honra e para a etiqueta das relações sociais e nada impedia que o usurário, embora malquisto e tido como encarnação nefasta do burguês mesquinho, fosse um mal terrivelmente necessário)”.6 Em seu estudo, ainda que circunscrito à cidade de Santos, Carina Pedro consegue recuperar a figura do negociante nas décadas finais do século XIX, inserindo-o numa rede complexa de negócios estrangeiros voltados para o mercado local, dando vida e materialidade a esse personagem complexo e fundamental.

Notas

1. TÁCITO, Hilário. Madame Pommery. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.

2. DOUGLAS, Mary e ISHERWWOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora da UFMG, 2014.

3. ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo, séculos XVIII-XIX. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

4. Idem, p. 26.

5. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1974.

6. Idem, p. 18.

Joana Monteleone – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).


PEDRO, Carina Marcondes Ferreira. Casas importadoras de Santos e seus agentes. Comércio e cultura material (1870-1900). São Paulo: Ateliê, 2015. Resenha de: MONTELEONE, Joana. Um mundo de mercadorias na Belle Époque de Santos. Almanack, Guarulhos, n.11, p.868-870, set./dez., 2015.

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O comercio tardoantigo no Noroeste Peninsular: unha análise da Gallaecia Sueva e Visigoda a través do rexistro arqueolóxico | Adolfo Fernández Fernández

La Antigüedad Tardía es, a nivel general, una de las épocas menos estudiadas, sobre todo en lo que atañe a Hispania y especialmente a la zona del Noroeste. La obra que aquí reseñamos, titulada O comercio tardoantigo no Noroeste Peninsular: unha análise da Gallaecia Sueva e Visigoda a través do rexistro arqueolóxico [1] , viene a suplir, en cierta medida, un vacío que existía en uno de los campos menos estudiados y a los que menor atención se le había prestado, el comercio, focalizando su atención en una zona (la Gallaecia) y una época (siglos IV-VII) marcados por la irrupción en la Península Ibérica de diversos grupos bárbaros, destacando sobre todos ellos el grupo Suevo, que suplantó al Imperio Romano como dominador del Noroeste de Hispania desde comienzos del siglo V. Es por tanto una obra fundamental que permite contextualizar los pocos datos y la poca información que sobre la irrupción de este pueblo bárbaro tenemos y sobre las consecuencias intrínsecas que su instalación sobre el territorio hispano noroccidental supuso.

La obra, de Adolfo Fernández Fernández, surge como resultado de su tesis de doctorado, titulada El Comercio Tardoantiguo (ss. IV-VII) en el Noroeste peninsular a través del Registro Arqueológico de la Ría de Vigo, leída en el año 2011 en la Universidad de Vigo. Arqueólogo-ceramólogo especialista en economía y comercio de época romana, el propio autor indica en las páginas iniciales de su libro, escrito en gallego, de poco menos de 300, que este estudio surge de la ausencia de artículos y estudios científicos referidos al comercio en el Noroeste hispano desde la publicación de la obra de Naveiro López, El comercio antiguo en el NW peninsular, publicada en 1991. Debido al boom económico y urbanístico que vivió España (y en cierta medida también Portugal) las excavaciones arqueológicas, y por tanto nuevos materiales susceptibles de ser estudiados, han salido a la luz, y es por ello que el autor puso sus ojos en ofrecer a la comunidad científica este estudio tan interesante.

El libro se divide en cuatro apartados diferentes de desigual tamaño, más allá de una pequeña introducción donde nos deja entrever brevemente en el origen de sus investigaciones y su libro.

El primero de estos apartados se titula Os xacementos arqueolóxicos de Vigo: a base principal do estudo [2], en el cual Adolfo Fernández nos hace un recorrido por los diferentes yacimientos arqueológicos de los que provienen la mayor parte de los materiales que van a ser estudiados en el grueso de su obra. Todos ellos se encuentran en el núcleo urbano de Vigo (Pontevedra, España), excepto uno que está fuera, y aparecen englobados por el autor en tres categorías diferentes, basándose para ello en los diferentes grados de estudio de su material arqueológico: yacimientos con estratigrafía (Villa de Toralla, Unidad de Actuación Rosalía de Castro I, Marqués de Valladares y la Unidad de Actuación Rosalía de Castro II), yacimientos sin datos estratigráficos (Hospital nº 5, parcela 14, parcela 23, colector da rúa Colón y Areal 6-8) y yacimientos con materiales tardíos parcialmente estudiados (Parcela 13, túnel del Areal y Rosalía nº 5).

El segundo de estos apartados se titula Unha breve aproximación ás relación comerciais do Noroeste con anterioridade á Antigüidade Tardía. (Séc. V/VI a.C. – Séc. III d.C.) [3]. Al igual que el anterior, estamos ante un capítulo que podemos denominar introductorio, en tanto en cuanto su función no es otra que la de contextualizar los dos siguientes apartados, que conforman el grueso de la obra. Dado que, como bien indica el título, esta obra tiene como marco cronológico la Antigüedad Tardía, el autor consideró necesario este capítulo para establecer un marco de partida, de referencia, para poder entrever las rupturas o las continuidades de los sistemas mercantiles y comerciales en el Noroeste con la época anterior, de ser el caso.

Tras estos dos apartados, entramos de lleno en su estudio, con un tercer apartado de poco más de 120 páginas, el de mayor tamaño del libro con diferencia, titulado As relacións do noroeste e as rutas de comercio durante a Antigüidade Tardía. (Sécs. IV – VII.) [4] . Dado su volumen y su importancia, el autor lo ha dividido en cinco capítulos, abordando en cada uno de ellos las características del sistema comercial del Noroeste hispano a lo largo de diferentes periodos de tiempo, caracterizados cada uno de ellos por peculiaridades propias. Estas fases del sistema comercial del Noroeste abarcan desde el siglo IV hasta el VII, analizados siguiendo un orden cronológico.

Una de las claves más interesantes de este libro radica en el estudio de los sistemas comerciales en la época de llegada de los pueblos bárbaros a Hispania, y especialmente en la época del asentamiento de los Suevos en la zona estudiada, el Noroeste. Por tanto, las conclusiones que de este trabajo se extraigan serán indispensables para conocer mejor las relaciones de este nuevo poder bárbaro con los poderes locales galaicorromanos, y para desmentir o afirmar la tan manida cuestión de si este grupo bárbaro arrasó violenta y cruentamente estos lugares.

En las últimas décadas se ha venido aseverando por parte de historiadores y arqueólogos, a través de una actitud más crítica hacia las fuentes y de mayores estudios arqueológicos sobre esta época, la actitud más o menos pacífica, o por lo menos no destructiva, de los grupos bárbaros en su llegada y asentamiento en el Noroeste. Este estudio por tanto se convertirá en un argumento más para reafirmar este “pacifismo” de los grupos bárbaros, o al contrario, para mostrar cierto rupturismo consecuencia de su llegada.

