Arendt: entre o amor e o mal: uma biografia | Ann Heberlein

Em 2021, a editora Companhia das Letras traduziu o livro [Arendt: Om kärlek och ondska] publicado em 2020 de autoria da sueca Dra. Ann Helen Heberlein, que, pouco conhecida no campo da História brasileira, produziu uma biografia sobre Hannah Arendt. Ainda que não dotada de singularidades abruptas, a biografia expõe duas categorias como chave de leitura para a narrativa de vida de Arendt: contexto e situação-limite. Nesta resenha, portanto, o caro leitor encontrará três setores de informações: a) uma leitura comparativa entre a biografia escrita por Heberlein e outras já consagradas; b) uma síntese geral da narrativa, focando em alguns capítulos-chave; e c) reflexão e apreciação das duas categorias mencionadas.

Heberlein nasceu em 22 de junho de 1970 na Suécia. Estudou Teologia na Lund University, para onde voltou a fim de ser professora-pesquisadora a partir de 2007. Sua dissertação, defendida em 2005 e intitulada Kränkningar och förlatelse (Abusos e perdão), ganhou destaque nacional. A partir de então, começou a discutir sobre culpa, vergonha, responsabilidade, moral, abusos e perdão. Passou a integrar o corpo docente da Universidade de Estocolmo a partir de 2009, além de ter trabalhado como colunista nos jornais Sydsvenskan e Dagens Nyheter. O destaque internacional veio após a publicação, em 2008, de seu relato autobiográfico sobre como é a vida com transtorno bipolar, intitulado Jag vill inte dö, jag vill bara inte leva. Contudo, o primeiro livro traduzido para o português ocorreu em 2012 com Det var inte mitt fel! Om konsten att ta ansvar – traduzido para Não foi culpa minha. A arte de assumir a responsabilidade. Leia Mais

História e literatura: abordagens interdisciplinares | Fabrício Antônio Antunes Soares e Ricardo Oliveira da Silva

O século XIX é fundamental para entender de que maneira a história se consolidou como ciência2, pois foi nesse período que o historiador passou a ser considerado um cientista, e, como consequência, foi nesse momento que a questão metodológica passou a ser uma preocupação. Dessa forma, o discurso do historiador deveria afastar-se do fictício e aproximar-se do real. Fabricio A. A. Soares discorre sobre isso:

A imaginação, ao longo do século XIX até meados do século XX, foi colocada no campo do irreal e, por decorrência das posições científicas da época, habitou ou tentou que ela habitasse apenas o campo da literatura. A “nova” ciência da história, então, passou a ser contraposta à imaginação, e seu corolário, a literatura, passou a ser tomado como representação do imaginável enquanto que a historiografia veio a ser interpretada como representação do real (SOARES, 2019, p. 25-26). Leia Mais

História da solidão e dos solitários | Georges Minois

A partir da segunda década do século XXI, o “problema” da solidão se manifestou como uma pauta política em diferentes países. A historiadora cultural Fay Bond Alberti (2019), no recente A Biography of Loneliness, afirmou que, para a Inglaterra ter estabelecido um Ministério da Solidão em 2018, é porque esse sentimento, de fato, está cada vez mais associado a malefícios sociais como depressão, abandono e suicídios, um mal “epidêmico”. No Reino Unido e Japão – esse último, lar dos hikikomoris e do kodokushi, respectivamente jovens adultos isolados e a morte solitária de idosos –, a maioria dos questionados em uma pesquisa da Kaiser Family Foundation (2018) consideraram-na mesmo um problema de saúde pública. O próprio trabalho de um historiador exige, voluntariamente, uma incursão reflexiva quando se debruça em livros e documentos, em seus momentos de leitura e escrita. É – pode-se concluir – um ofício cujos períodos de solidão são inerentes e essenciais, sem o qual nada se realiza.

