Ensino de História e Games – dimensões práticas em sala de aula | Marcella Albaine Farias da Costa

“(…) a História do Ensino de História deverá enfrentar, mais cedo ou mais tarde, a história que se aprende independente da escola.” (CERRI: 2007, p.62)

O lúdico e o conhecimento

A epígrafe proposta apresenta aquela que nos parece ser a chave de leitura essencial para compreensão da importância de obras como a de Marcella Albaine para os que discutem/desenvolvem o ensino de História na educação básica. Afinal, se entendemos que o conhecimento histórico, seja ele o acadêmico ou o escolar, tem como um de seus objetivos fundamentais responder às necessidades da vida prática, elas mesmas propulsoras de sua produção, podemos – professores/pesquisadores – nos enclausurar em nossos métodos e certezas (mesmo que provisórias) e abandonar a cultura histórica que se constitui para além dos nossos artigos e livros?

O NÃO da autora soa de forma retumbante e, somado a iniciativas que se apresentam em pesquisas recentes de jovens historiadores, principalmente dedicados ao campo da História Digital e/ou da nova Didática da História, abraçam a possibilidade de aprender com a diversidade da cultura juvenil que chega às escolas e ensinar uma História que, como conhecimento escolar produzido de forma colaborativa e interativa, investiga as necessidades dos alunos como determinantes do processo de aprendizagem.

Ensino de História e Games reflete as preocupações de uma jovem docente que, sem negligenciar o debate com as pesquisas desenvolvidas na academia, compreende a sua práxis como significante quando relaciona fundamentos da produção do conhecimento histórico, saberes discentes e a ludicidade experimentada por seus alunos com os jogos eletrônicos de forma a desenvolver um aprendizado histórico que ajude “ao seu portador no desenvolvimento de orientação e habilidades lógicas” (CERRI: 2007, p.62).

Sem medo de ser feliz, Marcelle Albaine mergulha na lógica da cibercultura, da qual fazem parte seus alunos, querendo responder qual o “nosso (novo) papel de professor de educação básica no dia a dia da rotina escolar?” E mais: “os games podem ser utilizados para construir experiências concretas de aprendizagem no âmbito dos estudos históricos?” (p. 17, 18). O olhar da professora/pesquisadora se detém sobre a importância da ludicidade promovida pelos games que são vistos por ela como ferramentas de um “aprendizado que estabeleça laços prazerosos com o conhecimento” (p.17).

O lúdico para as gerações que estão em idade escolar está intrinsecamente relacionado aos games eletrônicos. Essa perspectiva se derrama sobre a cultura escolar, estabelecendo a obrigatoriedade de o professor da educação básica repensar seu papel na rotina escolar. Sendo assim, ALBAINE questiona como os games podem ser utilizados para construir experiências concretas de aprendizagem de história.

A busca de uma resposta a leva a pesquisar em áreas do conhecimento um tanto quanto negligenciadas pela maioria dos profissionais de História e também pelos atuais currículos dos cursos de licenciatura em História. Suas indagações à área da História digital somadas a preocupações fundamentais com discussões sobre currículo e cultura escolar se oferecem como caminho para que, sem abandonar o simples e primeiro desejo dos alunos de brincar/jogar, possa viabilizar a utilização dos games no processo de aprendizagem como ferramenta potente para a produção de conhecimento escolar de forma colaborativa e compartilhada.

Um exercício de Didática escolar de História

Professora de História responsável por turmas de 6° ano do Ensino Fundamental em uma escola pública que atende crianças de comunidades carentes da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, ALBAINE enfrentou a situação de aparente desinteresse de seus alunos às suas aulas com reflexão crítica à própria prática docente:

Será que nas salas de aula temos “jogado com a História” no(s) sentido(s) aventado(s) por Carla Meinerz1, ou será que temos “jogado a História” no sentido de preenchermos o quadro de matéria para que nossos alunos meramente copiem assuntos que, quase sempre, em suas concepções, parecem sem sentido? (p.23).

O ato de jogar/brincar há muito tempo é visto como prática capaz de provocar aprendizado, mas, parece que a rotina escolar e o exercício docente esquecem-se disso assim que os alunos deixam o espaço do ensino infantil e do 1° segmento do Ensino Fundamental.

Essa situação não é diferente do ensino da história escolar, ainda visto por grande parte do alunado como uma disciplina que ensina coisas de um passado remoto, sem relação com suas vidas e necessidades, restando a prática de copiar e decorar datas, nomes e, mesmo, processos narrados pelo professor ou pelo livro didático.