Del mismo modo, este estudio cronológico, con sus rupturas o sus continuidades, nos ofrece importante información sobre épocas para las cuales no tenemos apenas información en en la Gallaecia, como por ejemplo el último tercio del siglo V, donde a partir del fin de la Crónica de Hidacio de Chaves no tenemos información alguna. Así pues, a través de este estudio podemos acercarnos mínimamente a esta época para comprobar si, en un sentido general, se producen continuidades con la época anterior o si por el contrario existe alguna ruptura importante que nos esté dando cuenta de algún suceso que motivó ese cambio, pero que no conocemos por ninguna fuente escrita.

Por otra parte, es también interesante el análisis del siglo VI, donde a través del estudio del autor se confirman cambios producidos por el nuevo panorama político del momento, como es el avance militar bizantino en Italia y el sur de Hispania, que provocan que los materiales provenientes del Mediterráneo oriental sean superiores a los productos tradicionales venidos del Norte de África. Asimismo, se constata una ruptura en esta época del comercio entre el Noroeste y las Islas Británicas, un hecho que a priori se desconocía y que el autor concluye producto de la peste de esta época.

Finalmente, como último capítulo de este apartado, el autor, en unas siete páginas finaliza el apartado haciendo referencia a la segunda mitad del siglo VII, en una especie de epílogo del mismo donde nos dice que, a pesar de no haber contextos arqueológicos para esta época en Vigo o en el Noroeste, se puede apreciar a nivel general en Occidente un repliegue sobre sí mismo debido al avance de los árabes por el Mediterráneo Oriental y Norteafricano, que puede suponer una verdadera ruptura en el sistema comercial heredado de época romana.

Llegamos así al último apartado del libro, titulado As mercadorías e os protagonistas do comercio [5] , en donde el autor pretende mostrar la información no desde una óptica cronológica como en el capítulo anterior, sino desde un punto de vista que podemos denominar como temático, estudiando así por ejemplo las mercancías por un lado, los protagonistas del comercio por otro, etc.

En general, este apartado es dividido por el autor en tres capítulos. El primero dedicado las mercancías exportadas e importadas en Vigo en particular y en el Noroeste en general, donde el autor contextualiza todos los materiales hallados en las excavaciones, afirmando que estos no serían el objeto principal del comercio, sino al contrario. La cerámica, el maíz, etc., serían mercancías de valor secundario que acompañarían a otras mercancías de lujo, más lucrativas, que serían el verdadero motor del comercio a larga distancia, mercancías que obviamente no se suelen encontrar en la mayoría de yacimientos arqueológicos, como serían joyas, textiles, perfumes, o incluso metales. En este sentido, el autor concluye que el verdadero motor que llevaría a los comerciantes a llegar hasta el Noroeste sería el alumbre. Por su parte, del Noroeste se llevarían probablemente metales como estaño o incluso plomo, y también probablemente madera.

El segundo capítulo de este cuarto y último apartado hace referencia a los protagonistas de los intercambios, es decir, aquellas personas que eran los promotores del comercio en el Noroeste. Adolfo Fernández hace un buen análisis incidiendo no sólo en los encargados del comercio de larga distancia, que estaría dominado por mercaderes extranjeros (griegos, judíos, sirios) sino también hace referencia a la importancia de los comerciantes locales de los emporios de distribución del Noroeste, dominados por galaicorromanos o suevos, encargándose estos de la captación de los productos orientados a la exportación y también de la redistribución de los productos mediterráneos hacia el resto del mundo atlántico.

Finalmente, termina este apartado, y también su obra, con un tercer capítulo titulado O porto de Vigo durante a Antigüidade Tardía: Un emporio atlántico [6], donde en unas nueve páginas concluye reafirmando la importancia del puerto de Vigo durante esta época, con un momento de especial esplendor durante el siglo VI y primera mitad del VII. Este puerto sería el último puerto en el que se detendrían los comerciantes de larga distancia, y funcionaría como lugar de redistribución de las mercancías para todo el Noroeste Peninsular.

La obra culmina con una extensa bibliografía sobre la temática del libro, que abarca poco menos de cuarenta hojas, lo que se puede considerar un gran acierto para quien esté interesado en indagar más aún sobre esta temática.

En definitiva, estamos delante de una obra de gran importancia que viene a llenar un hueco existente, una laguna en el conocimiento sobre la Antigüedad Tardía del Noroeste Peninsular y que no solo es importante desde el punto de vista de que se amplía el conocimiento de los sistemas comerciales en la Época Antigua, sino que es un argumento más para contextualizar un lugar y una época marcada, sin lugar a dudas, por cambios políticos en la zona de gran calado, como fue sobre todo la llegada del grupo bárbaro suevo a la Gallaecia.

O comercio tardoantigo no Noroeste Peninsular viene, en definitiva, a ser un argumento a favor de los nuevos planteamientos que sugieren que la llegada y el asentamiento de los Suevos en el Noroeste no fue en absoluto un momento de caos y destrucción por su parte sino que, al contrario, supusieron la continuidad de los sistemas económicos y comerciales heredados de la Antigüedad, con las obvias variaciones y fluctuaciones propias de un mundo en constante cambio, pero que no tienen que ver con una acción directa y premeditada por parte de los grupos bárbaros.

Notas

1. Dado que la obra está escrita en gallego, traduciremos al castellano, en notas a pié de página, los títulos, apartados y capítulos que en la obra vienen en este idioma, para que el lector los entienda sin dificultad. El título de la obra, en castellano, El comercio tardoantiguo en el Noroeste Peninsular: un análisis de la Gallaecia Sueva y Visigoda a través del registro arqueológico.

2. En castellano, Los yacimientos arqueológicos de Vigo: la base principal del estudio.

3. En castellano, Una breve aproximación a las relaciones comerciales del Noroeste con anterioridad a la Antigüedad Tardía. (Séc. V/VI a.C. – Séc. III d.C.).

4. En castellano, Las relaciones del Noroeste y las rutas de comercio durante la Antigüedad Tardía. (Sécs. IV – VII.).

5. En castellano, Las mercancías y los protagonistas del comercio.

6. En castellano, El puerto de Vigo durante la Antigüedad Tardía: Un emporio atlántico.

Benito Márquez Castro – Doctorando del Programa de Doctorado Historia, Territorio y Recursos Patrimoniales de la Universidad de Vigo Diputación de Pontevedra. E-mail: [email protected]


FERNÁNDEZ FERNÁNDEZ, Adolfo. O comercio tardoantigo no Noroeste Peninsular: unha análise da Gallaecia Sueva e Visigoda a través do rexistro arqueolóxico. Noia: Toxosoutos, 2013. Resenha de: CASTRO, Benito Márquez. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.14, n.2, p. 129-138, 2014. Acessar publicação original [DR]

Comércio e canhoneiras: Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios (1889-97) | Steven Topik

Em Trade and Gunboats: the United States and Brazil in the Age of Empire – publicado originalmente em 1996 – o brasilianista Steven Topik recupera as negociações comerciais entre Brasil e Estados Unidos e suas inflexões no campo da política, especificamente no contexto da Revolta da Armada. A obra contribui para o entendimento de dois elementos essenciais do período e da Revolta da Armada, mais especificamente: O acordo Blaine-Mendonça e a Esquadra Flint.