Nos domínios da história cultural e das mentalidades, o historiador francês Georges Minois, ele próprio animado por uma “paixão pela vida solitária”, como relata na introdução, tornou esse sentimento e comportamento seu principal objeto de estudo na obra História da solidão e dos solitários, publicada originalmente em 2013 pela editora francesa Fayard e traduzida para o Brasil em 2019, pela Unesp. A primeira tradução brasileira de uma obra do autor ocorreu em 2003, com História do riso e do escárnio e, desde 2011, seus demais livros dedicados à história das mentalidades, muitos dos quais escritos no final dos anos 1990, estão sendo disponibilizados ao público brasileiro pela mesma editora, como História do ateísmo, traduzido em 2014, e História do suicídio, já em 2018. Leia Mais

Entre a espada, a cruz e a enxada: a Colônia Militar de Caseros no norte do Rio Grande do Sul (1858-1878) | J. C. Tedesco e A. A. Vanin

Na obra Entre a espada, a cruz e a enxada: a Colônia Militar de Caseros no norte do Rio Grande do Sul (1858-1878), João Carlos Tedesco e Alex Vanin remontam, a partir de leves vestígios, a curta existência da Colônia Militar de Caseros, situada, em parte, no atual município de Lagoa Vermelha, e no município de Caseros – que leva ainda o nome do núcleo colonial e militar –, no estado do Rio Grande do Sul.

Trata-se de um estudo inédito sobre o tema, minucioso e detalhado, pautado em documentação primária, que busca localizar e situar a Colônia Militar de Caseros na formação histórica da região, articulando a presença indígena à formação de uma colônia. Nota-se que há um silenciamento sobre essa experiência, tanto na historiografia quanto na memória regional, entretanto, nas recentes disputas pela posse da terra envolvendo diferentes sujeitos, há indícios de ocupação remota, que remontam ao período da Colônia Militar, embora descontextualizados e jogando a favor de interesses específicos. Leia Mais

Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: a visão da espionagem | Pulo César Gomes

Passados mais de cinquenta anos do golpe civil-militar que inaugurou no Brasil os 21 anos de seu segundo regime autoritário, a historiografia, dentro das diversas temáticas relacionadas ao período, vive um momento de revisão e análise das versões produzidas, das categorias utilizadas e do papel exercido pela memória na constituição dos trabalhos acadêmicos e na formação do senso comum sobre a ditadura. Certamente, os marcos cronológicos – um deles acima destacado –, ensejaram essa iniciativa através da publicação de trabalhos de renomados historiadores e sociólogos como os de Rodrigo Patto Sá Motta, Marcelo Ridenti, Daniel Aarão Reis, Marcos Napolitano entre tantos outros. Também não se pode deixar de mencionar a importante contribuição dos debates suscitados pela iniciativa do governo brasileiro de criar a Comissão Nacional da Verdade, no ano de 2012.

O trabalho de Paulo César Gomes, “Os bispos católicos e a ditadura militar no Brasil”, expressa claramente este desejo de parte da historiografia de, através de novas pesquisas e fontes, revisar categorias e concepções consagradas nos meios acadêmicos e interiorizadas pelas camadas não especializadas. Leia Mais

