Dom Rodrigo de Sousa Coutinho: pensamento e Ação político-administrativa no Império Ultramarino Português (1778-1812) | Nivia Pombo

Para o início dessa narrativa tomemos como ponto inicial o título da obra em questão, Dom Rodrigo de Sousa Coutinho: pensamento e Ação político-administrativa no Império Ultramarino Português (1778-1812), da historiadora Nívia Pombo, publicado em 2015, fruto da pesquisa de mestrado. Retirando por um momento todo conteúdo escriturário, de outro modo, todo fazer historiográfico que ordena o caos, o nome Dom Rodrigo de Sousa Coutinho marca um tempo. Para historiografia colonial, sobretudo a que se debruça sobre a virada do século XVIII para o XIX, o nome Dom Rodrigo remete a uma série de acontecimentos. Os códigos alfabéticos, amontoados uns aos outros formando o nome de um sujeito, uma sonoridade ímpar, transfere sorrateiramente quem o ler a um tempo histórico acelerado; de rupturas e continuidades de uma determinada ordem.

O livro “é, nesse sentido, uma biografia política de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, e seguiu no intuito de efetuar a escolha das superfícies e relações sociais que poderiam informar a principal questão norteadora da pesquisa: quais os fundamentos de seu pensamento e de suas ações políticas sobre o Império português?” (Pombo, 2015, p. 27). A reflexão da autora é atravessada pela ação política de Dom Rodrigo. Num jogo dialético entre sujeito (Dom Rodrigo) e tecido social, Nívia Pombo reconstrói o cenário da política e da administração do império ultramarino português, sobremodo pensando Portugal e Brasil. O recorte temporal incorporado no título, 1778-1812, são os anos que marcam a passagem de Dom Rodrigo por cargos na estrutura administrativa lusitana até sua morte.

Iniciou sua carreira como embaixador plenipotenciário em Turim, 1779. Entre 1796 e 1801 assumiu o posto de secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarino. Em 1801 a 1803 foi sua passagem como presidente do Erário Régio. Por fim, após quatro anos de exílio forçado, Dom Rodrigo assumiu o Ministério da Guerra e Negócio Estrangeiros, entre 1808-1812. No entanto, a autora não seguiu, ou melhor dizendo, criou e (re)criou os passos do doutor embrulhada a partir de 1778 de modo restrito; desligado das múltiplas experiências que pôde ter sido experimentada.

A autora leva o leitor aos corredores do tempo. Os corredores, por exemplo, do Real Colégio de Nobres e da Universidade de Coimbra, espaço “comum à formação dos homens de Estados portugueses” (Pombo, 2015, p. 25) e que fez parte de um dos circuitos frequentados por Dom Rodrigo. A autora destaca que com o início das reformas na universidade de Coimbra, propostas pelo Marquês do Pombal, os novos estudantes tiveram contato com uma nova literatura. Conhecido como século das “Luzes”, o setecentos na Europa foi marcado pelo movimento iluminista, que impactou as mentes letradas. Pensadores de vários matizes como Newton, Rousseau, D’Alambert, Laplace, Voltaire, Raynal e Adam Smith [1], promoveram um novo modus operandi na forma de pensar dos estudantes. Dom Rodrigo, por exemplo, teve contato “com o que havia de moderno nos estudos do século XVIII, como os cálculos matemáticos e a física newtoniana” (Pombo, 2015, p. 39). No entanto, mesmo abandonando todas “afirmações teleológicas do tipo ‘Dom Rodrigo de Sousa Coutinho foi desde cedo preparado, pelo Marquês do Pombal [2], para assumir funções de agente do governo português’” (Pombo, 2015, p. 28), a autora não deixa de perfilar sua juventude; de destacar sua educação cortesã, onde várias vezes fora chamado para falar ao príncipe, filho do monarca D. José I.

Em seu primeiro capítulo Pombo, desembarca em 1808, ano que a família real chegou ao Brasil fugindo das tropas napoleônicas que ameaçavam invadir Portugal. (re)configurando todo contexto, pontuando as instabilidades diplomáticas que rodeou a Europa nesse período, a autora insere as políticas e soluções que foram adotadas por estadistas portugueses, inclusive D Rodrigo. O insere nas intrigas palacianas, por exemplo, na escolha entre franceses e ingleses, polos opostos nas disputas bélicas europeias.