O acordo firmado em 30 de janeiro de 1891 entre James G. Blaine, Secretário de Estado norte-americano, e Salvador de Mendonça, Ministro Plenipotenciário do Brasil nos Estados Unidos, está inserido em um contexto de expansão de novos impérios coloniais e comerciais. As grandes potências europeias estavam “repartindo o mundo” entre si, e os Estados Unidos discutia os meios necessários para efetivar a Doutrina Monroe e tornar a América verdadeiramente dos (norte) americanos, procurando afastar a influência comercial europeia da região. Leia Mais

Homens de caminho: trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América Portuguesa – Século XVIII – IVO (S-RH)

IVO, Isnara Pereira. Homens de caminho: trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América Portuguesa – Século XVIII. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2012, 355 p. Resenha de: CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. Gentes, cores e formas: mobilidades de produtos e saberes nos sertões de fronteiras tênues. sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA, João Pessoa, [29] jul./dez. 2013.

Homens de caminho: trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América portuguesa – Século XVIII, de Isnara Pereira Ivo, foi lançado em 2012 pelas Edições UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – na qual a autora do livro é pesquisadora e professora). O estudo é fruto da Tese de Doutorado, concluída em 2009 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O título do livro é sugestivo. É uma obra que, como salienta Eduardo França Paiva, autor do prefácio, discute “as formas de locomoção, de transporte e de comércio que se desenvolveram a partir [dos] caminhos, assim como as dinâmicas de ocupação das regiões e de integração do interior da América Portuguesa, isto é, dos imensos sertões” (p.13).

As relações “não só econômicas” nos sertões, por Isnara analisadas, estabeleceram-se, mais precisamente, entre o Norte da Capitania de Minas Gerais (Comarca do Serro Frio) e os sertões da Capitania da Bahia, quais sejam: o Sertão da Ressaca (fronteira com o norte da Capitania de Minas Gerais) e o Alto sertão da Bahia (Vila de Rio das Contas), durante o século XVIII.

As perspectivas teórico-metodológicas e conceituais para as análises da documentação e compreensão do contexto histórico pautam-se em uma variedade de autores e obras que vem fomentando uma reescrita da História sobre os sertões, bem como do mercado e vias de abastecimento interno do império português.

Dentre esses autores, têm-se: Eduardo França Paiva, Serge Gruzinski, Maria Odília da Silva Dias, Júnia Ferreira Furtado, Douglas Cole Libby, John Russell-Wood, Antonio Manoel Espanha, além de autores clássicos como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Charles Boxer.

A pesquisa empírica, com poucas exceções, foi realizada em Arquivos Brasileiros como o Arquivo Público Mineiro (APM), em Belo Horizonte; Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), em Salvador; Arquivo do Fórum João Mangabeira (AFJM), em Vitória da Conquista; e Arquivo Municipal de Rio da Contas (AMRC).

O arcabouço documental é muito variado, de diversos tipos, compondo-se de alvarás, cartas e ordens régias, cartas patentes, inventários, testamentos, atas de câmara, correspondências de vice-reis, governadores, superintendentes e capitãesmores, diário de registros fiscais, livros de nota, crônicas, relatos de viagens, mapas, iconografia, entre outros.

A par dessa documentação submetida a um sistemático tratamento qualitativo e quantitativo, a abordagem metodológica pauta-se em uma análise que não menospreza os índices estatísticos, ao mesmo tempo em que não se limita a eles.

Para além das séries numéricas que consistem em organizar informações esparsas em tabelas, possibilitando dados gerais para se compreender comportamentos demográficos e características populacionais dos sertões, Ivo investiga as pessoas pelos nomes.

Por meio dos nomes, Isnara traça trajetórias, desvenda e interpreta significados sobre as relações travadas e vivenciadas pelos sujeitos – homens de caminho:

portugueses, africanos, indígenas, crioulos, mestiços, mulatos, cabras, curibocas, homens, mulheres, livres, forros e escravos. Em outras palavras, de onde vieram, a que categorias sociais e que grupos étnicos pertencem e como foram miscigenandose biológica e culturalmente. Por esse prisma, compreendemos que o trabalho da autora dialoga com os estudos dos micro-historiadores ao se deter sobre a trajetória de um indivíduo ou de grupos de pessoas.

Essa pluralidade de tipos, e consequentemente as conexões por eles travadas, constitui a problemática central para se compreender as dinâmicas que forjaram a formação socioeconômica e cultural dos sertões por ela analisados. A concepção de sertão em movimento e conectado, portanto, perpassa toda a obra.

Para Isnara Pereira Ivo, a historiografia que retrata o sertão surgiu com relatos sobre sertanistas e bandeirantes nos primeiros anos do século XVIII. Nela, “a categoria sertão foi utilizada para identificar as regiões não litorâneas e referiase a lugares pouco povoados, nos quais a atividade econômica limitava-se à pecuária” (p. 32). Nesses estudos, o sertão foi “considerado inculto e cheio de façanhas barbarescas” (p. 32). Um sertão “concebido como o abrigo da pobreza, da desordem e do isolamento, características opostas à forma de viver das regiões litorâneas, consideradas espaços privilegiadas para a civilização, para a diversidade econômica e para o exercício da política” (p. 32).

Diferente da imagem de fixidez que o sertão do período foi imaginado pela literatura e pela historiografia, a nova realidade historiográfica, bem como a documentação por Isnara analisados, lhes possibilitou constatações sobre a fluidez das populações e os constantes encontros e mudanças entre os habitantes de terras diferentes, fazendo dessas paragens locais de misturas e trocas de conhecimentos e hábitos.

Ancorada nesse conceito de sertão, no decorrer do primeiro capítulo, Isnara analisa a trajetória de três europeus: o italiano Pedro Leolino Mariz; o mulato, filho de portugueses, João da Silva Guimarães; e o preto forro, nascido em Portugal João Gonçalves da Costa, como “protagonistas e agentes da interiorização portuguesa nos sertões de Minas Gerais e da Bahia, no setecentos” (p. 28) A partir da ação desses agentes que interiorizaram e, portanto, conectaram os sertões ao mundo ultramarino, Isnara Pereira Ivo discute o processo de mundialização, empreendido por portugueses e espanhóis, quando da união das Coroas Ibéricas, cuja expansão intercontinental “fomentou trânsitos e circulações inéditas” (p. 29), envolvendo pessoas “dos quatro cantos do mundo, conectando continentes” (p. 29). Essa movimentação “em escala planetária alimentou não apenas grandes deslocamentos demográficos”, mas também, “a circulação de pessoas de origens distintas e distantes, trazendo consigo os mais variados e inusitados conhecimentos, crenças, práticas, sentimentos e gostos” (p. 29).