Paris: Capital da Modernidade | David Harvey

Conhecido como um dos grandes intérpretes do Marxismo na atualidade, David Harvey revela-se, também, como um dos maiores expoentes da chamada Critical Geography. Formado pela University of Cambridge, onde obteve seu doutorado em 1961, este geógrafo britânico tem especial afeição pelo estudo e pela análise das transformações econômicas, sociais, históricas e culturais do espaço urbano. Professor emérito de antropologia da City University of New York, Harvey explora em suas pesquisas o domínio dos diferentes circuitos do capital e os processos relacionados à intensificação do sistema de crédito e consumismo ostentatório, focando-se no estudo dos atores da produção do espaço. Essas problemáticas atravessam o caleidoscópio de suas análises: em Social Justice and the City, de 1973, ele já demonstrava um fascínio por temas relacionados ao planejamento urbano, à desigualdade de renda entre bairros ricos e pobres e à formação espacial da cidade. Por meio de uma crítica contundente, ele desenvolveu a ideia de que a formulação de uma teoria contrarrevolucionária em Geografia só seria possível via marxismo. Suas investigações têm contribuído para demonstrar como o capitalismo aniquila o espaço, no intuito de garantir sua própria reprodução, como se pode constatar em Condition of Postmodernity, de 1989. Como um dos mais destacados especialistas desse campo, Harvey também produziu reflexões a respeito das crises econômicas do capitalismo (The enigma of Capital, publicado em 2010) e das características atuais do imperialismo (The New Imperialism, publicado em 2003). Publicado originalmente em 2003, Paris: capital da Modernidade revela a preocupação do autor com questões relacionadas ao denominado “direito à cidade” (Henri Lefebvre), elemento constitutivo de sua trajetória. David Harvey esteve no Brasil em junho de 2015, para lançar a versão traduzida dessa obra no Seminário Internacional Cidades Rebeldes, momento em que debateu questões relacionadas às atividades econômicas, aos hábitos sociais, às estruturas de poder e à consolidação da expansão do sistema capitalista. Leia Mais

Do Outro Lado. História do Sobrenatural e do Espiritismo | Mary Del Priore

Depositário de filosofias e ciências europeias, mas singular no processamento destas, o imaginário do Brasil no século XIX é abarrotado de contribuições intelectuais, sobretudo francesas, que o tornaram um crente devoto, porém relapso, das ideias do progresso. Nesse ínterim, a religiosidade se manifesta num sincretismo de práticas e adorações, sendo o contato com o sobrenatural a marca que maior caracteriza a mentalidade comum a diversas camadas sociais brasileiras. É nesse sentido oculto que a obra “Do outro lado”, de Mary del Priore, transmite da maneira mais clarividente possível, os costumes e as esparsas formas de religiosidade durante o século XIX.

Autora reconhecida por suas pesquisas acerca do universo cultural brasileiro e suas mentalidades, vem cativando uma vasta gama de leitores por seus fascinantes temas e sua volumosa produção bibliográfica. Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1983), concluiu seu Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo e defendeu sua tese de Pós-Doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris (1996). Premiada diversas vezes pela Fundação Joaquim Nabuco e pelo solene prêmio literário Jabuti, entre 1998 e 2000, por mérito de seus livros História das Mulheres no Brasil e História das Crianças no Brasil, desenvolveu pesquisas que vão da história colonial, história de gênero a amplas áreas da cultura, vida social no século XIX, tendo maior destaque biográfico de expoentes do período imperial brasileiro, como O príncipe maldito (2007), A Carne e o Sangue. A Imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro e Domitila, a Marquesa de Santos (2012), Condessa de Barral, a paixão do Imperador e O Castelo de Papel (2013). Atualmente é professora do Programa de Mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/NITERÓI e contribui como correspondente de diversas academias e institutos de pesquisa na América Latina. Leia Mais

Pierre Clastres y las sociedades antiguas | Marcelo Campagno

Es poco sabido en el ámbito de la Historia que el antropólogo francés Pierre Clastres (1934-1977) personificó a uno de los pensadores más influyentes del siglo XX, dejando un importante legado literario y científico. Tanto por la belleza de la escritura como por la fuerza de las ideas antropológicas, su singular obra –compuesta principalmente por sus etnografías de las sociedades del ámbito amazónico y por las teorías que desarrolló acerca de los pueblos “salvajes” fuera y en contra de los Estados– ha marcado decisivamente buena parte de la producción antropológica de las últimas décadas. En efecto, a pesar de que su temprana muerte a los 43 años significó irremediablemente el fin de una de esas grandilocuentes mentes de la que sin duda habrían emergido otros aportes de gran valor para la teoría social en Sudamérica, resulta igualmente innegable que las diversas interpretaciones antropológicas producidas por Clastres hasta el año 1977 pueden ser, además, empleadas como herramientas conceptuales válidas por otros cientistas sociales para el estudio de los múltiples modos de vida que forjan las sociedades y sus culturas. Y si resulta factible que, durante algún tiempo, su valiosa producción intelectual no haya recibido la atención que merecía, tal vez por efecto de la oposición de Clastres a las posturas hegemónicas dentro del establishment académico de su época, un hecho irrebatible en la actualidad es el significativo vuelco hacia los planteos de este renombrado antropólogo francés que han sabido practicar los más diversos campos de análisis, desde diversas corrientes filosóficas y el pensamiento anarquista, pasando por las investigaciones arqueológicas y etnohistóricas, los estudios de la sociología, la teoría política y el psicoanálisis, hasta el análisis de situaciones sociales y políticas contemporáneas. Leia Mais

