Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira / História Hoje / 2012

Com enorme orgulho, apresentamos ao público o dossiê “Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira”, elaborado por especialistas, professores e pesquisadores da área. Nosso objetivo foi reunir trabalhos que discutissem as conquistas resultantes da implantação da obrigatoriedade legal do estudo da História da África e do Negro no Brasil, assim como os limites, problemas e desafios com que se defrontam os profissionais de educação que assumem tão importante tarefa. Mas, em meio a muitas dificuldades enfrentadas pelos professores – dentre elas a insuficiência de formação teórica e prática, a oposição de familiares e setores sociais, a carência de recursos pedagógicos para aprofundamento da temática –, é evidente que a Lei 10.639 / 2003, modificada pela Lei 11.645 / 2008, vem sendo implantada e, hoje, podemos acompanhar diversas experiências positivas em várias unidades escolares espalhadas pelo Brasil.

Sem dúvida, os visíveis esforços nesse sentido contribuem significativamente para a construção de uma sociedade brasileira mais justa e mais livre dos preconceitos e discriminações que sempre acompanharam as visões sobre o africano e seus descendentes na Diáspora. Nosso dossiê visa também oferecer aos leitores, especialmente aos educadores e aos interessados em geral, caminhos de trabalhos pedagógicos e reflexões teóricas no que diz respeito ao “Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira”.

Marina de Mello e Souza escreve “Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África” com base em sua experiência na formação de professores e como autora de livro de referência sobre o assunto. Oferece um balanço sobre as possibilidades de acesso a conhecimentos a respeito da África, inclusive no que se refere às fontes orais, e, ao mesmo tempo, discute as inúmeras dificuldades e os preconceitos enfrentados pelos docentes que se envolvem com o ensino de temas afro-brasileiros. A autora, fundamentalmente, procura compreender as razões históricas e ideológicas desses empecilhos, base fundamental para sua superação.

Discutir a importância de se refletir sobre a identidade brasileira para se assegurar um currículo que contemple a História da África no Brasil constitui um questionamento central no artigo de Anderson Ribeiro Oliva, “Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da África nas escolas brasileiras”. O autor, a partir das contribuições trazidas pelas reflexões sobre multiculturalismo, culturas híbridas, identidades plurais e parciais, afirma a necessidade de se reconhecer, no ambiente escolar e em seus currículos, as múltiplas identidades obscurecidas por uma nacional, pretensamente homogênea e exclusiva. Em sua opinião, nossas escolas ainda desconhecem os traços culturais específicos de determinadas comunidades de alunos, impondo-se um discurso oficial da Identidade Nacional. Não haverá, para Oliva, um espaço criativo e transformador para uma História da África nos currículos se não tivermos, como suporte, uma prática de respeito e valorização da diversidade identitária dos nossos discentes, componente curricular importante não só para os afrodescendentes, como para aqueles que não o são, pois a maneira como se enfrenta a alteridade também transforma os sujeitos.

Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho oferecem um sincero e instigante retrospecto de suas motivações e opções ao escreverem Uma História do Negro no Brasil. Ao ler o artigo, refletimos sobre as conquistas e desafios colocados aos profissionais de História com as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-raciais da Lei 10.639 / 2003. Dentre os caminhos oferecidos pelos autores, destaca-se a valorização do protagonismo dos africanos e seus descendentes no contexto cultural, para além do mundo do trabalho e da escravidão. Essa perspectiva torna-se uma importante estratégia para o combate ao racismo e para a superação de antigas representações sobre a presença negra na sociedade brasileira.

Brindando-nos com diretrizes e sugestões para a elaboração de materiais didáticos sobre a história das relações raciais no Brasil, Verena Alberti em “Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais” considera especialmente sua disponibilização na rede virtual. Sua prioridade é apontar caminhos para que o aluno possa refletir historicamente, ou, em sua própria expressão, para que aprenda a conhecer o passado como forma de se ‘alfabetizar’ na ‘leitura do mundo’. Entre as questões tratadas, destacam- -se a implantação do trabalho escravo indígena e africano, a generalização dos termos ‘índio’ e ‘negro’, o uso das biografias de africanos e seus descendentes, as lutas pelo fim da escravidão, a importância das noções de ‘raça social’ e etnia ou da dimensão ‘cor’ no Brasil e a atuação dos movimentos negros e indígenas.

Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza, com o artigo “O ensino de história entre o dever de memória e o direito à história”, apresentam o impacto da Lei 10.639 / 2003 no sistema de ensino brasileiro. Principalmente a partir das possibilidades de trabalho em sala de aula com as manifestações culturais de congadas e reisados, procuram oferecer subsídios para as discussões sobre a cultura afro-brasileira e identidades no ensino de História. Uma ótima sugestão dos autores é o uso de práticas iniciais de história oral, propondo rodas de conversa e entrevistas com diferentes sujeitos envolvidos em práticas e manifestações culturais afro-brasileiras.

Completando o conjunto, o texto “‘Por uma autêntica democracia racial!’: os movimentos negros nas escolas e nos currículos de história”, de Amilcar Araujo Pereira, oferece subsídios para que se possam compreender historicamente os movimentos negros no Brasil e os motivos para que essa problemática não tenha sido ainda contada nos bancos escolares. Tema fundamental para ser tratado no ensino de História, permite que o professor se afaste de imagens preconceituosas, amplamente difundidas nos livros didáticos, sobre escravos passivos e vitimizados. Dentre as principais e mais antigas reivindicações dos movimentos negros, destaca-se exatamente a luta pela reavaliação do papel do afrodescendente na história do Brasil.

Acreditamos que o presente dossiê será de grande valia para dar continuidade à efetiva implantação das Leis 10.639 / 2003 e 11.645 / 2008, pois sabemos que uma legislação educacional é vivida no cotidiano escolar de formas diferenciadas, de acordo com os docentes que a aplicam, mas que destes se exige reflexão para que tenham condições objetivas e subjetivas de praticá-la. Acompanhando este Dossiê, a seção Entrevista da Revista História Hoje traz neste número um empolgante depoimento da historiadora Mônica Lima, reconhecida referência na área de pesquisa e ensino de História da África.

Enfim, não podemos deixar de louvar a preocupação da revista História Hoje em nos oferecer a oportunidade de organizar este dossiê, permitindo aos pesquisadores a divulgação de suas reflexões críticas e, a seus leitores e ao público em geral, possibilidades de transformação de nossa identidade brasileira. Nossos agradecimentos.

E, agora, mãos à obra!

Martha Campos Abreu

Silvio de Almeida Carvalho Filho

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[DR]

 

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