Pelo prisma da mundialização, conexão e planetarização entre os continentes europeu, africano, asiático e americano, ocasionados pela mobilidade do império ultramarino, a perspectiva da autora dialoga com a concepção de História Atlântica, muito difundida por parte de uma vertente historiográfica brasileira, nas últimas décadas.

Essa perspectiva, segundo Russell-Wood, pauta-se em intercâmbios entre e dentro os quatro continentes ao redor do Oceano Atlântico – Europa, África, América do Sul e a América do Norte – e todas as ilhas contíguas a esses continentes e naquele oceano:

[…] as conexões, interconectividade, redes e diásporas que ligam a Europa, as Américas e a África; intercâmbio, seja de indivíduos, de flora e fauna, de mercadorias e produtos, seja de línguas, de culturas, de manifestações de fé, e de costumes e práticas tradicionais; um Atlântico caracterizado pelo movimento, pelo vaivém, e transições, e a vários ritmos de aceleração; e um mundo onde instituições, mesmo reinos, se formam, reformulam-se de um modo distinto, fragmentam-se, apenas para reaparecerem com uma nova configuração. Um conceito inerente a esta história é que nenhuma parte possa existir em isolamento.2 No entanto, mesmo dialogando com essas concepções, Isnara vai além de uma História Atlântica, já que não se pode pensar em interconectividade continental ou mundial deixando de lado o Índico, o Pacífico, o Mediterrâneo.

No segundo capítulo, ao analisar as atividades comerciais nos sertões mineiro e baiano, bem como os caminhos que proporcionaram a imersão do poder colonial e intensificaram o processo de trocas culturais com as áreas mineradoras das Minas Gerais e do império português, Ivo traz mais elementos que intensificam essas afirmações. Nas palavras da autora:

Seja através de caminhos permitidos ou proibidos, nestas áreas de trânsito circularam escravos, alimentos e pessoas livres que portavam produtos e culturas de origens distintas. As atividades neste comércio multifacetado eram exercidas por mulheres e homens livres, forros e escravos que circulavam nos sertões conduzindo não só produtos da terra, mas também mercadorias de luxo vindas da Europa e da Ásia que eram consumidas nas duas partes dos sertões. (p. 116).

Ao enfatizar a dinâmica interna, a autora põe em cheque o conceito de Antigo Regime para a América Portuguesa, desenvolvido por parte da historiografia brasileira. Em linhas gerais, os defensores dessa perspectiva, “concluem que a natureza arcaica da metrópole portuguesa reiterou uma estrutura tradicional e agrária na Colônia, e que a apropriação do excedente reproduziu e perpetuou, na Metrópole, uma estrutura econômico-social vinculadas ao Antigo Regime” (p.119).

Para Isnara, o uso indiscriminado desse conceito para a sociedade colonial não tem considerado o escravismo. Na realidade, houve “práticas do Antigo Regime na sociedade colonial escravista, mas não de um Antigo Regime” (p. 119), pois “a composição social profundamente mestiça propiciou formas de organização maleáveis e dinâmicas, tonificando, inclusive, um mercado interno fortemente lastreado no poder de consumo de camadas médias urbanas, compostas, em boa medida, por forros e não brancos, nascidos livres” (p. 119).

Em contraposição, Ivo considera mais adequada a ideia de um império ultramarino, na qual se vincula a constituição de uma conjuntura específica no Atlântico Sul, a partir do século XVII. Essa visão permite compreender laços entre Brasil e África e estabelecer elos entre esses dois universos culturais.

Ao escrever sobre os principais caminhos de terra e de água que alimentavam o trânsito pelos sertões, possibilitando o desenvolvimento de um mercado interno, Isnara Pereira Ivo destaca os caminhos fluviais e afirma que na América, assim como na África, “as redes fluviais eram vitais para o comércio Atlântico” (p. 129) e que “de maneira semelhante à corrida nas terras africanas, as ações dos agentes integralizadores nos sertões, Mariz, Guimarães e Costa fizeram parte do processo de conquista do interior da América portuguesa” (p. 129).

A integralização entre os sertões mineiro e baiano, em fins do século XVII, foi aguçada pela descoberta de ouro. A partir desse momento, as autoridades portuguesas adotaram e intensificaram medidas disciplinadoras de ocupação, exploração e tributação das atividades mineradoras.

No decorrer do capítulo, os caminhos e suas várias artérias são bem especificados e ilustrados por mapas, indicando a visualização dos espaços. A descoberta do ouro impulsionou o surto migratório e contribuiu para a abertura dos caminhos para as Minas Gerais. O Caminho Geral do Sertão era formado a partir das rotas interligadas pelas cabeceiras dos rios das Velhas, das Mortes e Doce que atingiram a parte superior do Rio São Francisco. Do lado oposto, o Caminho Velho passava por Paraty e conectava o Rio de Janeiro as Minas Gerais. Já o Caminho Novo, conhecido também como Estrada Real – do Rio de Janeiro a Vila Rica – passava pela baía de Guanabara, ligando o Rio de Janeiro à região mineira.

Por fim, Isnara enfatiza as formas de administração e contratos sobre as entradas dos muitos caminhos e rios que davam acesso e interligava a Bahia e as Minas Gerais e traz várias tabelas referentes aos nomes dos contratantes responsáveis pelas estradas e passagens dos rios que davam acesso aos espaços em estudo.

O desenvolvimento das atividades mineradoras e comerciais e as medidas de controle sobre a arrecadação dos impostos, fundição e escoamento aurífero são analisados com mais detalhes no terceiro capítulo. Novamente, tabelas, mapas e uma iconografia sobre ferramentas, meio de transporte fundamentam as análises.

Em relação à atividade mineradora do Novo Mundo, as conclusões são de que essas atividades abrigaram conhecimentos dos quatro continentes. Para a autora, “nos sertões, as técnicas, instrumentos de trabalho, saberes indígenas e europeus de diferentes lugares, agregam-se às experiências vindas de várias partes da África e da Ásia e formam, ali, infinitos espaços mestiços” (p. 229). Desse modo, “o conceito de mestiçagem instrumentalizado para compreender o sertão em movimento, vincula-se aos trânsitos planetários intensificados com a união das coroas católicas” (p. 229).

O intercâmbio, seja de indivíduos, de técnicas de flora e fauna, de mercadorias e produtos seja de línguas, de culturas, de manifestações de fé, de costumes e práticas tradicionais, delineou o universo cultural do Brasil Colonial, marcado por essa mobilidade interna, proporcionada pelos encontros entre esses distintos elementos étnicos. Mesmo que Isnara Pereira Ivo não fale explicitamente em dinâmicas de mestiçagens, suas análises sobre mobilidade, trânsito, maneiras de viver e formas de pensar, de negociar, mesclas biológicas e culturais, corroboram para a definição de conceito.