Understanding European Movements – New social movements, global justice struggles, anti-austerity protest | Cristina Fominaya e Lurence Cox

Nos últimos anos os movimentos sociais ressurgiram não só mediaticamente, mas também enquanto fenómeno de estudo preponderante para entender as atuais dinâmicas das democracias europeias. Se estes frutos da Grande Recessão se difundiram globalmente, foi em muitos casos na Europa que se tornaram um ator central que começa agora a institucionalizar-se. Pela primeira vez, os movimentos sociais, que se vinham constituindo desde há décadas, abalaram os alicerces e pressupostos que sustinham as democracias europeias e as suas narrativas, questionando-as e propondo alternativas. Contudo, isto não significa que estes sejam unicamente fruto de um contexto específico, pelo contrário são agentes historicamente construídos.

Por esse motivo, o livro aqui em resenha é um contributo fundamental para entender as origens dos atuais movimentos. Aquando do ciclo de protestos globais de 2010/11, muitos dos textos publicados foram, e continuam a ser, marcados pela pressa inusitada de uma análise simplista, excessivamente descritiva e sem considerar as estruturas subjacentes à emergência desses mesmos movimentos, considerando-se apenas as causas imediatas dos mesmos. Em muitos casos, fizeram-no relevando uma rutura com os anteriores movimentos, sem ter em conta o seu contexto histórico de surgimento, redes nacionais e transnacionais de atores em que estão envolvidos, mas também culturas e repertórios de protesto. É por isso necessário procurar responder a estas questões colocando-as num continuum mais lato. Neste texto procurar-se-á olhar para este livro de uma perspetiva plural, questionando as pistas que lança nos atuais debates. Assim sendo, procura-se avaliar a obra perguntando até que ponto esta é capaz de evidenciar continuidades e ruturas. Para além disso, procurar-se-á lançar pistas de pesquisa tendo em conta o que este livro apresenta. Leia Mais

Social Movements in Times of Austerity | Donatella Della Porta

The emergence and increased importance of social movements in a very wide geography after the outbreak of the global financial crisis is remarkable, not only for the academic community that has for a long time tried to theorize this sort of political grouping and strategy, but also for the common citizen who, perhaps more than those belonging to academia, can actually see these movements as a potential platform of engagement in political action. The instances abound: the Occupy movement in the USA; the whole Arab Spring; Podemos in Spain; Syriza in Greece; and even more recently the rise of Jeremy Corbyn to the leadership of the Labour Party in the UK. Naturally, the social analyst would rightly be suspicious of these widespread dynamics being only coincidental with the crisis of contemporary capitalism that is still unfolding and whose end is necessarily uncertain. It is on this suspicion that Professor Della Porta focused in the book here under review.

The exercise is laudable and was for a long time lacking. As a matter of fact, and as the author repeats often, social movements scholars have consistently left out from their research considerations about the role of the system of production. Bringing important fundamentals from social theory and political economy to her main field of studies, Professor Della Porta aims at providing a panoramic look at what have been the recent changes both in social movements and brought by social movements. The scope of the empirical analysis is large, particularly given the wide range of cases that are brought to the analysis—in fact, there was no “case selection”, for virtually all instances of emergence of social movements in the last few years are included in the study. Leia Mais

Newton’s Philosophiae Principia Mathematica “Jesuit”. Edition: The Tenor of a Huge Work | Paolo Bussotti e Raffaele Pisano

Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (em latim, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica), doravante somente Principia, obra de três volumes escrita por Isaac Newton, e publicada em 1687, é a obra seminal da história da física moderna. O prêmio Nobel de Física, Steven Weinberg, teórico de campos, ao refletir sobre a Física, em seu livro de 1972, sobre cosmologia e gravitação, afirmou que “tudo o que aconteceu desde 1687 é um comentário (ou polimento) dos Principia” (apud PASK, 2013, p. 14). A segunda edição dos Principia foi publicada em 1713 – e reimpressa e corrigida em 1714 –, contendo uma teoria da Lua mais completa, assim como dos equinócios e dos cometas. A terceira edição dos Principia foi publicada em 1726. Newton acrescentou na terceira edição novas explicações sobre a resistência dos fluidos no Livro 2 (continuação do Livro 1, De motu corporum, em português, “Sobre o movimento dos corpos”), assim como explicações mais detalhadas sobre a órbita da Lua e o papel da gravitação, e, no Livro 3 (De mundi systemate, em português, “Sobre o sistema do Mundo”), novas observações sobre Júpiter e os cometas. A primeira tradução para o inglês foi publicada em 1729, por Andrew Motte, a partir da terceira edição dos Principia de 1726. A chamada “Edição Jesuíta”, foco do projeto de Bussotti e Pisano, baseou-se também na terceira edição de Newton, publicada entre 1739 e 1742, em quatro volumes, pelos escolásticos Thomas Le Seur (1703-1770), François Jacquier (1711-1788), frades franceses, e Jean Louis Calandrini (1703-1758), matemático suíço. Esta edição contém um número de comentários, explicações e adendos aos Principia, já não mais do próprio punho de Newton. Leia Mais

O Adeus à Europa: a América Latina e a Grande Guerra | Olivier Compagnon

Efemérides sempre acarretam uma série de eventos acadêmicos e lançamentos editoriais, que se aproveitam das datas para preencher as agendas e abastecer as estantes com títulos relacionados a um determinado evento tido como relevante. O ano de 2014 foi particularmente profícuo nesse sentido; no contexto nacional, os cinquenta anos do Golpe de 1964 foram relembrados por eventos de todos os tipos; no plano internacional, o acontecimento mais significativo foi, sem dúvida, o centésimo aniversário do início da Grande Guerra. As maiores livrarias do país ficaram abarrotadas de inúmeros títulos recém-lançados sobre a Grande Guerra. Dentre eles, chama a atenção O Adeus à Europa do historiador francês Olivier Compagnon, professor de história contemporânea da Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Leia Mais

Os sonâmbulos: como eclodiu a Primeira Guerra Mundial

A Grande Guerra teve um impacto profundo sobre a sociedade contemporânea, marcando o final de todos os efeitos do “longo século XIX”. O conflito representou o crepúsculo da supremacia mundial da Europa e de uma civilização convencida de que fosse possível guiar a humanidade, através do conhecimento e da razão, em direção a um futuro de progresso e de pacífica convivência entre as grandes potências continentais. Isso não excluía a possibilidade de que a projeção colonial delas não comportasse conflitos ativos entre elas. O importante era impedir uma guerra que pudesse levar a uma desestabilização dos equilíbrios entre as potências, como ocorrera anteriormente, em 1870 – este era o objetivo da diplomacia da época. No final, a guerra, aliás, a “Grande Guerra”, que todos queriam evitar, mas que na realidade se preparavam para enfrentar, eclodiu, e, após cinquenta e três longos meses de devastação, mudou a sensibilidade dos contemporâneos, forçados a confrontar-se com uma realidade tanto nova quanto terrível, que deixou vestígios profundos em todos aqueles que foram envolvidos. Também por este motivo, a pesquisa das causas de tudo isso, como se pode entender, atraiu os historiadores desde o primeiro momento. Leia Mais