Contudo, nos dias de hoje, cada vez mais o brincar vem agregado ao tecnológico. Vemos a proliferação de games nos smartphones, com uso vulgarizado pela popularização desses aparelhos entre diferentes segmentos da população mundial, independentemente de sua condição social, gênero ou idade. A interatividade promovida por esses novos meios de comunicação e interação social parece, em um primeiro momento, quando surge como um fenômeno em expansão nas salas de aula brasileiras, provocar ainda mais o distanciamento da instituição escola daqueles a quem ela deveria servir. No Brasil, a questão chegou a provocar a ação do Poder Legislativo, com a criação de lei que proíbe do uso de celulares nas salas de aula2.

Sem se deixar imobilizar pela situação de “crise”, tanto das funções da escola enquanto instituição formativa, quanto daquela provocada pela situação de exclusão econômico-social de seus alunos e das comunidades das quais fazem parte, ALBAINE nos mostra com seu texto a capacidade autoral do docente que considera a sala de aula de história um “espaço de interação e de experimentação”, um “lugar pensado e organizado para a realização de múltiplas e diferenciadas aprendizagens, em que o jogar é admitido e valorizado” (p. 24).

Poderíamos sem dúvida incluir a autora no grupo daqueles professores autorais que Silva (2010, p.206) considera capazes de educar nesses novos tempos de interatividade dialógica forjada pela lógica do hipertexto:

“Em sala de aula, [o professor] pode garantir a confrontação coletiva e a aprendizagem atentando para a teia de interações constituída por ele mesmo, pelos alunos, conteúdos curriculares e instrumentos pedagógicos (meios de comunicação, equipamentos de ensino, etc.). Ao mesmo tempo, garante a materialidade da ação comunicacional disponibilizando e provocando a participação livre e plural, o diálogo e a articulação de múltiplas informações e conexões.

Relacionando suas dificuldades e objetivos pedagógicos aos saberes que construíra em sua vida profissional – como professora de história escolar e pesquisadora do campo de ensino de história – ALBAINE questiona por que não aproveitar-se da capacidade lúdica e ao mesmo tempo facilitadora de aprendizagens significativas que identificava nos games como ferramenta facilitadora na produção de uma história escolar que tivesse significado cognitivo/afetivo para seus alunos?

Os capítulos 2 e 3 de seu livro demonstram a experiência pensada como uma pesquisa no campo do ensino de história, um saber em lugar de fronteira (MONTEIRO; PENNA: 2011), no qual se entrelaçam conhecimentos diversos não apenas forjados metodicamente por campos científicos – História e Educação, dentre outros -, mas também saberes outros acumulados na vivência social de aprendizes e professor.

É significativo que reflexão acerca da utilização dos games na aprendizagem de história escolar não se prenda apenas à capacidade lúdica desses jogos. Ou seja, sua utilização metodológica não se daria tão somente pela capacidade de entreter e motivar a atenção que esses artefatos possuem , mas, por conta da capacidade de suas narrativas de produzirem sentido: “Os jogos oferecem novas possibilidades narrativas ao trazer o usuário para dentro da história como participador (sic) ativo, utilizando-se da tecnologia numérica, do banco de dados e dos sistemas permutacionais como base de funcionamento” (p. 30).

Interessante perceber que a gamificação do conteúdo programático tem por objetivo utilizar os elementos tradicionalmente existentes nas narrativas dos jogos eletrônicos, ou seja, a lógica desses games, na construção da aprendizagem escolar. Segundo especialistas, essa narrativa é atrativa, pois consegue despertar interesse, aumentar a participação, desenvolver criatividade e autonomia na resolução de problemas, promover diálogo, pois a competitividade deve ser equilibrada com cooperação muitas vezes.

Outro aspecto que faz predominar o caráter autoral da experiência desenvolvida referese à produção coletiva dos roteiros por alunos e professor no espaço da sala de aula. A autora, embora esclareça acerca dos tipos de jogos existentes no mercado, distinguindo jogos comerciais, educativos e educacionais, não está preocupada com essa diferenciação. Seu foco é produzir aprendizado, sem perder a capacidade lúdica dos games que seus alunos gostam de jogar. Assim, ela se apropria do princípio pedagógico do aprender-brincando e utilizando-se da narrativa dos games preferidos pelos alunos, incorpora ao projeto objetivos cognitivos relacionados à produção do conhecimento histórico, propondo a elaboração de roteiros de games às turmas. Com isso sua proposta estabelece um caráter autoral colaborativo – mobiliza o conhecimento histórico, os saberes docentes e os discentes – de forma a dar conta da constituição do saber histórico escolar. A experiência ganha o status de estratégia didático histórica.