Conceito, esse, cada vez mais sedimentando nos estudos de uma corrente historiográfica, em que autores como Eduardo França Paiva, Serge Gruzinski, Carmem Bernand, Berta Arres Queija, dentre outros, primam pela análise da complexidade do processo e dos agentes, não necessariamente mestiços, mas que pelos contatos em diferentes espaços e ocasiões – no ambiente de trabalho, nos caminhos, nos mercados, em festas, cerimônias religiosas e de diferentes formas:

efêmeros, voluntários ou forçados – fomentaram circulações de ideias, surgimento de relações afetivas, familiares, potencializando misturas biológico-culturais3.

É importante ressaltar que essas concepções de mestiçagens assentam-se em noções contemporâneas sobre o termo, já que não se relaciona com as propostas “racialistas” pensadas no século XIX , mas comungam com pontos de vista que analisam a questão sob o prisma do encontro, da mistura da convivência, conveniência e coexistência entre os elementos étnicos: brancos, negros e índios.

A mestiçagem populacional não constitui um fenômeno biológico apenas do cruzamento genético como também, “não se reduz a uma concepção que valorize uma cultura, etnia ou raça superior por meio do processo eugênico, como foi proposto por alguns viajantes e teóricos dos séculos XVIII, XIX e XX”4.

Desse modo, “o grande problema do conceito de mestiçagem para seus críticos assenta-se no caráter que associa a mistura biológica entre os seres com a ideologia racial de inferioridade e superioridade, largamente difundida no século XIX”5.

É importante pensar a mestiçagem em diversas temporalidades e locais, o que já nos remete a uma concepção relacional e indissociável entre o biológico e o cultural. Nesse aspecto, torna-se importante diferenciar o que se entende por processo de mestiçagem e a definição de mestiço. Afinal o mestiço é a derivação desse processo que envolve o biológico, o físico e o cultural e constitui-se na mistura resultante dele. Do ponto de vista populacional, mestiço significa descendente de indivíduos biológica e culturalmente diferentes e\ou individuo cujos pais ou ascendentes são de etnias diferentes.6 Os perfis dos homens de caminho – comboieiros, tropeiros, viandantes –, pessoas que ao conduzirem suas vidas pelos caminhos transportavam também alimentos, animais e objetos consumidos pelos moradores dos sertões, são objeto do quarto e último capítulo.

Aspectos relacionados a formatos de rostos, de corpos, tipos e cores de cabelo, barbas e olhos, qualidade e condição – “expressões usadas na documentação setecentista portuguesa e espanhola para se referir aos vários tons de pele, origens e fenótipos” (p. 252) – compõem os elementos essenciais nas análises. As conclusões são de que, ao contrário do que defendeu boa parte da historiografia para a América Portuguesa e Espanhola, até as últimas décadas do século XX, não se pode correlacionar a cor da pele à condição social, ou seja, nem todo branco era livre e nem todo negro era escravo. A par das considerações de Douglas Cole Libby7, Ivo afirma que, durante no século XVIII, as pessoas podiam perder ou mudar de cor com certa facilidade. Desse modo, “as categorias brancos e negros são construções históricas que adquirem significados específicos conforme os agentes sociais e os momentos históricos vivenciados” (p. 254). Condição social e qualidades são elementos emblemáticos que acentuam ainda mais as dinâmicas nos sertões.

De acordo com a documentação analisada, a partir da qual Isnara construiu várias tabelas nesse capítulo, os comerciantes, com suas idas e vindas por aquele imenso território, com mobilidade e autonomia, declararam passagens nos registros oficiais fiscais e são descritos como homens, mulheres, brancos, negros, índios, pardos, crioulos, livres, escravos e forros. Para o caso das mulheres, a autora contesta uma historiografia que tem mostrado a forte presença feminina associada apenas ao comércio ambulante de produtos alimentícios – as chamadas negras de tabuleiro, bem como, ao pequeno comércio de abastecimento das áreas mineradoras. Nessas concepções, as mulheres comercializavam, sim, mas em espaços caracterizados como femininos.

As mulheres de caminho, “ao contrário, conduziam toneladas de mercadorias em surrões, concorrendo com homens que viviam dessa atividade” (p. 306).

Na realidade, mulheres livres e pobres, escravos e escravas, forros e forras “desempenharam papéis, tidos como próprios de uma elite branca, que tinha a permissão de integralizar os espaços coloniais com práticas comerciais” (p. 306).

Para além disso, não se pode deixar de frisar, que ao contrário do que se pensou, a produção aurífera não abafou a produção de gêneros alimentícios diversos nas Minas Gerais. A Bahia, da mesma forma, era dotada de uma estrutura alicerçada na produção de vários gêneros e gado capaz de abastecer diversas localidades.

Esses gêneros, portanto, além de ouro e pedras preciosas, eram conduzidos pelos homens de caminho, consumidos pelos moradores dos sertões e exportados para outras capitanias e, consequentemente, para outros continentes, a exemplo da Europa e da África.

Por fim, no vai e vem pelos imensos caminhos, há de se destacar os constantes desvios dos postos fiscais. Os “descaminhos” de mercadorias eram facilitados pelas artérias e veredas desconhecidas pelas autoridades e, por isso, a preocupação por parte dessas em ampliar medidas de combate através de diferentes meios, como bandos, portarias e interditos de contenção da evasão fiscal.

As vontades próprias em relação às estratégias de comercialização, ou seja, essas atitudes comerciais destoantes do poder imposto pela legislação portuguesa para as formas de produção e venda na Colônia pensadas com base em práticas culturais complexas e, portanto repletas de contradições e conflitos, dialoga com a concepção de Ginzburg, para quem a cultura “oferece ao indivíduo um horizonte de possibilidades latentes – uma jaula flexível e invisível dentro da qual se exercita a liberdade condicionada de cada um”8.

A par das informações postas, aqui, de forma generalizada, tendo em vista a complexidade e beleza da obra Homens de caminho: trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América portuguesa – Século XVIII, ao integrar e aprofundar análises historiográficas desenvolvidas, sobretudo nas últimas décadas do século XX, a partir de perspectivas que primam por uma História conectada, cujos agentes sempre em trânsito, seja por mares, oceanos, rios e/ ou pelos sertões, construíram caminhos, integraram continentes e territórios, garantindo povoamento, ocupação, comércio e, portanto conexões, misturas biológicas e culturais extremamente complexas, é leitura obrigatória.