Discursos que mudaram a história | Ferdie Addis

Um discurso bem articulado revela o bom preparo no manejo das regras da argumentação. As ferramentas do convencimento são assim acionadas para persuadir o interlocutor, como lembra Chaim Perelman (2005). Cabe ainda ao ator do discurso, preocupar-se em obter uma “uma larga audiência”; e que esta, o tratem como parte de uma comunidade. Estes são os requisitos de uma tradição que remonta ao período histórico da Grécia antiga, onde os oradores convenciam seus interlocutores pelo uso do convencimento delimitado nos debates. Hannah Arendt realçou essa peculiaridade, ao afirmar que, esta comunidade não estava orientada pela violência, mas por uma clara confiança no poder do discurso. Talvez, seja um dos problemas da contemporaneidade repensar a convivência dos membros da comunidade, sem o uso “mudo” da violência, mas consagrando o discurso como ferramenta política propulsora das mudanças no tecido social e político. Leia Mais

The Ideological Origins of the Diry War: Fascism, Populism and Dictatorship in Twentieth Century Argentina | Federico Finchelstein

Como foi possível a Argentina, uma nação fundada sobre preceitos liberais, ser palco de radicalismos políticos tão danosos, que envolveram e acarretaram em sequestros de bebês, assassinatos com motivação política, perseguições antissemitas, atentados a bomba e uma espécie de “tutela legitimadora” estabelecida em conjunção, sob o signo da cruz (Igreja) e da espada (forças armadas)? De que modo a história política argentina do século XX foi marcada por uma espécie de simbiose entre o contexto global do fascismo transatlântico e uma constante prática de adaptação e reformulação à realidade local? Essas, embora não somente, são algumas questões que movem Federico Finchelstein em “The Ideological Origins of the Dirty War: Fascism, Populism, and Dictatorship in Twentieth Century Argentina” (Oxford University Press, 2014, 1ª edição).

Em “Transatlantic Fascism: Ideology, Violence, and the Sacred in Argentina and Italy, 1919-1945” (2010), Federico Finchelstein já estabelecera análise sobre alguns dos elementos caros à história política argentina do século XX: a circularidade de ideias e colaborações intelectuais para e com o fascismo internacional (em especial o italiano), assim como o impacto desse processo naquela que é, na América Latina, a nação com maior incidência da imigração e presença europeia em seu ethos social. Em “Ideological Origins of the Dirty War”, o objetivo do autor é maior e mais exaustivo, seja do ponto de vista da temporalidade, mas também da complexidade do tema. Leia Mais

Franco: la represión como sistema | Julio Aróstegui

Recentemente, a historiografia espanhola perdeu um de seus maiores expoentes. Em 28 de janeiro de 2013, faleceu o granadino Julio Aróstegui Sánchez, com 74 anos. A grande quantidade de manifestações publicadas na imprensa e na Internet, provenientes dos mais diversos lugares da Espanha e de vários outros países, dão uma ideia do amplo reconhecimento que possuía o catedrático emérito da Universidad Complutense de Madrid (UCM) e diretor da Cátedra Memoria Histórica del Siglo XX. No Brasil, sua obra mais conhecida é certamente La investigación histórica: teoría y método (Barcelona: Crítica, 1995), com uma tradução para o português publicada há alguns anos (Bauru: EDUSC, 2006).

A aposentadoria não afastou-o do trabalho. Na cátedra, em cujas atividades tive a satisfação de participar desde setembro de 2012, a presença de Aróstegui era constante. Com seu falecimento, os demais componentes do grupo viram-se diante de uma difícil questão: faria sentido dar continuidade às atividades da cátedra sem ele? Ao final, optaram pela criação do Seminario Complutense Historia, Cultura y Memoria, no âmbito do qual continuam desenvolvendo suas pesquisas e atividades acadêmicas. Leia Mais

Festa de negro em devoção de branco: do carnaval na procissão ao teatro no círio | José Ramos Tinhorão

A festa como temática em pesquisas é um assunto recente entre os historiadores, pois estes se interessaram pelo assunto apenas nas últimas décadas. No entanto, já é abordada há algum tempo por outros estudiosos, como os folcloristas, jornalistas e sociólogos brasileiros. O jornalista José Ramos Tinhorão, nascido em 1928 em Santos-SP, é crítico e pesquisador na área da história da música e história literária brasileira, autor de uma extensa e diversificada obra sobre temas relacionados à música e festas populares no Brasil e Portugal, com base na pesquisa histórica1.

