Dinâmica Imperial no antigo Regime Português: escravidão, governos, fronteiras, poderes e legados: séculos XVII-XIX | Roberto Guedes

Nesta obra, Roberto Guedes organiza textos acerca do Antigo Regime Português, em especial, de suas práticas políticas, econômicas, religiosas e culturais, entre outras, ligadas à escravidão na América portuguesa e em outras colônias do Império Português. A coletânea se depara com o contexto “pluricontinental” da administração imperial portuguesa e propõe uma visão de interdependência da colônia face à metrópole.

O livro “Dinâmica Imperial no Antigo Regime Português” desdobra-se em cinco partes que enfatizam: escravidão, governos, fronteiras, poderes e legados. Esses cinco conceitos nos instigam a pesquisar a América portuguesa, convidando-nos a um caminho de descobertas da história do não dito e dos pequenos feitos nesse universo da Colônia.

O texto Branco africano: notas de pesquisa sobre a escravidão, tráfico de cativos e qualidade de cor no Reino de Angola discute as classificações de cores e o enquadramento dos denominados “classificados” no Antigo Regime. O autor mostra, entre outras questões, a preocupação da Coroa quanto a cifra censitária dos sujeitos que compunham o império português nos finais do século XVIII, explicitando a afirmação da cor branca como fundamento normativo da sociedade setecentista.

Em A promessa da alforria e os alicerces da escravidão na América Portuguesa, Márcio de Sousa Soares discute a concepção de liberdade negra no Antigo Regime e o vínculo que o ex-escravo criava com o seu senhor quando esta conquistada. No texto nos deparamos com a afirmativa de uma falsa liberdade do negro frente ao seu senhor. Um exemplo quanto a legitimação da escravidão nesse cenário era a manutenção do sistema escravista pelos próprios alforriados, em que a sua liberdade poderia implicar a composição, para si, de um novo quadro de mão-de-obra escravizada, dificultando o trabalho “livre” e expondo, conforme Soares, os limites da liberdade.

O estudo de Anderson José Machado de Oliveira apresenta a expressão “defeito de cor”, no texto Padre José Maurício: ‘dispensa da cor’, mobilidade social e recriação de hierarquias na América Portuguesa. Nesta reflexão o autor faz uma discussão de questões que circunscrevem a dimensão do sistema escravista no Antigo Regime, analisando o caso do padre José Maurício, negro, que, por meio do seu compadrio paterno, chega a ascensão episcopal na última década do século XIX, ilustrando o reflexo da flexibilidade estamental entre os indivíduos da América Portuguesa. A construção de estratégias da vida sacerdotal entre as camadas mais pobres da sociedade possibilitava ferramentas que conferiam ascensão a alguns sujeitos, com determinados privilégios.

Analisando a segunda parte da obra destacam-se as discussões que enfatizam a administração colonial, como o texto de Francisco Carlos Consentino, Monarquia pluricontinental, o governo sinodal e os governadores-gerais do Estado do Brasil. Ao discorrer sobre a termologia de palavras “reino e império” o autor aponta as diferenças entre direito legítimo do monarca e de seus representantes legais frente a representação indireta da realeza em colônia.

Em seguida temos o texto Trajetória familiar e ampliação jurisdicional: o governo do primeiro conde de Bobadela na América Portuguesa, de Mônica da Silva Ribeiro. Neste estudo a autora trará uma análise de Gomes Freire de Andrada, o conde de Bobadela, elucidando os feitos desse magistrado nas terras do “novo mundo” e o ápice do governo do conde na América portuguesa, momento em que, na primeira metade do século XVIII, Bobadela tinha sob sua custódia o Centro-Sul colonial.

Em relação às questões fronteiriças, o livro trará dados de terras conquistadas pelos portugueses em África e Ásia, apresentando um importante debate para entendermos as redes do império lusitano.

Fábio Pesavento trabalha em Para além do Império Português o conceito de redes trans e extracontinentais, principalmente no contexto econômico mercantil do Antigo Regime. Por meio deste texto é possível entender questões de confiabilidades entre negociantes: clientes internos e externos à Metrópole e suas relações com o poder econômico.

Outro texto que abrange o feito dos denominados “homens de fino trato”, útil para se entender as questões burocráticas da nossa história da América portuguesa, é Do oriente ao Atlântico, de Marilia Nogueira dos Santos. A autora fará um estudo das ações do Governador-Geral do Brasil, Antônio Luis Gonçalves Coutinho, e de sua trajetória em meio às redes de comércio continental até tornar-se representante luso do Estado da Índia. No governo de Coutinho surge a Companhia das Índias mostrando o descontentamento da Coroa portuguesa pela perda de arrecadações financeiras em suas colônias. Por meio de relatos régios entre governador e ministros Santos tece a história a respeito da ascensão social internacional, apontando para o fato de que o governador geral da América lusitana vai se tornando uma figura conhecida nas terras das Índias.