Quem dera que nossa historiografia já fosse sedimentada por estudos dessa natureza sobre outras partes desses imensos sertões brasileiros, a exemplo dos sertões móveis e conectados, também, pela irradiação das boiadas, sobre os quais Capistrano de Abreu, no início do século XX, já chamava a atenção: “pode-se chamar pernambucanos os sertões de fora, desde a Paraíba até o Acaraú no Ceará; baianos os sertões de dentro, desde o Rio São Francisco até o Sudoeste do Maranhão”9. Somente a partir de ações como essa, podemos produzir histórias cada vez mais conectadas e comparadas.

Notas

RUSSELL-WOOD, A. J. R. “Sulcando os mares: um historiador do império português enfrenta a ‘Atlantic History’”. História, São Paulo, USP, vol. 28 , n. 1, 2009, p. 20-21.

3 Dentre outros estudos ver: QUEIJA, Berta Arres & GRUZINSKI, Serge (coords.) Entre dos mundos; fronteiras culturales y agentes mediadores. Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, 1997; BERNAND, Carmen; GRUZINSKI, Serge. Histoire du Nouveau Monde: les métissages, 1550-1640. Paris: Fayard, 1993; PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo: uma história lexical das Américas portuguesa e espanhola, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). Tese (Concurso de Professor Titular de História do Brasil). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2012.

4 CERCEAU NETTO, Rangel. “População e mestiçagem: a família entre mulatos, crioulos e mamelucos em Minas Gerais (séculos XVIII e XIX)”. In: PAIVA, Eduardo França; IVO, Isnara Pereira & MARTINS, Ilton César (orgs.). Escravidão, mestiçagens, população e identidades culturais. São Paulo: Annablume, 2010, p. 166.

5 CERCEAU NETTO, “População e mestiçagem…”, p. 168-169.

6 CERCEAU NETTO, “População e mestiçagem…”, p. 168.

7 LIBBY, Douglas Cole. “A empiria e as cores: representações identitárias nas Minas Gerais dos séculos XVIII e XIX”. In: PAIVA, IVO & MARTINS, Escravidão, mestiçagens…

8 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. Tradução de Maria Betânia Amoroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 27.

Elisgardênia de Oliveira Chaves – Doutoranda em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista Capes. E-mail: <elis_ [email protected]>.

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Bananas: How the United Fruit Company Shaped the World – CHAPMAN (M-RDHAC)

CHAPMAN, Peter. Bananas: How the United Fruit Company Shaped the World. 2019. Resenha de: ORTEGA, Antonino Vidal. Memorias – Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe, Barranquilla, n.13 Barranquilla jul./dez. 2010.

En torno a la década de los años 60 del siglo XIX un joven ingeniero norteamericano llamado Minor Keith, destinó sus energías a la labor de construir los primeros ferrocarriles en América Central, en concreto en Costa Rica. Al desarrollar su labor intuyó la inmensa oportunidad que las selvas de este pedazo de América le ofrecían para establecer un imperio comercial y así surgió la United Fruit Company, que comenzó al lado de la línea del ferrocarril y se convirtió en un poder mundial.

La compañía construyó un imperio a partir de las bananas y como bien nos cuenta el autor del libro Peter Chapman, se la conoció bajo muchos nombres: la frutera, el Yunai, el Pulpo o sencillamente la Compañía. Entre sus prácticas mercantiles, además de su éxito capitalista, se destacó por llevar a cabo prácticas económicas de dudosa legalidad que sometía a la competencia, esquilmaba a los pequeños gobiernos de América Central y explotaba indiscriminadamente a sus trabajadores. De ahí nació la expresión República Bananera que dura hasta nuestros días y que se asocia a la idea de resaltar las deficientes gestiones políticas y económicas de un país, con el ingrediente generalizado de la corrupción y de la dependencia de alguna fuerza externa, y desde luego la connotación de una alta carga despectiva con la que se denominó a una gran parte de los países de la gran cuenca del Caribe.

A través del libro se sugiere que esta gran empresa pionera de la importación masiva sentó el precedente para la codicia institucionalizada de las multinacionales de hoy en día, que dejaron de lado toda ética, en pos del lucro y la acumulación de capital, violando sistemáticamente legislaciones y derechos en países con institucionalidad débil. Interesante y valioso trabajo que nos hace reflexionar sobre el mundo actual y sobre el pasado siglo, y la expansión norteamericana en la región del Caribe, ya que la vida de la multinacional acabó en el 1975 con el suicidio en Manhattan de Eli Black el hombre que regía los destinos de United Brands una enorme corporación que cinco años antes había apropiado de la UFC.

La United dividió el mundo Caribe en dos zonas. Una, la de los países en donde se instalaban las plantaciones; y otra, la de los que ofrecían la mano de obra. Grosso modo los primeros fueron los países de los litorales continentales y los segundos las Antillas grandes y pequeñas tierras herederas de las antiguas plantaciones esclavistas del azúcar y el tabaco. Motivo de fuertes flujos migratorios que oscurecieron racialmente los litorales del Caribe centroamericano.

A lo largo del trabajo Peter Chapman nos reconstruye las acciones de la Compañía en golpes de Estado y presiones a los gobiernos de Honduras, Guatemala, El Salvador, Panamá, Costa Rica y Colombia. También la valiosa actividad de la misma en la II Guerra Mundial e incluso la participación en la fallida invasión de Cuba en Bahía Cochinos. Todo un itinerario increíble de intervenciones políticas que en más de una ocasión llegó a incomodar al departamento de Estado. El general una radiografía de la Geopolítica del imperio y sus corporaciones en la región.

Quisiera comentar que la UFC también tuvo un fuerte protagonismo en esta parte del Caribe y que en el litoral colombiano hubo un enclave de la compañía que se hizo famoso en la historia por la mención que Gabriel García Márquez hizo en Cien años de soledad de la masacre que a finales 1928 el ejército colombiano, por orden del gobierno central, llevó a cabo en la población de Ciénaga en el departamento del Magdalena

A raíz de la novela se organizó una discusión sobre el alcance de la dicha matanza, llegando a sostener la historiografía más conservadora que todo fue un exageración de literatura y la prensa ideologizada de la época y que los muertos no fueron más de una docena, sostenido por historiadores de reconocido prestigio. Ahora, en esta historia que nos presenta Peter Chapman reconstruida desde fuentes de información anglosajonas, tenemos la certeza de lo involucrada que estuvo la compañía y de cómo influyó en el desenlace final de la huelga que de todas formas había tomado un carácter violento con la quema de algunas instalaciones de la UFC. El miedo a la revolución bolchevique justificó la intervención y no hubo medias tintas.