O segundo capítulo recua no tempo, onde parece que tudo começou. Tendo como ponto de partida as reformas na educação propostas pelo Marquês do Pombal, 1776, a historiadora busca a gênese do modo de pensar dos agentes administrativos do império português no fim do século XVIII e início do XIX. Busca incansavelmente as influências de Dom Rodrigo, reinventa o intelecto do ministro, agita seus neurônios e demonstra suas inclinações iluministas; rompendo com a ciência especulativa, investindo ativamente nas expedições científicas no além-mar, com base empirista nas investigações de cunho científico. Dito tudo isso, ao que parece, Dom Rodrigo se assustava com os desfechos iluministas na França e, anteriormente, na independência das treze colônias da Inglaterra. Em Portugal, os ilustrados que participavam de cargos administrativos, como é o caso de Dom Rodrigo, buscaram a todo momento reforçar o poder monárquico utilizando todo arsenal teórico liberal que fora apreendido nos espaços educacionais; isso para melhorar o funcionamento da metrópole e das colônias, especialmente o Brasil.

Na última parte, Nívia Pombo buscou esmiuçar a questão colonial por três vieses. A historiografia contemporânea, os pensadores do século XVIII e, não menos importante, a empresa colonial pensada por Dom Rodrigo de Sousa Coutinho. Uma vez alocado nos altos postos da estrutura administrativa, Dom Rodrigo não poupou esforços para melhorar o negócio de sua majestade. No final do setecentos financiou uma gama de pensadores, sobretudo naturalistas, que tinham por objetivo reconhecer, estudar, catalogar e enviar ao reino, as novas potencialidades que ofereciam os espaços coloniais. O mundo da fauna e da flora se tornaram, para os políticos “ilustrados-absolutistas”, uma nova modalidade de capitação de recursos comerciais, inclusive, chegando ao debate sobre a ideia de um império Luso-brasileiro.

Nesse sentido, desde a segunda metade do século XVIII com o terremoto de Lisboa (1753), a Guerra dos Sete Anos (1762-63) e o declínio das remessas de ouro, Portugal mergulhou numa crise que se arrastou até o século XIX [3]. Somando esses fatores aos tratados de dependência com a Inglaterra no início do dito século e as instabilidades diplomáticas que marcaram seu fim, a trajetória de Dom Rodrigo orbitou esse mundo podendo experimentá-lo. Um mundo que não marcou apenas o seu intelecto; marcou igualmente o seu corpo, no qual foi um espaço de posturas cortesãs. Dito isso, o livro de Nívia Pombo transpassa os escritos institucionais da personagem. A autora, como num quebra-cabeças, constrói o que Dom Rodrigo passeou. Deixa emergir e se apresentar por si só o sujeito; desde seu olhar fixo, seu corpo ereto como regra diária, até suas ideias que buscavam a recuperação da estabilidade política e econômica do reino e seus territórios. Construindo, (des)construindo e (re)construindo uma coalisão entre iluminismo e tradição, Nívia Pombo nos conta a história de um homem num império em processo de esfacelamento.

Notas

1 As mudanças na subjetividade dos súditos não foi uma exclusividade metropolitana. No Brasil, em fins do século XVIII, Kenneth Maxwell identificou uma vasta gama de autores que eram lidos por brasileiros, sobretudo a nata letrada de Vila Rica, na Capitania de Minas Gerais. Segundo Maxwell, a “cosmopolita coleção de livros do cônego Vieira, que totalizava seiscentos volumes, continha a Histoire de l’Amerique, de Robertson, e a Encyclopédie, bem como as obras de Bielfreld, Voltaire e Condillac”. (Maxwell, 1999, p.161); ver A geração de 1790 e a ideia do império luso-brasileiro. In: Maxwell, Kenneth. Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

2 Marquês do Pombal, primeiro ministro de D. José I entre 1750-1777, foi padrinho de D. Rodrigo de Sousa Coutinho.

3 MONTEIRO, Nuno Gonçalo. As reformas na monarquia pluricontinental portuguesa: de Pombal a dom Rodrigo de Sousa Coutinho. In: O Brasil colonial 1720-1821 (vol.3). FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2019.

Felipe dos Santos Silva

POMBO, Nívia. Dom Rodrigo de Sousa Coutinho: pensamento e Ação político-administrativa no Império Ultramarino Português (1778-1812). São Paulo: Hucitec, 2015. Resenha de: SILVA, Felipe dos Santos. Dom Rodrigo de Sousa Coutinho e a crise do antigo sistema colonial. Crítica Histórica. Maceió, v.10, n.20, p.298-301, dez., 2019. Acessar publicação original [DR]

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