Cultura e Autoritarismo nas Américas | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2011

O número 10 da Revista Eletrônica ANPHLAC apresenta o dossiê Cultura e Autoritarismo nas Américas e inaugura uma oportuna mudança da publicação, que passa a ter periodicidade semestral.

Em contextos marcados pelo autoritarismo político, tão recorrente na história do continente americano, as complexas – e por vezes inesperadas – relações entre o poder e a cultura, em suas mais variadas expressões, perfazem um campo extremamente fértil de investigação que tem atraído pesquisadores de distintas especialidades no meio acadêmico. Compreender as diversas formas de autoritarismo, seus mecanismos e instituições; analisar as lutas políticas travadas no campo da cultura; entender as dinâmicas dos projetos e movimentos artísticos, bem como a natureza das negociações e dos impasses vigentes no meio artístico-intelectual são apenas algumas das preocupações que transparecem em pesquisas voltadas a esse tipo de abordagem.

Ao eleger o tema Cultura e Autoritarismo nas Américas, o dossiê tem o objetivo de divulgar trabalhos que analisam dinâmicas e relações tecidas entre manifestações do campo cultural e formas de autoritarismo nas Américas, em suas diversas expressões históricas. Vale destacar que, coincidentemente, vários trabalhos selecionados tiveram como foco o período dos regimes militares na América Latina, especialmente o caso argentino. Além disso, dos cinco artigos que compõem o dossiê, quatro são frutos de pesquisas de periódicos (Araucaria de Chile, Plural, Vuelta e revistas undergrounds argentinas), objeto de consolidada presença nas pesquisas historiográficas que privilegiam o enfoque das relações ente cultura e poder.

Além do dossiê, esse número traz o interessante trabalho de Macarena Perusset, Dinámicas socio-culturales entre los grupos guaraníes frente a la violencia del régimen de encomienda. Paraguay (siglos XVI-XVII). O artigo promove uma síntese bibliográfica do tema encomiendas na América espanhola, com destaque para as especificidades deste processo no contexto colonial paraguaio – e em menor escala platino – entre os séculos XVI e XVII. Além de abordar o processo de institucionalização do sistema de encomiendas nessa região, apresenta suas características e levanta algumas problemáticas quanto aos impactos produzidos junto às aldeias guaranis.

Em seguida, temos o artigo de Fernando Atique, intitulado Urdiduras Continentais no debate acerca do Mission Style. Notas sobre o Pan-Americanismo na Arquitetura Neocolonial, que nos oferece uma original contribuição situada na fronteira entre História e Arquitetura. O autor reflete sobre as relações e a circulação de ideias entre Estados Unidos e América Latina ao abordar a intensa “panamericanização” da arquitetura em todo o continente, entre os anos de 1920 a 1950. O artigo salienta as origens e o processo de configuração do por ele chamado estilo “neocolonial americano”, por meio de uma vasta gama de fontes, que incluem manuais, revistas, livros, obras arquitetônicas e publicações produzidas por universidades.

Abre o dossiê o artigo Fragmentos de leitura nas lembranças feministas: Brasil e Argentina, 1960 – 1980, de Joana Vieira Borges, pesquisadora que analisa as memórias de leitura de duas feministas, a argentina Alejandra Ciriza e a brasileira Ângela Xavier de Brito, por meio de suas narrativas sobre os períodos das ditaduras militares que vivenciaram. A autora investiga aspectos da formação dessas feministas, como as obras que lhes foram referenciais e o impacto que produziram em suas militâncias, promovendo um interessante exercício de comparação entre expressões do feminismo em dois países latino-americanos.

O artigo Resistencia y persecuciones en el cine argentino bajo el Terrorismo de la Alianza Anticomunista Argentina (1974-1976), de Gisela Paola Honorio, também adentra o contexto histórico argentino, focando a especificidade da produção cinematográfica censurada pouco antes e durante o regime militar. A autora analisa os filmes El Búho (Bebe Kamín) e El grito de Celina (Mario David), realizados em 1975, que só puderam estrear no país em 1983. Por meio de entrevistas e pesquisa em periódicos, a autora levanta aspectos da produção dessa obras, como os projetos concebidos por seus diretores, os enredos dos filmes, as trajetórias dos cineastas e as ações repressivas, a cargo da Triple A e das Forças Armadas, que estes e outros integrantes das respectivas equipes sofreram.

Evangelina Margiolakis, em Revistas subterráneas en la última dictadura militar argentina: la cultura en los márgenes, analisa o lugar que revistas culturais denominadas subterráneas ou underground ocuparam na cena cultural, no contexto da ditadura militar argentina. Detendo-se sobre um conjunto de treze publicações, a autora analisa a rede de colaborações e os espaços de sociabilidade que estas promoveram, os projetos de intervenção na sociedade e os debates que apresentaram, bem como as condições de produção e circulação que as marcaram.

O artigo Araucaria de Chile: uma revista de resistência cultural, da historiadora Êça Pereira da Silva, aborda as ideias culturais e políticas difundidas pela revista Araucaria de Chile, (1978-1990), publicada por um grupo de intelectuais chilenos exilados, ligados ao Partido Comunista Chileno (PCCh). A autora demonstra como essa revista, de claro posicionamento político contra o regime pinochetista e demais ditaduras sul-americanas, divulgou e analisou as diversas manifestações artísticas de chilenos no exílio, e quando possível, no próprio país, atuando como elo entre a cultura chilena “de dentro” e “de fora” .

Fechando o dossiê, temos o artigo de Silvia Cezar Miskulin, O papel do intelectual no México nos anos setenta e oitenta: polêmicas nas revistas Plural e Vuelta. A autora analisa Plural (entre 1971 e 1976) e Vuelta (1976 a 1998), duas publicações que estiveram sob a direção de Octavio Paz, reuniram expressivos intelectuais mexicanos e contaram com uma ampla gama de colaboradores internacionais. Ambas as revistas abriram espaços para diversas polêmicas, e Silvia, neste artigo, dá destaque à recorrente discussão sobre o papel do intelectual, focando, dentre outros temas, a repressão ao movimento estudantil mexicano, em 1968, e as relações desses intelectuais com os governos do PRI.

Por fim, esse número conta ainda com duas resenhas, não distantes do tema do dossiê: Nicolás Veniteri analisa o livro El Nuevo Topo. Los caminos de la izquierda latinoamericana (Buenos Aires, Siglo XXI, 2009), de Emir Sader; e Fábio da Silva Souza nos apresenta A Revolução Mexicana. (São Paulo: Editora UNESP, 2010) de Carlos Alberto Sampaio Barbosa.

Agradecemos a todos os colaboradores, autores e pareceristas que contribuíram com esse número, cuja revisão esteve a cargo de Maria Alice Sampaio. Desejamos aos leitores que desfrutem esta edição e participem da Revista, que continua recebendo contribuições em fluxo contínuo.


Organizadora

Mariana Villaça – Professora de História da América da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Guarulhos.


Referências desta apresentação

VILLAÇA, Mariana. Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 10, p. 5-8, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

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