Os textos publicados por Tinhorão tendem ao materialismo histórico. Em sua obra, é possível notar frequente denúncia sobre a alienação das classes dominantes e uma valorização das classes populares como detentoras da verdadeira cultura nacional. O autor, atravessado pelos novos paradigmas da historiografia, propõe um diálogo com outras disciplinas e utiliza uma diversidade de fontes em sua investigação que abrange desde fontes oficiais, como leis, regimentos e posturas até fontes que outrora não eram consideradas seguras pelos historiadores, como os testemunhos de contemporâneos, o teatro, a literatura de cordel e impressos (folhetos, farsas, entradas e loas). Leia Mais

Pensamiento político e historia: ensayos sobre teoría y método | John G. a. Pocock

A história das ideias políticas precisa ser analisada na condição de ser uma história da linguagem ou linguagens políticas, sendo o papel do historiador apreender, ou melhor, reconstruir o contexto retórico e sociolinguístico do passado. Eis uma das premissas básicas da qual parte o historiador neozelandês John Greville Agard Pocock para as suas análises. Paralelamente ao britânico Quentin Skinner, que possivelmente atraiu mais os olhares de admiradores e críticos no campo intelectual com o passar dos anos, ele é um dos grandes expoentes do já há décadas conhecido Linguistic Contextualism, oriundo da Escola Histórica da Universidade de Cambridge. Os caminhos de Skinner e Pocock sempre se cruzaram, haja vista a formação que tiveram desde a época da graduação. E não é despropositado afirmar que nessa confluência de experiências vividas há mais de cinquenta anos, há muito mais convergências do que divergências. Mas é claro que as especificidades são inerentes a cada um e, por isso, os estudiosos ganham muito ao disporem de mais uma obra de Pocock, e que é muito relevadora acerca das suas pesquisas nas últimas cinco décadas. Trata-se de Pensamiento político e historia. Ensayos sobre teoría y método. Leia Mais

Três Vezes Zumbi: a construção de um herói brasileiro | Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira

Fruto do trabalho em conjunto de dois historiadores, Três Vezes Zumbi: a construção de um herói brasileiro é uma obra que não esconde o desejo de causar desconforto para alguns historiadores. Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira, ambos professores da Unesp, tecem uma revisão bibliográfica sobre a história do mais recente herói brasileiro, Zumbi dos Palmares. Seu trabalho problematiza o processo de construção da figura de Zumbi ao longo da historiografia brasileira. E já no título indica, provocativamente, que Zumbi não é um, Zumbi é muitos, e tudo depende de “onde” e de “quem” esta falando.

Não é uma obra escrita para ser lida apenas na academia, seu texto claro e agradável, e até mesmo o cuidado com que as citações são utilizadas, deixam evidente a intenção dos autores de atingir um público “não especializado”. Um livro aparentemente despretensioso – que não chega a atingir 200 páginas – mas que ao organizar sua análise entre três extratos narrativos que enfatizam a descontinuidade das versões sobre Zumbi, coloca em cheque a possível unidade da figura do herói. Leia Mais

Memória e Sociedade: lembranças de velhos | Ecléa Bosi

Cônjuge do crítico literário e historiador da literatura brasileira Alfredo Bosi, Ecléa Bosi nasceu em São Paulo e atualmente é professora de Psicologia Social na USP. Possui Graduação (1966), Mestrado (1970) e Doutorado (1971) nessa mesma área temática, por esta instituição. É coordenadora da Universidade Aberta à terceira idade e atua nos seguintes temas: psicologia, memória, cultura. Bosi é autora de Memória e sociedade, Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias, Velhos amigos, O tempo vivo da memória e da antologia Simone Weil. Recebeu o título de professora emérita em outubro de 2008, o prêmio internacional Ars Latina (2009) por Memória e sociedade e os prêmios Loba Romana e Averroes (2011). Mulher singular, Ecléa Bosi traduziu escritores de renome internacional como Leopardi, Ungaretti, Garcia Lorca e Rosália de Castro. Sua tese de livre docência intitulou-se Um estudo de psicologia social da memória, obtida em 1982 e apresenta a arguição teórica que deu base à Memória e Sociedade. Leia Mais