A pesar de ser una época de bonanza y prosperidad en el mercado bananero y la economía en general, los trabajadores realizaban su labor en unas condiciones poco dignas. La compañía desestimó todas las peticiones de los trabajadores y consideró que todo era fruto de instigaciones políticas de comunistas y anarquistas solicitando al gobierno que el ejército ocupara la zona bananera. En la noche del día 6 de diciembre en la plaza de la localidad de Ciénaga hubo una gran concentración de trabajadores para manifestar sus reivindicaciones laborales. Las tropas instalaron ametralladoras en las azoteas de varios edificios y según un telegrama enviado al Secretario de Estado del gobierno del presidente Calvin Coolidge, Frank Kellogg se decía que los militares tenían órdenes de sus altos mandos de no ahorrar munición al enfrentar a los obreros. Se abrió fuego y en una primera información se habló de cincuenta muertos. Más tarde la propia embajada de los Estados Unidos corrigió la cifra y habló de quinientos a seiscientos muertos. Sólo un soldado fue asesinado. Por último un despacho de la embajada dirigido al secretario de Estado a mediado de enero de 1929 reportaba que el número de huelguistas asesinados por el ejército colombiano excedía el millar y este último conteo provenía de la UFC (pag.104). Muchos responsables, pocas responsabilidades y total impunidad. Así podría quedar zanjada la discusión historiográfica a cerca del número de obreros masacrados.

Para concluir, el autor Peter Chapman en la actualidad escribe para Financial Time y fue durante años corresponsal en América Central y México para Latin American Letters, The Guardians y BBC. El libro tiene un ritmo rápido, está muy bien documentado y como dijo Publishers Weekly en su reseña crítica es un relato impactante y aleccionador sobre las perversidades que puedan surgir de las corporaciones superpoderosas y la globalización sin límite.

Antonino Vidal Ortega – Universidad del Norte

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Perfeitos Negociantes: Mercadores das Minas Setecentistas – CHAVES (RBH)

CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos Negociantes: Mercadores das Minas Setecentistas. São Paulo: Annablume, 1999, 184p. (Selo Universidade. História, 87). FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de Negócio: A Interiorização da Metrópole e do Comércio nas Minas Setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999, 289p. (Estudos Históricos, 38). RODRIGUES, André Figueiredo. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.21, n.42, 2001.

O país das Minas é, e foi sempre, a capitania de todos os negócios.

Para Waldemar de Almeida Barbosa.

A exploração econômica e a evolução populacional sentidas na América portuguesa no período colonial deveram-se a inúmeros fatores, tanto externos quanto internos. Relativamente a estes últimos, salienta-se prioritariamente, estudando o século XVIII, o povoamento e a colonização de Minas Gerais.

A penetração rumo ao interior exigiu que Portugal abrisse novas rotas comerciais que ligassem o litoral e os seus portos de abastecimento de mercadorias ao intricado, afastado e desconhecido “sertão” central da América portuguesa. O descobrimento e a exploração do ouro e das pedras preciosas definiram a forma de ocupação da capitania mineira. A concentração de grande quantidade de habitantes, nos centros urbanos das Minas Gerais, acelerou o desenvolvimento das novas rotas de abastecimento.

Desde o início do século XVIII, produtores rurais estabeleciam-se na circunvizinhança desses centros urbanos e ao longo dos principais caminhos que levavam às zonas mineradoras, com o intuito de fornecer os suprimentos básicos à sobrevivência daquela população.

Não só de produtores rurais vivia o abastecimento da região mineira. Para lá, também se dirigia um grande número de comerciantes ligados às casas comerciais do Rio de Janeiro, Bahia e de Portugal. Estes ofereciam aos mineiros toda a sorte de gêneros, sobretudo artigos de luxo, destinados à população mais abastada, como, por exemplo, comestíveis importados do reino, equipamentos para a mineração e instrumentos agrícolas, além de uma série de utilidades domésticas.

Os estudos das relações comerciais e dos mercadores que atuaram na capitania de Minas Gerais, na primeira metade do século XVIII, ganharam duas novas contribuições: os livros de Cláudia Maria das Graças Chaves, Perfeitos Negociantes: Mercadores das Minas setecentistas, e de Júnia Ferreira Furtado, Homens de Negócio: A Interiorização da Metrópole e do Comércio nas Minas Setecentistas.

Estas obras estão ligadas às novas abordagens historiográficas que vêm procurando entender a história mineira do século XVIII para além da economia mineradora. Tributárias de análises que chamam a atenção para a importância da agricultura de subsistência e a constituição de um mercado de abastecimento interno, articulado aos demais mercados regionais na época, esses estudos abarcam novas interpretações que nos ajudam a compreender a história brasileira, separando-a daquela vinculada ao grande latifúndio exportador, das discussões teóricas acerca do “tradicional” sistema colonial e dos ganhos obtidos com a atividade mineradora, assim como das teses que apontam para a estagnação da economia mineira após a retração aurífera, na segunda metade do setecentos. As autoras superam, destarte, esses temas para tratar da constituição e do desenvolvimento de um vigoroso mercado interno na América portuguesa. Em ambas, a preocupação central é analisar o comércio e os comerciantes mineiros da primeira metade do século XVIII.

A obra de Cláudia Chaves, Perfeitos Negociantes, tem por objetivo estudar a atuação dos tropeiros, responsáveis por quase todo o transporte de mercadorias destinadas ao comércio mineiro, e como se tornou possível a existência de um mercado interno que garantisse a circulação dos produtos importados e dos produzidos no interior das Minas Gerais.

Assim, compreender as Gerais, levando-se em consideração as práticas agrícolas e a formação de um mercado interno, praticados intensa e independentemente dos interesses metropolitanos, conduziu a autora a detectar a articulação dos tropeiros no transporte e no comércio de mercadorias, tanto originários de outras capitanias quanto os produzidos nas Minas.

Valendo-se dos códices da “seção colonial” do Arquivo Público Mineiro e das Câmaras Municipais de Ouro Preto, Mariana e Sabará, além dos códices dos livros de registro ou de passagem da Delegacia Fiscal — que são livros de “contagem” da capitania que contêm as anotações diárias dos fiéis desses postos sobre os produtos que circulavam no interior das Minas Gerais — o livro de Cláudia Chaves centra sua pesquisa na movimentação de mercadorias nas comarcas de Rio das Velhas e de Serro Frio.

A obra é dividida em quatro capítulos. No primeiro, “A economia colonial: velhos problemas, novas abordagens” procura, a partir de uma revisão bibliográfica sobre o tema do mercado interno colonial, traçar alguns pontos específicos do comércio sobre o abastecimento na capitania mineira. A seguir, em “O mundo do comércio nas Minas setecentistas”, identifica os principais agentes do comércio mineiro, as suas regras e as taxas que incidiam sobre esta atividade.