O que se percebe no percurso do trabalho demonstrado por ALBANIE é que seu objetivo ao incorporar a lógica dos games à sua prática docente é entender como estas complexas narrativas podem ser decodificadas, apropriadas pelo docente e auxiliar a construção de narrativas históricas escolares coerentes por parte de seus alunos. Ao mesmo tempo em que determinado conteúdo é assimilado de forma crítica e reflexiva, a proposta permite também:

Mobilizar os domínios do conhecimento como espaços conceituais, nos quais os aprendizes possam construir seus próprios mapas e conduzir suas explorações; desenvolver atividades que propiciem não só a livre expressão, o confronto de ideias e a colaboração entre estudantes, mas, que permitam, também, o aguçamento da observação e da interpretação das atitudes dos autores envolvidos; implementar situações de aprendizagem que considerem as experiências, os conhecimentos e as expectativas que os estudantes já trazem consigo. (SILVA: 2010, 257)

Nesse sentido, eu incorporaria a experiência relatada em Ensino de História e Games à perspectiva da nova Didática da História. O exercício desenvolvido por ALBANIE e seus alunos romperam com a concepção da História como um objeto pronto a ser despejado nas cabeças dos aprendizes. Ao contrário, a autora trabalha a partir do princípio de um aprendizado histórico que rompe com seu “caráter receptivo” e privilegia suas “qualidades produtivas” (CERRI: 2007, p.61). O que a autora trata, verdadeiramente, em seu livro é como os saberes dos professores se complexificam com a reflexão teórica de sua prática e, incorporando a capacidade de pensar de forma horizontal no tocante aos saberes trazidos ao espaço da sala de aula pelos aprendizes, abandonam a perspectiva de pensar a Didática como um conjunto de práticas de ensino, reconceituando a disciplina como teoria da aprendizagem histórica.

Notas

1 Para a autora citada por Albaine, a expressão “jogar com a História” deve ser compreendida tanto no aspecto experimental e concreto da ludicidade, como visto em sua face metafórica e epistemológica com o pensar científico. Cf. MEINERZ, C. Jogar com a História em sala de aula. In: GIACOMONI, Marcello P. (et all) Jogos e ensino de história. Porto Alegre: Evangraf, 2013, p. 101.

2 Projeto de lei n° 2.246-A/2007 – Veda o uso de telefones celulares nas escolas públicas de todo o país; tendo parecer da Comissão de Educação e Cultura, pela aprovação deste e dos de nºs 2.547/07 e 3.486/08, apensados, com substitutivo.

Referências

CERRI, Luis Fernando. Uma proposta de mapa do tempo para artesãos de mapas do tempo: história do ensino de história e didática da história. In: MONTEIRO, Ana Maria; GASPARELLO, Arlete Medeiros; MAGALHÃES, Marcelo de Souza (orgs.). Ensino de História – sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad X:Faperj, 2007, p. 59-72.

RÜSEN, Jörn. What is historical consciousness? – A theoretical approach to empirical evidence. British Columbia: CSCH, 2002. Disponível em: www.cssh.ubc.ca/pwias/viewabstract.php?8  . Acessado em: agosto de 2007.

________. Aprendizado histórico. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão Rezende (orgs.). Curitiba: Ed. UFPR, 2010. P. 41-49.

SILVA, Marco. Sala de aula interativa: educação, comunicação, mídia clássica, internet… São Paulo: Edições Loyola, 2010.

MONTEIRO, Ana Maria Ferreira; PENNA, Fernando de Araujo. Ensino de História: saberes em lugar de fronteira. Revista Educação&Realidade: Porto Alegre, v. 36, n° 1, p. 191-211, jan./abril 2011. Disponível em www.ufrgs.br/ed_realidade


Resenhista

Sonia Wanderley – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

COSTA, Marcella Albaine Farias da. Ensino de História e Games – dimensões práticas em sala de aula. Appris Editora, 2017. Resenha de: WANDERLEY, Sonia. Gamificação e Ensino da História: uma experiência didática. Revista Transversos. Rio de Janeiro, n. 11, p. 137-143, dez. 2017. Acessar publicação original [DR]

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