O texto A Câmara de Recife e a coroa portuguesa, da autora Erika S. de Almeida C. Dias, faz um estudo da pluralidade continental do poder local, abrangendo a questão das correspondências entre as Câmaras da América portuguesa e o rei. Seu objeto de estudo principal são as câmaras de Recife e a de Olinda, analisadas num contexto no qual ocorria a Guerra dos Mascastes, entre comerciantes recifenses e a aristocracia açucareira olindense, constituindo uma expressão popular do descontentamento de comerciantes com o sistema de regimento imperial e os embates com a elite local.

No texto Ofícios do rei: a circulação de homens e ideias na capitânia de Pernambuco, de Virgínia Maria Almoêdo de Assis, encontramos o mundo de magistrados que compunham a administração municipal. Nesta discussão de poderes, Assis traz duas figuras centrais da governança local: o juiz ordinário e o juiz de fora; o primeiro no papel de ligação entre os anseios locais e a Coroa e o segundo como “olheiro” da monarquia em colônia. O texto aborda os embates entre esses poderes e os interesses das elites locais, marcados pela autonomia descentralizada da Metrópole.

O enfoque quanto à África do Antigo Regime pode ser visto no texto de Ingrid Silva de Oliveira, Cordonega e os principais de Angola no século XVII, ao discutir como se prestigiavam os consentimentos de mercês e honrarias em Angola. Para esta abordagem a autora utiliza Cordonega, um personagem que veio da sociedade humilde angolana e conseguiu sua ascensão ao produzir textos ressaltando as conquistas portuguesas.

Quanto à discussão de outros componentes da administração colonial, encontraremos em Nauk Maria de Jesus os diálogos entre ouvidores e regentes no Extremo Oeste da América lusitana. O texto A administração da justiça analisa a Vila Real do Cuiabá no século XVIII, trata das minas cuiabanas em que a regência magistral entrara em conflito com a regência composta pelos nomes locais.

Em As armas e o governo da República: tropas locais e governança no Ceará setecentista, de José Eudes Gomes, encontraremos um exemplo de “administração por ordenanças” utilizada pela Coroa. O autor descreve a discriminação entre os sujeitos que compunham os estamentos jurídico, executivo e legislativo da América Portuguesa. Utilizando do cenário cearense, Gomes evidencia a distinção entre titulações para os cargos oficiais.

O texto Antes do ouro cruzar o Atlântico, de Sheila de Casto Faria, aponta a dinâmica imperial face aos tributos financeiros impostos à riqueza aurífera colonial. Estudando o outro lado do comércio, Faria questiona o destino do ouro saído das minas e também quais as mãos pelas quais “o ouro passa antes de atravessar o Atlântico”.

Em Missionários na Capitânia de Pernambuco, de Bartira Ferraz Barbosa, há uma análise da presença jesuítica na catequização dos povos originários entre os séculos XVI e XVII, tendo o Convento de São Francisco de Olinda como seu ponto de referência. Argumentos acerca da missão da Igreja Católica na Colônia, acontecimentos envolvendo a ocupação holandesa e as missões nos sertões, são eixos de abordagem, ajudando a entender a presença católica em sua interação com Portugal e desenhando assim a ocupação do clero nas estruturas financeiras e burocráticas coloniais.

Por fim, Maria Aparecida Rezende Mota discute em A historiografia portuguesa oitocentista, as “causas da decadência” do Império Atlântico e o “sentido da colonização” do Brasil: apontamentos para o debate historiográfico, temos a identidade nacional, em meados do século XVIII. Para concluir as discussões em torno do Antigo Regime a autora, por meio de trechos literários, exibe o “entristecimento” do povo português, sendo nos oitocentos as marcas de uma decadência econômica e territorial de um Império que, ao ser “forte”, se manteve no comando de vastas terras coloniais por quase quatro séculos, mas encontrara a sua fragilidade no cenário do século XIX.

Bruno Cezar Bio Augusto – Graduando em História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.


GUEDES, Roberto (Org.). Dinâmica Imperial no antigo Regime Português: escravidão, governos, fronteiras, poderes e legados: séculos XVII – XIX. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011. Resenha de: AUGUSTO, Bruno Cezar Bio. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.4, n.8, p. 186-189, jan./jun. 2015. Acessar publicação original [DR]

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