No terceiro (“Um negócio bem sortido: as mercadorias do comércio mineiro”) e quarto (“Perfeitos negociantes: mercadores das Minas setecentistas”) capítulos, trabalhando especificamente com a documentação fazendária, Cláudia Chaves procurou levantar as rotas que levavam às Minas e os produtos que passavam pelos postos fiscais localizados naqueles caminhos. É nesse momento que encontramos a presença de personagens como Manoel Gomes Cruz, que comerciava com várias regiões das Minas Gerais e com outras capitanias, passando por vários registros, anos sucessivos, com grandes carregamentos. Ou ainda, e em grande número, diversas outras pessoas, como Antônio, Francisco, João, José, Juliana — todos “fulanos de tal” (são nomeados na obra) — que andavam pelos caminhos comercializando pequenas e variadas cargas. Comerciantes eventuais que, em muitos casos, passavam uma única vez pelos registros para vender prolongamentos de suas lides produtivas — milho, feijão, linho, açúcar, arroz, trigo, etc.

Assim, enquanto Cláudia Chaves estuda os pequenos e “itinerantes” comerciantes, Júnia Furtado analisa em Homens de Negócio a correspondência trocada entre o grande homem de negócio português Francisco Pinheiro e seus agentes comerciais, que se localizavam nas comarcas de Rio das Velhas, Serro Frio e Ouro Preto, em Minas Gerais, entre os anos de 1712 e 1744.

O livro de Júnia divide-se em quatro capítulos. No primeiro (“Fidalgos e, lacaios”) apresenta o que é ser comerciante no Brasil e em Portugal no século XVIII. Trata neste item das origens da classe mercantil, sua distinção em Portugal como cristão-novo, a ordenação das companhias privilegiadas de comércio, o papel do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde marquês de Pombal, no desenvolvimento do comércio luso-brasileiro. Assim como da intrincada rede comercial, que os agentes comerciais portugueses estabeleceram no além-mar, fazendo com que vários interesses metropolitanos aqui se enraizassem e se misturassem aos dos mineiros, ocorrendo o que Maria Odila Leite da Silva Dias nomeou de “a interiorização dos interesses metropolitanos na colônia”1. Idéia central da obra Homens de Negócio, de Júnia Furtado.

Ao longo do segundo capítulo (“O fio da narrativa”), do terceiro (“As Minas endemoniadas”) e do quarto (“Negociantes e caixeiros”), percebemos que havia duas ordens de interesses circundantes nas práticas comerciais. A primeira refere-se aos interesses portugueses que se expandiam nas Minas Gerais por meio de atividades mercantis, como o controle do abastecimento, a arrecadação de impostos sobre o transporte e o comércio de mercadorias nos registros e nas lojas abertas nos centros urbanos, e os mecanismos de endividamento da população que ficavam nas mãos dos comerciantes. A segunda dizia respeito aos interesses dos agentes de Francisco Pinheiro que, por outro lado, enraizavam-se em outras atividades comerciais, como a pecuária, a agricultura e a mineração, sendo estas práticas econômicas difíceis de serem, muitas vezes, definidas como puramente metropolitanas, uma vez que seus interesses estavam tão enraizados na terra. Esses comerciantes passavam também, com o transpor dos anos, a atuar como colonos.

A figura central da documentação estudada na obra — Francisco Pinheiro — era extremamente atenta aos seus negócios, como se percebe pelo montante de correspondência analisada por Júnia. Esses documentos estão pontilhados de instruções, repreensões e exigências quanto ao cumprimento de suas instruções e à manutenção da ordem na prestação de contas devidas. Sua fortuna foi feita à sombra da corrida do ouro, na primeira metade do século XVIII. Portanto, ao utilizar as correspondências comerciais, os inventários e/ou testamentos de 212 negociantes que atuaram nas Minas na primeira metade do setecentos e que tinham ligações com Francisco Pinheiro, assim como livros de devassas das visitações eclesiásticas, Júnia Furtado procurou acompanhar o processo de expansão e interiorização da colônia para o interior da América portuguesa. O relato de acontecimentos cotidianos, tanto públicos quanto privados, que existiram naquela época e que repercutiram nas práticas comerciais: motins, fome, intempéries, cobranças de impostos e inépcia de administradores são assuntos tratados pela autora em sua obra.

Cláudia Chaves e Júnia Furtado levam-nos instigantemente a penetrar no universo setecentista, em que as práticas comerciais permitem-nos pensar nos mecanismos metropolitanos, para levar o seu poder ao interior das Minas Gerais através das práticas comerciais e das redes informais de comerciantes que se estabeleceram nas diversas partes do reino e da América portuguesa. Tanto assim que, em 1732, o secretário das Minas enviou representação ao rei dom João V, comentando que Minas Gerais era, “e foi sempre, a capitania de todos os negócios”2. Negócios sortidos e de pequeno porte, como estudou Cláudia, e/ou grandes empreendimentos comerciais, como pesquisou Júnia.

Enfim, vendia-se nas Gerais toda a sorte de gêneros da América e de outras partes do mundo. Os mercadores mineiros especializaram-se em tudo para se tornarem perfeitos negociantes, como nos indicou Cláudia Chaves no título de sua obra.

Notas

* São Paulo: Annablume, 1999, 184p. (Selo Universidade. História, 87).

**São Paulo: Hucitec, 1999, 289p. (Estudos Históricos, 38).

1 Conferir: DIAS, Maria Odila Leite da Silva. “A interiorização da metrópole (1808 — 1853)”. In MOTA, Carlos Guilherme (org.). 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1982, pp. 160–184.

2 “Representação do secretário das Minas ao rei, 1732”. Arquivo Público Mineiro. Seção Colonial, Códice 35. In FURTADO, Júnia. Homens de negócio: a interiorização da metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 197.

André Figueiredo Rodrigues – Mestre-História/USP

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Comércio/ Desarmamento/ Direitos Humanos: reflexões sobre uma experiência diplomática | Celso Lafer

Desde o final dos anos 60, quando publicou um artigo pioneiro nesta mesma Revista (“Uma interpretação do sistema das relações internacionais do Brasil”, RBPI, Rio de Janeiro: ano 10, nºs 39/40, 1967, p. 81-100), o professor e empresário Celso Lafer tem sido uma das presenças mais constantes, se não a mais freqüente, na bibliografia brasileira de relações internacionais. Gerações de estudantes das universidades e da academia diplomática (o Instituto Rio Branco do MRE) debruçaram-se sobre seus artigos e livros, dali retirando reflexões inovadoras sobre o papel do realismo e do idealismo na política internacional, lições enriquecedoras sobre as desigualdades intrínsecas entre as nações na ordem política e na economia internacional, sobre a situação do Brasil no comércio internacional, bem como contribuições de alto sentido filosófico e moral sobre a defesa dos direitos humanos e das causas humanitárias em um mundo em mudança. Mas Celso Lafer não apenas desempenhou-se como intelectual de grande brilho nas lides acadêmicas; ele também exerceu seu talento na gestão prática das relações internacionais e na política exterior do Brasil, retomando com isso uma herança familiar, pois que é sobrinho do falecido político Horácio Lafer, que foi ministro da Fazenda do segundo Governo Vargas e Chanceler de Juscelino Kubitschek. Leia Mais