Comércio e canhoneiras: Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios (1889-97) | Steven Topik

Em Trade and Gunboats: the United States and Brazil in the Age of Empire – publicado originalmente em 1996 – o brasilianista Steven Topik recupera as negociações comerciais entre Brasil e Estados Unidos e suas inflexões no campo da política, especificamente no contexto da Revolta da Armada. A obra contribui para o entendimento de dois elementos essenciais do período e da Revolta da Armada, mais especificamente: O acordo Blaine-Mendonça e a Esquadra Flint.

O acordo firmado em 30 de janeiro de 1891 entre James G. Blaine, Secretário de Estado norte-americano, e Salvador de Mendonça, Ministro Plenipotenciário do Brasil nos Estados Unidos, está inserido em um contexto de expansão de novos impérios coloniais e comerciais. As grandes potências europeias estavam “repartindo o mundo” entre si, e os Estados Unidos discutia os meios necessários para efetivar a Doutrina Monroe e tornar a América verdadeiramente dos (norte) americanos, procurando afastar a influência comercial europeia da região. Leia Mais

Arte indígena no Brasil: agência, alteridade e relação | Els Lagrou

Professora de programas de pós-graduação em Sociologia e Antropologia no Brasil (IFCS, UFRJ), membro de importantes instituições internacionais como o Groupement de Recherche International (GDRI) e dedicada, desde 1989, à pesquisa de campo junto aos Kaxinawa na fronteira oeste do Brasil, Els Lagrou é referência nos estudos de temáticas relacionadas à antropologia da arte, das imagens, dos objetos, das emoções e das filosofias sociais ameríndias. Sua extensa pesquisa durante o doutoramento resultou na publicação de A Fluidez da Forma: arte, alteridade e agência em uma Sociedade Amazônica (Kaxinawa); retomada em muitos aspectos em seu segundo livro – Arte indígena no Brasil: agência, alteridade e relação – que apresenta, além das discussões teóricas, uma preocupação didática perceptível na utilização de uma linguagem mais acessível ao grande público, inclusão de glossário e orientações pedagógicas desenvolvidas por Lúcia Gouvêa Pimentel e Willian Resende Quintal.

Nesta sua mais recente publicação – Arte Indígena no Brasil: agência, alteridade e relação – a autora organiza um ensaio teórico sobre a especificidade da arte indígena sem pretender, como ela mesma destaca na introdução, esboçar um panorama das artes existentes no Brasil. O texto organiza-se em quatro capítulos cujos desenvolvimentos dialogam com belas imagens selecionadas para análise e exemplificação, seguidos da conclusão, de mapa sobre as etnias referidas e das orientações pedagógicas. Leia Mais

Oficina do Historiador | PUC-RS | 2010

Oficina do Historiador oficina do historiador

Oficina do Historiador (Porto Alegre, 2010-) é um periódico de publicação semestral editado pelo Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

A revista define-se como um espaço de veiculação de produção científica e pesquisas desenvolvidas por docentes e, principalmente, por alunos dos diversos Programas de Pós-Graduação em História do Brasil, bem como recém titulados com resultados finais ou parciais de suas pesquisas.

Seu caráter exclusivamente virtual responde ao intuito de divulgar a produção acadêmica para um público mais amplo de interessados em estudos sobre diversas temáticas e contextos históricos. Dessa forma, a Oficina do Historiador pretende fomentar a investigação e a divulgação de resultados de pesquisas e promover o debate historiográfico.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2178-3748 (Online)

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